Fios Quotes

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Barrons laughed again. "And there, my dear Fio, you make one of Womankind's greatest mistakes: Falling in love with a man's potential. We so rarely share the same view of it, and even more rarely care to achieve it. Stop pining for the man you think I could be -- and take a good, long, hard look at the one I am.
Karen Marie Moning (Darkfever (Fever, #1))
sabe, Hillé, às vezes penso que fomos pai e filha, mãe e filho, irmão irmã, que houve lutas e nós, e fios de sangue, que eu tinha fome de ti, que eu te matei, que saía de tuas narinas um cheiro de noite dor incesto e violência, que eras velha e moça e menina, que uns guizos em mim se batiam estridentes cada vez que eu te olhava, que havias sido minha desde sempre, barro e vasilha, espelho e amplidão, infinitas vezes nós dois em flashes nítidos rapidíssimos, recortados em ouro, em negro, numa lua esvaída sombra e sépia, nós dois muito claros num parapeito de pedra cor de terra
Hilda Hilst (A Obscena Senhora D)
(Escre)ver-me nunca escrevi sou apenas um tradutor de silêncios a vida tatuou-me nos olhos janelas em que me transcrevo e apago sou um soldado que se apaixona pelo inimigo que vai matar
Mia Couto (Raiz de Orvalho e Outros Poemas / O Fio das Missangas)
A história é uma cadeia interminável de acontecimentos, mas está presa por fios. Se cortarmos um dos fios já não podemos dar por certo acontecimento algum.
Rui Tavares (O Pequeno Livro do Grande Terramoto: Ensaio sobre 1755)
De que vale ter voz se só quando não falo é que me entendem? De que vale acordar se o que vivo é menos do que o que sonhei?
Mia Couto (O Fio das Missangas)
Brevis esse laboro, obscurus fio.
Horatius
And there my dear Fio, you make one of Womankind's greatest mistakes: falling in love with a man's potential. We so rarely share the same view of it, and even more rarely care to achieve it. Stop pining for the man you think I could be - and take a good, long, hard look at the one I am.
Karen Marie Moning
O sono é o herói esquecido e o curandeiro dos pobres. Shakespeare disse que se trata do fio que remenda os rasgões das preocupações (...).
Stephen King (Insomnia)
A missanga, todos a vêem. Ninguém nota o fio que, em colar vistoso, vai compondo as missangas. Também assim é a voz do poeta: um fio de silêncio costurando o tempo.
Mia Couto (O Fio das Missangas)
(...)sentou-se para descansar e em breve fazia de conta que ela era uma mulher azul porque o crepúsculo mais tarde talvez fosse azul, faz de conta que fiava com fios de ouro as sensações. faz de conta que a infância era hoje e prateada de brinquedos, faz de conta que uma veia não se abrira e faz de conta que dela não estava em silêncio alvíssimo escorrendo sangue escarlate, e que ela não estivesse pálida de morte mas isso fazia de conta que estava mesmo de verdade, precisava no meio do faz de conta falar a verdade de pedra opaca para que contrastasse com o faz de conta verde-cintilante, faz de conta que amava e era amada, faz de conta que não precisava morrer de saudade, faz de conta que estava deitada na palma transparente de Deus, não Lóri mas o seu nome secreto que ela por enquanto ainda não podia usufruir, faz de conta que vivia e não que estivesse morrendo pois viver afinal não passava de se aproximar cada vez mais da morte, faz de conta que ela não ficava de braços caídos de perplexidade quando os fios de ouro que fiava se embaraçavam e ela não sabia desfazer o fino fio frio, faz de conta que ela era sábia bastante para desfazer os nós de corda de marinheiro que lhe atavam os pulsos, faz de conta que tinha um cesto de pérolas só para olhar a cor da lua pois ela era lunar, faz de conta que ela fechasse os olhos e seres amados surgissem quando abrisse os olhos úmidos de gratidão, faz de conta que tudo o que tinha não era faz de conta, faz de conta que se descontraía o peito e uma luz douradíssima e leve guiava por uma floresta de açudes mudos e de tranqüilas mortalidades, faz de conta que ela não era lunar, faz de conta que ela não estava chorando por dentro.
Clarice Lispector
Esperar horas a fio e então desvencilhar-se das coisas tecidas na espera
Ana Martins Marques (O livro das semelhanças)
...(continua a surpreender-me o número de recordações que se podem pendurar lado a lado no fio de uma lágrima)" - pg 130/616
António Lobo Antunes (Eu Hei-de Amar uma Pedra)
Colori no silêncio o teu aroma em fios de novelo a me guiar na escuridão de volta ao lar.
Filipe Russo (Caro Jovem Adulto)
Vai-te, vai-te, e te distrai entre as criadas de tua mãe, e ali cuida de teus cabelos e de tuas mãos, mais preparadas para enrolar os macios fios de seda que a empunhar a dura espada.
Miguel de Cervantes Saavedra (Novelas Exemplares)
Sen Fiona'ya nasıl hitap ediyorsun? Fio! Aman ne etkileyici.Casa Blanc'da o McCabe denen tuhaf adamı gördüğümüz geceki salak kızın adı neydi peki? Marilyn!'' ''Adını hatırladığına inanamıyorum,'' diye mırıldandı. ''Ona ilk ismiyle hitap ediyordun ama ondan hoşlanmıyordun bile.Ama bana ismimle hitap etmiyorsun.Ama yo, ben Bayan Lane'im.Sonsuza kadar.'' ''İsim meselesine neden böyle kafayı taktın anlamıyorum Mac,'' diye bağırdı. ''Jericho,'' diye bağırdım ben de ona, sonra da onu ittim. Tek eliyle iki bileğimi birden kavradığı için vuramadım ona.Çılgına göndüm.Kafa attım.
Karen Marie Moning (Shadowfever (Fever, #5))
O pai faz abrir a mala do automóvel e de lá espreitam embrulhos e celofanes. São mais os enfeites que os conteúdos, mas não é assim mesmo a festa: feita de ilusão e brilhos maiores que as substâncias?
Mia Couto (O Fio das Missangas)
Não podia. Hoje em dia os confins do mundo ficam a menos de cinco minutos de Charing Cross. Com o telégrafo sem fios, os confins da Terra não existem. Os reis de Daomé e os lamas do Tibete escutam Londres e Nova Iorque.
D.H. Lawrence (Lady Chatterley’s Lover)
E assim prosseguimos com as nossas vidas, cada um para seu lado. Por mais profunda e fatal que seja a perda, por mais importante que seja aquilo que a vida nos roubou – arrebatando-o das nossas mãos -, e ainda que nos tenhamos convertido em pessoas completamente diferentes, conservando apenas a mesma fina camada exterior de pele, apesar de tudo isso continuamos a viver as nossas vidas, assim, em silêncio, estendendo a mão para chegar ao fio dos dias que nos coube em sorte, para logo o deixarmos irremediavelmente para trás. Repetindo, muitas vezes, de forma particularmente hábil, o trabalho de todos os dias, deixando na nossa esteira um sentimento de um incomensurável vazio.
Haruki Murakami (Sputnik Sweetheart)
Tu inspiraste Rowling, e foi nas terras de Morpheus que se moldou Hogwarts. Tu inspiraste Tolkien, e foi nas terras de Phantasos que se anexaram as extensões de Terra-Média. Tu inspiraste Lovecraft e em minhas terras se fixou Miskatonic. Então eu te pergunto com sinceridade, anjo: até onde vai tua vontade de ser coadjuvante em um mundo de formas e pensamentos?
Raphael Draccon (Fios de Prata - Reconstruindo Sandman)
Tu eras também uma pequena folha que tremia no meu peito. O vento da vida pôs-te ali. A princípio não te vi: não soube que ias comigo, até que as tuas raízes atravessaram o meu peito, se uniram aos fios do meu sangue, falaram pela minha boca, floresceram comigo.
Pablo Neruda
A teia que tece a vida de cada um é feita de um fio mesclado que que põem juntos o bem e o mal. Nossas virtudes seriam orgulhosas se não fossem chicoteadas por nossos erros, e nossos pecados seriam tiranos se não fossem delicadamente distraídos por nossas virtudes.
William Shakespeare (All's Well That Ends Well)
É quase dia; desejara que já tivesses ido, não mais longe porém, do que a travessa menina deixa o meigo passarinho que das mãos ela solta - tal qual pobre prisioneiro na corda bem torcida - para logo puxá-lo novamente pelo fio de seda, tão ciumenta e amorosa é de sua liberdade.
William Shakespeare (Romeo and Juliet)
- Quando foi da sementeira, o patrão Arnaldo disse-me: «Ó Bailote, tu já não tens a mesma mão para semear.» Porque eu, senhor doutor, tive sempre uma mão funda, assim grande, como um cocho de cortiça. Eu metia a mão ao saco e vinha cheia de semente. Atirava-a à terra e semeava uma jeira num ar. Conta, bom homem, conta o teu sonho perdido. Tinhas, pois, uma boa mão de semeador bíblico. Atiravas a semente e a vida nascia a teus pés. Eras senhor da criação e o universo cumpria-se no teu gesto. E, enquanto o homem falava, eu olhava-lhe a face escurecida dos séculos, os olhos doridos da sua divindade morta. Imaginava-o outrora dominando a planície com a sua mão poderosa. A terra abria-se à sua passagem como à passagem de um deus. A terra conhecia-o seu irmão como à chuva e ao sol […]. E mostrava a sua desgraçada mão, envelhecida, carbonizada de anos e soalheira. […] - Olhe. Faça ginástica aos dedos. Assim. E exemplificava. De olhos escorraçados, o homem lamentou-se: - Tenho feito, senhor doutor. Mas o patrão Arnaldo diz que eu já não tenho mão. Veja, senhor doutor, então isto não será ainda uma mão de homem? […] - Então que quer que eu lhe faça? - Dê-me um remédio, senhor doutor. Um remédio que me ponha a mão como a tinha. Assim grande, assim funda, assim… E moldava no ar a capacidade de uma mão de Jeová. Fios de sol escorriam de uma azinheira perto da estrada. Os campos repousavam no grande e plácido Outono. E pelo vasto céu azul, sem a mancha de uma nuvem, ecoava levemente a memória de Verão. Moura pôs o motor a trabalhar. - Então passe muito bem – disse ao semeador. E o carro arrancou, erguendo o pó do caminho. Mas a visita à doente foi breve. […] Regressámos enfim pelo mesmo caminho. Quando, porém, chegámos ao monte do semeador, saltou-nos à frente um grupo de pessoas […]. Moura saiu do carro e o magote de gente seguiu-o. Fiquei só. Mas o médico regressava daí a pouco, pálido, transtornado. - Que aconteceu? Ele não respondeu logo, conduzindo o carro aos tropeções. E só quando o monte se não via já me declarou: - O homem enforcou-se.
Vergílio Ferreira (Aparición)
Podias ter-me dito que ias sair da minha vida. A paixão é mesmo isto, nunca sabemos quando acaba ou se transforma em amor, e eu sabia que a tua paixão não iria resistir à erosão do tempo, ao frio dos dias, ao vazio da cama, ao silêncio da distância. Há um tempo para acreditar, um tempo para viver e um tempo para desistir, e nós tivemos muita sorte porque vivemos todos esses tempos no modo certo. Podias ter-me dito que querias conjugar o verbo desistir. Demorei muito tempo a aceitar que, às vezes, desistir é o mesmo que vencer, sem travar batalhas. Antigamente pensava que não, que quem desiste perde sempre, que a subtracção é a arma mais cobarde dos amantes, e o silêncio a forma mais injusta de deixar fenecer os sonhos. Mas a vida ensinou-me o contrário. Hoje sei que desistir é apenas um caminho possível, às vezes o único que os homens conhecem. Contigo aprendi que o amor é uma força misteriosa e divina. Sei que também aprendeste muito comigo, mais do que imaginas e do que agora consegues alcançar. Só o tempo te vai dar tudo o que de mim guardaste, esse tempo que é uma caixa que se abre ao contrário: de um lado estás tu, e do outro estou eu, a ver-te sem te poder tocar, a abraçar-te todas as noites antes de adormeceres e a cada manhã ao acordares. Não sei quando te voltarei a ver ou a ter notícias tuas, mas sabes uma coisa? Já não me importo, porque guardei-te no meu coração antes de partires. Numa noite perfeita entre tantas outras, liguei o meu coração ao teu com um fio invisível e troquei uma parte da tua alma com a minha, enquanto dormias.
Margarida Rebelo Pinto
O Medo degrada as pessoas, meu caro jovem. Se você mantiver a pressão, semanas, meses a fio, o Medo acaba por funcionar como uma doença. Ao princípio é apanas um incómodo persistente, como uma dor de dentes, como uma dor de cabeça, uma dor que se instala no espírito, e vai corroendo tudo. Pouco a pouco a pessoa começa a alterar o seu comportamento, começa a imaginar situações de perigo. Torna-se paranóica, perde o gosto pela vida e entra em depressão. Eventualmente mata-se.
José Eduardo Agualusa (Barroco Tropical)
chamão de gregoge, que foi, serrarem-os vivos pelos. pés, e pelas mãos, e pelos pescoços, e por derradeiro pelos peitos até o fio do lombo, como os eu vi depois a todos.
Fernão Mendes Pinto (Peregrinação)
Imóvel sobre a mesa, a ampulheta assinalava o movimento incessante do mundo.
João Paulo Oliveira e Costa (O Fio do Tempo)
Quem conhece o fio misterioso que leva o pensamento através do labirinto do passado à uma lembrança remota?
José de Alencar (Lucíola)
Às vezes não sei se estou viva se estou morta. Às vezes nem o sonho que sonho me é possível. Está no fio.
Raul Brandão (O Gebo e a Sombra)
O pranto é o consumar de duas viagens: da lágrima à luz e do homem para uma maior humanidade. Afinal a pessoa não vem à luz logo em pranto? O choro não é a nossa primeira voz?
Mia Couto (O Fio das Missangas)
A terra se via estar nua lembrando, distante, seu parto de carne e lua (...) A luz tombava ferida pingando como pulso suicida em minhas ocultas asas
Mia Couto (Raiz de Orvalho e Outros Poemas / O Fio das Missangas)
-La confianza es importante, sí. -Más que el amor, incluso. Yo, por ejemplo, adoro un montón de cosas de las que no me fio ni un pelo.
Suzanne Collins (The Ballad of Songbirds and Snakes (The Hunger Games, #0))
Às vezes quando acordo esqueço que ela foi embora e aí lembro e meu coração desaba, tipo quando você erra um degrau ou tropeça no meio-fio.
Annabel Pitcher (My Sister Lives on the Mantelpiece)
Patience, grasshopper
John Green (The Fault in Our Stars)
Mas saiba, eu te amei até o último fio de cabelo arrancado pela loucura com que tu me impregnaste.
Filipe Russo (Caro Jovem Adulto)
O fio da nostalgia. Narrativas servem como espelhos, que nos levam a mergulhar nas memórias.
Ben Oliveira
(...) Era muito simples o que ele ensinava.Dizia que somos maiores do que pensamos, e que a sabedoria é o caminho da liberdade. Para nos salvarmos não é necessário a pessoa retirar-se do Mundo, mas apenas renunciar à individualidade. O trabalho feito desinteressadamente purifica o espirito, e os deveres são oportunidades dadas ao homem para abafar a própria individualidade e identificar-se com a individualidade universal. (...)'' Difícil é andar sobre o aguçado fio da navalha; é árduo, dizem os sábios, é o caminho da Salvação. (Katha-Upanishad)
W. Somerset Maugham (The Razor’s Edge)
Que mistérios permanecem por revelar no sistema nervoso, essa teia de estruturas simultaneamente materiais e etéreas, essa rede que percorre o corpo, composta de milhares de fios de Ariadne, todos eles conduzindo ao cérebro, essa sombria caverna central onde os ossos humanos se encontram espalhados e os monstros espreitam... E os anjos também, recorda a si próprio. Os anjos também.
Margaret Atwood (Alias Grace)
Que coisa engraçada é a vida - esse arranjo misterioso de lógica impiedosa - visando algum desígnio fútil. O máximo que dela se pode esperar é um certo conhecimento de si mesmo - que chega tarde demais - uma safra de remorsos inextinguíveis (...) Se é essa a forma de sabedoria suprema, a vida é um enigma ainda maior do que pensam alguns de nós. Estive a um fio de cabelo da última oportunidade de me pronunciar, e descobri humilhado que provavelmente não teria nada a dizer. E é por isso que afirmo que Kurtz foi um homem notável. Ele tinha alguma coisa a dizer. E disse. (CONRAD, Joseph. Coração das trevas. Trad. Sergio Flaksman. São Paulo: Companhia de Bolso, 2008. p. 110-111).
Joseph Conrad (O Coração das Trevas)
[...] se a gente segue assim, para trás ou para a frente, vê que não pode se partir o fio da vida, mesmo que está podre nalgum lado, ele sempre se emenda noutro sítio, cresce, desvia, foge, avança, curva, pára, esconde, aparece...
José Luandino Vieira (Luuanda: Short Stories of Angola (An H.E.B. Paperback) (English and Portuguese Edition))
Dia da Criação da Noite por Carlos Nogueira “ estavam os homens as águas os animais e as terras cansados de luz e de não haver noite levantei as mãos fiz rodar a terra para que se retirasse o sol enrolei os dedos nas últimas fulgurações teci com os cintilantes fios a misteriosa linguagem dos astros depois fui pela escura abóbada estendi a fantástica tapeçaria para que lá em baixo ninguém perdesse o seu caminho e nela pudesse adivinhar o doloroso humano destino a noite ficou assim tão habitada quanto a terra os homens podem hoje sonhar com aquilo que mal entendem e quando o medo atribuiu nomes àquele luzeiro dei por terminada a obra cortei os fios como se cortasse um pedaço de mim fui para outro hemisfério adormecer o dia construir a pirâmide o quadrado o círculo a linha recta as cores do mundo e dar vida a outras incandescentes criaturas ” in A Secreta Vida das Imagens III (1984/85) de O Medo
Al Berto (O Medo)
Tu sabias perfeitamente, Egito, que em teu leme com fio atado o coração eu tinha, e que me levarias arrastado. Tinhas consciência da supremacia que sobre mim exerces e que a um simples aceno teu eu infringira as ordens dos próprios deuses.
William Shakespeare
A distinção entre sanidade e insanidade é mais estreita que o fio de uma navalha, mais afiada que os dentes de um perdigueiro, mais ágil que uma gazela. Ela é mais difícil vislumbrar do que o mais sutil fantasma. Talvez ela nem sequer exista; talvez seja mesmo um fantasma.
Philip K. Dick (VALIS)
Morte silenciosa A noite cedeu-nos o instinto para o fundo de nós imigrou a ave a inquietação Serve-nos a vida mas não nos chega: somos resina de um tronco golpeado para a luz nos abrimos nos lábios dessa incurável ferida Na suprema felicidade existe uma morte silenciada
Mia Couto (Raiz de Orvalho e Outros Poemas / O Fio das Missangas)
Não é Ricardo Reis quem pensa estes pensamentos nem um daqueles inúmeros que dentro de si moram, é talvez o próprio pensamento que se vai pensando, ou apenas pensando, enquanto ele assiste, surpreendido, ao desenrolar de um fio que o leva por caminhos e corredores ignotos (...)
José Saramago (The Year of the Death of Ricardo Reis)
And there, my dear Fio, you make one of Womankind’s greatest mistakes: falling in love with a man’s potential. We so rarely share the same view of it, and even more rarely care to achieve it. Stop pining for the man you think I could be—and take a good, long, hard look at the one I am.
Karen Marie Moning (Darkfever (Fever, #1))
Um homem que dorme mantém em círculo em torno de si o fio das horas, a ordem dos anos e dos mundos. Ao acordar consulta-os instintivamente e neles verifica em um segundo o ponto da terra em que se acha, o tempo que decorreu até despertar; essa ordenação, porém, pode-se confundir e romper.
Marcel Proust (Du côté de chez Swann (À la recherche du temps perdu, #1))
Quando se despoja uma árvore de seus ramos, ela costuma aparecer vestida de novos rebentos no tronco e não tardará que novos ramos cresçam, novas folhas reverdeçam e a copa se recomponha como era dantes. Assim acontece também, freqüentemente, a uma alma que adoece em plena florescência; volta às suas raízes primaveris e à sua infância, como se aí pudesse encontrar novas esperanças e reatar o fio quebrado do ciclo da vida. A seiva acode nos brotos que despontam no tronco mas é uma ressurreição aparente, pois a alma, tal como a árvore destroncada, jamais voltará a ser idêntica ao que era.
Hermann Hesse (Beneath the Wheel)
Na verdade, quando busco as origens da minha obsessão, que veio depois a reger o meu destino, descubro que ela brotou, como um rio na montanha, de um fio de água remoto e quase esquecido, que foi-se avolumando pouco a pouco, até converter-se na torrente que arrastou em seu curso todas as minhas esperanças e alegrias.
Mary Wollstonecraft Shelley (Frankenstein)
Na verdade, quando busco as origens da minha obsessão, que veio depois a reger o meu destino, descubro que ela brotou, como um rio na montanha, de um fio de água remoto e quase esquecido, que foi-se avolumando pouco a pouco, até converter-se na torrente que arrastou em seu curso todas as minhas esperanças e alegrias.
Mary Wollstonecraft Shelley (Frankenstein)
Uma menininha de cabelo ruivo corre até a mesa da entrada, rindo e quase se sufocando com um emaranhado de fios verdes. Um belo cachecol? Ela sorri, saltitante. — Olá — digo. — Posso-te perguntar uma coisa? — Ela ri e balança a cabeça. — Como farias para encontrar uma agulha num palheiro? A menina para, pensativa, puxando o fio verde em torno do pescoço. Na realidade, ela está a pensar sobre o problema. Pequenas engrenagens estão funcionando. Ela retorce os dedinhos juntos, refletindo. É muito fofa. Por fim, ela olha para mim e diz com seriedade. — Eu pediria à palha para encontrar a agulha. — Então, emite um guincho fantasmagórico baixo e sai pulando em um pé só. Um gongo antigo da dinastia Song ribomba na minha cabeça. Sim, claro. Ela é um génio!
Robin Sloan (Mr. Penumbra's 24-Hour Bookstore (Mr. Penumbra's 24-Hour Bookstore, #1))
- Porquê Sorcha? - disse ele. -Porquê ela para tanto sofrimento? Ela está inocente de qualquer maldade, incapaz de um pensamento mau. Porque há-de ela fazer este sacrifício por nós? - Porque é a mais forte - disse Conor simplesmente. - Porque dobra com o vento, mas não quebra. Sorcha é o fio que nos liga a todos. Sem ela somos como folhas ao vento, sopradas de um lado para o outro.
Juliet Marillier (Daughter of the Forest (Sevenwaters, #1))
Ninguém sente em si o peso do amor que se inspira e não comparte. Nas máximas aflições, nas derradeiras horas do coração e da vida, é grato ainda sentir-se amado quem já não pode achar no amor diversão das penas, nem soldar o último fio que se está partindo. Orgulho ou insaciabilidade do coração humano, seja o que for, no amor que nos dão nós graduamos o que valemos em nossa consciência.
Camilo Castelo Branco
Enquanto isto, eu ia pensando: da mesma maneira que eu agora me estou a vestir para sair, visitar o professor e trocar com ele amabilidades mais ou menos falsas, tudo sem realmente o querer, assim também vivem e agem a maior parte das pessoas, dia a dia, hora a hora, por obrigação e sem realmente o quererem, fazendo visitas, mantendo conversas, sentando-se horas a fio em repartições e escritórios (...)
Hermann Hesse (Steppenwolf)
A alma busca o fim, com urgência./Escureceu um pouco. Já morreu./Anda uma mosca pela carne quieta./Que pode me servir que aquele homem/tenha sofrido, se eu sofro agora?/// O alívio que tu e eu sentiremos no instante que precede a morte, quando a sorte nos desate do triste costume de ser alguém e do peso do universo./// Somos o vão rio prefixado, rumo a seu mar. Pela sombra cercado./Tudo nos disse adeus, tudo nos deixa./A memória não cunha sua moeda./E no entanto há algo que se queda/e no entanto há algo que se queixa/// Que são as nuvens? Uma arquitetura do azar? Deus, talvez, as necessita para a execução de Sua infinita obra e são fios da trama obscura. Talvez a nuvem seja não menos vã do que o homem que a olha de manhã/// Aos outros resta o universo; à minha penumbra, o hábito do verso///Não há outros paraísos a não ser os paraísos perdidos.
Jorge Luis Borges (Selected Poems)
Quando pensava na morte dele, que, devo dizer, não foram assim tantas vezes, sempre pensei nos termos que usaste, que todos os fios dn«entro dele se tinham quebrado. Mas há milhares de maneiras de olhar para a coisa: talvez os fios se partam, ou talvez o nosso navio afunde, ou talvez sejamos erva, as nossas raízes interdependentes de tal forma que nunca ninguém está morto enquanto alguém estiver vivo. O que quero dizer é que não nos faltam metáforas. Mas temos de ter cuidado com a metáfora que escolhemos, porque isso é importante. Se escolhemos os fios, estamos a imaginar um mundo no qual podemos ficar irreparavelmente danificados. Se escolhemos a erva, estamos a dizer que todos estamos infinitamente interligados, que podemos usar esse sistema de raízes, não só para nos compreendermos uns aos outros ma também para nos tornarmos uns nos outros. As metáforas têm implicações, percebes o que quero dizer?
John Green (Paper Towns)
Descobri que era capaz de aliviar as pessoas não só da dor mas também do medo. É estranho como há tanta gente a sofrer disso. Não me refiro a claustrofobia ou medo das alturas, mas medo da morte e, pior ainda, medo da vida. A maior parte das vezes trata-se de pessoas que parecem estar no auge da saúde e da prosperidade, sem quisquer preocupações e, no entanto, são torturadas pelo medo. Já algumas vezes pensei que esse é o estado de espírito mais confrangedor...
W. Somerset Maugham (O Fio da Navalha)
(que vergonha! Sofremos de vícios que nem romanos são) (...) Mais uma vez, chamas descansados aos que passam horas no barbeiro só para aparar aquilo que cresceu da noite para o dia, para ter uma séria discussão sobre cada fio de cabelo, para manter no sítio os caracóis ou para pentear os mais finos por cima da testa? (...) Quantos não preferem ver cair a República em vez do cabelo? Quantos não preferem ver cair a República em vez do cabelo? (...) Isto não é repouso, mas ocupação indolente.
Seneca (On the Shortness of Life: Life Is Long if You Know How to Use It (Penguin Great Ideas))
Pois é, sou do tempo em que mulher desquitada era puta, rir na Sexta-Feira da Paixão era proibido, mas podia fumar no cinema. Mulher magra era feio, usavam meia nylon de fio, cinta-liga, anágua, sutiã pontudo e saia e blusa de banlon. Mostrar o joelho era audacioso, raro ver uma mulher dirigindo carro, top models eram as misses, proibido mulher no estribo do bonde, cabelo liso não, permanente sim, as desconfortáveis toalhinhas de menstruação, blush chamava-se rouge, o território era de Rorãima, yoga era yóga e no futebol escanteio era corner.
Rita Lee (Rita lee (Portuguese Edition))
E a vida que é a realidade e o mistério. A vida é totalmente diferente de mera matéria química a fluir em elevadas manifestações de movimento. A vida permanece. A vida é o fio de fogo que permanece através de todas as manifestações da matéria. Eu sei. Eu sou vida. Eu vivi dez mil gerações. Eu vivi milhões de anos. Eu habitei muitos corpos. Eu, o possuidor desses muitos corpos, permaneço. Eu sou vida. Eu sou a chama inextinguível sempre a brilhar e a assombrar a face do tempo, sempre a trabalhar minha vontade e a descarregar minha paixão nos agregados terrenos de matéria, chamados corpos, que transitoriamente habitei.
Jack London
Dois anos antes de sair de casa, meu pai disse à minha mãe que eu era muito feia. A frase foi pronunciada à meia-voz, no apartamento que meus pais, recém-casados, compraram no Rione Alto, no topo da Via San Giacomo dei Capri. Tudo - os espaços de Nápoles, a luz azul de um fevereiro gélido - ficou parado. Eu, por outro lado, escapei para longe e continuo a escapar também agora, dentro destas linhas que querem me dar uma história, enquanto, na verdade, não sou nada, nada de meu, nada que tenha de fato começado ou se concretizado: só um emaranhado que ninguém, nem mesmo quem neste momento escreve, sabe se contém o fio certo de uma história ou se é apenas uma dor embaralhada, sem redenção.
Elena Ferrante (The Lying Life of Adults)
O mundo do trabalho torna-se assim invisível para a sociedade burguesa. Ele é realizado longe dos seus olhos, em locais distantes; a energia elétrica flui em fios que estão acima do seu campo de visão; a água corre em encanamentos subterrâneos; a coleta do lixo e os reparos nas instalações são feitos à noite; os alimentos são comprados embalados e esterelizados; os carros têm o motor encobertos e só os estofamentos luxuosos ficam à vista. Verifica-se toda uma estratégia de ocultamento do universo do trabalho: os motoristas e condutores ficam isolados numa cabina à parte; os empregados públicos e domésticos são submetidos a uniformes que identificam a posição, as tarefas e o espaço que lhes cabe; as cozinhas e os respectivos empregados desaparecem das vistas dos restaurantes, leiterias e confeitarias; a área de serviço passa a ser criteriosamente demarcada e separada da área social das residências, que adotam também portas e elevadores laterais exclusivos para seus serventes. É o sortilégio da exclusão: vive-se num mundo rico e exuberante, que se sustenta por si mesmo, embalado pelo tilintar melódico do metal precioso e rutilante. Evidentemente, nesse mundo em que não se deseja ver o trabalho, também não se suporta a visão da doença, da rebeldia, da loucura, da velhice, da miséria ou da morte, que são enclausuradas nos sanatórios, prisões, hospitais, asilos, albergues e necrotérios.
Nicolau Sevecenko
Dizemos aos confusos, Conhece-te a ti mesmo, como se conhecer-se a si mesmo não fosse a quinta e mais dificultosa operação das aritméticas humanas, dizemos aos abúlicos, Querer é poder, como se as realidades bestiais do mundo não se divertissem a inverter todos os dias a posição relativa dos verbos, dizemos aos indecisos, Começar pelo princípio, como se esse princípio fosse a ponta sempre visível de um fio mal enrolado que bastasse puxar e ir puxando até chegarmos à outra ponta, a do fim, e como se, entre a primeira e a segunda, tivéssemos tido nas mãos uma linha lisa e contínua em que não havia sido preciso desfazer nós nem desenredar estrangulamentos, coisa impossível de acontecer na vida dos novelos e, se uma outra frase de efeito é permitida, nos novelos da vida.
José Saramago (The Cave)
A natureza observadora e emocionalmente determinada do espírito lunar é designada em alemão pelas palavras pertencentes à raiz Sinn, que significa meditar, ter em mente, ponderar, considerar e ser contemplativo; e também contemplação, inclinação mental, assim, como sentidos e sensual; por último, mas não menos importante, o Eigen-Sinn (vontade própria, obstinação) que os homens em geral atribuem às mulheres. A consciência matriarcal age através da circum-ambulação e da meditação. Falta-lhe o propósito do pensamento dirigido, da conclusão lógica e do juízo. Sua Ação característica é um movimento em torno de um círculo, uma contemplação (Betrachtung, uma vez interpretada por Jung como trachtigmachen, engravidar) . Não tem o objetivo direto da consciência masculina, nem o fio aguçado de sua análise. Interessa-se mais pelo significativo do que por fatos e datas, e é orientada teleologicamente mais ao crescimento orgânico do que à causalidade mecânica ou lógica. Uma vez que o processo de cognição nessa “consciência lunar“ é uma gravidez e seu produto um nascimento, um processo em que toda a personalidade participa, seu “conhecimento “não pode ser partilhado, relatado ou provado. É uma posse interior, realizada e assimilada pela personalidade, mas não facilmente discutida, porque a experiência interna que está por trás dela não se presta a uma exploração verbal adequada, e dificilmente pode ser transmitida a alguém que não tenha passado pela mesma experiência. Por essa razão, uma consciência masculina pura e simples considera o “conhecimento” da consciência matriarcal não verificável, caprichoso e místico por excelência. Esse é, de fato, no sentido positivo, o cerne da questão. É a mesma espécie de conhecimento revelado nos mistérios e no misticismo. Consiste não de verdades partilhadas mas de transformações experimentadas, portanto necessariamente só tem validade para as pessoas que passaram pela mesma experiência. Para estas, o conselho de Goethe ainda vale: Sagt es niemand, nur den Weisen, Weil die Menge gleich verhohnet (Não conte a ninguém, apenas aos sábios, porque a multidão não tarda em zombar) Isto quer dizer que as percepções de consciência matriarcal são condicionadas pela personalidade que as realiza. Não são abstratas nem desemocionalizadas, pois a consciência matriarcal conserva o vínculo com o reino do inconsciente do qual seu conhecimento brota. Suas descobertas interiores, estão, em conseqüência, em oposição direta às da consciência masculina, que consiste idealmente de conteúdos conscientes abstratos, livres de emocionalismo e possuidores de uma validade universal não afetada por fatores pessoais.
Erich Neumann (The Fear of the Feminine and Other Essays on Feminine Psychology)
O fio da fábula, O fio que a mão de Ariadne deixou na mão de Teseu (na outra estava a espada) para que este se aventurasse no labirinto e descobrisse o cen­tro, o homem com cabeça de touro ou, como pretende Dante, o touro com cabeça de homem, e o matasse e pudesse, já executada a proeza, de­cifrar as redes de pedra e voltar para ela, para o seu amor. As coisas aconteceram assim. Teseu não podia saber que do outro la­do do labirinto estava o outro labirinto, o do tempo, e que num lugar já fixado estava Medeia. O fio perdeu-se, o labirinto perdeu-se também. Agora nem sequer sabemos se nos rodeia um labirinto, um secreto cosmos ou um caos oca­sional. O nosso mais belo dever é imaginar que há um labirinto e um fio. Nunca daremos com o fio; talvez o encontremos e o percamos num acto de fé, num ritmo, no sono, nas palavras que se chamam filosofia ou na mera e simples felicidade.
Jorge Luis Borges
Eis o que acontece: alguém, normalmente rapariga, tem um espírito livre, não se dá lá muito bem com os pais. Esses miúdos são como balões de hélio amarrados ao chão. Vão puxando pelo fio, e puxando, e puxando, até que alguma coisa acontece, o fio parte-se e eles flutuam para longe. (...) Esse fio está sempre a partir se. (...) O problema desses balões é que há muitos. O céu está carregado deles, a roçarem uns nos outros enquanto flutuam para aqui e para ali (...) balões por todo o lado (...) Ao fim de algum tempo, já não se consegue vê-los individualmente. Olha-se para cima, para todos os balões que estão no céu, e vê-se todos os balões, mas não se consegue ver nenhum deles. (...) Mas depois falamos com um miúdo (...) e sentimo-nos mal por esse miúdo porque a única coisa pior que o céu cheio que vê-mos é o que ele vê: um dia de céu azul, limpo, interrompido por aquele único balão.
John Green (Paper Towns)
E se ao menos essa ilusão da Cidade tornasse feliz a totalidade dos seres que a mantêm... Mas não! Só uma estreita e reluzente casta goza na Cidade os gozos especiais que ela cria. O resto, a escura, imensa plebe, só nela sofre, e com sofrimentos especiais que só nela existem! Deste terraço, junto a esta rica Basílica consagrada ao Coração que amou o Pobre e por ele sangrou, bem avistamos nós o lôbrego casario onde a plebe se curva sob esse antigo opróbrio de que nem Religiões, nem Filosofias, nem Morais, nem a sua própria força brutal a poderão jamais libertar! Aí jaz, espalhada pela Cidade, como esterco vil que fecunda a Cidade. Os séculos rolam; e sempre imutáveis farrapos lhe cobrem o corpo, e sempre debaixo deles, através do longo dia, os homens labutarão e as mulheres chorarão. E com este labor e este pranto dos pobres, meu Príncipe, se edifica a abundância da Cidade! Ei-la agora coberta de muradas em que eles se não abrigam; armazenada de estofos, com que eles se não agasalham; abarrotada de alimentos, com que eles se não saciam! Para eles só a neve, quando a neve cai, e entorpece e sepulta as criancinhas aninhadas pelos bancos das praças ou sob os arcos das pontes de Paris... A neve cai, muda e branca na treva; as criancinhas gelam nos seus trapos; e a polícia, em torno, ronda atenta para que não seja perturbado o tépido sono daqueles que amam a neve, para patinar nos lagos do Bosque de Bolonha com peliças de três mil francos. Mas quê, meu Jacinto! A tua Civilização reclama insaciavelmente regalos e pompas, que só obterá, nesta amarga desarmonia social, se o Capital der ao Trabalho, por cada arquejante esforço, uma migalha ratinhada. Irremediável, é, pois, que incessantemente a plebe sirva, a plebe pene! A sua esfalfada miséria é a condição do “esplendor sereno da Cidade. Se nas suas tigelas fumegasse a justa ração de caldo – não poderia aparecer nas baixelas de prata a luxuosa porção de foie gras e túbaras que são o orgulho da Civilização. Há andrajos em trapeiras – para que as belas Madames d’Oriol, resplandecentes de sedas e rendas, subam, em doce ondulação, a escadaria da Ópera. Há mãos regeladas que se estendem, e beiços sumidos que agradecem o dom magnânimo de um sou – para que os Efrains tenham dez milhões no Banco de França, se aqueçam à chama rica da lenha aromática, e surtam de colares de safiras as suas concubinas, netas dos duques de Atenas. E um povo chora de fome, e da fome dos seus pequeninos – para que os Jacintos, em janeiro, debiquem, bocejando, sobre pratos de Saxe, morangos gelados em champanhe e avivados de um fio de éter! – E eu comi dos teus morangos, Jacinto! Miseráveis, tu e eu! Ele murmurou, desolado: – É horrível, comemos desses morangos...
Eça de Queirós (A Cidade e as Serras)
Cada vez que um acontecimento numinoso faz vibrar fortemente a alma, há o perigo de que se rompa o fio em que estamos suspensos. Então o ser humano pode cair num 'sim' absoluto ou num 'não', que também o é! 'Nirdvandva' - livre dos dois - diz o Oriente. Não esqueci tal coisa. O pêndulo do espírito oscila entre sentido e não sentido e não entre verdadeiro e falso. O perigo do numinoso é que ele impele aos extremos e então uma verdade modesta é tomada pela Verdade e um erro mínimo por uma grande aberração fatal. Tudo passa: o que ontem era verdade, hoje é erro, e o que antes de ontem era considerado erro será talvez uma revelação amanhã... E isto é ainda mais válido na dimensão psicológica, acerca da qual, na realidade sabemos pouquíssimo. Muitas vezes negligenciamos isto e estamos longe de levá-lo em conta: que nada, absolutamente nada existe, enquanto uma consciência, por restrita que seja - luz efêmera - não o advirta.
C.G. Jung
(Cont.. Página 46) O seu rosto negro, bonito, cintilava ali na minha frente. Fiquei boquiaberto, tentando pensar em alguma maneira de responder. Ficamos juntos, enlaçados daquela maneira durante alguns segundos; então o som da fábrica saltou num arranco, e alguma coisa começou a puxá-la para trás, afastando-a de mim. Um cordão em algum lugar que eu não via se havia prendido naquela saia vermelha florida e a puxava para trás. As unhas dela foram arranhando as minhas mãos e, tão logo ela desfez o contato comigo, seu rosto saiu novamente de foco, tornou-se suave e escorregadio como chocolate derretendo-se atrás daquela neblina de algodão que soprava. Ela riu e girou depressa, deixando que eu visse a perna amarela, quando a saia subiu. Lançou-me uma piscadela de olho por sobre o ombro enquanto corria para sua máquina, onde uma pilha de fibra deslizava da mesa para o chão; ela apanhou tudo e saiu correndo sem barulho pela fileira de máquinas para enfiar as fibra num funil de enchimento; depois, desapareceu no meu ângulo de visão virando num canto. (Página 47) "Todos aqueles fusos bobinando e rodando, e lançadeiras saltando por todo lado, e carretéis fustigando o ar com fios, paredes caiadas e máquinas cinza-aço e moças com saias floridas saltitando para a frente e para trás e a coisa toda tecida como uma tela, com linhas brancas corrediças que prendiam a fábrica, mantendo-a unida - aquilo tudo me marcou e de vez em quando alguma coisa na enfermaria o traz de volta à minha mente Sim. Isto é o que sei.. A enfermaria é uma fábrica da Liga. Serve para reparar os enganos cometidos nas vizinhanças, nas escolas e nas igrejas, isso é o que o hospital é. Quando um produto acaba, volta para a sociedade lá fora - todo reparado e bom como se fosse novo, às vezes melhor do que se fosse novo, traz alegria ao coração da Chefona; algo que entrou deformado, todo diferente, agora é um componente em funcionamento e bem-ajustado, um crédito para todo esquema e uma maravilha para ser observado. Observe-o se esgueirando pela terra com um sorriso, encaixando-se em alguma vizinhançazinha, onde estão escavando valas agora mesmo, por toda a rua, para colocar encanamento para a água da cidade. Ele está contente com isso. Ele finalmente está ajustado ao meio-ambiente...
Ken Kesey (One Flew Over the Cuckoo’s Nest)
Estou escrevendo há muito tempo e estou cansada, é cada vez mais difícil manter esticado o fio do relato dentro do caos dos anos, dos acontecimentos miúdos e grandes, dos humores. Sendo assim, ou tendo a passar por cima dos fatos relacionados a mim para logo agarrar Lila pelos cabelos com todas as complicações que ela tem, ou, pior, deixo-me tomar pelos acontecimentos de minha vida apenas porque os desembucho com mais facilidade. Mas tenho de me furtar a essa encruzilhada. Não devo seguir o primeiro caminho, no qual - já que a própria natureza de nossa relação impõe que eu só possa chegar a ela passando por mim - eu acabaria, caso me colocasse de fora, encontrando cada vez menos vestígios de Lila. Nem devo, por outro lado, seguir o segundo. De fato, o que ela com certeza mais apoiaria é que eu falasse de minha experiência cada vez mais profusamente. Vamos - me diria -, nos conte que rumo sua vida tomou, quem se importa com a minha, confesse que ela não interessa nem mesmo a você. E concluiria: eu sou um rascunho em cima de um rascunho, totalmente inadequada para um de seus livros; me deixe em paz, Lenù, não se narra um apagamento
Elena Ferrante
Julguei que ia morrer. Queria morrer. E julguei que se fosse morrer ia morrer contigo. Rapazes como tu, jovens como eu…vi morrer tantos ao pé de mim durante o ano passado! Não tive medo nenhum. Não foi coragem o que ainda agora me fez ficar aqui. Pensei com os meus botões: "Temos esta cama, esta erva, devíamos ter-nos deitado juntados, abraçados, antes de morrer". Apeteceu-me tocar-te nesse osso do pescoço, a clavícula, que parece uma asa pequena e dura debaixo da pele. Apeteceu-me afagá-la com os dedos. Sempre gostei de corpos da cor dos rios e das pedras, da cor do olho castanho de uma susana, conheces essa flor? Já viste alguma? Estou tão cansada Kip, só me apetece dormir. Apetece-me dormir debaixo desta árvore, de cara encostada à tua clavícula, apetece-me fechar os olhos, sem pensar em mais ninguém, encontrar um nicho de árvore, trepar lá para dentro e dormir. Que espírito meticuloso! Saber que fio hás de cortar. Como é que soubeste? Foste dizendo não sei, não sei, mas sabias. Não foi? Não tremas, tens de ser uma cama sossegada para mim, deixa-me aninhar-me, abraçar-te como se fosses um avozinho, adiro a palavra "aninhar", tão lenta, não se pode apressá-la.
Michael Ondaatje (The English Patient)
O tempo que nos resta "De súbito sabemos que é já tarde. Quando a luz se faz outra, quando os ramos da árvore que somos soltam folhas e o sangue que tínhamos não arde como ardia, sabemos que viemos e que vamos. Que não será aqui a nossa festa. De súbito chegamos a saber que andávamos sozinhos. De súbito vemos sem sombra alguma que não existe aquilo em que nos apoiávamos. A solidão deixou de ser um nome apenas. Tocamo-la, empurra-nos e agride-nos. Dói. Dói tanto! E parece-nos que há um mundo inteiro a gritar de dor, e que à nossa volta quase todos sofrem e são sós. Temos de ter, necessariamente, uma alma. Se não, onde se alojaria este frio que não está no corpo? Rimos e sabemos que não é verdade. Falamos e sabemos que não somos nós quem fala. Já não acreditamos naquilo que todos dizem. Os jornais caem-nos das mãos. Sabemos que aquilo que todos fazem conduz ao vazio que todos têm. Poderíamos continuar adormecidos, distraídos, entretidos. Como os outros. Mas naquele momento vemos com clareza que tudo terá de ser diferente. Que teremos de fazer qualquer coisa semelhante a levantarmo-nos de um charco. Qualquer coisa como empreender uma viagem até ao castelo distante onde temos uma herança de nobreza a receber. O tempo que nos resta é de aventura. E temos de andar depressa. Não sabemos se esse tempo que ainda temos é bastante. E de súbito descobrimos que temos de escolher aquilo que antes havíamos desprezado. Há uma imensa fome de verdade a gritar sem ruído, uma vontade grande de não mais ter medo, o reconhecimento de que é preciso baixar a fronte e pedir ajuda. E perguntar o caminho. Ficamos a saber que pouco se aproveita de tudo o que fizemos, de tudo o que nos deram, de tudo o que conseguimos. E há um poema, que devíamos ter dito e não dissemos, a morder a recordação dos nossos gestos. As mãos, vazias, tristemente caídas ao longo do corpo. Mãos talvez sujas. Sujas talvez de dores alheias. E o fundo de nós vomita para diante do nosso olhar aquelas coisas que fizemos e tínhamos tentado esquecer. São, algumas delas, figuras monstruosas, muito negras, que se agitam numa dança animalesca. Não as queremos, mas estão cá dentro. São obra nossa. Detestarmo-nos a nós mesmos é bastante mais fácil do que parece, mas sabemos que também isso é um ponto da viagem e que não nos podemos deter aí. Agora o tempo que nos resta deve ser povoado de espingardas. Lutar contra nós mesmos era o que devíamos ter aprendido desde o início. Todo o tempo deve ser agora de coragem. De combate. Os nossos direitos, o conforto e a segurança? Deixem-nos rir... Já não caímos nisso! Doravante o tempo é de buscar deveres dos bons. De complicar a vida. De dar até que comece a doer-nos. E, depois, continuar até que doa mais. Até que doa tudo. Não queremos perder nem mais uma gota de alegria, nem mais um fio de sol na alma, nem mais um instante do tempo que nos resta." Miguel Gonçalves
eu
Não, não há escapatória. Não existe céu com um pouco de inferno nele – não tentemos reter isso ou aquilo do mal em nossos corações ou em nossos bolsos. Satanás deve sair, cada fiapo, cada fio de cabelo.” (George MacDonald) O poeta inglês William Blake (1757-1827) escreveu 'O Casamento do Céu e do Inferno'. Se escrevo sobre o Divórcio, não é porque me julgue à altura para antagonizar com tão grande gênio, nem porque tenha pleno conhecimento do que ele queria dizer. No entanto, em um sentido ou outro, é constante a tentativa de fazer tal casamento. Essa tentativa baseia-se na crença de que a realidade nunca se apresenta a nós como uma escolha inevitável entre 'isso ou aquilo'; de que, com habilidade, paciência e (sobretudo) tempo suficiente, seria possível encontrar uma maneira de acomodar as duas alternativas; e de que a simples evolução, adaptação ou refinamento conseguirá, de algum jeito, transformar o mal em bem, sem que sejamos interpelados a rejeitar, de modo definitivo e integral, aquilo que desejamos conservar. Essa crença é, a meu juízo, um erro desastroso. Você não pode levar toda a bagagem consigo em todas as viagens; em alguma jornada, sua mão e seu olho direitos podem estar entre as coisas que você terá de deixar para trás. Não vivemos num mundo onde todos os caminhos são como raios de um círculo, que, se suficientemente percorridos, gradualmente se aproximariam um do outro e, ao fim, convergiriam no centro; vivemos, sim, num mundo onde cada caminho, depois de alguns quilômetros, se bifurca e onde cada uma das duas ramificações, por sua vez, se biparte novamente; e, em cada encruzilhada, você precisa tomar uma decisão. Mesmo no nível biológico, a vida não é como um rio, e sim como uma árvore. A vida não flui no sentido da unidade, mas, ao contrário, afasta-se dela, e as criaturas se diferenciam entre si à medida que se aprimoram. O bem, quando amadurece, distingue-se não apenas do mal, mas também de outro bem. Não creio que todos aqueles que optam por caminhos equivocados pereçam, mas seu resgate consiste em serem colocados de volta na estrada certa. Uma operação de adição pode ser corrigida: mas isso só pode ser feito retornando até encontrar o erro e refazendo o cálculo a partir dali; nunca simplesmente prosseguindo. O mal pode ser desfeito, mas não pode 'evoluir' para o bem. O tempo não o cura. O feitiço deve ser revertido, aos poucos, 'com sussurros de trás para frente, de poder disjuntivo' (peça ‘Comus’, do poeta inglês John Milton – 1608-1674) – ou, então, o encanto não cessará. É 'uma coisa ou outra'. Se insistirmos em preservar o Inferno (ou mesmo a Terra), não veremos o Céu: se aceitarmos o Céu, não poderemos guardar sequer o menor e o mais íntimo 'suvenir' do Inferno. Acredito, com efeito, que toda pessoa que alcançar o Céu descobrirá que o que abandonou (mesmo que seja arrancando seu olho direito) na verdade não era nada: que o cerne daquilo que estava ansiosamente procurando, mesmo em seus desejos mais pervertidos, estará lá, além das expectativas, aguardando por ela nos 'Países Altos'. Nesse sentido, os que tiverem completado a jornada (e somente estes) poderão verdadeiramente dizer que o bem está em tudo, e o Céu, em todo lugar. Entretanto, deste lado da estrada, não devemos tentar antecipar essa observação retrospectiva. Se o fizermos, provavelmente estaremos abraçando o falso e desastroso avesso e fantasia de que tudo é bom e de que todo lugar é o Céu. Mas e a terra? – você perguntará. Imagino que, no fim, ninguém a achará um lugar muito diferente. Penso que, se escolhida em prejuízo do Céu, a terra acabará se revelando uma mera região no Inferno e, se colocada em segundo lugar, depois do Céu, se mostrará desde o início como uma parte do próprio Céu.
C.S. Lewis (The Great Divorce)
By cooperating, Verizon Wireless is implicitly promising that the FiOS service will spread no farther; Comcast and Time Warner, for their part, are implicitly promising that they will not go into the wireless business.
Susan P. Crawford (Captive Audience)
É uma ilusão que temos aqui na Terra, de que um momento se segue ao outro, como contas num fio, e que, uma vez um momento tenha passado, ele se foi para sempre.
Anonymous
A rapariga tinha uma mancha roxa na face esquerda. Começava na pálpebra, descia pela maçã do rosto e terminava num pingo de cor junto ao queixo. Era como se Deus tivesse brincado com o tubo de guache e, a dado momento, tivesse carregado com um pouquinho mais de força, derramando um feixe de cor na pele alva. O rapaz tinha seis dedos na mão direita. Junto ao dedo mindinho, existia, mais pequeno, um outro. Talvez Deus se tivesse entusiasmado a brincar no barro e tivesse resolvido moldar um dedo extra à sua criação. Ele deslizou a mão de seis dedos pela face esquerda dela, como um dedilhar suavíssimo nas teclas de um piano, tocando uma melodia quase inaudível, ou a espuma que sobeja numa onda rasteira e deixa um beijo tímido na areia. Ela fechou os olhos e esperou. Com a ponta dos dedos, ele desenhou a ternura naquela tela violácea, num coração cheio de amor e numa flor cujo caule terminava no canto dos lábios. Observo-os da janela, entre tragos de uma bebida. Protegiam-se da intempérie debaixo do toldo do bar. Antes de terem aparecido para se abrigarem da chuva, o anoitecer caía negro, chuvoso e triste. Naquele momento, como um fio de cor que escorrega por uma lata de tinta, de entre os seis dedos do rapaz que amavam a mancha roxa da rapariga, o amor explodiu num sorriso cor-de-rosa que coloriu os lábios dela e fez cintilar os olhos azuis dele.
Margarida Leitão (Instantâneos: fragmentos da memória)
Chovia sempre e eu custei para conseguir me levantar daquela poça de lama, chegava num ponto, eu voltava ao ponto, em que era necessário um esforço muito grande, era preciso um esforço tão terrível que precisei sorrir mais sozinho e inventar mais um pouco, aquecendo meu segredo, e dei alguns passos, mas como se faz? me perguntei, como se faz isso de colocar um pé após o outro, equilibrando a cabeça sobre os ombros, mantendo ereta a coluna vertebral, desaprendia, não era quase nada, eu, mantido apenas por aquele fio invisível ligado à minha cabeça, agora tão próximo que se quisesse eu poderia imaginar alguma coisa como um zumbido eletrônico saindo da cabeça dele até chegar na minha, mas como se faz? eu reaprendia e inventava sempre, sempre em direção a ele, para chegar inteiro, os pedaços de mim todos misturados que ele disporia sem pressa, como quem brinca com um quebra-cabeça para formar que castelo, que bosque, que verme ou deus, eu não sabia, mas ia indo pela chuva porque esse era meu único sentido, meu único destino: bater naquela porta escura onde eu batia agora. E bati, e bati outra vez, e tornei a bater, e continuei batendo sem me importar que as pessoas na rua parassem para olhar, eu quis chamá-lo, mas tinha esquecido seu nome, se é que alguma vez o soube, se é que ele o teve um dia, talvez eu tivesse febre, tudo ficara muito confuso, idéias misturadas, tremores, água de chuva e lama e conhaque no meu corpo sujo gasto exausto batendo feito louco naquela porta que não abria, era tudo um engano, eu continuava batendo e continuava chovendo sem parar, mas eu não ia mais indo por dentro da chuva, pelo meio da cidade, eu só estava parado naquela porta fazia muito tempo, depois do ponto, tão escuro agora que eu não conseguiria nunca mais encontrar o caminho de volta, nem tentar outra coisa, outra ação, outro gesto além de continuar batendo, batendo, batendo, batendo, batendo, batendo, batendo, batendo, batendo, batendo, batendo, batendo, batendo, na mesma porta que não abre nunca.
Caio Fernando Abreu
O que se sabe da realidade se sabe por telefone sem fio.
Filipe Russo (Asfixia)
A vida é um colar. Eu dou o fio, as mulheres dão as missangas.
Mia Couto (O Fio das Missangas)
Toda a vida acreditei: amor é dois se duplicarem em um. Mas hoje sinto: ser um é ainda muito. De mais. Ambiciono, sim, ser o múltiplo de nada. Ninguém no plural. Ninguéns.
Mia Couto (O Fio das Missangas)
Raiz de orvalho Sou agora menos eu e os sonhos que sonhara ter em outros leitos despertaram Quem me dera acontecer essa morte de que não se morre e para um outro fruto me tentar seiva ascendendo porque perdi a audácia do meu próprio destino soltei ânsia do meu próprio delírio e agora sinto tudo o que os outros sentem sofro do que eles não sofrem anoiteço na sua lonjura e vivendo na vida que deles desertou ofereço o mar que em mim se abre à viagem mil vezes adiada De quando em quando me perco na procura a raiz do orvalho e se de mim me desencontro foi porque de todos os homens se tornaram todas as coisas como se todas elas fossem o eco as mãos a casa dos gestos como se todas as coisas me olhassem com os olhos de todos os homens Assim me debruço na janela do poema escolho a minha própria neblina e permito-me ouvir o leve respirar dos objectos sepultados em silêncio e eu invento o que escrevo escrevendo para me inventar e tudo me adormece porque tudo desperta a secreta voz da infância Amam-me demasiado as cosias de que me lembro e eu entrego-me como se me furtasse à sonolenta carícia desse corpo que faço nascer dos versos a que livremente me condeno
Mia Couto (Raiz de Orvalho e Outros Poemas / O Fio das Missangas)
Ave Seria um pássaro No sono das asas ondulava toda a solidão do céu Terrestre, só a fugitiva sombra Paisagem nenhuma lhe dava abrigo Pousado, o corpo de si mesmo se exilava Nos ensinava a deslumbrância da viagem a nós que só na morte olharemos os céus de frente
Mia Couto (Raiz de Orvalho e Outros Poemas / O Fio das Missangas)
Os fios telefônicos carregavam apenas mensagens literais, nunca os gritos subterrâneos de angústia, de desespero. Como os telegramas, eles entregavam apenas golpes finais e finitos: chegadas, partidas, nascimentos e mortes, mas nenhum espaço para fantasias como: Long Island é uma tumba e mais um dia nela iria provocar asfixia.
Anaïs Nin
Quem comanda o conto não é a voz, é o ouvido." p.139 "Mesmo em Raisam, cidade triste, corre um fio invisível que liga um ser vivo a outro por um instante e a seguir se desfaz, e depois torna a estender-se entre pontos em movimento desenhando novas rápidas figuras de modo que a cada segundo a cidade infeliz contém uma cidade feliz que nem sequer sabe que existe." p.151 "E Polo: - O inferno dos vivos não é uma coisa que virá a existir; se houver um, é o que já está aqui, o inferno que habitamos todos os dias, que nós formamos aos estarmos juntos. Há dois modos para não o sofrermos. O primeiro torna-se fácil para muita gente: aceitar o inferno e fazer parte dele a ponto de já não o vermos. O segundo é arriscado e exige uma atenção e uma aprendizagem contínuas: tentar e saber reconhecer, no meio do inferno, quem e o que não é inferno, e fazê-lo viver, e dar-lhe lugar." p.166
Italo Calvino
Tudo se esbateu aos meus sentidos, se nimbou de Subtil. Tudo hoje apenas adivinho. Eis como venço seguir olvidado - preso por fios de sombra ao meu quebranto.
Mário de Sá-Carneiro (Céu Em Fogo)
Tinha no colo um cacho de uvas douradas que tornavam a brotar logo que as comia. Mas dessa vez não as arrancava uma a uma, e sim de duas em duas, mal respirando na ânsia de acabar com o cacho até a última uva. A guardiã que entrou com a incumbência de prepará-la para a última sessão de exorcismos a encontrou morta de amor na cama, os olhos fulgurantes e pele de recém-nascida. Os fios de cabelo brotavam-lhe como borbulhas no crânio raspado, e era possível vê-los crescer.
Gabriel García Márquez (Of Love and Other Demons)
No em fio mai de ningú, sospito de tothom perquè sí. Sempre espero el pitjor dels altres.
Veronica Roth (Divergent (Divergent, #1))
Por vezes, ao sexto ou sétimo cálice, sinto que quase o consigo, que estou prestes a consegui-lo, que as pinças canhestras do meu entendimento vão colher, numa cautela cirúrgica, o delicado núcleo do mistério, mas logo de imediato me afundo no júbilo informe de uma idiotia pastosa a que me arranco no dia seguinte, a golpes de aspirina e sais de frutos, para tropeçar nos chinelos a caminho do emprego, carregando comigo a opacidade irremediável da minha existência, tão densa de um lodo de enigmas como pasta de açúcar na chávena matinal. Nunca lhe aconteceu isto, sentir que está perto, que vai lograr num segundo a aspiração adiada e eternamente perseguida anos a fio, o projeto que é ao mesmo tempo o seu desespero e a sua esperança, estender a mão para agarrá-lo numa alegria incontrolável e tombar, de súbito, de costas, de dedos cerrados sobre nada, à medida que a aspiração ou o projecto se afastam tranquilamente de si no trote miúdo da indiferença, sem a fitarem sequer? Mas talvez que você não conheça essa espécie horrorosa de derrota, talvez que a metafísica constitua apenas para si um incômodo tão passageiro como uma comichão efémera, talvez que a habite a jubilosa leveza dos botes ancorados, balouçando devagar numa cadência autônoma de berços. Uma das coisas, aliás, que me encanta em si, permita-me que lho afirme, é a inocência, não a inocência inocente das crianças e dos polícias, feita de uma espécie de virgindade interior obtida à custa da credulidade ou da estupidez, mas a inocência sábia, resignada, quase vegetal, diria, dos que aguardam dos outros e deles próprios o mesmo que você e eu, aqui sentados, esperamos do empregado que se dirige para nós chamado pelo meu braço no ar de bom aluno crônico: uma vaga atenção distraída e o absoluto desdém pela magra gorjeta da nossa gratidão.
António Lobo Antunes (Os Cus de Judas)
No canto remoto da mente dela, essa frase tinha sido um fio de fumo, mas a voz tornou-a fogo. Só as cinzas permaneciam do riso e da alegria de pouco antes.
Ramona Tudosa (A Menina do Fato Amarelo)
O suicídio é um acto de coragem, o desejo de antecipar a morte, de adiantar as horas. Qual será, afinal, a diferença entre ter a vida presa por um fio ou o pescoço por uma corda?
Gonçalo S. Neves
E, enchendo o cachimbo, eu sorria aos meus pensamentos. Sim! Ao outro dia deixaria essa cinzenta cidade, que lá em baixo se agachava entre os seus muros funebres como viuva que não quer ser consolada… Depois uma manhã, cortando a vaga azul, avistaria a serra fresca de Cintra: as gaivotas da patria vinham dar-me o grito de boa acolhida, esvoaçando em torno aos mastros; Lisboa pouco a pouco surgia, com as suas brancas caliças, a herva nos seus telhados, indolente e dôce aos meus olhos… Berrando «oh titi, oh titi!», eu trepava as escadas de pedra da nossa casa em Sant'Anna: e a titi, com fios de baba no queixo, punha-se a tremer diante da Grande Reliquia que eu lhe offerecia, modesto. Então, na presença de testemunhas celestes, de S. Pedro, de Nossa Senhora do Patrocinio, de S. Casimiro e de S. José, ella chamava-me «seu filho, seu herdeiro!» E ao outro dia começava a amarellecer, a definhar, a gemer… Oh delicia!
J.K. Rowling (Harry Potter y las Reliquias de la Muerte (Harry Potter, #7))
Vae, puto deus fio." "Dear me, I think I'm becoming a god" Titus Flavius Caesar Vespasianus Augustus - 23 June 79 A.D.
Vepasian
À parte estes aborrecimentos, não me sentia muito infeliz. Todo o problema, repito-o, estava em matar o tempo. Por último, acabei por já não me maçar, a partir do instante em que aprendi a recordar. Punha-me às vezes a pensar no meu quarto e, em imaginação, partia de um canto e dava a volta ao quarto, enumerando mentalmente tudo o que encontrava pelo caminho. Ao princípio, isto durava pouco. Mas, cada vez que recomeçava, ia durando mais, pois lembrava-me de cada móvel e, para cada móvel, de cada objecto que lá havia e, para cada objecto, de todos os pormenores, e para os próprios pormenores, de uma incrustação, de uma racha, de um bordo quebrado, da cor que tinham, ou da qualidade de que eram feitos. Tentava ao mesmo tempo não perder o fio a este inventário e fazer uma enumeração completa. De tal forma que, ao fim de algumas semanas, passava horas só a catalogar tudo o que havia no meu quarto. Assim, quanto mais pensava, mais coisas esquecidas ia tirando da memória.
Albert Camus (The Stranger)
Meu estandarte estava atrás de mim, e atrairia homens ambiciosos. Eles queriam minha caveira como uma taça para beber, meu nome como troféu. Olhavam-me enquanto eu os olhava, e viam não um homem coberto de lama, mas sim um senhor de guerra com um elmo que tinha um lobo na crista, braceletes de ouro, malha de elos apertados e um manto azul-escuro com bainha de fios dourados e uma espada famosa por toda a Britânia. Bafo de Serpente era famosa, mas mesmo assim eu voltei a embainhá-la, porque uma espada longa não ajuda no abraço da parede de escudos. Em vez disso peguei Ferrão de Vespa, curta e mortal. Beijei sua lâmina e em seguida gritei meu desafio ao vento de inverno. – Venham me matar! Venham me matar! E eles vieram.
Bernard Cornwell (Crônicas Saxônicas 5 Volumes Box (O Último Reino, O Cavaleiro da Morte, Os Senhores do Norte, A Canção da Espada, Em Terra em Chamas))
Eu tenho um colar de pérolas Enfiado para te dar: As per'las são os meus beijos, O fio é o meu penar.
Fernando Pessoa (Poems of Fernando Pessoa)
um fio de sémen atava o coração devassado pela salsugem in SALSUGEM
Al Berto (O Medo)
A natureza sorriu-se comovida. Um sino, ao longe, batia alegre as doze badaladas do meio-dia. O sol, vitorioso, estava a pino e, por entre a copagem negra da mangueira, um dos seus raios descia em fio de ouro sobre o ventre da rapariga, abençoando a nova mulher que se formava para o mundo.
Aluísio Azevedo (O Cortiço)
Éramos peixes, somos peixes, fomos sempre peixes, equilibrados entre duas águas na busca de um compromisso impossível entre a inconformidade e a resignação, nascidos sob o signo da Mocidade Portuguesa e do seu patriotismo veemente e estúpido de pacotilha, alimentados culturalmente pelo ramal da Beira Baixa, os rios de Moçambique e as serras do sistema Galaico-Duriense, espiados pelos mil olhos ferozes da Pide, condenados ao consumo de jornais que a censura reduzia a louvores melancólicos ao relento de sacristia de província do Estado Novo, e jogados por fim na violência paranóica da guerra, ao som de marchas guerreiras e dos discursos heróicos dos que ficavam em Lisboa, combatendo, combatendo corajosamente o comunismo nos grupos de casais do prior, enquanto nós, os peixes, morríamos nos cus de Judas uns após outros, tocava-se um fio de tropeçar, uma granada pulava e dividia-nos ao meio, trás, o enfermeiro sentado na picada fitava estupefacto os próprios intestinos que segurava nas mãos, uma coisa amarela e gorda e repugnante quente nas mãos, o apontador de metralhadora de garganta furada continuava a disparar, chegava-se sem vontade de combater ninguém, tolhido de medo, e depois das primeiras baixas saía-se para a mata por raiva na ânsia de vingar a perna do Ferreira e o corpo mole e de repente sem ossos do Macaco, (...)
António Lobo Antunes (Os Cus de Judas)
[...] se a gente segue assim, para trás ou para a frente, vê que não pode se partir o fio da vida, mesmo que está podre nalgum lado, ele sempre se emenda noutro sítio, cresce, desvia, foge, avança, curva, pára, esconde, aparece... " - from "Luuanda
José Luandino Vieira
Quan­do in­fi­ne re­cu­pe­rò il fia­to fece usci­re tut­ti per par­la­re da solo col suo me­di­co. «Non mi im­ma­gi­na­vo che que­sta stron­za­ta fos­se così gra­ve da far pen­sa­re all'olio san­to» gli dis­se. «Io, che non ho la gio­ia di cre­de­re nel­la vita dell'al­tro mon­do.» «Non si trat­ta di que­sto» dis­se Ré­vé­rend. «E' noto che si­ste­ma­re le fac­cen­de del­la co­scien­za in­fon­de all'am­ma­la­to uno sta­to d'ani­mo che fa­ci­li­ta mol­to l'in­com­ben­za del me­di­co.» Il ge­ne­ra­le non pre­stò at­ten­zio­ne alla mae­stria del­la ri­spo­sta, per­ché lo fece rab­bri­vi­di­re la ri­ve­la­zio­ne ac­ce­can­te che la fol­le cor­sa fra i suoi mali e i suoi so­gni ar­ri­va­va in quel mo­men­to alla meta fi­na­le. Il re­sto era­no te­ne­bre. «Caz­zo» so­spi­rò. «Come farò a usci­re da que­sto la­bi­rin­to?» Esa­mi­nò il lo­ca­le con la chia­ro­veg­gen­za del­le sue in­son­nie, e per la pri­ma vol­ta vide la ve­ri­tà: l'ul­ti­mo let­to pre­sta­to, la toe­let­ta di pie­tà il cui fo­sco spec­chio di pa­zien­za non l'avreb­be più ri­pe­tu­to, il ba­ci­le di por­cel­la­na scro­sta­ta con l'ac­qua e l'asciu­ga­ma­no e il sa­po­ne per al­tre mani, la fret­ta sen­za cuo­re dell'oro­lo­gio ot­ta­go­na­le sfre­na­to ver­so l'ap­pun­ta­men­to ine­lut­ta­bi­le del 17 di­cem­bre all'una e set­te mi­nu­ti del suo po­me­rig­gio ul­ti­mo. Al­lo­ra in­cro­ciò le brac­cia sul pet­to e co­min­ciò a udi­re le voci rag­gian­ti de­gli schia­vi che can­ta­va­no il sal­ve del­le sei nei fran­toi, e vide dal­la fi­ne­stra il dia­man­te di Ve­ne­re nel cie­lo che se ne an­da­va per sem­pre, le nevi eter­ne, il ram­pi­can­te le cui nuo­ve cam­pa­nu­le gial­le non avreb­be vi­sto fio­ri­re il sa­ba­to suc­ces­si­vo nel­la casa sbar­ra­ta dal lut­to, gli ul­ti­mi ful­go­ri del­la vita che mai più, per i se­co­li dei se­co­li, si sa­reb­be ri­pe­tu­ta.
Gabriel García Márquez (I grandi romanzi)