Um Dia Livro Quotes

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Alguém dissera um dia que se podia viver sem tudo, menos água e comida, mas que viver sem livros e sem música não seria o mesmo que viver.
Miguel Sousa Tavares (Madrugada Suja)
Atravessar a Rússia significa percorrer onze fusos horários. Quando numa ponta do país é de dia, na outra é de noite. A Rússia é com a alma humana. se tem um lado luminoso, é porque a outra ponta está no escuro. Somos todos feitos desta estranha mistura de fusos horários.
Afonso Cruz (Os Livros Que Devoraram o Meu Pai)
E pergunto-me a mim mesma se a eternidade será isto, recordar uma e outra vez, um vestido, um beijo, um dia de Outono, a primeira neve, os meus cães. As coisas essenciais. O nome das rosas e as frases dos livros, o tempo em que alguém nos amou, o jardim que fizemos com as nossas mãos
Ana Teresa Pereira (O Verão Selvagem dos Teus Olhos)
No fim tu hás de ver que as coisas mais leves sãp as únicas que o vento não conseguiu levar: um estribilho antigo,um carinho no momento preciso, o folhear de um livro, o cheiro que tinha um dia o próprio vento...
Mario Quintana (Da preguiça como método de trabalho)
Se um determinado livro não tiver sobre o leitor um tal impacto que no dia seguinte ele deixe de ir ao emprego, esse livro nada vale.
Albert Cossery
Às pessoas saudáveis faço o seguinte apelo: não teimem em ler apenas esses livros saudáveis, travem um conhecimento mais estreito, também, com a literatura dita doentia, que vos transmitirá, decerto, uma cultura edificante. As pessoas saudáveis deveriam sempre expor-se um pouco ao perigo. Senão, com mil raios, para que serve ser saudável? Simplesmente para, num determinado dia, morrer de boa saúde?
Robert Walser
eu estou bem, dizia-lhe, estou bem. e ele queria saber se estar bem era andar de trombas. eu respondi que o tempo não era linear. preparem-se sofredores do mundo, o tempo não é linear. o tempo vicia-se em ciclos que obedecem a lógicas distintas e que se vão sucedendo uns aos outros repondo o sofredor, e qualquer outro indivíduo, novamente num certo ponto de partida. é fácil de entender. quando queremos que o tempo nos faça fugir de alguma coisa, de um acontecimento, inicialmente contamos os dias, às vezes até as horas, e depois chegam as semanas triunfais e os largos meses e depois os didáticos anos. mas para chegarmos aí temos de sentir o tempo também de outro modo. perdemos alguém, e temos de superar o primeiro inverno a sós, e a primeira primavera e depois o primeiro verão, e o primeiro outono. e dentro disso, é preciso que superemos os nossos aniversário, tudo quanto dá direito a parabéns a você, as datas da relação, o natal, a mudança dos anos, até a época dos morangos, o magusto, as chuvas de molha-tolos, o primeiro passo de um neto, o regresso de um satélite à terra, a queda de mais um avião, as notícias sobre o brasil, enfim, tudo. e também é preciso superar a primeira saída de carro a sós. o primeiro telefonema que não pode ser feito para aquela pessoa. a primeira viagem que fazemos sem a sua companhia. os lençóis que mudamos pela primeira vez. as janelas que abrimos. a sopa que preparamos para comermos sem mais ninguém. o telejornal que já não comentamos. um livro que se lê em absoluto silêncio. o tempo guarda cápsulas indestrutíveis porque, por mais dias que se sucedam, sempre chegamos a um ponto onde voltamos atrás, a um início qualquer, para fazer pela primeira vez alguma coisa que nos vai dilacerar impiedosamente porque nessa cápsula se injeta também a nitidez do quanto amávamos quem perdemos, a nitidez do seu rosto, que por vezes se perde mas ressurge sempre nessas alturas, até o timbre da sua voz, chamando o nosso nome, ou mais cruel ainda, dizendo que nos ama com um riso incrível pelo qual nos havíamos justificado em mil ocasiões no mundo.
Valter Hugo Mãe (A máquina de fazer espanhóis)
Você algum dia já ficou tão ansiosa para ler um livro que não conseguia nem começar?
Beth O'Leary (The Flatshare)
Hoje entendo bem meu pai. Um homem precisa viajar. Por sua conta, não por meio de histórias, imagens, livros ou TV. Precisa viajar por si, com seus olhos e pés, para entender o que é seu. Para um dia plantar as suas próprias árvores e dar-lhes valor. Conhecer o frio para desfrutar do calor. E o oposto. Sentir a distância e o desabrigo para estar bem sob o próprio teto. Um homem precisa viajar para lugares que não conhece para quebrar essa arrogância que nos faz ver o mundo como o imaginamos, e não simplesmente como é ou pode ser; que nos faz professores e doutores do que não vimos, quando deveríamos ser alunos, e simplesmente ir ver. Não há como não admirar um homem – Cousteau, ao comentar o sucesso do seu primeiro grande filme: “Não adianta, não serve para nada, é preciso ir ver.” Il faut aller voir. Pura verdade, o mundo na TV é lindo, mas serve para pouca coisa. É preciso questionar o que se aprendeu. É preciso ir tocá-lo.
Amyr Klink
Eu queria um dia escrever um livro. Eu não queria plantar uma árvore. Não queria um filho. Queria só um livro. Queria ler um livro que eu mesmo escrevesse. Um escritor disse uma coisa um dia. Eu não sei quem ele era. Só ouvi alguém dizer o que ele teria dito. Parecia arrogância, mas não era. Era auto-suficiência. Parece que perguntaram para ele o que ele lia, ou o quê ele estava lendo. “Quando quero ler um livro, eu mesmo o escrevo”. Eu queria ter dito isso. Eu queria poder escrever. Mas em mim só encontro o silêncio. E por isso, eu não sei escrever. Escrever, é claro que eu sei. Só não sei escrever um livro. Não consigo encontrar as palavras. Não consigo encontrar as palavras nas palavras. Só encontro minha voz, no que penso. Mas o que eu penso, ninguém ouve. O que eu penso é silêncio. Então eu me calo. O silêncio é minha voz. O silencio é a voz que eu calo. O silêncio é a voz que eu guardo. O silêncio, é lá onde eu moro. O silêncio sou eu.
Lourenço Mutarelli (O Cheiro do Ralo)
Falar do passado é o mais fácil que há, está tudo escrito, é só repetir, papaguear, conferir pelos livros o que os alunos [escrevem] nos livros ou nas chamadas orais, ao passo que falar de um presente que a cada minuto nos rebenta na cara, falar dele todos os dias do ano ao mesmo tempo que se vai navegando pelo rio da História acima até às origens, ou lá perto, esforça-nos por entender cada vez melhor a cadeia de acontecimentos que nos trouxe aonde estamos agora, isso é outro cantar, dá muito trabalho, exige constância de aplicação, há que manter sempre a corda tensa, sem quebra.
José Saramago
Não, agora nunca mais diria, de ninguém neste mundo, que eram isto ou aquilo. Sentia-se muito jovem; e, ao mesmo tempo, indizivelmente velha. Passava como uma navalha através de tudo; e ao mesmo tempo ficava de fora, olhando. Tinha a perpétua sensação, enquanto olhava os carros, de estar fora, longe e sozinha no meio do mar; sempre sentira que era muito, muito perigoso viver, por um só dia que fosse. Não que se julgasse inteligente, ou muito fora da comum. Nem podia saber como tinha atravessado a vida com os poucos dedos de conhecimento que lhe dera Fräulein Daniels. Não sabia nada; nem línguas, nem história; raramente lia um livro agora, exceto memórias, na cama; mas como a absorvia tudo aquilo, os carros passando; e não diria de Peter, não diria de si mesma: sou isto, sou aquilo.
Virginia Woolf (Mrs. Dalloway)
As personagens são como vampiros, cravam os caninos na nossa jugular e quando amanhece, voltam aos seus sepulcros até que anoiteça de novo. O fim do livro seria a pedra que ponho sobre esses visitantes. Definitivamente? Não. Um dia, de repente, com outro nome e outras feições e em outro tempo volta mascarada a mesma personagem, elas gostam da vida. Como nós.
Lygia Fagundes Telles
Assim como a lua, Que mostra apenas uma face, Sou sua cara metade. A vida nua e crua, Requer um impasse, Repleto de meias verdades'.- Pierrot a Columbina
Ana Claudia Antunes (Pierrot & Columbina (Amor de Pierrot Livro 1) (Portuguese Edition))
O maior momento de eureka é descobrir a si mesmo
Bangambiki Habyarimana (A Grande Pérola da Sabedoria)
Você se maravilha e aplaude grandes heróis em suas grandes ações heróicas, e esquece que você é o herói da sua vida humilde e tem ações heróicas modestas para completar.
Bangambiki Habyarimana (A Grande Pérola da Sabedoria)
Desde que deixara de trabalhar na biblioteca que os dias se tinham começado a misturar, nada distinguia as terças das quartas, quintas, sextas-feiras. Até as estações se tinham começado a misturar: invernera, primavão, verono, outerno. Esse soufflé de tempo era interrompido pelas visitas do Cosme, um palito para ver se o tempo estava cozido por dentro. (p. 188)
José Luís Peixoto (Livro)
Comprei um livro de filosofia. Filosofia é a sciencia que trata da vida; era justamente do que eu necessitava--pôr sciencia na minha vida. Li o livro de filosofia, não ganhei nada, Mãe! não ganhei nada. Disseram-me que era necessario estar já iniciado, ora eu só tenho uma iniciação, é esta de ter sido posto neste mundo á imagem e semelhança de Deus. Não basta?
José de Almada Negreiros (A Invenção do Dia Claro)
Fundamentalmente, a vontade é um recurso que se esgota. A nossa vontade enfraquece à medida que é utilizada. Devido a isso, a vontade, por si só, não é uma boa base para sustentar a mudança de hábitos.
Ivo Dias de Sousa (Como Mudar de Hábitos Mais Facilmente (Ajude-se a Si Próprio Livro 2) (Portuguese Edition))
Existe uma teoria que diz que, se um dia alguém descobrir exatamente para que serve o Universo e por que ele está aqui, ele desaparecerá instantaneamente e será substituído por algo ainda mais estranho e inexplicável.
Douglas Adams (Coleção Douglas Adams: Box Digital - O guia do mochileiro das galáxias - Coleção Completa - 5 livros em 1)
Que aquele que rouba livros ou não devolve livros emprestados tenha o livro em sua mão transformado numa serpente voraz. Que ele sofra um ataque apoplético que paralise todos os seus membros. Que, aos gritos e gemidos, implore por piedade, e seu tormento não seja mitigado até que entre em estado de putrefação. Que as traças corroam suas entranhas como o verme que nunca morre. E que no dia do juízo final seja condenado a arder para sempre no fogo do inferno
Inscrição na Biblioteca do Mosteiro de São Pedro
É estranho, porque às vezes leio um livro e acho que sou a pessoa do livro. E também, quando escrevo cartas, fico uns dois dias pensando no que imaginei em minhas cartas. Não sei se isso é bom ou ruim. Mas eu estou tentando participar.
Stephen Chbosky (The Perks of Being a Wallflower)
Ao fim e ao cabo, o que era um livro para mim? Na verdade, o que é que isso interessava? Um dia teria todos os livros do mundo, prateleiras e prateleiras cheias deles. Viveria numa torre de livros. Leria durante todo o dia e comeria pêssegos.
Jacqueline Kelly (The Evolution of Calpurnia Tate (Calpurnia Tate, #1))
Vivendo há trinta anos quase só, sem se chocar com o mundo, adquirira uma sensibilidade muito viva e capaz de sofrer profundamente com a menor coisa. Nunca sofrera críticas, nunca se atirou à publicidade, vivia imerso no seu sonho, incubado e mantido vivo pelo calor dos seus livros. Fora deles, ele não conhecia ninguém; e, com as pessoas com quem falava, trocava pequenas banalidades, ditos de todo dia, coisas com que a sua alma e o seu coração nada tinham que ver. Nem mesmo a afilhada o tirava dessa reserva, embora a estimasse mais que a todos. Esse encerramento em si mesmo deu-lhe não sei que ar de estranho a tudo, às competições, às ambições, pois nada dessas coisas que fazem os ódios e as lutas tinha entrado no seu temperamento. Desinteressado de dinheiro, de glória e posição, vivendo numa reserva de sonho, adquirira a candura e a pureza d'alma que vão habitar esses homens de uma ideia fixa, os grandes estudiosos, os sábios, e os inventores, gente que fica mais terna, mais ingênua, mais inocente que as donzelas das poesias de outra época. É raro encontrar pessoas assim, mas as há e, quando se as encontra, mesmo tocadas de um grão de loucura, a gente sente mais simpatia pela nossa espécie, mais orgulho de ser humano e mais esperança na felicidade da raça.
Lima Barreto (Triste Fim de Policarpo Quaresma)
As coisas A bengala, as modeas, o chaveiro, A dócil fechadura, as tardias Notas que não lerão os poucos dias Que me restam, os naipes e o tabuleiro, Um livro e em suas páginas a desvanecida Violeta, monumento de uma tarde Sem dúvida inesquecível e já esquecida, O rubo espelho ocidental em que arde Uma ilusória aurora. Quantas coisas, Limas, umbrais, atlas, taças, cravos, Servem-nos, como tácitos escravos, cegas e estranhamente sigilosas! Durarão para além de nosso esquecimento Nunca saberão que partimos em um momento.
Jorge Luis Borges (Elogio de la sombra)
Muitos me conhecem, sou cantora. Sou uma figura pública. Mas sou muito mais que isso. Sou uma mulher, de carne e osso, que tem dias bons e dias maus. Tenho qualidades mas também tenho defeitos. Tenho medos e angústias. Mas também tenho momentos de alegria e diversão. Gosto de me arranjar quando saio mas não dispenso uma roupa confortável quando fico em casa para relaxar. Sorrio e rio... mas também choro. Muito. Fui uma criança igual a tantas outras, passei pela adolescência da mesma forma que muitos jovens o fizeram e cheguei à idade adulta a dois passos do abismo - tal como tantas pessoas. Neste livro desço do palco, tiro a maquilhagem, dispo os meus vestidos compridos e descalço os meus sapatos de salto alto. Desligo o som da música e ouço a minha própria voz. A da consciência. Esta é a Mónica.
Mónica Sintra (A Um Passo Do Abismo)
E se um dia você conhecer alguém, Arthur, e a sensação for de que jamais poderia ser outra pessoa? Não porque as outras pessoas sejam menos bonitas, ou bebam demais, ou tenham problemas na cama, ou precisem botar todos os livros em ordem alfabética e organizar a merda do lava-louça de um jeito com o qual não dá para conviver. Mas porque elas não são aquela pessoa. Essa mulher que a Janet conheceu. Talvez seja possível passar a vida inteira sem conhecer essa pessoa, achando que o amor é todas aquelas outras coisas, mas, se conhecemos, valha-nos Deus! Porque aí: bum! Estamos fodidos. Como a Janet. Ela arruinou a nossa vida por causa disso! Mas e se for real?
Andrew Sean Greer (Less (Arthur Less, #1))
Meus filhos, que não sabem que brincam sobre um cemitério. Peeta diz que vai ficar tudo bem. Temos um ao outro. E o livro. Podemos fazê-los compreender de uma maneira que os torne ainda mais corajosos. Mas um dia eu terei que dar uma explicação sobre os meus pesadelos. Por que eles acontecem. Por que eles realmente jamais acabarão. Direi a eles como sobrevivo aos pesadelos. Direi a eles que nas manhãs desagradáveis é impossível sentir prazer em qualquer coisa que seja, porque temo que essa coisa me possa ser tirada. É quando faço uma lista em minha cabeça com todos os atos de bondade que vi alguém realizando. É como um jogo. Repetitivo. Até um pouco entediante após mais de vinte anos. Mas há jogos muito piores do que esse.
Suzanne Collins (A Esperança (Jogos Vorazes, #3))
esperança (s.f.) é a melhor amiga de um coração apaixonado. é a última a morrer nas mãos de um lutador. é imortal nas mãos de um sonhador. é produto em falta nos dias de hoje. é a causa principal da decepção e a causa principal do sucesso. é tipo vestido de mãe: a gente se agarra quando sente medo. fácil de perder. difícil de achar. anda de braço dado com a vontade.
João Doederlein (O Livro dos Ressignificados)
Eu espero alguém que não desista de mim mesmo quando já não tem interesse. Espero alguém que não me torture com promessas de envelhecer comigo, mas sim que realmente envelheça comigo. Espero alguém que se orgulhe do que escrevo, que me faça ser mais amigo dos meus amigos e mais irmão do meu irmão. Espero alguém que não tenha medo do escândalo, mas tenha medo da indiferença. Espero alguém que ponha bilhetinhos dentro daqueles livros que vou ler até o fim. Espero alguém que se arrependa rápido de suas grosserias e me perdoe sem querer. Espero alguém que me avise que estou repetindo a roupa na semana. Espero alguém que nunca abandone a conversa quando não sei mais o que falar. Espero alguém que, nos jantares entre os amigos, dispute comigo para contar primeiro como nos conhecemos. Espero alguém que goste de dirigir para nos revezarmos em longas viagens. Espero alguém disposto a conferir se a porta está fechada e o fogão desligado, se meu rosto está aborrecido ou esperançoso. Espero alguém que prove que amar não é contrato, que o amor não termina com nossos erros. Espero alguém que não se irrite com a minha ansiedade. Espero alguém que possa criar toda uma linguagem cifrada para que ninguém nos recrimine. Espero alguém que arrume ingressos de teatro de repente, que me sequestre ao cinema, que cheire meu corpo suado depois de uma corrida como se ainda fosse perfume. Espero alguém que não largue as mãos dadas nem para coçar o rosto. Espero alguém que me olhe demoradamente quando estou distraído, que me telefone para narrar como foi seu dia. Espero alguém que procure um espaço acolchoado em meu peito. Espero alguém que minta que cozinha e só diga a verdade depois que comi. Espero alguém que leia uma notícia, veja que haverá um show de minha banda predileta, e corra para me adiantar por e-mail. Espero alguém que ame meus filhos como se estivesse reencontrando minha infância e adolescência fora de mim. Espero alguém que fique me chamando para dormir, que fique me chamando para despertar, que não precise me chamar para amar. Espero alguém com uma vocação pela metade, uma frustração antiga, um desejo de ser algo que não se cumpriu, uma melancolia discreta, para nunca ser prepotente. Espero alguém que tenha uma risada tão bonita que terei sempre vontade de ser engraçado. Espero alguém que comente sua dor com respeito e ouça minha dor com interesse. Espero alguém que prepare minha festa de aniversário em segredo e crie conspiração dos amigos para me ajudar. Espero alguém que pinte o muro onde passo, que não se perturbe com o que as pessoas pensam a nosso respeito. Espero alguém que vire cínico no desespero e doce na tristeza. Espero alguém que curta o domingo em casa, acordar tarde e andar de chinelos, e que me pergunte o tempo antes de olhar para as janelas. Espero alguém que me ensine a me amar porque a separação apenas vem me ensinando a me destruir. Espero alguém que tenha pressa de mim, eternidade de mim, que chegue logo, que apareça hoje, que largue o casaco no sofá e não seja educada a ponto de estendê-lo no cabide. Espero encontrar uma mulher que me torne novamente necessário.
Fabrício Carpinejar
Liguei para Carmen García Mallo, uma das minhas melhores amigas, com o ânimo sombrio e furibundo: — Hoje eu queria escrever, tinha o dia todo para escrever, e desperdicei o tempo respondendo e-mails. — Por quê? — Sei lá. Às vezes a gente evita começar o trabalho. É uma coisa esquisita. — Por preguiça? — Não, não. — Por quê? — Por medo. Não soube explicar, mas ontem, na desproteção extrema da noite, na claridade alucinada da noite, enquanto me revirava na cama, entendi exatamente o que queria dizer. Por medo de tudo o que você deixa sem escrever uma vez que parte para a ação. Por medo de concretizar a ideia, de aprisioná-la, deteriorá-la, mutilá-la. Enquanto permanecem no rutilante limbo do imaginário, enquanto são somente ideias e projetos, seus livros são absolutamente maravilhosos, os melhores livros que já foram escritos. E só depois, quando você os vai cravando na realidade palavra por palavra, como Nabokov cravava suas pobres borboletas na cortiça, é que se transformam em coisas inevitavelmente mortas, em insetos crucificados, por mais que sejam recobertos por um triste pó de ouro.
Rosa Montero (La loca de la casa)
Cada professor, em cada escola, pode começar uma revolução. Essa revolução começa no seu dia-a-dia, com a decisão de estudar, de procurar livros introdutórios que o ajudem na tarefa de ensinar filosofia, de procurar colegas que ainda não estão em estado comatoso e a recusar os maus programas do Ministério, as provas incompetentes, os manuais ridículos. Cada professor competente tem o desafio de vencer colegas adormecidos, uma formação deficiente, uma sociedade tonta e um Ministério que sofre de paralisia cerebral terminal. Quem pode dizer que a tarefa de ensinar filosofia é monótona e pouco estimulante?
Desidério Murcho (A Natureza da Filosofia e o seu Ensino (Portuguese Edition))
Tinha então pouco mais de dezessete... Aqui devia ser o meio do livro, mas a inexperiência fez-me ir atrás da pena, e chego quase ao fim do papel, com o melhor da narração por dizer. Agora não há mais que levá-la a grandes pernadas, capítulo sobre capítulo, pouca emenda, pouca reflexão, tudo em resumo. Já esta página vale por meses, outras valerão por anos, e assim chegaremos ao fim. Um dos sacrifícios que faço a esta dura necessidade é a análise das minhas emoções dos dezessete anos. Não sei se alguma vez tiveste dezessete anos. Se sim, deves saber que é a idade em que a metade do homem e a metade do menino formam um só curioso. Eu era um curiosíssimo, diria o meu agregado José Dias, e não diria mal. O que essa qualidade superlativa me rendeu não poderia nunca dizê-lo aqui, sem cair no erro que acabo de condenar; a análise das minhas emoções daquele tempo é que entrava no meu plano. Posto que filho do seminário e de minha mãe, sentia já, debaixo do recolhimento casto, uns assomos de petulância e de atrevimento; eram do sangue, mas eram também das moças que na rua ou da janela não me deixavam viver sossegado. Achavam-me lindo, e diziam-mo; algumas queriam mirar de mais perto a minha beleza, e a vaidade é um princípio de corrupção.
Machado de Assis (Dom Casmurro)
Desde pequeno, sempre matei o tempo em bibliotecas. Quando uma criança não tem vontade de voltar para casa, encontra poucos lugares para ir. Lanchonetes e cinemas são locais proibidos para um moleque desacompanhado. Resta-lhe apenas a biblioteca. Você não paga para entrar, e ninguém reclama pelo fato de estar sozinho. Pode se sentar numa cadeira e ler todos os livros que quiser. Depois de voltar da escola, eu costumava ir de bicicleta a uma biblioteca municipal existente perto de casa. Era lá que eu passava sozinho muitas horas por dia, mesmo nos feriados. Lendas, romances, biografias ou história, eu devorava tudo que me caía nas mãos. Depois
Haruki Murakami (Kafka à Beira-Mar)
São os muros que fazem os ladrões. A coragem não é contagiosa; o medo, sim. A literatura é a maneira que um verdadeiro mentiroso tem para se fazer aceitar socialmente. A verdade é uma superstição. Deus deu-nos sonhos para que possamos espreitar o outro lado. A realidade é dolorosa e imperfeita, é essa a sua natureza e por isso a distinguimos dos sonhos. (...) A realidade fere, mesmo quando, por instantes, nos parece um sonho. Nos livros está tudo o que existe, muitas vezes em cores mais autênticas, e sem a dor verídica de tudo o que realmente existe. Entre a vida e os livros, meu filho, escolhe os livros. Imaginem um rapaz correndo de moto numa estrada secundária. O vento bate-lhe no rosto. O rapaz fecha os olhos e abre os braços, como nos filmes, sentindo-se vivo e em plena comunhão com o universo. Não vê o caminhão irromper do cruzamento. Morre feliz. A felicidade é quase sempre uma irresponsabilidade. Somos felizes durante os breves instantes em que fechamos os olhos. Existem pessoas que revelam, desde muito cedo, um enorme talento para a desventura. A infelicidade atinge-os como uma pedrada, dia sim, dia não, e eles recebem-na com um suspiro conformado. Outras há, pelo contrário, com uma estranha propensão para a felicidade. Estas são atraídas pelo azul, aquelas pela embriaguez dos abismos. A memória é uma paisagem contemplada de um comboio em movimento.
José Eduardo Agualusa
Lembro-me de estar destroçada, de te ter arrancado de dentro de mim a ferros e, ainda assim, um braço teu ficou para trás. Lembro-me de abrir o meu diário em papel, furiosa porque tinha jurado que não escreveria nem mais uma linha a teu propósito, e escrever «durante o dia, bano-te do meu pensamento, mas todas as noites, é a teu lado que me deito, e nos teus braços que adormeço, e é a minha mão que agarro, fingindo que é a tua». (… ) Mas não é de ontem, quando abro a cama, peço-te que te chegues para lá. Deito-me e imagino que estás lá, cansado, extenuado de um dia de trabalho, quase sinto a tua respiração na minha nuca. Imagino que me dizes tudo aquilo que eu queria ouvir, mas não me alongo nisso, é mais íntimo ainda, o que queres ouvir de alguém é mais do que o que esperas dessa pessoa: é o segredo de quem és, de como és e do que queres da vida, na sua voz (…) Encho o peito de ar, subo, subo, subo, amo-te amo-te amo-te, sei-o tão bem, sei até que é para sempre, embora faça figas para que não seja (…) Não posso não posso não posso imaginar que o ar me vai fugir outra vez, que a qualquer momento os meios de informação vão trazer até mim aquele género de notícia que quase me mata - foram ao cinema, saíram juntos, comeram-se, foderam-se, falaram-se - eu disse quase, porque não matou. É verdade que foram muitas lágrimas, muitas reformulações de planos de vida e castelos de cartas a vir por aí abaixo, o jogo virou, e eu perdi. Uma vez mais, e os escritos pararam: o meu diário ficou a branco, o espaço virtual onde nos escrevia acabou com uma nota lúgubre na qual anunciei a minha morte. Estive de luto por mim mesma, estive sim. Doía-me o peito como me dói agora, ao recordar, a falta de ar, o choro compulsivo, os pensamentos sombrios, desesperados, como se nunca mais o sol nascesse no oriente e eu nunca mais o provasse, o sentisse nas costas, como se o mundo tivesse acabado ali, pelo menos o meu tinha, o assombro, os sentimentos, todos baralhados, como se me devesses alguma coisa quando não devias, como se me tivesses dado motivos para te amar tanto quando não me deste, como se quisesses o meu amor e depois o tivesses rejeitado, quando nunca o quiseste. E eu fechei as portas do meu recinto, pus panos negros nas janelas, anunciei que não estava. As pessoas bateram-me à porta, esconderam-me verdades que teriam acabado comigo naquele momento, compraram-me chocolates, secaram-me lágrimas com rosas. morri ali, é a verdade. (…) Mas a fé, a minha maldita fé de quem não acredita em deus e canalizou toda a sua crença nas causas impossíveis, deu-me ar, e mais ar, e subi a montanha, talvez nunca a tivesse subido tanto, julguei que via tudo lá de cima, tudo: falavam em auras, ao nosso redor, falavam na nossa perfeição, enquanto dupla, diziam que «não podia ser de outra forma», que «não se pode estar assim tão enganado», que me amas, imagina só a dimensão da loucura geral, que me amas mas que não tens espaço para mim, e eu, com o peito de cheio de ar, cheguei ao topo e comecei a voar (…) Já sonhaste alguma vez que caías? Eu já, é uma dor na boca do estômago, como se tudo te fugisse, como se o teu corpo se desmantelasse, como se o mundo inteiro implodisse para dentro de ti e soubesses que ias rebentar, ao mínimo toque de um objecto, de um elemento que não o ar, vais rebentar. Estou à espera que venham as abelhas, as orquídeas, os pés descalços na terra húmida, um livro, uns óculos, um copo vazio na mesa-de-cabeceira, e me faça explodir. Entretanto (…) vou imaginar que não estou a cair, que tal? Ao invés (…) vou deitar-me na minha caminha quentinha e imaginar que as tuas pernas se entrelaçam nas minhas e me aquecem os pés gelados e a tua voz, sonolenta, diz: “boa noite, dorme bem”, para eu poder responder-te também – “dorme bem, meu amor”.»
Célia Correia Loureiro
Sim, pensa Clarissa, está na hora deste dia acabar. Nós damos nossas festas; abandonamos nossas famílias para viver no Canadá; nós nos digladiamos para escrever livros que não mudam o mundo, a despeito de nossos dons e de nossos imensos esforços, nossas esperanças mais extravagantes. Vivemos nossas vidas, fazemos nossas coisas, depois dormimos - é simples assim, comum assim. Alguns se atiram da janela, outros se afogam, tomam pílulas; muitos mais morrem em algum acidente; e a maioria de nós, a grande maioria, é devorada por alguma doença ou, quando temos muita sorte, pelo próprio tempo. Existe apenas isto como consolo: uma hora, em um momento ou outro, quando, apesar dos pesares todos, a vida parece explodir e nos dar tudo o que havíamos imaginado, ainda que qualquer um, exceto as crianças (e talvez até elas), saiba que a essa seguir-se-ão inevitavelmente muitas outras horas, bem mais penosas e difíceis. Mesmo assim, gostamos da cidade, da manhã, e torcemos, como não fazemos por nenhuma outra coisa, para que haja mais.
Michael Cunningham (The Hours)
Pessoas assim, como este Sr. José, em toda a parte as encontramos, ocupam o seu tempo ou o tempo que crêem sobejar-lhes da vida a juntar selos, moedas, medalhas, jarrões, bilhetes-postais, caixas de fósforos, livros, relógios, camisolas desportivas, autógrafos, pedras, bonecos de barro, latas vazias de refrescos, anjinhos, cactos, programas de óperas, isqueiros, canetas, mochos, caixinhas-de-música, garrafas, bonsais, pinturas, canecas, cachimbos, obeliscos de cristal, patos de porcelana, brinquedos antigos, máscaras de carnaval, provavelmente fazem-no por algo a que poderíamos chamar angústia metafísica, talvez por não conseguirem suportar a ideia do caos como regedor único do universo, por isso, com as suas fracas forças e sem ajuda divina, vão tentando pôr alguma ordem no mundo, por um pouco de tempo ainda o conseguem, mas só enquanto puderem defender a sua colecção, porque quando chega o dia de ela se dispersar, e sempre chega esse dia, ou seja por morte ou seja por fadiga do coleccionador, tudo volta ao princípio, tudo torna a confundir-se.
José Saramago (Todos los nombres)
O jogo paralisa as pessoas. Isto não é uma forma literária de o dizer. O meu pai usava o I Ching cada vez que tinha de tomar uma decisão importante. Atirava os paus do milefólio e agia em conformidade com o oráculo. Aos poucos, foi juntando às decisões importantes outras mais frívolas, chegando ao ponto de não ser capaz de decidir absolutamente nada sem a ajuda do livro. -E isso não diminuiu a qualidade das suas decisões? Chun-Chi serviu dois whiskies. -Nem por isso. As nossas decisões já são relativamente arbitrárias. Nem sabemos verdadeiramente de onde vêm. Decidi levantar um copo, mas o meu braço mexeu-se antenada minha consciência. Enfim, o problema não foi esse. -Qual foi? (...) -Para dar um passo, tinha de usar o I Ching. Para pensar, também, e assim chegou àquele lugar sem saída em que tinha de lançar os paus de milefólio para saber se poderia atiraram-los. Agora está imobilizado, na cama. (...) Sabe a história do sapo e da centopeia?- perguntou Chun-Chi. -Não. -Um sapo perguntou, um dia, a uma centopeia qual era a pata que ela pousava primeiro ao andar. E a centopeia nunca mais conseguiu andar.
Afonso Cruz (Mil Anos de Esquecimento)
O mesmo acontece quando alguma cruel cilada do acaso impede o nosso inteligente e piedoso afeto de acorrer a tempo para ocultar a nossos olhares o que jamais devem contemplar, quando aquele é ultrapassado por estes, que, chegando primeiro e entregues a si mesmos, funcionam mecanicamente, à maneira de uma película, e nos mostram, em vez da criatura amada que já não existe desde muito, mas cuja morte o nosso afeto jamais quisera que nos fosse revelada, a nova criatura que cem vezes por dia ele revestia de uma querida e enganosa aparência. E como um enfermo que a si mesmo não via desde muito tempo, e que, compondo, a cada instante, o rosto, que ele não vê, segundo a imagem ideal que forma de si mesmo em pensamento, recua ao avistar no espelho, em meio de um rosto árido e deserto, a proeminência oblíqua e rósea de um nariz gigantesco como uma pirâmide do Egito, eu, para quem minha avó era ainda eu próprio, eu que jamais a vira a não ser em minh’alma, sempre no mesmo ponto do passado, através da transparência de recordações contíguas e superpostas, de súbito, em nosso salão que fazia parte de um mundo novo, o do tempo, o mundo em que vivem os estranhos de quem se diz “como envelheceu!”, eis que pela primeira vez e tão só por um instante, pois ela desapareceu logo, avistei no canapé, congestionada, pesada e vulgar, doente, cismando, a passear acima de um livro uns olhos, um olhar um pouco extraviado, a uma velha consumida que eu não conhecia.
Marcel Proust (The Guermantes Way)
Aí desaparece o desinteresse e divisa-se o vago esboço do demónio; cada qual para si. O eu sem olhos uiva, procura, apalpa e rói. Existe nesse golfão o Ugolino social. As figuras ferozes que giram nessa cova, quase animais, quase fantasmas, não se ocupam do progresso universal, cuja ideia ignoram; só cuidam de saciar-se cada uma a si mesma. Quase lhes falta a consciência, e parece haver uma espécie de amputação terrível dentro delas. São duas as suas mães, ambas madrastas: a ignorância e a miséria. O seu guia é a necessidade; e para todos as formas de satisfação, o apetite. São brutalmente vorazes, quer dizer, ferozes; não à maneira do tirano, mas à maneira do tigre. Do sofrimento passam estas larvas ao crime; filiação fatal, geração aterradora, lógica das trevas. O que roja pelo entressolo social não é a reclamação sufocada do absoluto; é o protesto da matéria. Torna-se aí dragão o homem. Ter fome e sede é o ponto de partida; ser Satanás é o ponto de chegada. Esta cova produz Lacenaire. Acima viu o leitor, no livro quarto, um dos compartimentos da mina superior, da grande cova política, revolucionária e filosófica, onde, como acabou de ver, é tudo pobre, puro, digno e honesto; onde, sem dúvida, é possível um engano, e efectivamente os enganos se dão; mas onde o erro se torna digno de respeito, tão grande é o heroísmo a que anda ligado. O complexo do trabalho que aí se opera chama-se Progresso. Chegada é, porém, a ocasião de mostrarmos ao leitor outras funduras, as profunduras medonhas. Por baixo da sociedade, insistimos, existirá sempre a grande sopa do mal, enquanto não chegar o dia da dissipação da ignorância. Esta sopa fica por baixo de todas e é inimiga de todas. É o ódio sem excepção. Não conhece filósofos; o seu punhal nunca aparou penas. A sua negrura não tem nenhuma relação com a sublime negrura da escrita. Nunca os negros dedos que se crispam debaixo desse tecto asfixiante folhearam um livro ou abriram um jornal. Para Cartouche, Babeuf é um especulador; para Schinderhannes, Marat é um aristocrata. O objetivo desta sopa consiste em abismar tudo. Tudo, inclusive as sapas superiores que esta aborrece de morte. No seu medonho formigar, não se mina somente a ordem social actual: mina-se a filosofia, a ciência, o direito, o pensamento humano, a civilização, a revolução, o progresso. Tem simplesmente o nome de roubo, prostituição, homicídio e assassinato. As trevas querem o caos. A sua abóbada é formada de ignorância. Todas as outras, as de cima, têm por único alvo suprimi-la, alvo para o qual tendem a filosofia e o progresso, por todos os seus órgãos, tanto pelo melhoramento do real, como pela contemplação do absoluto. Destruí a sapa Ignorância, e teres destruído a toupeira do Crime. Humanidade quer dizer identidade. Os homens são todos do mesmo barro. Na predestinação não há diferença nenhuma, pelo menos neste mundo. A mesma sombra antes, a mesma carne agora, a mesma cinza depois. Mas a ignorância misturada com a massa humana enegrece-a. Essa negrura comunica-se ao interior do homem, e converte-se no Mal.
Victor Hugo (Les Misérables: Marius (Les Misérables, #3))
D’ENGENHO DE DENTRO (excertos) ​ 12/10 eu queria escrever sobre ana, mas ainda é cedo, eu não sei, não sei se posso e, finalmente, vejo que não quero. sobre a vinda de mamãe e papai até aqui, também não: falta qualquer novidade a esse respeito – a não ser que valha a pena anotar que reencontrar papai depois de três anos é como reencontrar um velho amigo que não via há três dias; e reencontrar mamãe depois de dois anos é como ser apresentado a alguém cujo nome, fama e aventuras eu já conhecia de sobra e que, portanto, me pareceu estranha, distante, mítica. mais ou menos assim. mas prefiro escrever sobre este lugar e minha vida dentro dele. a melhor sensação é a de reconquistar inteiramente o anonimato no contato diário com meus pares de hospício. posso gritar: “meu nome é torquato neto, etc., etc.”; do outro lado uma voz sem dentes dirá: meu nome é vitalino; e outra: o meu é atagahy! aqui dentro só eu mesmo posso ter algum interesse: minhas aventuras, nem um pingo. meu nome podia ser, josé da silva – e de preferência, mas somente no que se refere a mim. a eles não interessa. O dr. Osvaldo não pode fugir. nem fingir: mas isso eu comecei a ver, de fato, logo mais quando teremos nossa primeira entrevista. o anonimato me assegura uma segurança incrível: já não preciso mais (pelo menos enquanto estiver aqui) liquidar meu nome e formar nova reputação como vinha fazendo sistematicamente como parte do processo autodestrutivo em que embarquei – e do qual, certamente, jamais me safarei por completo. mas sobre isso, prefiro dar mais tempo ao tempo: eu sou obrigado a acreditar no meu destino. (isso é outra conversa que só rogério entenderia). tem um livro chamado: o hospício é deus. eu queria ler esse livro. foi escrito, penso, neste mesmo sanatório. vou pedir a alguém para me conseguir esse livro. 13/10 eu: pronome pessoal e intransferível. viver: verbo transitório e transitivo, transável, conforme for. a prisão é um refúgio: é perigoso acostumar-se a ela. e o dr. Osvaldo? Não exclui a responsabilidade de optar, ou seja:? 20/10 É preciso não beber mais. Não é preciso sentir vontade de beber e não beber: é preciso não sentir vontade de beber. É preciso não dar de comer aos urubus. É preciso fechar para balanço e reabrir. É preciso não dar de comer aos urubus. Nem esperanças aos urubus. É preciso sacudir a poeira. É preciso poder beber sem se oferecer em holocausto. É preciso. É preciso não morrer por enquanto. É preciso sobreviver para verificar. Não pensar mais na solidão de Rogério, e deixá-lo. É preciso não dar de comer aos urubus. É preciso enquanto é tempo não morrer na via pública. 4/4/71 Debaixo da tempestade sou feiticeiro de nascença atrás desta reticência tenho o meu corpo cruzado a morte não é vingança 7/4/71 – Foi um caminhão que passou. bateu na minha cabeça. aqui. isso aqui é péssimo, não me lembro de nada. – Eles não deixam ninguém ficar em paz aqui dentro. são bestas. Não deixam a gente cortar a carne com faca mas dão gilete pra se fazer a barba. – Pode me dar um cigarro? eu só tenho um maço, eu tenho que pedir porque senão acaba. Pode me dar as vinte.
Torquato Neto (26 Poetas Hoje)
30 de Janeiro Os troncos afundam-se na escadaria no declive sumptuoso da superfície branca. São fantasmas, de costas geladas, vejo o lugar inteiro recolhendo os passos vagarosos da neve. A neve traz sucessivos dedos, figuras maiores como amantes fluídos que se concentram, se metem a caminho, para encontrarem fora dos astros a origem da fábula, da paródia, da tragédia do vaudeville. A neve escuta, e olha, regressa das cadeias abstractas onde também havia corações e noites de Agosto e a infância dos nomes em transformação. Na senda reclusa, o pinheiro argênteo feneceu. Dois homens hão-de chegar para cortá-lo. Desistiu, pensei. Cansou, atalhei remediando. Seria nas primeiras névoas de Novembro, foi nas branduras de Outubro. O pinheiro tornou-se num ramo de cabelos sem odor, irrompido de intrépida mudez. Mas agora, tão cândido por entre a cerração, grito de alvura, à despedida, sem nada já saber do apelo e da velocidade dos minutos, ainda os membros rendidos para o carambelo, asas púrpura de um cardeal a entrarem-lhe no corpo, ainda um pintarroxo a ver-se nos seus galhos, como em alcácer, como obra-prima no sítio de nascer. É meio-dia, bateu meio-dia no velho relógio sobre o jardim dos Prosoros. À distância, o sonho, com Moscow e a estonteada floresta passam, passa o limite lôbrego do rio. Abalada e giratória a luz vinda de todos os lados, a luz acordará Nicolai Lvovitch Tusenbach: «Uma árvore secou, mas eis que balança, a par das outras, tocadas pela brisa. Isto me diz que farei parte da vida mesmo depois de morrer»[1]. O tempo caminhando, a flecha do tempo a consumar o fogo e a rebentar as trevas, tudo é terrível de ambíguo enojo, vamos decerto arder depois de florirmos íngremes de mensagens, voar na planície ignota, mas não seremos esquecidos, Olga Prosorov, o pintarroxo além, como em alcácer, a nossa ressurreição, vê.
Olga Gonçalves (O livro de Olotolilisobi)
A força que os códigos possuem para impor a obediência, é, sobretudo, moral. Nenhuma potência material conseguiria tornar respeitada uma lei que toda a gente violasse. Se um gênio malfazejo quisesse destruir uma sociedade em poucos dias, bastar-lhe-ia sugerir a todos os seus membros a recusa de obedecer às leis. O desastre seria muito maior do que uma invasão a que se seguisse a conquista. Um conquistador limita-se geralmente, com efeito, a mudar o nome dos senhores que dispõem do poder, mas é seu interesse conservar cuidadosamente os quadros sociais cuja acção é sempre mais eficaz do que a dos exércitos Destruir a crença na necessidade do respeito aos freios sociais, representados pelas leis, é preparar uma revolução moral infinitamente mais perigosa do que uma revolução material. Os monumentos saqueados rapidamente se reconstroem, mas para refazer a alma de um povo, são necessários. em muitos casos, alguns séculos. Já tivemos de suportar, em várias épocas da nossa história, essas desagregações mentais, e no seu livro sobre Joana d’Arc Hanotaux indicou uma delas em termos preciosos: "Quando foi abolida toda a hierarquia, quando o próprio comando dissipou a sua autoridade, quando, pelos seus erros, ele deixou de ser respeitado, quando o organismo social está derrotado, fica livre o campo para as iniciativas individuais. Elas surgem e, segundo as leis naturais, procuram o crescimento e a florescência na deliqüescência das instituições destruídas" Combatendo a tradição em nome do progresso e sonhando destruir a sociedade para apoderar-se das suas riquezas, como Átila sonhava saquear Roma, os sectários não vêm que a sua vida é um estreito tecido de aquisições ancestrais, sem as quais não viveriam um só dia. Sabe-se como finalizam sempre semelhantes tentativas. Será, entretanto, preciso suportá-las, sem dúvida ainda pois só a experiência repetida instrui. As verdades formuladas nos livros são palavras vãs. Só penetram profundamente na, alma dos povos ao clarão dos incêndios e ao troar dos canhões.
Gustave Le Bon
Saudades Sinto saudades de tudo que marcou a minha vida. Quando vejo retratos, quando sinto cheiros, quando escuto uma voz, quando me lembro do passado, eu sinto saudades... Sinto saudades de amigos que nunca mais vi, de pessoas com quem não mais falei ou cruzei... Sinto saudades da minha infância, do meu primeiro amor, do meu segundo, do terceiro, do penúltimo e daqueles que ainda vou ter, se Deus quiser... Sinto saudades do presente, que não aproveitei de todo, lembrando do passado e apostando no futuro... Sinto saudades do futuro, que se idealizado, provavelmente não será do jeito que eu penso que vai ser... Sinto saudades de quem me deixou e de quem eu deixei! De quem disse que viria e nem apareceu; de quem apareceu correndo, sem me conhecer direito, de quem nunca vou ter a oportunidade de conhecer. Sinto saudades dos que se foram e de quem não me despedi direito! Daqueles que não tiveram como me dizer adeus; de gente que passou na calçada contrária da minha vida e que só enxerguei de vislumbre! Sinto saudades de coisas que tive e de outras que não tive mas quis muito ter! Sinto saudades de coisas que nem sei se existiram. Sinto saudades de coisas sérias, de coisas hilariantes, de casos, de experiências... Sinto saudades do cachorrinho que eu tive um dia e que me amava fielmente, como só os cães são capazes de fazer! Sinto saudades dos livros que li e que me fizeram viajar! Sinto saudades dos discos que ouvi e que me fizeram sonhar, Sinto saudades das coisas que vivi e das que deixei passar, sem curtir na totalidade. Quantas vezes tenho vontade de encontrar não sei o que... não sei onde... para resgatar alguma coisa que nem sei o que é e nem onde perdi... Vejo o mundo girando e penso que poderia estar sentindo saudades Em japonês, em russo, em italiano, em inglês... mas que minha saudade, por eu ter nascido no Brasil, só fala português, embora, lá no fundo, possa ser poliglota. Aliás, dizem que costuma-se usar sempre a língua pátria, espontaneamente quando estamos desesperados... para contar dinheiro... fazer amor... declarar sentimentos fortes... seja lá em que lugar do mundo estejamos. Eu acredito que um simples "I miss you" ou seja lá como possamos traduzir saudade em outra língua, nunca terá a mesma força e significado da nossa palavrinha. Talvez não exprima corretamente a imensa falta que sentimos de coisas ou pessoas queridas. E é por isso que eu tenho mais saudades... Porque encontrei uma palavra para usar todas as vezes em que sinto este aperto no peito, meio nostálgico, meio gostoso, mas que funciona melhor do que um sinal vital quando se quer falar de vida e de sentimentos. Ela é a prova inequívoca de que somos sensíveis! De que amamos muito o que tivemos e lamentamos as coisas boas que perdemos ao longo da nossa existência...
Wagner Luiz Marques (COLETÂNEA DE HISTÓRIAS: PARA A CONSCIÊNCIA E O SUCESSO INTERNO DE CADA PESSOA)
«Sabe, meu amor, que te amo. E que te amarei até morrer. É por isso que todo o resto me parece tão pouco, um nada imenso de nenhum valor. Sabe que te choro e te venero, e sobretudo que te espero. E sabe que te vejo, com olhos de quem vê, e que te conheço, como só conhece um livro quem o lê. Sabe que à amargura dos dias subtraí a doçura de te ter. Sim, o cintilar da vida, ao meu redor, por te ter. Por saber-te nunca muito longe, embora raramente aqui. por saber que, nos teus olhos - laivos de mel e coisas mais profundas, lucidez e racionalidade - leio que também me lês. Deslizemos agora para o silêncio, perfeição. Não vejo já necessidade de prender a tua mão, pois que sinto que te prendi. Ao teu olhar, que se enreda no meu. que estranhas asas povoam as minhas entranhas, murmuram a meus ouvidos. que grande és, que tola sou. Sabe, meu amor, que tenho plena consciência das nossas dimensões. Basta-me ter-te assim, como te tenho, para seguir pela vida a sorrir. Em mim não se apagarão mais luzes, em mim, à noite, acendem-se as estrelas. Fosse eu firmamento, e tu o cimento com que se constrói o mundo. Sem nós, nada. Reservatório de tudo. Conheço-te, milagre maior, e tenho-te, não podia ter-te melhor. Porque caminhas a meu lado, não acorrentado a mim. Porque me beijas a testa e porque te louvo as mãos. Homem honesto. Amor maior. Porque me guias na escuridão das ingenuidades - resquícios da infância - e porque não me apontas caminhos, descreves-me paisagens. Sim e não, talvez e também. Veremos o que dali vem. E eu, a teu lado, que tola sou, pequena e feliz, que feliz é quem amou assim um grande amor. Ecos de palavras, distantes. Que importa se não somos amantes? Se nunca o seremos? Sei que te amo e, nalguma linguagem, sei que me amas também. Se é na matemática dos racionais, se na pureza dos amigos, se no secretismo dos poetas, isso não sei. Sei que te carrego em mim e que, se fechar os olhos, me sorris. Estás comigo a todo o instante. Não te guardo em caixas, fotografias ou objectos. Caberias lá tu em caixas, mundo, permanecerias lá tu imóvel, como os objectos, vida. Quanto muito, vejo-te às vezes num livro cá por casa. Mas sei-te, e sei-te quase de cor. Não quero saber-te, na totalidade ou de cor. Não o poderia, é inalcançável. Tão grande és tu, que não acabas. Em mim nunca acabarás. A felicidade que a tua volta me trouxe. E sabe que vou chorar, «a cada ausência tua eu vou chorar». Mas não lágrimas; é paixão, fogo, urgência. Coisa física, átomos de energia em colisão. Ainda assim, ter-te-ei aqui, para seguir pela vida a sorrir. A cada vez que afastar os lençóis, pedir-te-ei que te chegues para lá. E ainda que a tua boca nunca sobre a minha pouse, e ainda que nunca venhas a sorrir enquanto te beijo, sabe, meu amor, que te amo, e que te amarei até morrer. Com a certeza de quem quer viver, de quem quer seguir, a vida inteira, com a alma enredada na tua. Que o teu chá seja fervido da minha chaleira, e que os teus livros disputem com os meus o espaço da prateleira. Meu amor, sabe que te amarei a vida inteira.»
Célia Correia Loureiro (Os Pássaros)
As dimensões do universo medieval não são tão facilmente percebidas, ainda hoje, quanto a sua estrutura; em meu próprio tempo de vida, um cientista distinto ajudou a disseminar um erro. 14 O leitor deste livro já deve estar sabendo que a Terra era, a julgar por padrões cósmicos, um pontinho - de nenhuma magnitude significativa. E como o Somnium Scipionis nos ensinou, as estrelas eram maiores do que ela. Isidoro já sabia no século VI que o Sol é maior, e a Lua, menor do que a Terra. (Etymologies, III, xlvii-xl- viii); Maimônides,15 no século XII, sustenta que cada estrela é noventa vezes maior; Roger Bacon, no século XIII, declara que a menor estrela é "maior" do que ela. 16 Quanto às estimativas da distância, contamos com a sorte de ter o testemunho de uma obra completamente popular, Lendas do Sul da Inglaterra, uma prova melhor do que qualquer produção pesquisada, em favor do Modelo, como ele existia no imaginário de pessoas comuns. Diz-se ali que se um homem fosse capaz de viajar para o alto, numa velocidade de quarenta milhas17 e um pouco mais por dia, ele ainda assim não conseguiria alcançar o Stellatum ("o mais alto céu que jamais se viu") em oito mil anos. 18 Esses fatos são em si curiosidades de interesse medíocre. Eles se tornam acessíveis, apenas à medida que nos permitem penetrar mais fundo na consciência dos nossos ancestrais, dando-nos conta de como um universo assim deve ter afetado aqueles que acreditavam nele. A receita para tal compreensão não é o estudo de livros. Você terá de sair numa noite estrelada e caminhar por aproximadamente meia hora, tentando examinar o céu em termos da velha cosmologia. Lembre-se de que agora você tem um "para cima" e um "para baixo" absolutos. A Terra é, de fato, o centro, o lugar mais baixo; o movimento para chegar a ela, de qualquer direção que seja, é um movimento para baixo. Como homem moderno, você localizava as estrelas a uma grande distância. Agora terá de substituir essa distância por um tipo de distância muito especial e muito menos abstrata chamada altura; Os Céus 1 103 que fala imediatamente aos nossos músculos e nervos. O Modelo Medieval é vertiginoso. E o fato de que a altura das estrelas na astronomia medieval é muito pequena comparada às distâncias modernas acabará se manifestando como não tendo o tipo de importância que você supunha. Para o pensamento e a imaginação, dez milhões de milhas e um bilhão são a mesma coisa. Ambas podem ser concebidas (isto é, podemos fazer contas com ambas) e nenhuma delas pode ser imaginada; e quanto mais imaginação tivermos, melhor deveríamos saber disso. A diferença realmente importante é que o universo medieval, ao mesmo tempo que era inimaginavelmente grande, também era indubitavelmente finito. E um resultado inesperado disso foi o de fazer com que a pequenez da Terra fosse sentida com mais vivacidade. Em nosso Universo ela é pequena, sem dúvida; mas as galáxias e tudo o mais também são - e daí? Mas para eles havia um padrão finito de comparação. A esfera celeste mais alta, o maggior corpo de Dante, era tão simples e finalmente o maior objeto existente. A palavra "pequeno" aplicada à Terra assume, então, uma significância bem mais absoluta. Repito, pelo fato de o universo medieval ser finito, ele adquire uma forma, a forma perfeitamente esférica, que contém em si uma diversidade ordenada. Consequentemente, olhar para fora numa noite escura com olhos modernos é como olhar para o mar, que vai minguando num dia de nevoeiro; ou olhar para uma floresta virgem - infindáveis árvores sem nenhum horizonte. Vislumbrar o universo medieval altaneiro é mais como visualizar um prédio bem alto. O "espaço" da astronomia moderna pode infligir terror, espanto ou um vago devaneio; as esferas celestes dos medievais nos apresentam um objeto no qual a mente pode repousar, impressionando por sua grandeza, mas satisfazendo por sua harmonia. Esse é o sentido pelo qual o nosso universo é romântico, e o deles era clássico.
C.S. Lewis (The Discarded Image: An Introduction to Medieval and Renaissance Literature)
Fundamentalmente, a vontade é um recurso que se esgota. A nossa vontade enfraquece à medida que é utilizada.
Ivo Dias de Sousa (Como Mudar de Hábitos Mais Facilmente (Ajude-se a Si Próprio Livro 2) (Portuguese Edition))
- Nós afinal - desabafou um dia a máquina com o seu amigo livro -, somos como as pessoas. Temos os anos de infância e de juventude. Depois, vem a idade adulta e, a seguir, e envelhecimento. E, porque envelhecemos, acabamos um dia por ser esquecidos.
José Jorge Letria (O livro que só queria ser lido)
«No dia seguinte recebo o teu livro […] um livro inteiro escrito por ti. Leio-o sem querer que acabe, para saber quem és, e não há estranheza. Desconheço a história, mas reconheço-te. És aquele que eu vi, um homem como um fogo preso.»
Alexandra Lucas Coelho (E a Noite Roda)
Book: "e a noite roda" ed. Tinta da China «No dia seguinte recebo o teu livro […] um livro inteiro escrito por ti. Leio-o sem querer que acabe, para saber quem és, e não há estranheza. Desconheço a história, mas reconheço-te. És aquele que eu vi, um homem como um fogo preso. A nossa intimidade estava certa. E amanhã, e depois? As páginas seguintes do meu caderno têm notas sobre Dylan Thomas, então lembro-me. Uma madalena molhada no chá, não para que tudo seja como foi, mas para que tudo se torne real. “E dormem lassos os amantes com as dores todas entre os braços” Dylan Thomas por Dylan Thomas, voz vibrante de muito álcool. Depois Brel, Ferre, Moreau, Poe. O meu primeiro disco para ti, noite dentro»
Alexandra Lucas Coelho
João José, o Professor, desde o dia em que furtara um livro de histórias numa estante de uma casa da Barra, se tornara perito nestes furtos. Nunca, porém, vendia os livros, que ia empilhando num canto do trapiche, sob tijolos, para que os ratos não os roessem. Lia-os todos numa ânsia que era quase febre.
Jorge Amado (Capitães da Areia)
Este lugar é um mistério,Daniel,um santuário.Cada volume que vês,tem alma.A alma de quem o escreveu e a alma dos que o leram e viveram e sonharam com ele.Cada vez que um livro muda de mãos,cada vez que alguém desliza o olhar pelas suas páginas,o seu espírito cresce e torna-se mais forte.Há já muitos anos,quando o meu pai me trouxe pela primeira vez aqui,este lugar já era velho.Talvez tão velho como a própria cidade.Ninguém sabe de ciência certa desde quando existe,ou quem o criou. Dir-te-ei o que o meu pai me disse a mim.Quando uma biblioteca desaparece,quando uma livraria fecha as suas portas,quando um livro se perde no esquecimento,os que conhecemos este lugar,os guardiães, asseguramo-nos de que chegue aqui.Neste lugar,os livros de que já ninguém se lembra, os livros que se perderam no tempo,vivem para sempre,esperando chegar um dia ás mãos de um novo leitor,de um novo espírito.Na loja nós vendemo-los e compramo-los, mas na realidade os livros não têm dono.Cada livro que aqui vês foi o melhor amigo de alguém.Agora só nos têm a nós,Daniel.
Carlos Ruiz Zafón (The Shadow of the Wind (The Cemetery of Forgotten Books, #1))
Uma dose diária de inspiração irá mantê-lo em movimento.
Bangambiki Habyarimana (A Grande Pérola da Sabedoria)
Inspiração é o combustível que impulsiona nossas mentes para a frente noutras galáxias e universos. Inspiração nos faz sonhar, ver novas possibilidades em terras áridas; faz o impossível possível. É a inspiração que cria o criador dentro de nos. Inspiração fará com que você mantenha sua cabeça erguida e reivindicar o futuro para si mesmo.Nunca se esqueça de obter a sua dose diária de inspiração.
Bangambiki Habyarimana (A Grande Pérola da Sabedoria)
Joana Ofélia sorria: —Não ligue, é feitio dela. —Não ligo. Só ligo à cor dos seus olhos, que ainda não consegui descobrir qual é. —Verdes. Os meus olhos são verdes — dizia Joana Ofélia. —Depende. —De muitas coisas — respondia Pedro Ruiz. — Da luz do dia. Da cortina a balançar na janela. Das palavras que disser. Das palavras que imaginar. Dos sonhos que tiver. Uma tarde estava Joana Ofélia a olhar pela janela, perguntou Pedro Ruiz: — É por essa janela que costuma voar? Joana Ofélia sorriu. — Qualquer janela serve. Foi Demétria quem me ensinou. Basta olharmos através dos vidros, e somos mais livres do que pássaros. As pessoas podem continuar a ver-nos, mas só nós sabemos que há muito que ali não estamos, que voámos com as aves, com o vento, com a poeira da estrada, com a água da chuva. —Palavras sábias lhe ensina Demétria — murmurou Pedro Ruiz, mudando de novo a cor dos seus olhos. («Verdes, definitivamente verdes.») —Demétria diz que o meu coração só sabe gostar de palavras... — continuou Joana Ofélia. Pedro Ruiz mudou de tinta, mudou de pincéis, olhou várias vezes para o rosto que tinha na sua frente. —...que o meu coração está fechado para as pessoas.. Uma brisa ligeira fazia dançar a cortina de renda. No parapeito da janela, bagas da erva-das-sete-sangrias secavam há muito, num velho boião de vidro. —Um dia — disse Pedro Ruiz, quase num sopro de voz — alguém vai chegar para a levar daqui, porque é esse o destino das pessoas. —...que o meu coração não nasceu para ser ligado, e que tudo está no 'Livro de São Cipriano'... Eram dois murmúrios na tarde a cair, duas estradas paralelas para lá da janela, duas sombras na parede da sala. —E há de procurar a cor certa dos seus olhos... (azuis, definitivamente azuis) —... e não há-de encontrá-la, nem aos seus olhos. Porque os seus olhos nasceram com asas, e os olhos que nascem com asas ninguém consegue aprisionar. —...e que um dia hão-de ir à minha procura e eu já terei voado. —Não têm poiso certo, não pertencem a ninguém. Pedro Ruiz estremeceu de repente. Como se acordasse. —Gosto das suas palavras. Lembram as palavras de Demétria — disse Joana Ofélia. —Eu não estava a dizer nada — murmurou Pedro Ruiz — Procurava apenas o tom certo dos seus olhos. —Verde. —Vioeta. Definitivamente violeta.
Alice Vieira (Se Perguntarem Por Mim Digam Que Voei)
sobremaneira o bom andamento dos trabalhos. Mesmo nos demais dias da semana, a sala onde se realizam os trabalhos mediúnicos deverá ser preservada. É preciso evitar ali reuniões sociais, conversas descuidadas, visitas inconvenientes, atos reprováveis. O ambiente costuma ser mantido em elevado teor vibratório pelos trabalhadores espirituais, o que se nota, especialmente nos dias de reunião, ao se penetrar no cômodo. O ideal, portanto, é ter um compartimento destinado somente à tarefa mediúnica. Quando isso for impraticável, que pelo menos se tenha o cuidado de usá-lo apenas para atividades nobres, como a boa leitura, a música erudita, o preparo de artigos e livros doutrinários, o estudo sério.
Hermínio C. Miranda (Diálogo com as sombras: teoria e prática)
Alguns livros foram acrescentados por Antenor, que comprava livros como quem compra lanternas: é bom ter em casa os maiores pensadores do mundo, para se um dia precisarmos deles.
Martha Batalha (A Vida Invisível de Eurídice Gusmão)
Felipe de dr. Marcondes disse uma coisa muito certa, sõ agora é que percebo. Um homem foi ferrado de arraia numa pescaria aqui perto, disseram que ele chorou uma tarde e uma noite pedindo aos companheiros que o matassem porque a dor era insuportävel. Comentei o caso com Felipe, ele näo ficou impressionado como eu esperava; disse apenas que isso ou era fita ou exagero ou lenda, porque näo existe dor insuportävel; dor insuportåvel ninguém sabe como é porque ainda näo sofreu. Pensei que fosse uma dessas ideias tiradas de livro, Felipe lia muito e gostava de mostrar leitura. Pensando agora em nossa situaqäo aqui, vejo que Felipe tinha razäo. Todo mundo vem dizendo hä muito tempo que a vida estå insuportável, e que se continuar assim... Pois continua, e cada dia piora, e estamos aí aguentando. Quando parece que näo vamos aguentar mais e cair no desespero, alguém inventa um passatempo para nos distrair.
José J. Veiga (Sombras de Reis Barbudos)
PRINCESA DESALENTO Minh'alma é a Princesa Desalento, Como um Poeta lhe chamou, um dia. É magoada, e pálida, e sombria, Como soluços trágicos do vento! É fágil como o sonho dum momento; Soturna como preces de agonia, Vive do riso duma boca fria: Minhalma é a Princesa Desalento... Altas horas da noite ela vagueia... E ao luar suavíssimo, que anseia, Põe-se a falar de tanta coisa morta! O luar ouve minh'alma, ajoelhado, E vai traçar, fantástico e gelado, A sombra duma cruz à tua porta...
Florbela Espanca (Livro de Soror Saudade)
Deixe ir, deixe andar Reflita por um minuto: quantas coisas você precisa ter coragem para deixar morrer? Padrões que não lhe servem mais, comportamentos, sentimentos, histórias… Por apego, muitas vezes continuamos repetindo situações e atitudes que nos causam dor, mesmo sabendo que elas não fazem mais parte da nossa história. Nesses momentos, é preciso ter a determinação de romper. Você já tem o poder de reaprender pelo amor e não mais pela dor. Permita-se viver nessa nova vibração. O renascer com o amor vai lhe conectar com essa capacidade. Para poder renascer é necessário ter coragem para deixar ir embora o que não lhe serve mais.
Tadashi Kadomoto (Meu livro da consciência: 365 mensagens para nossas boas escolhas de cada dia (Portuguese Edition))
As faíscas vêm diretamente da fonte de luz e são feitas de uma pura claridade, é o que dizem as lendas mais antigas. Quando um ser humano está para nascer, a faísca começa a cair. Primeiro passa pela escuridão do espaço sideral, depois pelas galáxias e enfim, antes de cair aqui, na Terra, é rebatida, coitada, pelas órbitas dos planetas. Cada um deles contamina a faísca com alguns atributos, e ela escurece e vai se apagando. Primeiro, Plutão traça os marcos dessa experiência cósmica e revela suas regras básicas — a vida é um acontecimento instantâneo, seguido pela morte, que um dia permitirá que a faísca se liberte da armadilha; não há outra saída. A vida é uma espécie de campo de manobras experimentais muito exigente. A partir desse momento, tudo o que você fizer contará, cada pensamento e cada ato. No entanto, eles não servirão para te castigar ou premiar depois, mas porque constituirão seu mundo. Assim funciona essa máquina. Mais tarde, ao cair, a faísca atravessa a faixa de Netuno e se perde em seus vapores nebulosos. Netuno lhe dá, como uma espécie de consolação, todas as ilusões, a sonâmbula memória da saída, sonhos de voar, fantasias, narcóticos e livros. Urano dota da capacidade de se rebelar, e a partir de então será a prova da memória das origens da faísca. Quando ela passa pelos anéis de Saturno, se torna claro que, no fundo, a prisão espera por ela. Um campo de trabalho, hospital, regras e formulários, um corpo doente, uma doença letal, a morte de uma pessoa querida. No entanto, Júpiter lhe oferece consolo, dignidade e otimismo, um belo presente: tudo-dará-certo. Marte acrescenta força e agressividade, que certamente serão úteis. Passando junto do Sol, fica ofuscada, de sua vasta e antiga consciência, resta apenas um pequeno e minúsculo Eu, separado de tudo. E assim será a partir de então. Imagino isso da seguinte maneira: um pequeno dorso, um ser aleijado com as asas arrancadas, uma mosca atormentada por crianças cruéis; quem sabe como ela sobreviverá nas trevas. Glória às deusas, graças a elas agora Vênus barra o caminho da queda. A faísca recebe dela o dom do amor, de uma pura compaixão, a única coisa que pode salvar a ela mesma e às outras faíscas; graças aos dons de Vênus poderão se apoiar e se unir. Um pouco antes da queda, passa ainda por um planeta estranho e pequeno que lembra um coelho hipnotizado, que não gira em torno de seu próprio eixo, mas se move velozmente, encarando o Sol — é Mercúrio. Ele lhe dá a língua, a capacidade de se comunicar. Passando pela Lua, recebe dela algo tão intangível como a alma. Só então é que cai na Terra e imediatamente se reveste de um corpo. Humano, animal ou vegetal. É assim que as coisas funcionam.
Olga Tokarczuk (Drive Your Plow Over the Bones of the Dead)
Se eu gosto de ler? Essa provavelmente é a coisa que mais amo fazer! Sério, eu posso passar o dia todo só lendo, até esqueço que existe um mundo fora das páginas.
Solaine Chioro (A Rosa de Isabela)
28 de março Embarque na sua viagem interior Segundo a tradição Budista, “a viagem [a vida] é um veículo de transformação ao longo de uma expedição na busca de compreender a vida e a natureza de nosso ser”. A vida é como um caminho de acesso e exploração de um Universo misterioso presente, ao mesmo tempo, dentro e fora de todos nós. É uma viagem não apenas externa, mas também — e principalmente — interna. Muitas vezes secreta. Você pode fazer esse caminho da sua cabeça ao seu coração, desde que decida se conhecer, sair da sua zona de conforto e olhar para dentro de si mesmo. Boa viagem!
Tadashi Kadomoto (Meu livro da consciência: 365 mensagens para nossas boas escolhas de cada dia (Portuguese Edition))
possível. Ele tem que induzir em si mesmo um estado de perpétua letargia. Ele quer que a vida prossiga com o máximo de quietude e regularidade. Enquanto escreve, ele quer ver os mesmos rostos, ler os mesmos livros, fazer as mesmas coisas dia após dia, mês após mês, de modo que nada quebre a ilusão em que vive – de modo que nada possa perturbar ou inquietar os misteriosos farejos, tateios, ímpetos, arrebatamentos e súbitas descobertas daquele espírito muito tímido e ilusório, a imaginação.
Virginia Woolf (As mulheres devem chorar... Ou se unir contra a guerra: Patriarcado e militarismo (Portuguese Edition))
Há tipos extraordinários sob roupagens subtraídas a mitos vulgares. Parecem destinar-se à opulência, desenvolver-se ao sabor das experiências, revestir-se das forças mais complexas, e afinal não se moveram um passo dos berços, não deixaram de segurar a mão terrível da mãe, e de esperar uma revelação que não é deste mundo. Paramentam-se com os belos trapos, aspiram e rejeitam todas as oportunidads, sugam o sangue dos amantes, endividam-se com a morte, rivalizam com uma geração inteira de vencedores, de inveções, planos, paisagens e conflitos geniais. Um dia são surpreendidos por um estranho medo, começam a sentir a fobia dos recintos fechados, a ter convulsões e agonias, a querer ver gente reunida e a julgar-se perseguidos ou que os inoram propositadamente. Não são capazes de passar uma hora sozinhos, de meditar sobre um livro, ainda que o recitem de cor; procuram os excitantes e preferem as companhias ruidosas, não são amigos de ninguém, são espectadores de toda a gente. Certo dia estão cadavéricos e prostrados, com rugas precoces e olhos fundos, outras vezes apresentam-se cheios duma mocidade impertinente, afrontando até as razões do coração com uma espécie de vandalismo insuportável. Esta irregularidade marca em geral o princípio duma neurastenia, e em breve se desenha um surto de razoabilidade, parecem de repente as pessoas mais coerenttes do mundo, aprofundam a alma, voltam-se para as coisas superiores, abeiram-se dos problemas sérios, discutem sociologia e política. Mas ainda isso é uma farsa; apenas buscam alimento para o tédio, para a doença da vontade, para o tremendo desencontro que têm de viver entre a sua inaptidão natural e a exigência duma sociedade em que estão sempre intrusos. Essa ideia de serem intrusos na família, na profissão, nos contactos humanos, acompanha-os por toda parte. Vivem num estado de alarme contínuo, encolerizam-se quando deviam ser fleumáticos, mostram-se passivos quando deviam reagir com energia; não têm nunca apetite e percorrem cem quilómetros para comer um bife requentado num ambiente exótico ou numa sala cheia de lacaios fardados; não gostam de música e envolvem-se em ruídos enervantes, em sinfonias caricaturais; não amam a boémia nem o vino e embriagam-se por intolerância de si mesmos.
Agustina Bessa-Luís (O Sermão do Fogo)
O apêndice de Warren Buffett para a quarta edição revisada de O investidor inteligente (livro de Benjamin Graham) descreve um concurso em que cada um dos 225 milhões de americanos começa com 1 dólar e lança uma moeda uma vez por dia. As pessoas que acertam no primeiro dia recolhem um dólar daqueles que erraram; é feito um novo lançamento no segundo dia, e assim por diante. Dez dias depois, 220 mil pessoas acertaram dez vezes seguidas e ganharam 1.000 dólares. “Talvez tentem ser modestas, mas, nas festas, admitirão ocasionalmente, aos membros atraentes do sexo oposto, suas técnicas e os maravilhosos insights que podem oferecer para o estudo do lançamento de moedas.” Depois de mais dez dias, estamos com 215 sobreviventes que acertaram vinte vezes seguidas e ganharam 1 milhão de dólares cada. Essas pessoas escrevem livros intitulados “Como transformei um dólar em um milhão em vinte dias trabalhando trinta segundos por manhã” e passam a ganhar dinheiro com palestras. Soa familiar?
Howard Marks (O mais importante para o investidor: Lições de um gênio do mercado financeiro (Portuguese Edition))
O diretor de criação com quem eu trabalhava era daqueles homens que bastava ver uma vez e qualquer um saberia que, dentre todas as profissões no mundo, ele só podia ser publicitário. O prazer de ser clichê. Era um homem assim, digamos, bonitão até, padrão. Barba e cabelo bem cheios, armações de óculos grossas, pretas. Solteiro, mais de 40 anos na fuça e camisetas de personagens de desenho animado. Tênis com estampa quadriculada. Mais dinheiro gasto em tatuagens do que em livros ou viagens, isso era óbvio. Um filho de 6 anos criado e sustentado só pela mãe, que ele via a cada 15 dias, mas que rendia fotos, legendas e hashtags bonitas no Instagram.
Lorena Portela (Primeiro Eu Tive Que Morrer (Portuguese Edition))
(carta ao cabrão insensível) Meu grandessíssimo cabrão: Escrevo-te para te dizer que és um idiota da pior espécie. Um burgesso. Um monte de bosta. Um pedaço de asno. Poderia, por isso, ficar por aqui nesta missiva – até porque o mais importante já está dito. Mas prefiro explicar-te, pacientemente, porquê. Quando gostares de alguém não tenhas medo. Não sejas cobarde. Não sejas poucochinho. Não te escondas em semi-palavras, em semi-actos. Quando gostares de alguém, vai com tudo, vai contigo todo, com tudo o que és, com tudo o que sentes, com tudo o que tens para dar. Sê romântico, sê piroso, sê incansável, sê sonhador e faz sonhar. Sê utópico – porque não? Faz planos em conjunto, imagina em conjunto. Faz como nos livros, faz como nos filmes: não acredites na treta do impossível, na treta do improvável. Não acredites na treta de que o amor é treta. Essa é a mentira que os toscos inventaram para poderem ser toscos. Vai com quem amas até ao fim do mundo todos os dias. Até à última gota não é uma forma de vida; é a única forma de vida. O resto é merda. Diz que amas se amas. Mostra que amas se amas. “Sim: eu amo” – qual é dificuldade de dizer isto? “Sim: eu quero-te” – qual é a dificuldade de dizer isto? “Sim: eu preciso de ti” – qual é a dificuldade de dizer isto? É tão simples ser feliz por dentro do amor. Tão simples. Basta amar e não temer amar. Amar só dói quando não se ama – qual é a dificuldade de entender isto? Não te escondas de todos os lados de ti. Não vás na cantiga do macho latino, do macho que não está habilitado a sentir – e que por isso tem de ser, por fora, intocável, sempre sólido. Sólidos são os calhaus. Sólidos são os cubos de gelo – e até esses, quando começam a aquecer, se derretem todos. Não queiras ser um bruto só porque te impingiram que tens de ser um bruto. Os brutos tendem a sofrer brutalidades – e a fazer sofrer brutalidades. Os brutos não fazem falta nenhuma ao mundo de ninguém. Os brutos não fazem falta nenhuma ao mundo todo. Se sentes, vai. Se queres, tenta. Se te apetece, inventa. Se um livro te faz chorar: chora. Chora porque és gente, porque és pessoa, porque tens muito mais do que um corpo. Se um abraço te emociona, leva-te nessa emoção, contagia-te e contagia, vai até ao final dos ossos, até ao começo das veias. Se és homem sente – qual é a dificuldade de entender isto? Só não sente quem nem sequer é gente. Esquece os preconceitos. Esquece as frases que te inculcaram como se fossem leis universais. A sociedade que vá dar banho ao cão se por causa dela perdes o que tanto queres. Entre a tua saúde e a saúde da sociedade não hesites: escolhe a tua. A sociedade adapta-se. A sociedade adapta-se sempre. É isso a História da Humanidade, nada mais: as pessoas a escolherem a sua própria sanidade, a escolherem a sua própria felicidade – e a sociedade, diligente, a correr atrás. Não corras atrás dela; deixa que ela corra atrás de ti. E é se quer. Se não quiser deixa-a ficar e vai à tua vida. Vai à tua vida: eis o segredo, eis a fórmula. Vai à tua vida. Quatro palavras, quatro simples palavras, e está tudo dito. Vai à tua vida. Vai sempre à tua vida. É ela que te importa. É sobretudo ela que tem de te importar. A tua vida e a vida de todos aqueles eleitos que fazem parte dela. Trata dela. Trata deles. Concentra-te no que importa. Guarda as forças para o que importa. O resto é merda. Tudo isto para te dizer, talvez já te tenhas esquecido, que és um idiota da pior espécie. Um burgesso. Um monte de bosta. Um pedaço de asno. Creio que já percebeste porquê, certo? Não mereces, por isso, um único pedacinho do meu amor. Mas já o tens todo.
Pedro Chagas Freitas (Prometo Perder)
Conselhos à população paranaense É impossível evitar a propagação da epidemia de gripe por não existir um preventivo seguro capaz de evitar a infecção Aconselhamos, comtudo, o seguinte: Tranquilidade e confiança nas autoridades sanitárias. Não fazer visitas e evitar o contacto com os doentes de grippe, porque o contágio é directo, de individuo doente a individuo são. Evitar toda a fadiga ou excessos physicos. Fazer refeições leves e a horas certas e dormir tempo sufficente. Tomar um laxante a cada 4 dias, afim de trazer o tubo digestivo sempre desembaraçado Fugir das aglomerações, sobretudo á noite. Evitar o uso de bebidas alcoolicas. Lavar a boca, nariz e gargarejar com agua salgada com agua salicylada a 1 por 200, de manhã e de noite, e instillar, em seguida, 5 gottas de óleo gomenolado a 5% nas narinas, ou usar tampões de algodão com vaselina mentholada a 3%.
Valêncio Xavier (O Mez da Grippe e Outros Livros)
Há dias em que só uma xícara de café e um bom livro podem preencher o vazio da vida
Ben Oliveira
A Morte Devagar Morre lentamente quem não troca de idéias, não troca de discurso, evita as próprias Morre lentamente quem não troca de idéias, não troca de discurso, evita as próprias contradições. Morre lentamente quem vira escravo do hábito, repetindo todos os dias o mesmo trajeto e as mesmas compras no supermercado. Quem não troca de marca, não arrisca vestir uma cor nova, não dá papo para quem não conhece. Morre lentamente quem faz da televisão o seu guru e seu parceiro diário. Muitos não podem comprar um livro ou uma entrada de cinema, mas muitos podem, e ainda assim alienam-se diante de um tubo de imagens que traz informação e entretenimento, mas que não deveria, mesmo com apenas 14 polegadas, ocupar tanto espaço em uma vida. Morre lentamente quem evita uma paixão, quem prefere o preto no branco e os pingos nos is a um turbilhão de emoções indomáveis, justamente as que resgatam brilho nos olhos, sorrisos e soluços, coração aos tropeços, sentimentos. Morre lentamente quem não vira a mesa quando está infeliz no trabalho, quem não arrisca o certo pelo incerto atrás de um sonho, quem não se permite, uma vez na vida, fugir dos conselhos sensatos. Morre lentamente quem não viaja, quem não lê, quem não ouve música, quem não acha graça de si mesmo. Morre lentamente quem destrói seu amor-próprio. Pode ser depressão, que é doença séria e requer ajuda profissional. Então fenece a cada dia quem não se deixa ajudar. Morre lentamente quem não trabalha e quem não estuda, e na maioria das vezes isso não é opção e, sim, destino: então um governo omisso pode matar lentamente uma boa parcela da população. Morre lentamente quem passa os dias queixando-se da má sorte ou da chuva incessante, desistindo de um projeto antes de iniciá-lo, não perguntando sobre um assunto que desconhece e não respondendo quando lhe indagam o que sabe. Morre muita gente lentamente, e esta é a morte mais ingrata e traiçoeira, pois quando ela se aproxima de verdade, aí já estamos muito destreinados para percorrer o pouco tempo restante. Que amanhã, portanto, demore muito para ser o nosso dia. Já que não podemos evitar um final repentino, que ao menos evitemos a morte em suaves prestações, lembrando sempre que estar vivo exige um esforço bem maior do que simplesmente respirar.
Martha Medeiros
Em 1923, vivendo em Berlim, Kafka costumava ir a um parque, o Steglitz, que ainda existe. Certo dia encontrou uma menina chorando, tinha perdido sua boneca. Kafka naquele instante inventou uma história: a boneca não estava perdida, apenas tinha saído de viagem para conhecer o mundo. Tinha escrito uma casa, que ele possuía em casa e lhe traria no dia seguinte. E assim foi: dedicou aquela noite a escrever a carta, com toda a sinceridade. (...) No dia seguinte, a menina esperava-o no parque, e a ‘correspondência’ prosseguiu à razão de uma carta por dia, durante três semanas. A boneca nunca esquecia de enviar o seu amor à menina, de quem lembrava e a quem abandonava. Suas aventuras no estrangeiro a mantinham longe, e com a aceleração própria do mundo da fantasia, tais aventuras acabaram em noivado, compromisso, casamento e filhos, de modo que a volta era adiada indefinidamente. Isso para que então a menina, leitora fascinada desse romance epistolar, se conformasse com a perda, a que por fim acabou vendo como ganância. Privilegiada menina berlinense, única leitora do livro mais belo de Kafka. (...) Tendemos a sorrir diante do choro das crianças, seus dramas nos parecem menores e fáceis de solucionar. Mas para elas não são. Fazer o esforço de entrar nas relatividades de seu mundo equivale ao trabalho de entrar no mundo de um artista, onde tudo é signo. O contrato de uma menina com sua boneca é um contrato semiótico, uma criação de sentido, sustentada pela tensão verossímil com a fantasia. (...) para o escritor não se trata apenas de observar, é preciso descobrir os signos ocultos naquilo que se observa.
César Aira (Pequeno Manual de Procedimentos)
Contame a tua vida o mais miudamente que puderes; contame a vida de todos. Não me escondas nada; se, por exemplo, ao abrir um livro ou tocar uma tecla do piano, pensares em mim, escreve isso mesmo, marcando o dia e até a hora, se puder ser.
Machado de Assis (Helena)
Na vida, para mim, não há deleite. Ando a chorar convulsa noite e dia ... E não tenho uma sombra fugidia Onde poise a cabeça, onde me deite! E nem flor de lilás tenho que enfeite A minha atroz, imensa nostalgia! ... A minha pobre Mãe tão branca e fria Deu-me a beber a Mágoa no seu leite! Poeta, eu sou um cardo desprezado, A urze que se pisa sob os pés. Sou, como tu, um riso desgraçado! Mas a minha tortura inda é maior: Não ser poeta assim como tu és Para gritar num verso a minha Dor! ..
Florbela Espanca (Livro de Mágoas)
Passar quatro dias e quatro noites em casa, vendo o carnaval passar; ou não vendo nem isso, mas entregue a uma outra e cifrada folia, que nesta quarta-feira de cinzas abre suas pétalas de cansaço, como se também tivéssemos pulado e berrado no clube. Não ligar a televisão, esquecer-se do rádio; deixar os locutores falando sozinhos, na ânsia de encher de discurso uma festa à base de movimento e de canto. Perceber apenas o grito trêmulo, trazido e levado pelo vento, de um samba que marca realidade lúdica sem nos convidar à integração. Beneficiar-se com a ausência de jornais, que prova a inexistência provisória do mundo como arquitetura de notícias. Ter como companheiro o irmão gato Crispim, exemplo de abstenção sem sacrifício, manual de silêncio e sabedoria, aventureiro que experimentou a vertigem da luta-livre nos telhados e homologa a invenção da poltrona. Penetrar no vazio do tempo sem obrigações, como num parque fechado, aproveitando a ausência de guardas, e descobrindo nele tudo que as tabuletas omitem. Aceitar a solidão; escolhê-la; desfrutá-la. Sorrir dos psiquiatras que falam em alienação do mundo e recomendam a terapêutica de grupo. Estimar a pausa como valor musical, o intervalo, o hiato. O instante em que a agulha fere o disco sem despertar ainda qualquer som. Andar de um quarto para outro sem ser à procura de objetos: achando-os. Descobrir, sem mescalina, as cores que a cor esconde; os timbres entrelaçados no ruído. Olhar para as paredes, ou melhor, olhar as paredes em torno dos quadros. Sentir a casa como um todo e como partículas densas, tensas, expectantes, acostumadas a viver sem nós, à nossa revelia, contra o nosso desdém. Habitar realmente a casa, quatro dias: como ilha, fortaleza, continente; infinito no finito; reconsiderar os livros, arrumá-los primeiro com método, depois com voluptuosidade, fazendo com que cada prateleira exija o maior tempo possível; verificar que antes é preciso tirar a poeira de um, remover a boba capa de celofane que envolve a encadernação de outro. Reler dedicatórias, abrir ao acaso livros de poetas que preferimos e que infelizmente não são os mais modernos, nem os mais célebres; copiar meia estrofe por onde corre arrepio verbal; separar volumes que não nos falam mais nada e que devem tentar seu destino em outras casas. Sentir chegada a hora dos álbuns de pintura com pouco ou nenhum texto, e dos volumes iconográficos que nos contam Paris ou a vida de Mallarmé. Viajar em fotografias; sentir-se imagem flutuando entre imagens; a terra domesticada em figura, tornada familiar sem perda de sua essência enigmática. Reconhecer que muitos livros comprados a duras penas, pedidos ao estrangeiro ou longamente minerados nos sebos, não têm mais do que essa oportunidade de comunicação durante o ano; deixar que fiquem a sós conosco e nos confiem seu segredo. Admitir a fome, sem exigência de horário, e matá-la com o que houver à mão; renunciar à idéia de almoço e jantar, com reverência ao sagrado direito que assiste a todos, inclusive e principalmente às cozinheiras, de brincarem o seu carnaval; achar mais gosto nessa comida, porque não é regulamentar nem é seguida de nada: todas as obrigações estão suspensas, e só valem as que soubermos traçar a nós mesmos. Descortinar na preguiça um espaço incomensurável, onde cabe tudo; não enchê-lo demais; devassá-lo à maneira de um explorador que não quer ser muito rico e tanto sente prazer em descobrir como em procurar. Assim vosso cronista passou o carnaval: sem fugir, sem brincar, divertido em seu canto umbroso.
Carlos Drummond de Andrade (A Bolsa e a Vida)
Há muitas obras pelo mundo, de todos os tamanhos e formatos. Um dia, você vai encontrar um livro que vai transformar sua estante em uma livraria inteira.
Deborah Strougo (A invenção de nós dois)
não posso apoiar um sistema que diz aos alunos que eles não são nada, que nunca serão nada — que considera manter as crianças nas suas mesas como a maior conquista do dia. Eles merecem a mesma chance que amigos e mentores me deram, de ver que a vida que criamos para nós mesmos pode ser totalmente diferente daquela de onde viemos. Eu tenho de encontrar uma forma. Não sou de desistir. Desistentes não alcançam grandes coisas. Desistentes não ganham este tipo de guerra. Não
Lisa Wingate (O Livro dos Amigos Perdidos (Portuguese Edition))
— Claro que existem coisas que desafiam a física e matemática e não tem explicação. Antigamente ninguém conseguia explicar vários fenômenos que ocorriam em grandezas tão pequenas quanto a quântica. A física clássica simplesmente falhava em explicar fenômenos tão pequenos e rápidos. Então veio a física quântica, que tem leis muito diferentes do que a gente havia entendido até aquele momento como universais. A física quântica não serviu para substituir ou falar contra a clássica, simplesmente a complementava em um universo que nós não conhecíamos ou vivíamos. Como a luz pode ser onda e partícula simultaneamente? Como o elétron ao redor do núcleo está em vários lugares num mesmo instante? Nós não estamos na escala de grandeza desses eventos, e não evoluímos para entendê-los, pois não vivemos nele, não seria útil nosso cérebro e órgãos sensoriais compreendê-los porque é uma realidade completamente diferente. A quântica explicou isso, e ao desvendarmos a quântica, descobrimos eventos que ocorriam no nosso cotidiano e não tínhamos ideia de que ela era responsável. Até hoje, em qualquer livro de física ou química, as constantes mais precisas que existem são as da física quântica, é a ciência mais exata depois da matemática. Percebe onde quero chegar? Há algumas décadas era a quântica: a ciência de eventos sem explicação que se dá no minúsculo. E se daqui um tempo descobríssemos uma nova física, não para negar as anteriores, mas para explicar tudo aquilo que ainda duvidamos, a física das grandezas gigantes, grandes demais para nossa percepção. Em vez de nanômetros e microssegundos, uma ciência em que a escala de medida é de anos-luz e éons. Nós não evoluímos para compreender eventos em escalas tão gigantes e lentas. deus é grande. Se por um lado, coisas pequenas têm suas próprias regras, por que não o contrário? Talvez deus exista aí, não num outro universo, mas num nível superior ao nosso, temos microscópios eletrônicos para ver os níveis inferiores ao nosso, mas enquanto aos superiores? Talvez quando desenvolvermos tais aparelhos podemos ter uma noção da grande imagem, do que acontece fora da caixa e como ele se manifesta no nosso dia a dia sem que tenhamos a mínima ideia. Aí veremos que as coisas podem não ser tão casuais e aleatórias assim, talvez haja algum significado na vida e no universo, algum objetivo para o qual caminhamos e fazemos parte, um destino e significado para nossa vida. Assim como a matemática e razão são mais exatos no mundo quântico que no nosso próprio mundo em que há sempre erros nas medições clássicas, talvez no mundo superior ao nosso, a matemática nem tenha significado, tudo seja abstrato e talvez os valores nem sejam números. Aí, nesse momento, a fé seria tão ciência quanto qualquer outra e deus poderia ser provado.
M. J. Azenha (Super Trash: O viajante do tempo de 10 minutos.)
Eu gostaria que o GoodReads um dia adicionasse uma classificação chamada "Eu odiei", porque alguns livros merecem essa classificação, não apenas a classificação "Eu não gostei", este livro é um destes Eu gostaria que o GoodReads um dia adicionasse uma classificação chamada "Eu odiei", porque alguns livros merecem essa classificação, não apenas a classificação "Eu não gostei", este livro é um destes
Carlos Alves Marildo
A imaginação não existe dentro de mim. Imaginação está nas ruas. Nas coisas que vejo. Vivo. Escuto. Observo. Nas tabuletas. Anúncios, nos avulsos de propaganda, nos livros, nos escritos dos muros, na fala do povo. Um escritor não pode sentar-se e inventar a vida de uma cidade. Uma cidade vive sem o escritor. E ele não vive sem ela. Cada dia é preciso mamar no peito aberto do povo, sugando os seus modos, a sua fala, o seu jeito, hábitos, palavras que saem; assimilando as criações sem fim de gente inesgotável que está a fazer nascer frases, slogans, apelidos. O povo tem dentro de si um rio a espumar e rugir e esse rio é que o escritor deve aproveitar e fazer correr dentro de um leito.
Ignácio de Loyola Brandão (Bebel que a cidade comeu)
Admito que, se em qualquer dos três livros tivesse adotado uma forma expositiva mais ao gosto acadêmico, eu não precisaria estar agora chamando a atenção para uma unidade de pensamento que transpareceria à primeira vista. Mas essa visibilidade custaria a perda de todas as referências à vida autêntica e o aprisionamento do meu discurso numa redoma lingüística que não combina nem com o meu temperamento nem com a regra que me impus alguns anos atrás, de nunca falar impessoalmente nem em nome de alguma entidade coletiva, mas sempre diretamente em meu próprio nome apenas, sem qualquer retaguarda mais respeitável que a simples honorabilidade de um animal racional, bem como de nunca me dirigir a coletividades abstratas, mas sempre e unicamente a indivíduos de carne e osso, despidos das identidades provisórias que o cargo, a posição social e a filiação ideológica superpõem àquela com que nasceram e com a qual hão de comparecer, um dia, ante o Trono do Altíssimo. Estou profundamente persuadido de que somente nesse nível de discurso se pode filosofar autenticamente.
Olavo de Carvalho (A Nova Era e a Revolução Cultural: Fritjof Capra & Antonio Gramsci)
Eu queria que um dia o goodreads permitisse classificar os livros como "odiei", porque alguns livros merecem essa classificação e não apenas "não gostei", este é um deles...
Carlos Alves Marildo
Para lutar contra o envelhecimento de verdade, devemos primeiro combater o preconceito contra a idade. Tantos mil anos mais e ainda não nos damos... Só danamos! Um dia valorizaremos mais a alma e sua essencia do que a sua aparencia. Enquanto esse dia nao chega, ainda sofremos com tanta vioencia.
Ana Claudia Antunes (As Amazonas da Antiguidade à Idade Media (Memorias de uma Amazona Livro 1) (Portuguese Edition))
A cada dia eu sei de mais coisas sobre as quais nunca saberei, os livros que me fariam um ser humano melhor, os filmes que mudariam minha vida, a melhor de todas as músicas, que nunca ouvirei. Quanto mais estudo, mais descubro a vastidão da minha ignorância. Minha burrice é uma África, minha ingenuidade é uma Ásia, minha estupidez, três Américas. Já minha sabedoria, esta é uma ilha da Páscoa, um pingo de terra firme batido sem piedade pelas ondas da incerteza e fustigado pelos ventos da amnésia, a milhares de quilômetros de qualquer porto seguro, nem mesmo sei ao certo se 'a milhares de quilômetros' se escreve assim, ou se este a tem agá ou crase. Nada disso importa. Só o que importa são teus olhos, tua boca, teu colo, teu corpo, tua presença luminosa que prenuncia um futuro de prazer, de aconchego e de amores incondicionais. Tudo isso foi o que eu pensei, mais ou menos, quando ela sorriu. O que eu disse foi 'estou gostando do curso', bem mais curto.
Jorge Furtado (Trabalhos de Amor Perdidos (Devorando Shakespeare, #1))
«Conversaciones con la vaca» Em Buenos Aires conheci um escritor argentino muito excêntrico que se chamava, ou chama, Omar Vignole. Ignoro se ainda vive. Era um homem grandote, sempre de grossa bengala na mão. Certo dia, num restaurante do centro, no qual me convidara para comer, já perto da mesa dirigiu-se a mim, com ar deferente, dizendo-me com um vozeirão que ecoou por toda a sala, repleta de fregueses: « Senta-te, Ornar Vignole!» Sentei-me com certo mal-estar e perguntei-lhe acto contínuo: «Porque me chamas Omar Vignole, ciente de que és tu Ornar Vignole e eu Pablo Neruda?» «Sim», respondeu-me, «mas neste restaurante há muitos que só me conhecem de nome e, corno vários deles querem dar-me uma tareia, eu prefiro que a dêem a ti.» Vignole fora agrónomo numa província argentina e trouxera de lá uma vaca com a qual mantinha amizade entranhada. Passeava por Buenos Aires inteira com a sua vaca presa a uma corda. Publicou então alguns livros, que tinham sempre títulos alusivos: Lo que piensa la vaca, Mi vaca y yo, etc., etc. Quando se reuniu pela primeira vez naquela cidade o congresso do Pen Club mundial, os escritores, presididos por Victoria Ocampo, tremiam ante a ideia de ver Vignole chegar ao congresso com a vaca. Explicaram às autoridades o perigo que os ameaçava e a polícia isolou as ruas em torno do Hotel Plaza a fim de evitar a entrada, no luxuoso recinto onde decorria o congresso, do meu excêntrico amigo com o ruminante. Tudo foi inútil. Quando a festa estava no auge e os escritores examinavam as relações entre o mundo clássico dos Gregos e o sentido moderno da história, o grande Vignole irrompeu na sala de conferências com a sua inseparável vaca, que para mais começou a mugir como se pretendesse tomar parte no debate. Trouxera-a até ao centro da cidade dentro de uma enorme furgoneta fechada que iludiu a vigilância policial. Dele contarei ainda que uma vez desafiou um lutador de catch as can. O profissional aceitou o desafio, e chegou a noite do encontro, num Luna Park repleto. O meu amigo apareceu pontualmente com a vaca, amarrou-a a uma esquina do quadrilátero, despiu um roupão elegantíssimo e enfrentou o «Estrangulador de Calcutá». Porém, de nada serviam ali a vaca, nem o sumptuoso atavio do poeta-lutador. O «Estrangulador de Calcutá» atirou-se a Vignole e em três tempos deixou-o transformado num nó indefeso, colocando-lhe, para mais, em sinal de humilhação, um pé sobre a garganta de touro literário, no meio da tremenda assuada de um público feroz que exigia a continuação do combate. Poucos meses depois, publicou um novo livro: Conversaciones con la vaca. Jamais poderei esquecer a originalíssima dedicatória, impressa na primeira página da obra. Dizia, se bem me lembro: «Dedico este livro filosófico aos quarenta mil filhos da puta que me assobiaram e pediram a minha morte no Luna Park na noite de 24 de Fevereiro.»
Pablo Neruda (Confieso que he vivido)
Talvez os livros possam nos tirar um pouco dessas trevas. Uma hora por dia, duas horas, com esses livros, e talvez...
Ray Bradbury (Fahrenheit 451: The Authorized Adaptation)
Teremos, portanto, um a​ ​conhecimento perfeito de todas as nossas b​ ​culpas, e nossa impureza, e nossa c​ ​nudez; e os justos terão um conhecimento perfeito de sua alegria, e sua d​ ​retidão, estando e​ ​vestidos com f​ ​pureza, sim, com o g​ ​manto da retidão.
A Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias (O Livro de Mórmon: Outro Testamento de Jesus Cristo (Portuguese Edition))
nosso lar. Não leva muito tempo, no máximo uns dez minutos. É só escolher um dia da semana, um horário fixo. Faça uma prece e ligue-se com seu anjo da guarda. Depois leia um trecho de algum livro que contenha mensagens positivas. Então peça auxílio, equilíbrio, e verá como tudo vai ficar mais fácil.
Marcelo Cezar (Nunca Estamos Sós (Portuguese Edition))
é quem, mesmo sabendo que um dia vai apagar, não mede esforços para brilhar. pág 32 - sol
João Doederlein (O Livro dos Ressignificados)
Existe uma verdade em relação ao dinheiro: você pode comprar coisas, ter e ir para onde quiser, mas até mesmo no mais lindo palácio, cercado de luxo e riqueza, você pode se sentir sozinho. O calor vem de um abraço, de um sorriso, de passar o dia falando coisas bobas, achando que não é importante. A felicidade vem de saber que não importa os erros que cometa, as coisas que você passe ou enfrente, no fim do dia voltará para casa e terá aquela pessoa a te confortar. Incentivar. Sonhar os seus sonhos com você.
Elizabeth Bezerra (A Dúvida: CEOs Implacáveis - Livro 3 (Portuguese Edition))
Já estava acostumado aos amputados, às vitimas do agente laranja, aos famintos, pobres, garotos de rua de seis anos de idade que você encontra às três da madrugada gritando "Feliz ano novo! Olá! Bye-Bye!" em inglês, e depois aponta para suas bocas e faz "bum bum?". Estou ficando quase indiferente aos garotos famintos, sem pernas, sem braços, cobertos de cicatrizes, desesperançados, dormindo no chão, em triciclos, na beirada do rio. Mas não estava preparado para o homem sem camisa, com um corte de cabelo a la forma de pudim, que me detém na saída do mercado, estendendo a mão. No passado ele sofreu queimaduras e tornou-se uma figura humana quase irreconhecível, a pele transformada numa imensa cicatriz sob a coroa de cabelos pretos. Da cintura para cima (e sabe Deus até onde), a pele é uma cicatriz só; ele não tem lábios, nem nariz, nem sobrancelha. Suas orelhas são como betume, como se tivesse mergulhado e moldado num alto-forno, sendo retirado pouco antes de derreter por completo. Mexe seus dentes como uma abóbora de Halloween, mas não emite um único som através do que foi um dia, uma boca. Sinto um murro no estômago. Minha animação exuberante dos dias e horas anteriores desmorona. Fico paralisado, piscando e pensando na palavra napalm, que oprime cada batida do meu coração. De repente nada mais é divertido. Sinto vergonha. Como pude vir até esta cidade, até este país por razões tão fúteis, cheio de entusiasmo por algo tão...sem sentido, como sabores, texturas, culinária? A famíla daquele homem deve ter sido pulverizada, ele mesmo transformado num boneco desgraçado, como um modelo de cera de madame Tussaud, a pele escorrendo como vela pingando. O que estou fazendo aqui? Escrevendo um livro de merda? Sobre comida? Fazendo um programinha leve e inútil de tevê, um showzinho de bosta? A ficha caiu de uma vez e fiquei me desprezando, odiando o que faço e o fato de estar ali. Imobilizado, piscando nervosamente e suando frio, sinto que todo mundo na rua está me observando, que irradio culpa e desconforto, que qualquer passante vai associar os ferimentos daquele homem a mim e ao meu país. Dou uma espiada nos outros turistas ocidentais que vagueiam por ali com suas bermudas da Banana Republic e suas camisas pólo da Land´s End, suas confortáveis sandálias Weejun e Bierkenstock, e sinto um desejo irracional de assassiná-los. Parecem malignos, comedores de carniça. O Zippo com a inscrição pesa no meu bolso, deixou de ser engraçado, virou uma coisa tão pouco divertida quanto a cabeça encolhida de um amigo morto. Tudo o que comer terá gosto de cinzas daqui pra frente. Fodam-se os livros. Foda-se a televisão. Nem mesmo consigo dar algum dinheiro ao coitado. Tenho as mãos trêmulas, estou inutilizado, tomado pela paranoia, Volto correndo ao quarto refrigerado do New World Hotel, me enrosco na cama ainda desfeita, fico olhando para o teto com os olhos cheios de lágrimas, incapaz de digerir ou entender o que presenciei e impotente para fazer qualquer coisa a respeito. Não saio nem como nada pelas 24 horas seguintes. A equipe de tevê acha que estou tendo um colapso nervoso. Saigon...Ainda em Saigon. O que vim fazer no Vietnã?
Anthony Bourdain (A Cook's Tour: Global Adventures in Extreme Cuisines)
Um dia abri um livro e toda a minha vida mudou. Desde a primeira página, sofri com tanta força o poder do livro que senti o meu corpo apartado da cadeira e da mesa a que me sentava.
Orhan Pamuk
Eu sou a tua irmã invisível, tua alma divina e este é o livro da tua vida. Ele contém páginas repletas de tuas existências passadas e páginas brancas das futuras. Um dia, desenrolarei todas diante de ti. Agora tu me conheces. Chama-me e eu virei!
Édouard Schuré (Os Iniciados - Volume Completo (Rama, Krishna, Hermes, Orfeu, Pitágoras, Platão, Moisés, e, Jesus Cristo))
Minha primeira experiência com a homossexualidade foi em um livro, uma cena de sexo gay, na verdade. Muito antes de eu me assumir, eu já estava lendo sobre homens que amavam homens, homens que tinham relações sexuais com outros homens. Enquanto meu relacionamento com Carlos começava a ruir, eu geralmente me encontrava lendo aqueles mesmos livros uma vez atrás da outra, sem parar, me perguntando porque as coisas nunca pareciam funcionar do jeito que funcionavam nos romances que lia. Nos meses seguintes à saída de Carlos, eu me encontrava lendo livros eróticos, me perdendo naquelas páginas de sexo e libertinagem, me perguntnado se eu um dia iria experimentar algo parecido com o que eu lia.
Lucas Nogueira (O meio-irmão (De repente sexo Livro 5) (Portuguese Edition))
Dia de chuva As ideias passam Nunca sai aquele poema Esse bloqueio é um dilema
Claudio Roberto de Oliveira Filho (Série Cortes: Uma história sobre música.: O primeiro conto da Antologia Contos Sobre a Morte.)
No fim tu hás de ver que as coisas mais leves são as únicas que o vento não conseguiu levar: um estribilho antigo um carinho no momento preciso o folhear de um livro de poemas o cheiro que tinha um dia o próprio vento...
Mario Quintana (Quintana de Bolso - Rua dos Cataventos & Outros Poemas)
A idéia do eterno retorno é uma idéia misteriosa, e uma idéia com a qual Nietzsche muitas vezes deixou perplexos outros filósofos: pensar que tudo se repete da mesma forma como um dia o experimentamos, e que a própria repetição repete-se ad infinitum! O que significa esse mito louco? De um ponto de vista negativo, o mito do eterno retorno afirma que uma vida que desaparece de uma vez por todas, que não retorna, é feito uma sombra – sem peso, morta de antemão; quer tenha sido horrível, linda ou sublime, seu horror, sublimidade ou beleza não significam coisa alguma. Uma tal vida não merece atenção maior do que uma guerra entre dois reinos africanos no século XIV, uma guerra que nada alterou nos destinos do mundo, ainda que centenas de milhares de negros tenham perecido em excruciante tormento. Algo se alterará nessa guerra entre dois reinos africanos do século XIV, se ela porventura repetir-se sempre, retornando eternamente? Sim: ela se tornará uma massa sólida, constantemente protuberante, irreparável em sua inanidade. Se a Revolução Francesa se repetisse eternamente, os historiadores franceses sentiriam menos orgulho de Robespierre. Como, porém, lidam com algo que jamais se repetirá, os anos sangrentos da Revolução transformaram-se em meras palavras, teorias e discussões; tornaram-se mais leves que plumas, incapazes de assustar quem quer que seja. Há uma diferença infinita entre um Robespierre que ocorre uma única vez na história e outro que retorna eternamente, decepando cabeças francesas. Concordemos, pois, em que a idéia do eterno retorno implica uma perspectiva a partir da qual as coisas mostram-se diferentemente de como as conhecemos: mostram-se privadas da circunstância atenuante de sua natureza transitória. Essa circunstância atenuante impede-nos de chegar a um veredicto. Afinal, como condenar algo que é efêmero, transitório? No ocaso da dissolução, tudo é iluminado pela aura da nostalgia, até mesmo a guilhotina. Não faz muito tempo, flagrei-me experimentando uma sensação absolutamente inacreditável. Folheando um livro sobre Hitler, comovi-me com alguns de seus retratos: lembravam minha infância. Eu cresci durante a guerra; vários membros de minha família pereceram nos campos de concentração de Hitler; mas o que foram suas mortes comparadas às memórias de um período já perdido de minha vida, um período que jamais retornaria? Essa reconciliação com Hitler revela a profunda perversidade moral de um mundo que repousa essencialmente na inexistência do retorno, pois, num tal mundo, tudo é perdoado de antemão e, portanto, cinicamente permitido. Se cada segundo de nossas vidas repete-se infinitas vezes, somos pregados à eternidade feito Jesus Cristo na cruz. É uma perspectiva aterrorizante. No mundo do eterno retorno, o peso da responsabilidade insuportável recai sobre cada movimento que fazemos. É por isso que Nietzsche chamou a idéia do eterno retorno o mais pesado dos fardos (das schwerste Gewicht). Se o eterno retorno é o mais pesado dos fardos, então nossas vidas contrapõem-se a ele em toda a sua esplêndida leveza. Mas será o peso de fato deplorável, e esplêndida a leveza? O mais pesado dos fardos nos esmaga; sob seu peso, afundamos, somos pregados ao chão. E, no entanto, na poesia amorosa de todas as épocas, a mulher anseia por sucumbir ao peso do corpo do homem. O mais pesado dos fardos é, pois, simultaneamente, uma imagem da mais intensa plenitude da vida. Quanto mais pesado o fardo, mais nossas vidas se aproximam da terra, fazendo-se tanto mais reais e verdadeiras. Inversamente, a ausência absoluta de um fardo faz com que o homem se torne mais leve do que o ar, fá-lo alçar-se às alturas, abandonar a terra e sua existência terrena, tornando-o apenas parcialmente real, seus movimentos tão livres quanto insignificantes. O que escolheremos então? O peso ou a leveza? (...) Parmênides respondeu: a leveza é positiva; o peso, negativo. Tinha ou não razão?
Milan Kundera
Ela merece mais, muito mais. E se um dia eu viesse a ter algo com ela, jamais seria pedindo que ela se sujeitasse a ser minha amante.
Luna Brandon (Eu Te Dou Meu Amor (Entregue a Você #1))
As lembranças daqueles dias [...], essas sim, marcavam território. Por essa razão, tomei o livro da bolsa. Para me omitir. Lia empolgada, sequestrada da vida.
Paula Fábrio (Um Dia Toparei Comigo)