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Sou assediada pelo medo, Aurel! Tenho medo daquilo que os homens da Igreja possam um dia fazer a mulheres como eu. Não apenas porque somos mulheres - porque Deus criou-nos mulheres. Mas porque tentamos a vocês, que são homens - pois Deus criou-os homens. Achas que Deus ama os eunucos e castrados acima daqueles homens que amam uma mulher. Então cuida como louvas a obra de Deus, pois ele não criou o homem para se castrar.
Não posso esquecer o que aconteceu em Roma, e não penso mais em mim, pois não foi sobre mim que desencadeaste tua ira naquele dia. Foi sobre Eva, Excelência Reverendíssima, sobre a mulher. E aquele que faz mal a alguém ameaça a todos.
Tremo, pois temo o dia que virá quando mulheres como eu serão liquidadas pelos homens da Igreja universal. E por que serão liquidadas, Excelência Reverendíssima? Porque lembrar a vocês o fato de terem renegado suas próprias almas e seus próprios dons. E em nome de quê? De um Deus, dizem vocês todos, daquele que criou um céu acima de vocês e também uma terra onde realmente estão as mulheres que os trazem ao mundo.
Se Deus existe, que ele te perdoe. Mas talvez venhas a ser julgado um dia por todas as alegrias da vida a que deste as costas. Renuncias ao amor entre homem e mulher. Isso talvez possa ser perdoado. Mas o fazes em nome de Deus.
A vida é curta, e sabemos muito pouco. Mas se foi por tua ordem que me deram tuas confissões para ler aqui em Cartago, a resposta é não. Não me deixarei batizar, Excelência Reverendíssima. Não é a Deus que temo. Sinto que já vivo com ele, e, afinal, não foi ele que me criou? Nem é o Nazareno que me detém, ele era provavelmente um homem de Deus de fato. E não era ele também justo com as mulheres? É dos teólogos que tenho medo. Que o Deus do Nazareno te perdoe por toda a ternura e todo o amor que proscreveste.
[Flória Emília foi mulher de Aurélio Agostinho, o Santo Agostinho, por 12 anos antes de ser abandonada]
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