“
Mas e o amor? O que é senão um monte de gostar? Gostar de falar, gostar de tocar, gostar de cheirar, gostar de ouvir, gostar de olhar. Gostar de se abandonar no outro. O amor não passa de um gostar de muitos verbos ao mesmo tempo.
”
”
Carla Madeira (Tudo é rio)
“
Quem não compreende um olhar,
tampouco compreenderá uma longa explicação
”
”
Mario Quintana
“
A vida foge-nos, escapasse-nos como água entre os dedos. Morremos a cada respiração, a cada palavra, a cada olhar, momento a momento encurta-se a distância que nos separa do nosso fim, nascemos e já estamos condenados à morte. A vida é breve, não passa de um instante fugaz de um brilho efémero nas trevas da eternidade
”
”
José Rodrigues dos Santos (A Filha do Capitão)
“
Os pássaros ficavam encolhidos a um canto, tentando evitar olhar para aquela porta aberta, desviavam os olhos da liberdade, que é uma das portas mais assustadoras. Só se sentiam livres dentro de uma prisão.
”
”
Afonso Cruz (A Boneca de Kokoschka)
“
Há muitas formas de estar morto.
Perder o cheiro, perder o nome, perder a própria vida, mesmo que ainda ocupando um corpo ou uma sombra. Perder o cheiro, perder o nome, perder a própria vida, mesmo que ainda suportando o tempo e o peso do olhar.
”
”
José Luís Peixoto (Galveias)
“
«Penso: talvez o céu seja um mar grande de água doce e talvez a gente não ande debaixo do céu mas em cima dele; talvez a gente veja as coisas ao contrário e a terra seja como um céu e quando a gente morre, quando a gente morre, talvez a gente caia e se afunde no céu.»
”
”
José Luís Peixoto (Nenhum Olhar)
“
Enquanto falava, lançou em direção à menina um olhar estranho, de ódio – a não ser que tivesse um conjunto muito singular de músculos faciais que, diferente do que sucede às outras pessoas, não sabia interpretar a linguagem da alma.
”
”
Emily Brontë (Wuthering Heights)
“
colava o seu belo seio contra o peito dele; as suas mãos corriam-lhe os braços numa carícia lenta e quente, dos pulsos aos ombros; depois, com um lindo olhar, estendia-lhe os lábios. Pedro colhia neles um longo beijo, e ficava consolado de tudo
”
”
Eça de Queirós (Os Maias)
“
Uma relação de duas pessoas converteu-se numa de três, numa coisa mais triangular. Só uma relação que consegue formar um polígono consegue sobreviver, pensava Borja. Quando assenta em dois pontos, não resiste ao tempo, é um segmento de recta muito frágil. É um pontinho a olhar para outro pontinho, não tem a solidez do triângulo e, muito menos, da circunferência. Parte-se como um palito.
”
”
Afonso Cruz (Jesus Cristo Bebia Cerveja)
“
Meus dias são sempre como uma véspera de partida. Movimento-me entre as pontas como quem sabe que daqui a pouco já não vai estar presente. As malas estão prontas, as despedidas foram feitas. Caminhando de um lado para outro na plataforma da estação, só me resta olhar as coisas lerdo e torvo, sem nenhuma emoção, nenhuma vontade de ficar.
”
”
Caio Fernando Abreu (Morangos mofados)
“
Qualquer um pode olhar para você, mas é muito raro encontrar quem veja o mesmo mundo que o seu.
”
”
John Green (Turtles All the Way Down)
“
Ele virou-se para a olhar de frente e os seus olhos encontraram-se de um modo que tinha tudo que ver com amor, do tipo suficientemente forte para arrancar alguém da sepultura, do tipo de nunca esmorecer e nunca falhar
”
”
Eloisa James (When Beauty Tamed the Beast (Fairy Tales, #2))
“
Isabella Swan?- e olhou-me através das pestanas extremamente longas, com um olhar doirado suave, mas de algum modo ainda incandescente.-Prometo amar-te para sempre, todos os dias da eternidade. Aceitas casar comigo?
Havia muitas coisas que gostava de lhe dizer, muitas delas pouco simpáticas e outras tão lamechas e românticas que ele provavelmente nem sequer sonhara que eu seria capaz de as dizer. Em vez de me envergonhar com qualquer uma, murmurei:
- Sim
”
”
Stephenie Meyer (Eclipse (The Twilight Saga, #3))
“
Há um estranho aforismo de Kafka que diz: «Os leopardos invadem o templo e bebem o conteúdo dos vasos sacrificiais, esvaziando-os; isto repete-se incessantemente; por fim, esta situação pode calcular-se de antemão e torna-se uma parte da cerimónia». O que é descrito ali acontece a todos os que, por descuido ou insensatez, se deixam transformar em adultos: a força do hábito endurece o olhar, e a rotina torna normal o que em tempos era horrível. Só as crianças (e os loucos, e os humoristas) conservam a capacidade de dizer que o que é selvagem continua a ser selvagem, mesmo que tenha passado a integrar o ritual sagrado”.
”
”
Ricardo Araújo Pereira (A Doença, o Sofrimento e a Morte Entram Num Bar)
“
(...)
e nunca me disseram o nome daquele oceano
esperei sentada à porta... dantes escrevia cartas
punha-me a olhar a risca do mar ao fundo da rua
assim envelheci... acreditando que algum homem ao passar
se espantasse com a minha solidão.
(anos mais tarde, recordo agora, cresceu-me uma pérola no coração. mas estou só, muito só, não tenho a quem a deixar.)
um dia houve
que nunca mais avistei cidades crepusculares
e os barcos deixaram de fazer escala à minha porta
inclino-me de novo para o pano deste século
recomeço a bordar ou a dormir
tanto faz
sempre tive dúvidas que alguma vez me visite a felicidade
”
”
Al Berto (O Último Coração do Sonho)
“
Um homem da aldeia de Neguá, no litoral da Colômbia, conseguiu subir ao céu.
Quando voltou contou que tinha contemplado, lá do alto, a vida humana. E disse que somos um mar de fogueirinhas.
- O mundo é isso - revelou - Um montão de gente, um mar de fogueirinhas.
Cada pessoa brilha com luz própria entre todas as outras. Não existem duas fogueiras iguais. Existem fogueiras grandes e fogueiras pequenas e fogueiras de todas as cores. Existe gente de fogo sereno, que nem percebe o vento, e gente de fogo louco, que enche o ar de chispas. Alguns fogos, fogos bobos, não alumiam nem queimam; mas outros incendeiam a vida com tamanha vontade que é impossível olhar para eles sem pestanejar, e quem chegar perto pega fogo.
”
”
Eduardo Galeano (The Book of Embraces)
“
Quando eu olhar a noite enorme do Equador, pensarei se tudo isso foi um encontro ou uma despedida.
”
”
Caio Fernando Abreu (Morangos mofados)
“
Talvez espante ao leitor a franqueza com que lhe exponho e realço a minha mediocridade; advirta que a franqueza é a primeira virtude de um defunto. Na vida, o olhar da opinião, o contraste dos interesses, a luta das cobiças obrigam a gente a calar os trapos velhos, a disfarçar os rasgões e os remendos, a não estender ao mundo as revelações que faz à consciência; e o melhor da obrigação é quando, à força de embaçar os outros, embaça-se um homem a si mesmo, porque em tal caso poupa-se o vexame, que é uma sensação penosa, e a hipocrisia, que é um vício hediondo. Mas, na morte, que diferença! Que desabafo! Que liberdade! Como a gente pode sacudir fora a capa, deitar ao fosso as lentejoulas, despregar-se, despintar-se, desafeitar-se, confessar lisamente o que foi e o que deixou de ser!
”
”
Machado de Assis (Memórias Póstumas de Brás Cubas)
“
Já não há histórias de amor. No entanto, as mulheres desejam-nas e os homens também, quando não se envergonham de ser ternos e tristes como as mulheres. Uns e outros têm pressa de ganhar e de morrer. Apanham aviões, comboios suburbanos, rápidos de alta velocidade, ligações. Não têm tempo para olhar para aquela acácia cor-de-rosa que estende os ramos para as nuvens intervaladas de seda azul ensolarada (…) Bem se vê que não há tempo sem amor. O tempo é amor pelas pequenas coisas, pelos sonhos, pelos desejos. Não temos tempo porque não temos amor suficiente. Perdemos o nosso tempo quando não amamos. Esquecemos o tempo passado quando nada temos a dizer a ninguém. Ou então estamos prisioneiros de um tempo falso que não passa.
”
”
Julia Kristeva (Os samurais)
“
O olhar de Cal corre de um lado para o outro em busca de uma solução que ele jamais vai encontrar. Por fim, seus olhos pousam em mim. Estão vazios. E sozinhos. É então que uma mão se fecha delicadamente ao redor do meu punho.
”
”
Victoria Aveyard (Glass Sword (Red Queen, #2))
“
Mas a lista das perdas era também uma lista de compras. Não eram as histórias e as palavras e as músicas o que eu havia perdido. Eu havia perdido essa minha identidade que formulava, sem cessar, histórias, palavras e músicas a seu próprio respeito. Eu tinha ficado menor, menos interessante. E precisava comprar um olhar com que eu pudesse olhar o mundo, uma voz com que eu pudesse, frágil e firme, falar de mim. Não contar histórias, menos do que isso. Só falar.
”
”
Elvira Vigna
“
Quando montava o Salomão, a subhro sempre lhe havia parecido que o mundo era pequeno, mas hoje, no cais do porto de génova, alvo dos olhares de centenas de pessoas literalmente embevecidas pelo espectáculo que lhes estava sendo oferecido, quer com a sua própria pessoa quer com um animal em todos os aspectos tão desmedido que obedecia ás suas ordens, fritz contemplava com uma espécie de desdém a multidão, e, num insólito instante de lucidez e relativização, pensou que, bem vistas as coisas, um arquiduque, um rei, um imperador não são mais do que cornacas montados num elefante.
”
”
José Saramago (A Viagem do Elefante)
“
Perseguida pelo medo da velhice, deixei envelhecer a nossa relação. Ocupada em me fazer bela, deixei escapar a verdadeira beleza, que apenas mora no desnudar do olhar. O lençol esfriou, a cama se desaventurou. Esta é a diferença: a mulher que tu encontraste aí, em África, fica bela apenas para ti. Eu ficava bela para mim, que é um outro modo de dizer: para ninguém.
”
”
Mia Couto (Jesusalém)
“
No tempo em que éramos felizes não chovia. Levantávamo-nos¬ juntos, abraçados ao sol. As manhãs eram um céu infinito. O nosso amor era as manhãs. No tempo em que éramos felizes o horizonte tocava-se com a ponta dos dedos. As marés traziam o fim da tarde e não víamos mais do que o olhar um do outro. Brincávamos e éramos crianças felizes. Às vezes ainda te espero como te esperava quando chegavas com o uniforme lindo da tua inocência. Há muito tempo que te espero. Há muito tempo que não vens.
”
”
José Luís Peixoto
“
Se as pessoas começarem a parar por um momento para olhar paras os casos como o meu, ou, simplesmente para a sua própria vida com olhos de ver, talvez comecem a relativizar os seus próprios problemas e possam perceber o que de facto vale a pena na vida.
”
”
António Feio (Aproveitem a Vida)
“
Vê um jovem que se afasta da vida dela e se vai, parra sempre inacessível. Hipnotizada, nada pode fazer senão olhar esse pedaço da sua vida que se afasta, não pode senão olhá-lo e sofrer. Experimenta uma sensação inteiramente nova que se chama nostalgia.
”
”
Milan Kundera (Ignorance)
“
podes estar apaixonada e ao mesmo tempo incrivelmente só. Podes ter tudo o que sempre quiseste só para te dares conta que tudo o que querias estava errado. Podes ter um marido inteligente atraente e cheio de compaixão como o meu e mesmo assim não o ter na realidade. E algumas vezes podes olhar para a tua filha linda e preciosa e ficar genuinamente ciumenta de quanto ele a ama em vez de ti.
”
”
Lisa Gardner (The Neighbor (Detective D.D. Warren, #3))
“
Se permanecesse imóvel por um tempo, aconteceria o inverso daquilo que ela esperava: as letras é que começariam a olhar para ela. E iriam segredar-lhe histórias. Tudo aquilo parecem desenhos, mas dentro das letras estão vozes. Ao lermos não somos o olho; somos o ouvido.
”
”
Mia Couto (Mulheres de Cinzas (As Areias do Imperador, #1))
“
Mas como era extraordinária aquela sala cheia de gente — ou melhor, de animais -, a olhar na mesma direcção, para outros animais mascarados e treinados para representar num palco, para animais cobertos de tecido e bocados de peles, ornamentados com pedras e de rostos e garras pintados. Toda a gente acabara de comer um animal de qualquer espécie; as peles que se viam por toda a parte, apesar de a noite estar quente, provinham de animas que tinham vivido, brincado e fornicado em florestas e campos, e os pés de toda a gente estavam cobertos de pele de animais.
”
”
Doris Lessing (The Summer Before the Dark)
“
(...)sentou-se para descansar e em breve fazia de conta que ela era uma mulher azul porque o crepúsculo mais tarde talvez fosse azul, faz de conta que fiava com fios de ouro as sensações. faz de conta que a infância era hoje e prateada de brinquedos, faz de conta que uma veia não se abrira e faz de conta que dela não estava em silêncio alvíssimo escorrendo sangue escarlate, e que ela não estivesse pálida de morte mas isso fazia de conta que estava mesmo de verdade, precisava no meio do faz de conta falar a verdade de pedra opaca para que contrastasse com o faz de conta verde-cintilante, faz de conta que amava e era amada, faz de conta que não precisava morrer de saudade, faz de conta que estava deitada na palma transparente de Deus, não Lóri mas o seu nome secreto que ela por enquanto ainda não podia usufruir, faz de conta que vivia e não que estivesse morrendo pois viver afinal não passava de se aproximar cada vez mais da morte, faz de conta que ela não ficava de braços caídos de perplexidade quando os fios de ouro que fiava se embaraçavam e ela não sabia desfazer o fino fio frio, faz de conta que ela era sábia bastante para desfazer os nós de corda de marinheiro que lhe atavam os pulsos, faz de conta que tinha um cesto de pérolas só para olhar a cor da lua pois ela era lunar, faz de conta que ela fechasse os olhos e seres amados surgissem quando abrisse os olhos úmidos de gratidão, faz de conta que tudo o que tinha não era faz de conta, faz de conta que se descontraía o peito e uma luz douradíssima e leve guiava por uma floresta de açudes mudos e de tranqüilas mortalidades, faz de conta que ela não era lunar, faz de conta que ela não estava chorando por dentro.
”
”
Clarice Lispector
“
Sabia que não ia voltar mas continuava pensando com tanta força. Como quando se tira um vestido velho do baú, um vestido que não é para usar, só para olhar. Só para ver como ele era. Depois a gente dobra de novo e guarda mas não se cogita em jogar fora ou dar. Acho que saudade é isso.
”
”
Lygia Fagundes Telles (As Meninas)
“
O amor tem nome, mas não é nada que a gente possa reconhecer só de olhar. A dor a gente sabe o que é, tem lugar e intensidades que cabem na ciência. A raiva, o medo, o ódio entortam a cara com um jeito provável de se manifestar. Mas e o amor? O que é senão um monte de gostar? Gostar de falar, gostar de tocar, gostar de cheirar, gostar de ouvir, gostar de olhar. Gostar de se abandonar no outro. O amor não passa de um gostar de muitos verbos ao mesmo tempo.
”
”
Carla Madeira (Tudo é Rio)
“
— E acabei por ir a casa dela para lhe configurar o sistema todo.
— Harry, «configuraste-lhe o sistema todo»? — perguntei, arregalando
os olhos e fingindo-me pasmado.
Baixou o olhar, mas não conseguiu esconder um sorriso.
— Tu percebeste.
— Não vais... penetrar as seguranças dela, pois não? — perguntei, incapaz
de resistir.
”
”
Barry Eisler (A Lonely Resurrection (John Rain, #2))
“
Mas era primavera. Até o leão lambeu a testa glabra da leoa. (…) ‘Mas isso é amor, é amor de novo’, revoltou-se a mulher tentando encontrar-se com o próprio ódio mas era primavera e os dois leões se tinham amado. (…) Mas era primavera, e, apertando o punho no bolso do casaco, ela mataria aqueles macacos em levitação pela jaula, macacos felizes como ervas, macacos se entrepulando suaves, a macaca com olhar resignado de amor, e a outra macaca dando de mamar. (…) Ela mataria a nudez dos macacos. Um macaco também a olhou, o peito pelado exposto sem orgulho. Mas não era no peito que ela mataria, era entre aqueles olhos. De repente a mulher desviou o rosto, trancando entre os dentes um sentimento que ela não viera buscar, apressou os passos, ainda voltou a cabeça espantada para o macaco de braços abertos: ele continuava a olhar para a frente. ‘Oh não, não isso’, pensou. E enquanto fugia, disse: ‘Deus, me ensine somente a odiar’.
‘Eu te odeio’, disse ela para um homem cujo crime único era o de não amá-la. ‘Eu te odeio’, disse muito apressada. (…) ‘Eu te amo’, disse ela então com ódio para o homem cujo grande crime impunível era o de não querê-la. ‘Eu te odeio’, disse, implorando amor.
”
”
Clarice Lispector
“
PANORAMA ALÉM
Não sei que tempo faz, nem se é noite ou se é dia.
Não sinto onde é que estou, nem se estou. Não sei de nada.
Nem de ódio, nem amor. Tédio? Melancolia.
-Existência parada. Existência acabada.
Nem se pode saber do que outrora existia.
A cegueira no olhar. Toda a noite calada
no ouvido. Presa a voz. Gesto vão. Boca fria.
A alma, um deserto branco: -o luar triste na geada...
Silêncio. Eternidade. Infinito. Segredo.
Onde, as almas irmãs? Onde, Deus? Que degredo!
Ninguém.... O ermo atrás do ermo: - é a paisagem daqui.
Tudo opaco... E sem luz... E sem treva... O ar absorto...
Tudo em paz... Tudo só... Tudo irreal... Tudo morto...
Por que foi que eu morri? Quando foi que eu morri?
”
”
Cecília Meireles
“
- As wiccanfae não merecem estar entre nós...e Tir Alainn não é o lugar delas.
- Nesse caso, sugiro que se vá embora.
Lucian fixara-a com o olhar até Selena começar a perder mão sobre si mesma, em vias de se descontrolar.
- Eu sou Fae - afirmara - e sou Filha da Casa de Gaian, o que implica que também sou wiccanfae. No entanto, se eu sou wiccanfae,o que julga o Senhor do Fogo que é?
- Como?!
- O fogo é um dos elementos da Mãe Universal. Não é uma dádiva dos Fae. O único motivo pelo qual o senhor o domina é por ser descendente de pelos menos uma pessoa que pertencia à Casa de Gaian.
- Mentira - brandira Lucian - Eu sou Fae.
- Wiccanfae! - atirara Selena, no mesmo tom. - Quem tem o seu poder não pode ter sangue puro. Quem julgava o senhor que era?...
”
”
Anne Bishop (The House of Gaian (Tir Alainn, #3))
“
A noite cai. Ou caiu a noite. Por que a noite cai, em vez de subir como o raiar do dia? Contudo, se você olhar para o leste, ao pôr-do-sol, pode ver a noite subindo, não caindo; a escuridão se eleva em direção ao céu, subindo do horizonte, como um sol negro atrás de uma coberta de nuvem. Como fumaça de chamas que não se vê, uma linha de fogo pouco abaixo do horizonte, um fogo em meio à mata ou uma cidade em chamas. Talvez a noite caia porque é pesada, uma cortina espessa puxada sobre os olhos. Cobertor de lã. Eu gostaria de poder ver no escuro, melhor do que vejo.
”
”
Margaret Atwood (The Handmaid’s Tale (The Handmaid's Tale, #1))
“
Religiões são, por definição, metáforas, apesar de tudo: Deus é um sonho, uma esperança, uma mulher, um escritor irônico, um pai, uma cidade, uma casa com muitos quartos, um relojoeiro que deixou seu cronômetro premiado no deserto, alguém que ama você – talvez até, contra todas as evidências, um ente celestial cujo único interesse é assegurar-se que o seu time de futebol, o seu exército, o seu negócio ou o seu casamento floresça, prospere e triunfe sobre qualquer oposição. Religiões são lugares para ficar, olhar e agir, pontos vantajosos a partir dos quais se observa o mundo.
”
”
Neil Gaiman (American Gods)
“
Mas, assim, pensas que isto tudo é uma confusão, circo meu das palhaçadas, cabeçadas na lógica? Ainda vais rir, mas prepara também o teu coração pra chorar, a vida é mesmo esse laço apertado, tem dias que lhe conhecemos os segredos – lhe desapertamos, outros dias lutamos só, nossas derrotas e lágrimas, e ficamos a olhar: o pescador se irrita com os nós da rede? Isto tudo que eu te falo, não é efeito do álcool, não é com três nem sete que me vais derrubar; isto tudo que eu falo é assim mesmo, a mancha da confusão, labirinto, e há que descobrir as coisas no devagar das coisas: o amor não acende um fósforo sozinho.
”
”
Ondjaki (Quantas Madrugadas Tem a Noite)
“
A quarta-feira amanhecia quando olhei pela janela. Nas pontes, as luzes cintilantes já haviam empalidecido. O sol nascente parecia um pântano de fogo no horizonte. O rio, ainda escuro e misterioso, cortado pelas pontes que tomavam uma coloração cinza e gélida, com um toque cálido do sol que ardia no céu. Ao percorrer com o olhar a multidão de telhados, com as torres e os campanários das igrejas que se elevavam sobre Londres em um céu invulgarmente claro, o sol nasceu e foi como se tivessem retirado um véu do rio, e milhões de fagulhas explodiram na superfície das águas. Também foi como se tivessem tirado o véu que me encobria, e me senti forte e bem-disposto.
”
”
Charles Dickens (Great Expectations)
“
Por um instante a morte soltou-se a si mesma, expandindo-se até às paredes, encheu o quarto todo e alongou-se como um fluido até à sala contígua, aí uma parte de si deteve-se a olhar o caderno que estava aberto sobre uma cadeira, era a suite número seis opus mil e doze em ré maior de Johann Sebastian Bach composta em cöthen e não precisou de ter aprendido música para saber que ela havia sido escrita, como a Nona Sinfonia de Beethoven, na tonalidade da alegria, da unidade entre os homens, da amizade e do amor. Então aconteceu algo nunca visto, algo não imaginável, a morte deixou-se cair de joelhos, era toda ela, agora, um corpo refeito, e por isso é que tinha joelhos, e pernas, e pés, e braços, e mãos, e uma cara que entre as mãos escondia, e uns ombros que tremiam não se sabe porquê, chorar não será, não se pode pedir tanto a quem sempre deixa um rasto de lágrimas por onde passa, mas nenhuma delas que seja sua. Assim como estava, nem visível nem invisível, em esqueleto nem mulher, levantou-se do chão como um sopro e entrou no quarto.
”
”
José Saramago (Death with Interruptions)
“
Ficámos de novo sem assunto. Olhei à minha volta. O branco é triste como o negro, nunca antes o tinha sentido. (...) Não lhe acariciei a mão, nem lhe pus a minha sobre a testa, num gesto de consolação. Não fiz nada disso. E devia-o ter feito. Mas que a tristeza me dominou, que apeteceu chorar, por ver o meu pai tão doente, isso era verdade. Ele tê-lo-ia compreendido?
Decerto é ilusão julgarmos que outras pessoas podem compartilhar dos nossos sentimentos através de simples palavras. Se eu dissesse que vejo na memória um homem encolhido na cadeira, metido num fato largo demais como se não pertencesse, com as mãos amarelo torcidas sobre o ventre e o olhar fixo no chão, alguém o verá como eu o vi?
”
”
Ilse Losa (O Mundo Em Que Vivi)
“
Comportamo-nos como se as pessoas de quem gostamos fossem durar para sempre. Em vida não fazemos nunca o esforço consciente de olhar para elas como quem se prepara para lembrá-las. Quando elas desaparecem, não temos delas a memória que nos chegue. Para as lembrar, que é como quem diz, prolongá-las. A memória é o sopro com que os mortos vivem através de nós. Devemos cuidar dela como da vida.
Devemos tentar aprender de cor quem amamos. Tentar fixar. Armazená-las para o dia em que nos fizerem falta. São pobres as maneiras que temos para o fazer, é tão fraca a memória, que todo o esforço é pouco. Guardá-las é tão difícil. Eu tenho um pequeno truque. Quando estou com quem amo, quando tenho a sorte de estar à frente de quem adivinho a saudade de nunca mais a ver, faço de conta que ela morreu, mas voltou mais um único dia, para me dar uma última oportunidade de a rever, olhar de cima a baixo, fazer as perguntas que faltou fazer, reparar em tudo o que não vi; uma última oportunidade de a resguardar e de a reter. Funciona.
Miguel Esteves Cardoso, in 'As Minhas Aventuras na República Portuguesa
”
”
Miguel Esteves Cardoso (As Minhas Aventuras na República Portuguesa)
“
Brianna olhou para seu relógio, ainda surpresa em vê-lo ali. Ainda faltava meia hora. Se pudessem evitar derramamento de sangue até...
Um grito lancinante vindo de cima e ela fez uma careta. A ajudante, menos preparada, deixou cair sua prancheta de anotações com um gritinho.
- MAMÃE! - Jem, em tom de queixa.
- O QUE FOI? - ela rugiu em resposta. - Estou OCUPADA!
-Mas mamãe! Mandy me BATEU! -veio o relato indignado do alto da escada. Erguendo os olhos, ela podia ver a parte de cima de sua cabeça, a luz da janela brilhando em seus cabelos.
- É mesmo? Bem...
- Com uma VARINHA!
- Que tipo de...
- De PROPÓSITO!
- Bem, não acho...
- E... - uma pausa antes do desfecho incriminador - ELA NÃO PEDIU DESCULPAS!
O construtor e sua ajudante desistiram de procurar larvas de caruncho para acompanhar a emocionante narrativa, e agora ambos olhavam para Brianna, sem dúvida esperando algum decreto salomônico.
Brianna fechou os olhos por um instante.
- MANDY - ela berrou. - Peça desculpas!
- Não! - veio uma recusa estridente de cima.
- Sim, tem que pedir! - veio a voz de Jem, seguida de ruídos de luta.
Brianna dirigiu-se às escadas, com um olhar assassino. Assim que botou o pé no degrau, Jem emitiu um grito agudo.
- Ela me MORDEU!
- Jeremiah Mackenzie, nem PENSE em devolver a mordida! - gritou. - Vocês dois, parem com isso agora mesmo!
Jem enfiou uma cabeça desgrenhada pelo corrimão, os cabelos arrepiados. Usava uma brilhante sombra azul nos olhos e alguém aplicara batom cor-de-rosa em uma forma tosca de boca de uma orelha à outra.
- Ela é uma pestinha - ele informou furiosamente aos fascinados espectadores embaixo. - Meu avô disse.
”
”
Diana Gabaldon (A Breath of Snow and Ashes (Outlander, #6))
“
Eu espero alguém que não desista de mim mesmo quando já não tem interesse.
Espero alguém que não me torture com promessas de envelhecer comigo, mas sim que realmente envelheça comigo.
Espero alguém que se orgulhe do que escrevo, que me faça ser mais amigo dos meus amigos e mais irmão do meu irmão.
Espero alguém que não tenha medo do escândalo, mas tenha medo da indiferença.
Espero alguém que ponha bilhetinhos dentro daqueles livros que vou ler até o fim.
Espero alguém que se arrependa rápido de suas grosserias e me perdoe sem querer.
Espero alguém que me avise que estou repetindo a roupa na semana.
Espero alguém que nunca abandone a conversa quando não sei mais o que falar.
Espero alguém que, nos jantares entre os amigos, dispute comigo para contar primeiro como nos conhecemos.
Espero alguém que goste de dirigir para nos revezarmos em longas viagens.
Espero alguém disposto a conferir se a porta está fechada e o fogão desligado, se meu rosto está aborrecido ou esperançoso.
Espero alguém que prove que amar não é contrato, que o amor não termina com nossos erros.
Espero alguém que não se irrite com a minha ansiedade.
Espero alguém que possa criar toda uma linguagem cifrada para que ninguém nos recrimine.
Espero alguém que arrume ingressos de teatro de repente, que me sequestre ao cinema, que cheire meu corpo suado depois de uma corrida como se ainda fosse perfume.
Espero alguém que não largue as mãos dadas nem para coçar o rosto.
Espero alguém que me olhe demoradamente quando estou distraído, que me telefone para narrar como foi seu dia.
Espero alguém que procure um espaço acolchoado em meu peito.
Espero alguém que minta que cozinha e só diga a verdade depois que comi.
Espero alguém que leia uma notícia, veja que haverá um show de minha banda predileta, e corra para me adiantar por e-mail.
Espero alguém que ame meus filhos como se estivesse reencontrando minha infância e adolescência fora de mim.
Espero alguém que fique me chamando para dormir, que fique me chamando para despertar, que não precise me chamar para amar.
Espero alguém com uma vocação pela metade, uma frustração antiga, um desejo de ser algo que não se cumpriu, uma melancolia discreta, para nunca ser
prepotente.
Espero alguém que tenha uma risada tão bonita que terei sempre vontade de ser engraçado.
Espero alguém que comente sua dor com respeito e ouça minha dor com interesse.
Espero alguém que prepare minha festa de aniversário em segredo e crie conspiração dos amigos para me ajudar.
Espero alguém que pinte o muro onde passo, que não se perturbe com o que as pessoas pensam a nosso respeito.
Espero alguém que vire cínico no desespero e doce na tristeza.
Espero alguém que curta o domingo em casa, acordar tarde e andar de chinelos, e que me pergunte o tempo antes de olhar para as janelas.
Espero alguém que me ensine a me amar porque a separação apenas vem me ensinando a me destruir.
Espero alguém que tenha pressa de mim, eternidade de mim, que chegue logo, que apareça hoje, que largue o casaco no sofá e não seja educada a ponto de estendê-lo no cabide.
Espero encontrar uma mulher que me torne novamente necessário.
”
”
Fabrício Carpinejar
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- Que ondas enormes... - exclamou Thomas Buddenbrook.- Repara como se aproximam e rebentam, se aproximam e rebentam, uma atrás da outra, sem fim, sem propósito, mecânica e desordenadamente. E, no entanto, o seu marulhar é tão tranquilizador e reconfortante, como todas as coisas simples e necessárias da vida. Aprendi a gostar cada vez mais do mar... dantes, talvez preferisse as montanhas, porque ficavam mais longe daqui. Agora já não me atraem nada. Creio que apenas sentiria medo e vergonha. É que elas são muito caprichosas, tão irregulares, tão diversas... de certeza que me iria sentir muito pequeno ao pé delas. Que espécie de pessoas serão essas que preferem a monotonia do mar? Tenho a impressão de que são as que observaram por demasiado tempo- e com demasiada profundidade- as teias do seu mundo interior e que a única coisa que exigem agora, pelo menos do mundo exterior, é simplicidade... Não se trata de comparar as escaladas audazes pela montanha com o descanso sereno na areia da praia. Adiferença reside no olhar que se dirige numa e noutra direcção. Olhos seguros, obstinados e felizes, transbordantes de iniciativa, determinação e vitalidade, erram de cume em cume, ao passo que sobre a imensidão do mar- e das ondas que, conduzidas por um fatalismo místico e hipnótico, dançam e volteiam- repousa um olhar sonhador e velado, sábio e desalentado, o olhar de quem já alguma vez espreitou as profundezas e vislumbrou o triste caos da existência... Saúde e doença, é essa a grande diferença. Intrépidos, escalamos a extraordinária diversidade das montanhas denteadas e acidentadas, das alturas que rasgam os céus, a fim de pormos à prova a nossa vitalidade, intacta ainda. Repousamos, contudo, na ampla simplicidadedo mundo exterior, quando estamos cansados do caos que reina no interior.
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Thomas Mann (Buddenbrooks: The Decline of a Family)
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Ian permaneceria na aldeia por alguns dias, para se certificar de que Hiram e o povo de Pássaro estavam de comum acordo. No entanto, Jamie não estava absolutamente certo de que o senso de responsabilidade de Ian fosse sobrepujar seu senso de humor - de certa forma, o senso de humor de Ian tendia para o lado dos índios. Uma palavra da parte de Jamie poderia, portanto, vir a calhar, só por precaução.
- Ele tem mulher - Jamie disse a Pássaro, indicando Hiram com um movimento da cabeça, o qual agora estava empenhado em uma conversa séria com dois dos índios mais velhos. - Acho que ele não gostaria de uma mulher em sua cama. Ele pode ser indelicado com ela, não compreendendo o gesto de cortesia.
- Não se preocupe - Penstemon disse, ouvindo a conversa. Olhou para Hiram e seu lábio curvou-se com desdém. - Ninguém iria querer um filho DELE. Agora, um filho SEU, Matador-de-Urso... - Ela lhe lançou um longo olhar por baixo das pestanas e ele riu, saudando-a com um gesto de respeito.
Era uma noite perfeita, fria e revigorante, e a porta foi deixada aberta para que o ar pudesse entrar. A fumaça da fogueira erguia-se reta e branca, fluindo na direção do buraco no teto, seus fantasmas móveis parecendo espíritos ascendendo de alegria.
Todos haviam comido e bebido ao ponto de um agradável estupor, e houve um silêncio momentâneo e uma difusa sensação de paz e felicidade.
- É bom para os homens comerem como irmãos - Hiram observou para Urso-em-Pé, em seu titubeante tsalagi. Ou melhor, tentou. E afinal, Jamie refletiu, sentindo suas costelas rangerem sob a tensão, era realmente uma diferença muito pequena entre "como irmãos" e "seus irmãos".
Urso-em-Pé deu um olhar pensativo a Hiram e afastou-se disfarçadamente para longe dele.
Pássaro observou isso e, após um momento de silêncio, virou-se para Jamie.
- Você é um homem muito engraçado, Matador-de-Urso - ele repetiu, sacudindo a cabeça. - Você venceu.
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Diana Gabaldon (A Breath of Snow and Ashes (Outlander, #6))
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Nada.., que a tuga até num vale a pena…! Mambo que às vezes penso – epá, vais rir, eu sei, mas é o rabo das tugas… Meu, tábua d’engomar, a xoetice toda? Rabo foi aonde então, Nzambi lhes castigou assim porquê?, nossa observação que nós fazíamos, antigas missões na tuga e noutras europas mais, comissão disto e daquilo que dava é pra tirarmos comissões no nosso bolso, e nós ali no bar, fim de tarde, sem as palavras – os olhares só: uma tuga, duas tugas, muitas tugas, mas agora pra encontrar inda um rabo de acender mesmo as vistas? Passas mal. Uí, falo isso por causa da maka das culturas, diferenças só, que eu fico mesmo a pensar que a cultura está mesmo até nos nossos olhos de pessoas, tás a rir?, gala só então: um gajo é daqui, fica a pôr riso na dança dos tugas e outros europeus, ancas desarranjadas e não dão semba, tão a falar é malcriado, mambos dos brasileiros, carnaval só. Afinal? Mas depois, considera só: eles também a nos verem dançar e vestir e pôr cu duro, num vão falar dança dos bêbados?, a dar bungula puramente e pôr açúcar e as kabetulas todas, num vão dizer estamos a ficar parecidos com os macacos?, xinguilamentos musicais? Olhos deles, muadiê, tou ta pôr, e os nossos olhos todos de cada um: culturas!, num enormes plural e final das contas.
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Ondjaki (Quantas Madrugadas Tem a Noite)
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Era uma vez um pássaro. Adornado com um par de asas perfeitas e plumas reluzentes, coloridas e maravilhosas. Enfim, um animal feito para voar livre e solto no céu, e alegrar quem o observasse.
Um dia, uma mulher viu o pássaro e apaixonou-se por ele. Ficou a olhar o seu voo com a boca aberta de espanto, o coração batendo mais rapidamente, os olhos brilhando de emoção. Convidou-o para voar com ela, e os dois viajaram pelo céu em completa harmonia. Ela admirava, venerava, celebrava o pássaro.
Mas então pensou: talvez ele queira conhecer algumas montanhas distantes! E a mulher sentiu medo. Medo de nunca mais sentir aquilo com outro pássaro. E sentiu inveja, inveja da capacidade de voar do pássaro.
E sentiu-se sozinha.
E pensou: “vou montar uma armadilha. Da próxima vez que o pássaro surgir, ele não partirá mais.”
O pássaro, que também estava apaixonado, voltou no dia seguinte, caiu na armadilha, e foi preso na gaiola.
Todos os dias ela olhava o pássaro. Ali estava o objecto da sua paixão, e ela mostrava-o ás suas amigas, que comentavam: “Mas tu és uma pessoa que tem tudo.” Entretanto, uma estranha transformação começou a processar-se: como tinha o pássaro, e já não precisava de o conquistar, foi perdendo o interesse. O pássaro sem puder voar e exprimir o sentido da sua vida, foi definhando, perdendo o brilho, ficou feio – e a mulher já não lhe prestava atenção, apenas prestava atenção á maneira como o alimentava e como cuidava da sua gaiola.
Um belo dia o pássaro morreu. Ela ficou profundamente triste, e passava a vida a pensar nele. Mas não se lembrava da gaiola, recordava apenas o dia em que o vira pela primeira vez, voando contente entre as nuvens.
Se ela se observasse a si mesma, descobriria que aquilo que a emocionava tanto no pássaro era a sua liberdade, a energia das asas em movimento, não o seu corpo físico.
Sem o pássaro a sua vida também perdeu o sentido, e a morte veio bater á sua porta. “Por que vieste?” perguntou á morte. “Para que possas voar de novo com ele nos céus”, respondeu a morte. “Se o tivesses deixado partir e voltar sempre, amá-lo-ias e admirá-lo-ias ainda mais; porém, agora precisas de mim para puderes encontrá-lo de novo.
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Paulo Coelho (Eleven Minutes)
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As mãos de Zahara apertaram fortemente a saia.
- Vais infligir-me a humilhação de ser eu a dizê-lo?
Lochan levantou-se.
- Jamais desejaria que te humilhasses. Eu sei, sei-o há já demasiado tempo.
Zahara sentiu o coração pular.
- Se o sabes, porque nunca…
- Esquece-me, Zahara, pois não sinto o mesmo – interrompeu ele.
Ela recuou.
- Mentes… Porquê? Eu sei… O modo como me tratas, como me olhas. Eu sei que gostas de mim, vejo-o no teu olhar, vejo-o neste instante!
Lochan sentiu os olhos dela mergulharem nos seus.
- Durante anos foram-me apresentados pretendentes das mais nobres famílias – ouviu – Todos me dariam o conforto a que estava habituada, todos me cobririam de jóias, de vestidos luxuosos... no entanto, eu recusava-os. Recusava-os porque não via nada no seu olhar. Para eles, eu seria como um troféu, serviria apenas para provocar inveja.
Uma nuvem cobriu o sol, deixando-os na sombra.
- Inconscientemente tornei-me arrogante, altiva, somente para os afastar de mim, para que não desejassem casar-se com alguém como eu… Mas tu, tu viste para além da máscara que construí. Naquele dia, na capital, tu viste o que ninguém foi capaz de ver: o meu coração.
- Zahara…
- Não acredito que não sintas qualquer amor por mim.
Lochan voltou-lhe as costas.
- Não quero saber se és pobre, não me importo com o teu passado. O que sinto por ti é o que sempre desejei sentir – ouviu.
O silêncio envolveu-os por momentos.
- Lamento…
Zahara correu para a frente dele. No seu olhar era visível desespero.
- Não te agrado, é isso?
Ele limitou-se a desviar o rosto.
- Responde-me!
- Como poderia ficar indiferente a alguém como tu – disse voltando a olhar nos olhos dela.
- Então porquê, porquê?
Lochan agarrou-lhe nos ombros, assustando-a.
- Esquece-me por favor. Odeia-me. Odeia-me por isto com todas as tuas forças, mas não me ames, nunca me ames, Zahara.
Lochan largou-lhe os ombros. Ela ficou sem reacção, e as lágrimas voltaram a molhar o seu rosto.
- Não me faças isto… - implorou.
O olhar dele tornou-se gélido. O seu rosto mostrava-se agora tão indecifrável, como o de uma estátua.
- Odeia-me pelo sofrimento que te acabo de causar e depois esquece-me – disse deixando-a só.
Zahara viu-o desaparecer por entre as colunas do palácio.
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Susana M. Almeida (O Renascer (Estrela de Nariën, #2))