Sendo Quotes

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Aflição de ser água em meio à terra E ter a face conturbada e móvel E a um só tempo múltipla e imóvel Não saber se se ausenta ou se te espera. Aflição de te amar, se te comove E sendo água, amor, querer terra.
Hilda Hilst (Cantares)
Tu és Sete-Sóis porque vês às claras, tu serás Sete-Luas porque vês às escuras, e, assim, Blimunda, que até aí só se chamava, como sua mãe, de Jesus, ficou sendo Sete-Luas, e bem batizada estava, que o batismo foi de padre, não alcunha de qualquer um. Dormiram nessa noite os sóis e as luas abraçados, enquanto as estrelas giravam devagar no céu, Lua onde estás, Sol aonde vais.
José Saramago (Baltasar and Blimunda)
Fácil é julgar pessoas que estão sendo expostas pelas circunstâncias. Difícil é encontrar e refletir sobre seus erros, ou tentar fazer diferente algo que já fez muito errado. E é assim que perdemos pessoas especiais
Carlos Drummond de Andrade
As nossas memórias nunca são verdadeiras ou absolutamente verdadeiras, são apenas uma interpretação. Existem outras, e ao longo dos anos vamos vendo o passado a uma luz diferente. As nossas memórias vão sendo vistas de diferentes perspectivas, conforme aquilo que aprendemos e conforme aquilo que sentimos no instante em que as relembramos.
Afonso Cruz (Os Livros Que Devoraram o Meu Pai)
o trabalho é por tantas vezes a maior tristeza da vida de uma pessoa e é só nisso que certos pais pensam, no filho crescendo e sendo alguém sendo que esse ser alguém envolve tudo menos Ser.
Aline Bei (O Peso do Pássaro Morto)
Essa era uma das maiores tristezas em relação às pessoas — muitas vezes não há como exprimir seus pensamentos e sentimentos mais importantes, e eles acabam não sendo ditos.
Alexandra Adornetto (Halo (Halo, #1))
Você está tão ocupada sendo você mesma que não faz ideia de quão absolutamente sem igual você é.
John Green (The Fault in Our Stars)
São coisas que não se sabem explicar, como, sendo as pessoas feitas das mesmas humaníssimas matérias, esta carne, estes ossos, este sangue, esta pele e este riso, este suor e esta lágrima, vemos que saem uns cobardes e outros sem medo, uns de guerra e outros de paz.
José Saramago (The Gospel According to Jesus Christ)
(...) é um fato corriqueiro, querida Ana, pelo qual sempre passamos feito sonâmbulos, mas que, silencioso, é ainda o maior e o mais antigo escândalo: a vida só se organiza se desmentindo, o que é bom para uns é muitas vezes a morte para outros, sendo que só os tolos, entre os que foram atirados com displicência ao fundo, tomam de empréstimo aos que estão por cima a régua que estes usam para medir o mundo.
Raduan Nassar (Lavoura Arcaica)
A lembrança da vida da gente se guarda em trechos diversos, cada um com seu signo e sentimento, uns com os outros acho que nem não misturam. Contar seguido, alinhavado, só mesmo sendo as coisas de rasa importância. De cada vivimento que eu real tive, de alegria forte ou pesar, cada vez daquela hoje vejo que eu era como se fosse diferente pessoa. Sucedido desgovernado. Assim eu acho, assim é que eu conto.
João Guimarães Rosa
nosso tempo é especialista em criar ausências: do sentido de viver em sociedade, do próprio sentido da experiência da vida. isso gera uma intolerância muito grande com relação a quem ainda é capaz de experimentar o prazer de estar vivo, de dançar, de cantar. e está cheio de pequenas constelações de gente espalhada pelo mundo que dança, canta, faz chover. o tipo de humanidade zumbi que estamos sendo convocados a integrar não tolera tanto prazer, tanta fruição de vida. então, pregam o fim do mundo como uma possibilidade de fazer a gente desistir dos nossos próprios sonhos. e a minha provocação sobre adiar o fim do mundo é exatamente sempre poder contar mais uma história. se pudermos fazer isso, estaremos adiando o fim.
Ailton Krenak (Ideias Para Adiar o Fim do Mundo)
Ele parece alguma coisa jogada de um helicóptero: sabe como é, o cara perfeito para uma garota necessitada em uma ilha deserta. A garota sendo eu, e a ilha deserta, a minha vida.
Meg Cabot (Queen of Babble (Queen of Babble, #1))
Viver passou a ser uma questão de evitar a dor a qualquer custo. Numa espécie de encarceramento voluntário, você vai sendo acossado dia após dia pelo medo do desconforto.
Jeferson Tenório (O Avesso da Pele)
Ou não há 'tarde demais', apenas 'tarde', sendo 'tarde' de qualquer modo melhor do que 'nunca'?
Bernhard Schlink (Der Vorleser)
Como é que alguém pode ser feliz tentando ser outra pessoa? Acabamos sendo apenas personagens secundários da nossa própria vida.
Filipe Melo (Balada para Sophie)
Tu uma vez comparaste a vida a um transatlântico e te perguntaste a ti mesmo: estarei fazendo uma viagem agradável? Mas eu asseguro que o mais humano seria perguntar: estarei sendo um bom companheiro de viagem?
Erico Verissimo (Olhai os Lírios do Campo)
O Camilo começou a pensar que tantas coisas se aprendiam quando se ficava sozinho. Era importante que muita coisa fosse decidida nessa clausura da solidão, para que a natureza de cada um se pronunciasse livremente, sem estigmas. Pensou assim e achou que, não sendo um livro, era um pensamento capaz de eliminar o colesterol e segurar os tetos das casas todas.
Valter Hugo Mãe (O Filho de Mil Homens)
É, de resto, uma das coisas mais terríveis para o apaixonado que, sendo os fatos particulares - que só a experiência, a espionagem, entre tantas realizações possíveis, dariam a conhecer - tão difíceis de descobrir, a verdade, em compensação, seja tão fácil de conhecer ou, em todo caso, de pressentir.
Marcel Proust (La Prisonnière)
Quase inebriado,gozava então da sua presença nas coisas que via,e através delas desejava-a,satisfazendo-me à vista delas.E,no entanto,sentia uma dor,porque ao mesmo tempo sofria por uma ausência,mesmo sendo feliz com tantos fantasmas de uma presença.
Umberto Eco (The Name of the Rose)
Sendo assim, é prudente que eu anote: acredito no silêncio, não no esquecimento.
Carla Madeira (A natureza da mordida)
A vida era um tempo misturado do antes-agora-depois-e-do-depois-ainda. A vida era a mistura de todos e de tudo. Dos que foram, dos que estavam sendo e dos que viriam a ser.
Conceição Evaristo (Ponciá Vicêncio)
Ao contrário do que em geral se pensa, tomar uma decisão é uma das decisões mais fáceis deste mundo, como cabalmente se demonstra pelo facto de não fazermos masi nada que multiplicá-las ao longo de todo o santíssimo dia, porém, e aí esbarramos com o busílis da questão, elas sempre nos vêm a posteriori com os seus problemazinhos particulares, ou, para que fiquemos a entender-nos, com os seus rabos por esfolar, sendo o primeiro deles o nosso grau de capacidade para mantê-las e o segundo o nosso grau de vontade para realizá-las.
José Saramago (The Double)
Os homens nos fazem acreditar que precisamos desejar filhos ou morrer. Foi por isso que quando perdi meu primeiro filho eu quis a morte, porque não fora capaz de corresponder ao modelo esperado de mim pelos homens da minha vida, meu pai e meu marido, e agora tenho que incluir também meus filhos. Mas quem foi que escreveu a lei que nos proíbe de investir nossas esperanças em nossas filhas? Nós, mulheres, corroboramos essa lei mais que ninguém. Enquanto não mudarmos isso, este mundo continuará sendo um mundo de homens, mundo esse que as mulheres sempre ajudarão a construir.
Buchi Emecheta (The Joys of Motherhood)
Quando montava o Salomão, a subhro sempre lhe havia parecido que o mundo era pequeno, mas hoje, no cais do porto de génova, alvo dos olhares de centenas de pessoas literalmente embevecidas pelo espectáculo que lhes estava sendo oferecido, quer com a sua própria pessoa quer com um animal em todos os aspectos tão desmedido que obedecia ás suas ordens, fritz contemplava com uma espécie de desdém a multidão, e, num insólito instante de lucidez e relativização, pensou que, bem vistas as coisas, um arquiduque, um rei, um imperador não são mais do que cornacas montados num elefante.
José Saramago (A Viagem do Elefante)
O amor danoso é aquele que, mesmo sendo verdadeiro, transforma você em alguém desprezível a seus próprios olhos. Se a relação em que você se encontra não faz você gostar de si mesmo, desperta sua mesquinhez, rabugice, desconfiança e demais perfis vexatórios, alguma coisa está errada. O amor que nos serve e nos faz evoluir é aquele que traz à tona a nossa melhor versão.
Martha Medeiros
Não há como ser progressista sendo socialmente conservador, porque uma comunidade conformista não gera inovação. E a sociedade não pode ser gerida como uma empresa privada. Você não pode se livrar de um cidadão porque ele está insatisfeito ou rende pouco.
Samir Machado de Machado (Tupinilândia)
Em resumo: o racismo é uma decorrência da própria estrutura social, ou seja, do modo “normal” com que se constituem as relações políticas, econômicas, jurídicas e até familiares, não sendo uma patologia social e nem um desarranjo institucional. O racismo é estrutural.
Silvio Almeida (O Que é Racismo Estrutural?)
eu estou aqui,arre!,estou aqui, EU, este vulcão sem começo nem fim, só atividade, só estar sendo,EU, esta obscura e incandescente e fascinante e terrível presença que está atrás de tudo o que digo e faço e vejo - e onde se perde e esquece.EU!Ora este «eu» é para morrer.
Vergílio Ferreira (Aparição)
Esse tipo que vive numa “bolha de consciência social” (nunca entendi bem o que vem a ser “consciência social”) sendo politicamente correto, ao que, às vezes, me refiro neste ensaio como a “praga PC”. Se você é uma delas, tenha em mim um fiel e devoto inimigo. Desejo sua extinção.
Luiz Felipe Pondé (Guia Politicamente Incorreto da Filosofia)
Todas as almas são igualmente perfeitas. Os corpos, diferem, sendo uns mais aptos, que outros para a revelação da alma. Há corpos opacos, que não deixam transparecer a mais branda luz espiritual. Existe, neles, uma alma perfeita, mas incapaz de actuar exteriormente. Eis o drama da Estupidez! Quase todos os estúpidos têm um ar espesso de tristeza, condensando- se-lhe, sobre o rosto, em máscara inanimada! A cousa encobre o ser! Ó divino eclipse!
Teixeira de Pascoaes (Senhora da Noite - Verbo Escuro)
[...] deixa eu te dizer antes que o ônibus parta que você cresceu em mim dum jeito completamente insuspeitado, assim como se você fosse apenas uma semente e eu plantasse você esperando ver nascer uma plantinha qualquer, pequena, rala, uma avenca, talvez samambaia, no máximo uma roseira, é, não estou sendo agressivo não, esperava de você apenas coisas assim, avenca, samambaia, roseira, mas nunca, em nenhum momento essa coisa enorme que me obrigou a abrir todas as janelas, e depois as portas, e pouco a pouco derrubar todas as paredes e arrancar o telhado para que você crescesse livremente, você não cresceria se eu a mantivesse presa num pequeno vaso, eu compreendi a tempo que você precisava de muito espaço [...] (Para uma avenca partindo, p. 46-47)
Caio Fernando Abreu (Além do Ponto e Outros Contos)
A vida inteira ele viveu perambulando, mandado embora de um lugar, assim que a "gente fina" comprava toda a maconha ou haxixe que quisesse, assim que houvesse perdido na roda da fortuna todas as moedas que queria. A vida inteira ele se ouviu sendo chamado de cigano sujo. A "gente fina" cria raízes; ele não tem nenhuma. Esse sujeito, Halleck, viu tendas de lona serem incendiadas por brincadeira, nos anos 30 e 40, e talvez houvesse bebês e velhos incendiados em algumas daquelas tendas. Ele viu suas filhas ou as filhas dos amigos serem atacadas, talvez violentadas, porque toda aquela "gente fina" sabe que ciganos trepam como coelhos e que um pouco mais não fará diferença — mas mesmo que faça, quem se importa? Ele talvez tenha visto seus filhos ou os filhos dos amigos serem surrados até quase a morte... e por quê? Porque os pais dos garotos que os surraram perderam algum dinheiro nos jogos de azar. É sempre a mesma coisa: você chega na cidade, a "gente fina" fica com o que quer e depois o manda embora. Às vezes, essa "gente fina" o condena a uma semana de trabalho na fazenda local de ervilhas ou um mês entre os trabalhadores da estrada local, como medida de ensinamento. E então, Halleck, para o cúmulo das coisas, vem o estalo final do chicote. O importante advogado de três queixos e bochechas de buldogue atropela e mata sua esposa na rua. Ela tem 70, 75 anos, é meio cega, talvez apenas se aventure no meio da rua depressa demais por querer voltar para sua gente antes de se mijar nas roupas — e ossos velhos quebram fácil, ossos velhos são como vidro, e você fica por ali, pensando que desta vez, apenas desta vez, haverá um pouco de justiça... um instante de justiça, como indenização por toda uma vida de miséria e...
Richard Bachman (Thinner)
Ele não ficou satisfeito com a ideia de Arada de um 'eu' sendo limpo e purificado para o céu. Ele não viu 'eu' na matéria. Nada a ser purificado. E viu a cobiça pelo céu como nada além de atividade em um sonho. Ele soube que, quando observadas do ponto de vista da mente verdadeira, todas as coisas eram como castelos mágicos no ar.
Jack Kerouac (Wake Up: A Life of the Buddha)
Mas também acredito que a nossa era não deve ser fácil nem para as crianças. Nós, mulheres, como disse antes, somos obrigadas todos os dias a refletir sobre o nosso papel, sobre a nossa identidade. O mesmo não se pede aos homens. Vivem dentro da crisálida de um machismo vazio, infelizmente encontram fragmentos de violência, palavras e atitudes de gângster, mas são formas mortas, formas desabitadas. A masculinidade agora vive em um reino fantasma. Não sabem mais quem são. Não sabem mais se expressar, e muitas vezes o fazem com dor e agressividade. Seria bom, portanto, que o mesmo debate que tivemos com as mulheres estivesse agora sendo realizado com os homens. Em La Chimera tentei contar a história dessa gangue de homens que de alguma forma são prisioneiros de serem machistas a todo custo, que não sabem se dirigir às mulheres a não ser seduzindo ou atacando-as, que são extremamente solitários e desesperados, abandonados a si mesmos e aos fantasmas delirantes do passado. Pobres ladrões de tumbas! (tradução minha).
Alice Rohrwacher (Dopo il cinema: Le domande di una regista)
(...) ainda hoje e apesar do 25 de Abril, Portugal é uma grande véspera; Portugal é a grande véspera das vésperas de tudo quanto vai sendo adiado.
Armando Baptista-Bastos
O padrão do mundo é compulsório e os corpos estranhos são eliminados sem alarde. O seres humanos fora do padrão acaba sendo retificados.
Sayaka Murata (Convenience Store Woman)
Nunca se preocupe com o que você diz a um homem. Eles são tão vaidosos que nunca acreditam que esteja sendo sincera quando não estiver elogiando.
Agatha Christie (O assassinato de Roger Ackroyd)
Em todos os cantos os soldados topavam com japoneses imobilizados por cordas, sendo brutalmente espancados
Fernando Morais (Corações Sujos: A História da Shindo Renmei)
E agora tive a impressão de que minha última âncora estava sendo levantada, e que em pouco tempo eu estaria sendo levado pelos ventos e correntezas.
Charles Dickens (Great Expectations)
Como se explica que o meu maior medo seja exatamente o de ir vivendo o que for sendo?
Clarice Lispector (The Passion According to G.H.)
Para mim, o mundo é apenas o mundo, Graciano: um palco em que todos nós representamos um papel, sendo o meu triste.
William Shakespeare (The Merchant of Venice)
A parte mais bonita do seu corpo é para onde ele está indo, e lembre-se de que a solidão continua sendo tempo vivido com o mundo.
Ocean Vuong (Night Sky with Exit Wounds)
Se um belo dia você me encontrar pelo caminho, não me venha cobrar que eu seja o que você imagina que eu deveria continuar sendo.
Rita Lee (Rita Lee: Uma Autobiografia)
Vampiros é o que está a dar – diz o editor – vampiros e sexo desenfreado para senhoras que já não fazem sexo, nem desenfreado nem com freio. Não podemos errar se fizermos um livro em que senhoras que já não fazem sexo, fazem sexo desenfreado com vampiros; ou se fizermos um livro sobre senhoras que, sendo vampiras, já não fazem sexo e acabam por fazê-lo de forma desenfreada.
Nuno Markl (A Terrível Criatura Sanguinária (DN Contos Digitais, #18))
É inacreditável como nascemos com todas as potencialidades, nascemos como sendo deuses, e a sociedade reduz-nos e esmaga-nos uma e outra vez contra a mediocridade. As ideologias, a educação, as religiões: unicamente reduzem o pessoal. E homens como Viladrich ou Amat, com um enorme potencial, e no caso de Amat com muito espírito de superação -, duvidam de si próprios até extremos doentios.
Gaspar Hernàndez (La terapeuta)
Assim a alma nunca poderá sofrer no exílio, sendo livre e semelhante aos deuses, igual a todo o universo e a todo o tempo. Pois o pensamento engloba todo o céu e viaja para todo o passado e futuro.
Seneca (On the Shortness of Life: Life Is Long if You Know How to Use It (Penguin Great Ideas))
se você considera qualquer homem em quem você não confia como você confia em si mesmo como sendo um amigo, você está muito enganado e você não entende o suficiente o que significa verdadeira amizade.
Seneca (Cartas de um Estoico, Volume I (Portuguese Edition))
(...) é terrível pensarmos que se estivéssemos na sua situação talvez não tivéssemos coragem para fazer o que estava certo. Sendo assim é melhor criticarmos quem o fez, disfarça melhor a nossa cobardia.
Sónia Louro (O Cônsul Desobediente)
nunca o homem sábio recorrerá a um nome tão humilde, nunca será meio prisioneiro aquele que sempre possuiu uma liberdade inalterada e estável, sendo livre e senhor de si mesmo, elevando-se sobre todos os outros.
Seneca (Sobre a Brevidade da Vida: Edição especial com prefácio de Lúcia Helena Galvão Maya (Portuguese Edition))
A ondulação deste número infinito de montanhas, cujos cumes nevados os fazem parecer como que cobertas por espuma, trouxe a minha lembrança a superfície de um oceano sendo espancado por uma tempestade. Se olhei para o oeste, o oceano exibia-se diante de mim em toda a sua majestosa grandeza, uma continuação de certo modo, um destes lanosos topos. Onde a terra terminava e o mar começava era impossível para o olho distinguir.
Jules Verne (Journey to the Center of the Earth)
- E eu sempre aqui estarei – um homem, se estudou, aprende a duvidar, muito mais sendo os deuses tão inconstantes, certos apenas, eles por ciência, nós por experiencia, de que tudo acaba, e o sempre antes do resto.
José Saramago (The Year of the Death of Ricardo Reis)
Eis Tirésias, o que mudara o aspeito, Femíneas formas e feições tomara, 42 Sendo-lhe o que era varonil desfeito. “Ao sexo seu tornou, quando encontrara, Inda uma vez, travadas serpes duas 45 E outra vez com bordão as separara.
Dante Alighieri (30 Obras-Primas da Literatura Mundial [volume 1])
Ninguém se deve ter por seguro nesta vida que toda ela se chama tentação. Quem é que, sendo pior, não se pode tornar melhor, e de melhor descer a pior? Só há uma única esperança, uma única promessa inabalável: Vossa misericórdia.
Augustine of Hippo
Não é nem mesmo o bem-estar geral do povo que ocupa meus pensamentos, pois minha dor particular é de tal maneira torrencial e de natureza tão oprimente que devora e engole outras tristezas... e, no entanto, continua sendo a mesma dor.
William Shakespeare (Othello)
A felicidade sempre foi um negócio e uma obsessão. Os filósofos, desde que que existem, tentam mostrar-nos o caminho. Assim como os padres. E os monges. E os ditadores. E os samanas. E os gimnosofistas. E os cientistas. E os nossos pais. Toda a gente quer encontrar a felicidade e, não sendo eles próprios felizes, pretendem enfiar a beatitude que não conquistaram pela goela dos outros. Quer um copo de água para empurrar? Pegam em discursos, em actos, em ramos de flores, em educação, em dinheiro, em poemas e canções e servem-nos o caminho para a felicidade. Educam-nos com histórias que terminam com o singelo "foram felizes para sempre". E não me refiro só à Bíblia, mas também aos contos de fadas e de príncipes e princesas. E a obsessão é tão grande que até aos aleijados como eu lhes é servida a esperança: o fantasma da ópera, o corcunda de Notre-Dame, Cyrano de Bergerac, a Bela e o Monstro, Pinóquio, o sapo. Haja esperança para todos, incluindo batráquios que se tornam proeminentes membros da monarquia e se casam e, como quem se constipa, ficam com aquela doença do peito, o amor eterno. Nesse processo, há dor e alegria, mas não o estado de euforia permanente. As pessoas felizes não são as pessoas que vivem a abanar a cauda. As pessoas felizes choram e temem e caem e magoam-se e gritam e esfolam os joelhos, porque a sua felicidade independe da roda da fortuna, do acaso, das circunstâncias.
Afonso Cruz (Princípio de Karenina (Geografias, #1))
Todavia, com frequência, esse corpo que habitava (parou para espiar um quadro holandês), esse corpo, a despeito de tudo o que era capaz, parecia-lhe então não ser nada - absolutamente nada. Que curiosa essa sensação de ser invisível; despercebida; desconhecida; agora que já não se tratava mais de casar, de ter filhos, mas apenas seguir esse assombroso e um tanto solene cortejo em meio às outras pessoas, Bond Street acima, sendo essa Mrs. Dalloway; nem mesmo Clarissa; sendo Mrs. Richard Dalloway.
Virginia Woolf (Mrs. Dalloway)
e eu estava completamente só com meu ódio e aquela dor tamanha, que era como se eu estivesse sendo torturado. era como ser arrastado lentamente sobre um leito de navalhas. doía tanto, que eu receberia a morte com um sorriso, só para me livrar daquilo.
Stephenie Meyer (Breaking Dawn (The Twilight Saga, #4))
o moleque não era nem nascido e já tinha gente pensando na sua profissão. o trabalho é por tantas vezes a maior tristeza da vida de uma pessoa e é só nisso que certos pais pensam, no filho crescendo e sendo alguém sendo que esse ser alguém envolve tudo menos Ser. página 126.
Aline Bei (O Peso do Pássaro Morto)
(...) a realidade não suporta o seu reflexo, rejeita-o, só uma outra realidade, qual seja, pode ser colocada no lugar daquela que se quis expressar, e, sendo diferentes entre si, mutuamente se mostram, explicam e enumeram, a realidade como invenção que foi, a invenção como realidade que será.
José Saramago (The Year of the Death of Ricardo Reis)
Depois de falar tão mal de quem o criticava, agora Shiraha se puseram a fazer o mesmo comigo, seguindo exatamente a mesma lógica e os mesmos valores. Não era muito coerente da parte dele. Mas talvez esse tipo de gente, que acha que está sendo violentada, se sinta um pouco melhor quando ataca outra pessoa do mesmo jeito.
Sayaka Murata (Convenience Store Woman)
O essencial - como já deve ter escrito algures Paulo Coelho, e se ainda não o escreveu há-de fazê-lo - raramente se exprime através de palavras. Música e matemática são formas superiores de comunicação, sendo a música uma expressão sonora. e um pouco mais rebelde, da matemática. Também os astros se comunicam através da música.
José Eduardo Agualusa
A emoção principal, como já disse, era o desejo ardente. E ainda é. Não há alívio para esse desejo nem para a minha noção de mim mesmo como suplicante. Está claro: temo-lo quando estamos com ela e temo-lo quando estamos sem ela. Sendo assim, quem terminou? Fui eu, não indo à festa, ou foi ela ao aproveitar o facto de eu não ter ido?
Philip Roth (O animal moribundo)
Você realmente acredita que é a fraqueza que sucumbe às tentações? Eu lhe digo que existem tentações terríveis que exigem que se tenha força, força e coragem, para sucumbir a elas. Apostar a vida inteira num momento, arriscar tudo de uma vez, sendo a aposta por poder ou prazer, não importa, não é fraqueza. É uma coragem horrível, terrível.
Oscar Wilde (An Ideal Husband)
Eu achava que me esforçar de alguma forma para ficar mais bonita era ruim. Era uma fraqueza. Algo risível. Por ter ficado muito tempo sendo a feinha do grupo, era como se fosse fútil da minha parte - e inútil - querer sair desse lugar; eu me apeguei a ele, assumi que era melhor ser esquisita do que lutar muito para ser bonita e acabar parecendo uma coitada.
Jout Jout
Vocês foram injustiçadas em muitos períodos pela estupidez, machismo e prepotência dos homens. E vocês cuidaram de nós carinhosamente, seja no seu útero biológico seja no útero social. Agora, novamente, vocês estão sendo maltratadas e controladas, Só que desta vez no cerne da sua psique. Não permitam. Vejam-se belas. Sintam-se belas. Não se comparem a ninguém.
Augusto Cury (A Ditadura Da Beleza e a Revolução das Mulheres)
-Parece, ou melhor, é que às vezes as coisas acontecem para lá da nossa compreensão, minha querida, e a realidade injusta é que esses eventos, sendo tão ilógicos para nós, destituídos de qualquer razão que lhes possamos atribuir, são exactamente o que são e infelizmente, nada mais, e acredito, acredito mesmo que essa é a ideia mais difícil com que todos nós temos de viver.
Mitch Cullin (A Slight Trick of the Mind)
Sempre, ao longo dos séculos, item a item é transferido do lado do objeto para o lado do sujeito. E, agora, em algumas formas extremas do behaviorismo, o próprio sujeito é descartado como sendo meramente subjetivo; só o que fazemos é pensar que pensamos. Depois de ter tragado tudo, ele devora a si mesmo. E "para onde nós vamos" surge como uma questão mergulhada nas trevas.
C.S. Lewis (The Discarded Image: An Introduction to Medieval and Renaissance Literature)
Se você está pronto para desistir de todas as outras coisas e estudar a história e o background completos do mercado e das principais companhias cujas ações estejam sendo negociadas — se puder fazer tudo isso com o mesmo zelo com que um estudante de medicina se dedica à anatomia, tiver o sangue-frio de um jogador, o sexto sentido de um vidente e a coragem de um leão, então há uma mínima chance.
Ray Dalio (Princípios (Portuguese Edition))
Lembre-se de que não é aquele profere insultos ou agressões, quem o ofende. Você se ofende por meio de sua opinião sobre essas coisas – pois as considera como sendo insultos. Quando um homem o irritar, saiba que é sua própria opinião que gera a irritação. Portanto, tente não se deixar levar pela aparência, nem pela representação. Pois, se você ganhar tempo e prazo, será mais fácil dominar a si mesmo.
Epícteto (O MANUAL DE EPICTETO: VERSÃO ORIGINAL (Portuguese Edition))
E depois, como tinha sobre a nobreza e a natureza dos nomes com que se formam os títulos as noções muito vagas que são as de muita gente que não é ascensorista , tanto mais verossímil lhe parecera o nome de Camembert porque, sendo esse queijo universalmente conhecido, não era de espantar que se tirasse um marquesado de tão glorioso renome, a menos que não fosse o marquesado que emprestara sua celebridade ao queijo.
Marcel Proust (Sodom and Gomorrah)
SOU. Jacto de mim próprio, intimidade comigo, eu, pessoa que é em mim, absurda necessidade de ser, intensidade absoluta no limiar da minha aparição em mim, esta coisa, esta coisa que sou eu, esta individualidade que não quero apenas ver de fora como num espelho mas sentir, ver no seu próprio estar sendo, este irredutível e necessário absurdo clarão que sou eu iluminando e iluminando-me, esta categórica afirmação de ser que não consegue imaginar o ter nascido, porque o que eu sou não tem limites no puro acto de estar sendo, esta evidência que me aterra quando um raio da sua luz emerge da espessura que me cobre. E estas mãos, estes pés que são meus e não são meus, porque eu sou-os a eles, mas também estou neles, porque eu vivo-os, são a minha pessoa e todavia vejo-os também de cima, de fora, como a caneta com que vou escrevendo…
Vergílio Ferreira (Aparição)
por que será que os estranhos sempre nos pesam menos? talvez por serem terra desconhecida, é o que abre espaço para a nossa imaginação. fulano deve ser ótimo, pensamos e as respostas ficam em suspenso amamos a possibilidade de a pessoa ser exatamente aquilo que projetamos nela. os estranhos não nos doem porque ainda não nos decepcionaram e se mantivermos tudo a uma boa distância: seguirão sendo essa doce incógnita.
Aline Bei (Pequena coreografia do adeus)
Maria, deitada de costas, estava acordada e atenta, olhava fixamente um ponto em frente, e parecia esperar. Sem pronunciar palavra, José aproximou-se e afastou devagar o lençol que a cobria. Ela desviou os olhos, soergueu um pouco a parte inferior da túnica, mas só acabou de puxá-la mais para cima, à altura do ventre, quando ele já se vinha debruçando e procedia do mesmo modo com a sua própria túnica, e Maria, entretanto, abrira as pernas, ou as tinha aberto durante o sonho e desta maneira as deixara ficar, fosse por inusitada indolência matinal ou pressentimento de mulher casada que conhece os seus deveres. Deus, que está em toda a parte, estava ali, mas sendo aquilo que é, um puro espírito, não podia ver como a pele de um tocava a pele do outro, como a carne dele penetrou a carne dela, criadas uma e outra para isso mesmo, e, provavelmente, já nem lá se encontraria quando a semente sagrada de José se derramou no sagrado interior de Maria, sagrados ambos por serem a fonte e a taça da vida, em verdade há coisas que o próprio Deus não entende, embora as tivesse criado. Tendo pois saído para o pátio, Deus não pôde ouvir o som agónico, como um estertor, que saiu da boca do varão no instante da crise, e menos ainda o levíssimo gemido que a mulher não foi capaz de reprimir.
José Saramago (The Gospel According to Jesus Christ)
Na construção da personalidade, o instinto de destruição manifesta-se com a maior nitidez na formação do superego . Certo, por seu papel defensivo contra os impulsos irrealistas do id, por sua função na conquista duradoura do complexo de Édipo, o superego consolida e protege a unidade do ego, garante o seu desenvolvimento sob o princípio de realidade e, assim, atua a serviço de Eros. Contudo, o superego atinge esses objetivos dirigindo o ego contra o seu id, desviando parte dos instintos de destruição contra uma parte da personalidade destruindo, fragmentando a unidade da personalidade como um todo; assim, atua a serviço do antagonista do instinto de vida. Além disso, essa destrutividade dirigida para dentro constitui o âmago moral da personalidade adulta. A consciência, a mais querida agência moral do indivíduo civilizado, surge-nos impregnada do instinto de morte; o imperativo categórico que o superego impõe continua sendo um imperativo de autodestruição, enquanto constrói a existência social da personalidade. A obra de repressão pertence tanto ao instinto de morte quanto ao instinto de vida. Normalmente, a fusão de ambos é salutar, mas a obstinada severidade do superego ameaça constantemente esse equilíbrio salutar. Quanto mais um homem controla suas tendências agressivas em relação a outros, mais tirânico, isto é, mais agressivo se torna em seu ego-ideal ... mais intensas se tornam as tendências agressivas do seu ego-ideal contra o seu ego. Levada ao extremo, na melancolia, uma pura cultura do instinto de morte pode influir no superego, convertendo este numa espécie de local de reunião para os instintos de morte. Mas esse perigo extremo tem suas raízes na situação normal do ego. Como a ação do ego resulta em uma '... libertação dos instintos agressivos no superego, a sua luta contra a libido expõe-no ao perigo de maus tratos e morte. Ao sofrer os ataques do superego ou talvez ao sucumbir a eles o ego está enfrentando um destino semelhante ao dos protozoários que são destruídos pelos produtos de desintegração que eles próprios criaram.' E Freud acrescenta que do ponto de vista econômico [mental], a moralidade que funciona no superego parece ser um produto similar de desintegração. É nesse contexto que a metapsicologia de Freud se defronta com a dialética fatal da civilização: o próprio progresso da civilização conduz à liberação de forças cada vez mais destrutivas.
Herbert Marcuse (Eros and Civilization: A Philosophical Inquiry into Freud)
Eu queria fazer um livro, não da vida como ela é, mas como eu queria que ela fosse. Um livro para a gente pegar e ler quando quisesse esquecer a vida real... Eu entendo a arte como sendo uma errata da vida. À pagina tal, onde se lê isto, leia-se aquilo... - Mas Noel, - fez Fernanda - quando se procura um livro não é para fugir à vida, mas para viver ainda mais, viver a vida de outras personagens, em outras terras, outros tempos. Ainda é o desejo de viver que nos leva para os romances.
Erico Verissimo (Um Lugar Ao Sol)
Mas que você tivesse demorado tanto a perceber, que fosse tão destituído de sensibilidade, tão estúpido para apreender tudo o que existe de raro, delicado e belo, a ponto de propor a publicação de cartas nas quais e através das quais eu tentava manter vivo o próprio espírito e a alma do amor para que este pudesse habitar o meu corpo durante os longos anos em que este corpo seria humilhado – era, e continua sendo para mim, causa do mais profundo sofrimento e da mais pungente desilusão.
Oscar Wilde (De Profundis)
Para que as políticas sejam eficazes, temos de desglobalizar a ecologia, a economia e a marcha da ciência – ou então temos de globalizar a política. Não sendo possível desglobalizar a ecologia e a marcha da ciência, e dado que o desglobalizar da economia teria custos proibitivos, a única solução viável é globalizar a política. (…) Se alguns dos políticos não compreender estas questões, ou se falarem constantemente do passado, sem serem capazes de formular uma visão significativa do futuro, não vote neles.
Yuval Noah Harari (21 lições para o século 21 (Portuguese Edition))
Nunca se permitiu que a terra fosse sobrecarregada com um animal mais inútil e absurdo que você! Você não tinha o direito de nascer, pois não utiliza sua vida para nada. Em vez de viver com, em e para você mesma, como deve fazer um ser humano sensato, procura apenas escorar sua fraqueza na força de outra pessoa. E se não encontra ninguém disposto a carregar um fardo tão pesado, fraco, inflado e inútil como você, grita aos quatro ventos que está sendo maltratada, que está sendo negligenciada e que é uma infeliz.
Charlotte Brontë (Jane Eyre)
Olhei e vi a última coisa que esperava ver: um enorme leão avançando para mim. E era estranho porque, apesar de não haver lua, por onde o leão passava havia luar. Foi chegando, chegando. E eu, apavorado. Você talvez pense que eu, sendo um dragão, poderia derrubar a fera com a maior facilidade. Mas não era esse tipo de medo. Não temia que me comesse, mas tinha medo dele... não sei se está entendendo o que quero dizer... Chegou pertinho de mim e me olhou nos olhos. Fechei os meus, mas não adiantou nada, porque ele me disse que o seguisse.
C.S. Lewis (Morgenvandrerens rejse (Narnia #5))
Mas não é incomum a sensação de que, em meio a tanta coisa já dita e ainda sendo dita, não se tem muito mais a dizer e que, por isso mesmo, se deveria tentar dizer alguma coisa nova. Ou calar-se de vez. Resvalar na própria intenção e dizer 'qualquer coisa' é, no entanto, muito mais fácil. Há um prazer em falar que não se compara ao prazer de calar, ele mesmo atualmente bem enfraquecido. É claro que em uma sociedade em que se controlam e se administram os prazeres fomenta-se a falação e não o silêncio. O barulho serve a muita coisa, sobretudo à geração do vazio.
Marcia Tiburi (Como Conversar com um Fascista)
Engana-se, Estella! Faz parte de minha vida desde que a conheci, faz parde de mim mesmo! Eu a vi em cada linha que li depois da primeira vez que aqui vim, sendo ainda um pobre menino grosseiro e vulgar, um menino cujo coração feriu. Desde então esteve em todos os meus sonhos de futuro. No rio, nas velas dos navios, nos pântanos, nas nuvens, na luz, nas sombras no vento, no mar, nos matos e nas ruas foi a personificação de todas as fantasias graciosas que meu espírito concebeu. As pedras com que se construíram os mais sólidos edifícios de Londres não são mais reais do que a sua influência sobre mim. E lhe seria mais fácil deslocá-las com suas mãos de mulher do que afastar da minha vida a sua presença constante e sua influência. Aqui em toda parte. Hoje e sempre, Estella. Até a última hora da minha vida, Estella, viverá no íntimo do meu ser, será uma parte do pouco do bem e do pouco do mal que há em mim. Mas quando estivermos longe um do outro, nas minhas recordações eu a associarei sempre ao bem, só ao bem, porque deve me ter feito muito mais bem do que mal. Apesar do sofrimento atroz que agora sinto... Oh! que Deus a guarde! que Deus a Perdoe.
Charles Dickens (Great Expectations)
Num dia frio de inverno, alguns porcos-espinhos resolveram se aglomerar bem próximos uns dos outros para proteger-se do frio com o calor recíproco. No entanto, logo sentiram também os espinhos recíprocos, que os obrigaram a se afastar novamente uns dos outros. Quando então a necessidade de se esquentar voltou a aproximá-los, o segundo mal se repetiu, de modo que ficaram oscilando de um lado para o outro entre os dois sofrimentos, até encontrarem uma distância adequada em que pudessem se manter da melhor forma possível. Sendo assim, a necessidade da sociedade, que nasce do vazio e da monotonia do próprio íntimo, aproxima os homens uns dos outros. No entanto, suas inúmeras características repulsivas e seus erros insuportáveis voltam a afastá-los.A distância intermediária que, por fim, conseguem encontrar e que possibilita uma coexistência está na cortesia e nas boas maneiras. Àquele que não mantém essa distância, diz-se na Inglaterra: keep your distance! Com ela, a necessidade de calor recíproco é satisfeita de modo incompleto, porém não se sentem os espinhos alheios. Entretanto, quem possui muito calor interno prefere renunciar à sociedade para não provocar nem receber achaques.
Arthur Schopenhauer
Tenho a impressão de que, durante toda a minha vida, estive sempre tentando me tornar outra pessoa. Sempre busquei ir para um lugar novo, começar uma vida nova, adotar uma personalidade nova. Fiz isso várias vezes. Em certo sentido eu estava amadurecendo, em outro, estava tentando trocar de persona. Seja como for, eu queria virar uma pessoa diferente e, assim, me libertar de algo que carregava comigo. Eu desejava isso de verdade, sinceramente. Acreditava que, se me esforçasse, conseguiria fazê-lo. Mas, no fim das contas, nunca cheguei a lugar nenhum. Aonde quer que eu vá, sigo sendo eu mesmo.
Haruki Murakami (South of the Border, West of the Sun)
e. Jamais descarte um objetivo por julgá-lo inatingível. Seja audacioso. Sempre existe um caminho que é o melhor possível. Sua tarefa é encontrá-lo e ter a coragem para trilhá-lo. O que você acha alcançável está baseado no conhecimento de que você dispõe naquele momento. Uma vez iniciada a busca, você aprenderá bastante, sobretudo se triangular as informações das quais dispõe com as das outras pessoas. Caminhos inéditos vão emergir. É claro que existem algumas metas altamente improváveis por serem pouco realistas — ser pivô em um time de basquete sendo baixinho ou correr um quilômetro em dois minutos e meio aos setenta anos.
Ray Dalio (Princípios (Portuguese Edition))
— O Finn nem parecia se importar de estar morrendo – comentei. E era verdade. Finn estava calmo como sempre até a última vez em que o vi. — Você não sabe? Esse é o segredo. Se você sempre garantir que é exatamente a pessoa que esperava ser, se sempre garantir que conhece apenas as melhores pessoas, então não vai se importar de morrer amanhã. — Isso não faz nenhum sentindo. Se você fosse tão feliz, então iria querer ficar vivo, não iria? Iria querer ficar vivo para sempre, para continuar sendo feliz. — Não, não. São as pessoas mais infelizes que querem ficar vivas, por que acham que não fizeram tudo o que querem fazer. Acham que não tiveram tempo suficiente. Acham que ganharam menos do que mereciam.
Carol Rifka Brunt (Tell the Wolves I'm Home)
Lembro-me de andar por galerias de arte, em meio a obras do século XIX: a obsessão que eles tinham por haréns. Dúzias de pinturas de haréns, mulheres gordas deitadas à toa em divãs, com turbantes na cabeça ou barretes de veludo, sendo abanadas com rabos de penas de pavão, um eunuco ao fundo montando guarda. Estudos de carne sedentária pintados por homens que nunca tinham estado lá. Aquelas pinturas deveriam ser eróticas e eu achava que eram, na época; mas vejo agora o que realmente retratavam. Eram pinturas que retratavam animação suspensa, retratavam espera, retratavam objetos que não estavam em uso. Eram pinturas que retratavam o tédio. Mas talvez o tédio seja erótico, quando mulheres o fazem, por homens.
Margaret Atwood (The Handmaid’s Tale (The Handmaid's Tale, #1))
Nós, homens do conhecimento, não nos conhecemos; de nós mesmos somos desconhecidos - e não sem motivo. Nunca nos procuramos: como poderia acontecer que um dia nos encontrássemos? Com razão alguém disse:'onde estiver teu tesouro, estará também teu coração'. Nosso tesouro está onde estão as colmeias do nosso conhecimento. Estamos sempre a caminho delas, sendo por natureza criaturas aladas e coletoras do mel do espírito, tendo no coração apenas um propósito - levar algo 'para casa'. Quanto ao mais da vida, as chamadas 'vivências', qual de nós pode levá-las a sério? Ou ter tempo para elas? Nas experiências presentes, receio, estamos sempre 'ausentes': nelas não temos nosso coração - para elas não remos ouvidos. Antes, como alguém divinamente disperso e imerso em si, a quem os sinos acabam de estrondear no ouvido as doze batidas do meio-dia, e súbito acorda e se pergunta 'o que foi que soou?', também nós por vezes abrimos depois os ouvidos e perguntamos, surpresos e perplexos inteiramente, 'o que foi que vivemos?', e também 'quem somos realmente?', e em seguida contamos, depois, como disse, as doze vibrantes batidas da nossa vivência, da nossa vida, do nosso ser - ah! e contamos errado... Pois continuamos necessariamente estranhos a nós mesmos, não nos compreendemos, temos que nos mal-entender, a nós se aplicará para sempre a frase: 'cada qual é o mais distante de si mesmo' - para nós mesmos somos 'homens do desconhecimento'...
Friedrich Nietzsche (On the Genealogy of Morals / Ecce Homo)
Isto é para quando você vier. É preciso estar preparado. Alguém terá que preveni-lo. Vai entrar numa terra em que a verdade e a mentira não têm mais os sentidos que o trouxeram até aqui. Pergunte aos índios. Qualquer coisa. O que primeiro lhe passar pela cabeça. E amanhã, ao acordar, faça de novo a mesma pergunta. E a cada dia receberá uma resposta diferente. A verdade está perdida entre todas as contradições e os disparates. Quando vier à procura do que o passado enterrou, é preciso saber que estará às portas de uma terra em que a memória não pode ser exumada, pois o segredo, sendo o único bem que se leva para o túmulo, é também a única herança que se deixa aos que ficam, como você e eu, à espera de um sentido, nem que seja pela suposição do mistério, para acabar morrendo de curiosidade.
Bernardo Carvalho (Nine Nights)
Heidegger apequenou toda grandeza de tal forma a fazê-la acessível aos alemães — entende? —, acessível aos alemães, disse Reger. Ele é o pequeno-burguês da filosofia alemã, aquele que a cobriu com seu gorro kitsch de dormir, o gorro preto e kitsch de dormir que Heidegger sempre usou, em todas as ocasiões. Heidegger é o filósofo de pantufas, o filósofo de gorro de dormir dos alemães, nada mais que isso. Não sei, disse Reger ontem, sempre que penso em Stifter penso também em Heidegger, e vice-versa. Não é coincidência que Heidegger, assim como Stifter, disse Reger, sempre tenha sido e continue sendo popular sobretudo entre mulheres rijas; assim como, solícitas e prepotentes, as freiras e as enfermeiras têm em Stifter seu, por assim dizer, prato preferido, assim também elas consomem Heidegger.
Thomas Bernhard (Mestres Antigos (Portuguese Edition))
A demonização da mulher é um projeto político de poder que nasce com a cultura viriarcal e segue acontecendo de diferentes maneiras ao longo dos tempos, gerando consequências psíquicas para as gerações de mulheres que nascem depois. São séculos sendo retratadas da forma mais aviltante, carregando uma culpa apenas por existir sem que tenhamos compreendido como se instalou e que nos ronda como um fantasma, pois permitimos que esteja ali pela sensação de que nos é familiar. A culpa por dores e sofrimentos que não fomos nós quem criamos. Isso é o que se chama de violência simbólica. Portanto, um dos nossos maiores desafios enquanto mulheres é nos livrarmos desta carga psíquica que nos oprime a partir de narrativas mitológicas que tentaram nos fazer prisioneiras de culpas estrategicamente inventadas para nós.
Ingrid Gerolimich (Para revolucionar o amor: A crise do amor romântico e o poder da amizade entre mulheres (Portuguese Edition))
Mas como os homens chamam amigos àqueles a quem estão ligados por laços de interesse em vista da utilidade, tal como acontece com os Estados (na verdade parece até que as alianças que unem os Estados se formam em vista de uma vantagem), e chamam também amigos àqueles de quem gostam em vista do prazer, como acontece entre as crianças, talvez também nós tenhamos de chamar amigos aos que estão envolvidos em relações deste género e dizer, por outro lado, que há diversas formas de amizade. Mas primariamente amizade, no sentido autêntico do termo, é a que existe entre homens de bem pelo simples facto de serem bons em si próprios (...). Estando, assim, a amizade dividida nestas duas formas essenciais, os inferiores serão amigos em vista do prazer ou da utilidade, sendo a este respeito semelhantes entre si; os homens de bem, por outro, são amigos em vista do "si próprio" dos amigos.
Aristóteles (Ética a Nicómaco (Spanish Edition))
Economicamente pertenço à classe operária, mas para mim é quase impossível me considerar qualquer coisa que não um membro da burguesia. E, supondo que eu tivesse que adotar um lado, ao lado de quem eu deveria me posicionar? Da classe superior, que está tentando me espremer até eliminar a minha existência, ou da classe trabalhadora, cujos costumes não são os meus? É provável que eu, em qualquer questão importante, escolhesse o lado da classe trabalhadora. Mas o que dizer dos outros, as dezenas ou centenas de milhares de pessoas que estão mais ou menos na mesma situação? E o que dizer daquela classe muito mais numerosa, que chega aos milhões — escriturários, todo tipo de funcionários de gravata e terno preto, cujas tradições são menos definidamente de classe média, mas que decerto não iriam agradecer se você os chamasse de proletários? Todos esses têm os mesmos interesses e os mesmos inimigos que a classe proletária. Todos estão sendo roubados e espezinhados pelo mesmo sistema. E, contudo, quantos percebem isso? Quando o aperto chegar, quase todos vão adotar o lado de seus opressores, contra os que deveriam ser seus aliados.
George Orwell (The Road to Wigan Pier)
O mito da feminilidade como instrumento de controle dos afetos e corpos femininos veio, aos poucos, realizando o trabalho de apagamento da mulher como protagonista da história para revivê-la como uma personagem frágil, passiva, desprovida de capacidade intelectual — tudo isso porque, na verdade, o poder da mulher sempre foi uma ameaça ao patriarcado. Para tanto, não bastava ter o controle das mulheres pela via da força física, era necessário criar um corpo psíquico para abrigar essa nova personalidade que estava sendo tecida como tentativa de fazer da mulher uma colcha de retalhos humana costurada por linhas que bordam sua docilização e passividade, ainda que diante de um mundo hostil à sua presença, que deveria gerar revolta no lugar de resignação. Um exemplo disso é como a raiva, que sempre foi sinônimo de virilidade e força no homem, passou a ser um sentimento negado à mulher. Eu mesma, desde criança, ouvia que ninguém gosta de menina que sente raiva e, como alguém que sempre teve a intensidade de um vulcão em erupção, cresci acreditando que dificilmente seria amada, já que não conseguia extirpar a raiva que carregava no peito, por mais que tentasse.
Ingrid Gerolimich (Para revolucionar o amor: A crise do amor romântico e o poder da amizade entre mulheres (Portuguese Edition))
..não tem maisl ugar o escritor mandarim, aquele que, como Sartre na França ou Ortega Y Gasset e Unamuno em seu tempo ou um Octavio Paz ainda entre nós, faz as vezes de guia e mestre em todas as questões importantes e supre um vazio que, por causa da escassa participação dos demais na vida pública, ou pela falta de democracia ou prestígio mítico da literatura, só o "grande escritor" parece capaz de preencher. Numa sociedade livre aquela função de tutor que exerce o escritor- às vezes de forma proveitosa - acaba sendo inútil nas sociedades submetidas: a complexidade e a multiplicidade dos problemas o levam a dizer disparates se quiser dar palpites em tudo. Suas opiniões e posicionamentos podem ser muito lúcidos, mas não necesariamente mais do que as de qualquer outro- um cientista, um profissional, um técnico- e, seja como for, devem ser julgadas por seus próprios méritos e não por serem provenientes de alguém que escreve com talento. Essa dessacralização da pessoa do escritor não me parece uma desgraça, pelo contrário, põe as coisas no seu lugar, pois a verdade é que escrever bons romances ou belos poemas não implica que quem assim está dotado para a criação literária goza de clarividência generalizada
Mario Vargas Llosa (The Language of Passion: Selected Commentary)
Duas vezes foi criado o mundo: quando passou do nada para o existente; e quando, alçado a um passo mais sutil, fez-se palavra. O caos, portanto, não cessou com o aparecimento do universo; mas quando a consciência do homem, nomeando o criado, recriando-o, portanto, separou, ordenou, uniu. A palavra, porém, não é o símbolo ou reflexo do que significa, função servil, e sim o seu espírito, o sopro na argila. Uma coisa não existe realmente enquanto não nomeada: então, investe-se da palavra que a ilumina e, logrando identidade, adquire igualmente estabilidade. Porque nenhum gêmeo é igual a outro; só o nome gêmeo é realmente idêntico ao nome gêmeo. Assim, gêmea inumerável de si mesma, a palavra é o que permanece, é o centro, é a invariante, não se contagiando da flutuação que a circunda e salvando o expresso das transformações que acabariam por negá-lo. Evocadora a ponto de um lugar, um reino, jamais desaparecer de todo, enquanto subsistir o nome que os designou (Byblos, Carthago, Suméria), a palavra, sendo o espírito do que - ainda que só imaginariamente - existe, permanece ainda, por incorruptível, como o esplendor do que foi, podendo, mesmo transmigrada, mesmo esquecida, ser reintegrada em sua original clareza. Distingue, fixa, ordena e recria: ei-la.
Osman Lins
Mas, logo ao outro dia, seus parceiros, Todos nus e da cor da escura treva, Decendo pelos ásperos outeiros, As peças vem buscar que estoutro leva. Domésticos já tanto e companheiros Se nos mostram, que fazem que se atreva Fernão Veloso a ir ver da terra o trato E partir-se co eles pelo mato. É Veloso no braço confiado E, de arrogante, crê que vai seguro; Mas, sendo um grande espaço já passado, Em que algum bom sinal saber procuro, Estando, a vista alçada, co cuidado No aventureiro, eis pelo monte duro Aparece e, segundo ao mar caminha, Mais apressado do que fora, vinha. O batel de Coelho foi depressa Polo tomar; mas, antes que chegasse, Um Etíope ousado se arremessa A ele, por que não se lhe escapasse. Outro e outro lhe saem; vê-se em presa Veloso, sem que alguém lhe ali ajudasse, Acudo eu logo, e, enquanto o remo aperto Se mostra um bando negro descoberto. Da espessa nuvem setas e pedradas Chovem sobre nós outros, sem medida, E não foram ao vento em vão deitadas, Que esta perna trouxe eu dali ferida; Mas nós, como pessoas magoadas, A reposta lhe demos tão tecida, Que em mais que nos barretes se suspeita Que a cor vermelha levam desta feita. E, sendo já Veloso em salvamento, Logo nos recolhemos pera a armada, Vendo a malícia feia e rudo intento Da gente bestial, bruta e malvada, De quem nenhum milhor conhecimento Pudemos ter da Índia desejada Que estarmos inda muito longe dela. E assi tornei a dar ao vento a vela. Disse então a Veloso um companheiro (Começando-se todos a sorrir): "Oula, Veloso amigo, aquele outeiro É milhor de decer que de subir.
Luís de Camões (Os Lusíadas)
Já repeti o antigo encantamento, E a grande Deusa aos olhos se negou. Já repeti, nas pausas do amplo vento, As orações cuja alma é um ser fecundo. Nada me o abismo deu ou o céu mostrou. Só o vento volta onde estou toda e só, E tudo dorme no confuso mundo. "Outrora meu condão fadava, as sarças E a minha evocação do solo erguia Presenças concentradas das que esparsas Dormem nas formas naturais das coisas. Outrora a minha voz acontecia. Fadas e elfos, se eu chamasse, via. E as folhas da floresta eram lustrosas. "Minha varinha, com que da vontade Falava às existências essenciais, Já não conhece a minha realidade. Já, se o círculo traço, não há nada. Murmura o vento alheio extintos ais, E ao luar que sobe além dos matagais Não sou mais do que os bosques ou a estrada. "Já me falece o dom com que me amavam. Já me não torno a forma e o fim da vida A quantos que, buscando-os, me buscavam. Já, praia, o mar dos braços não me inunda. Nem já me vejo ao sol saudado ergUida, Ou, em êxtase mágico perdida, Ao luar, à boca da caverna funda. "Já as sacras potências infernais, Que, dormentes sem deuses nem destino, À substância das coisas são iguais, Não ouvem minha voz ou os nomes seus. A música partiu-se do meu hino. Já meu furor astral não é divino Nem meu corpo pensado é já um deus. "E as longínquas deidades do atro poço, Que tantas vezes, pálida, evoquei Com a raiva de amar em alvoroço, lnevocadas hoje ante mim estão. Como, sem que as amasse, eu as chamei, Agora, que não amo, as tenho, e sei Que meu vendido ser consumirão. "Tu, porém, Sol, cujo ouro me foi presa, Tu, Lua, cuja prata converti, Se já não podeis dar-me essa beleza Que tantas vezes tive por querer, Ao menos meu ser findo dividi Meu ser essencial se perca em si, Só meu corpo sem mim fique alma e ser! "Converta-me a minha última magia Numa estátua de mim em corpo vivo! Morra quem sou, mas quem me fiz e havia, Anônima presença que se beija, Carne do meu abstrato amor cativo, Seja a morte de mim em que revivo; E tal qual fui, não sendo nada, eu seja!
Fernando Pessoa
Segundo os Shastras tradicionais, o Mestre é para o discípulo, pai, mãe e Íshwara (que significa Senhor, representa o arquétipo e, em certo sentido é a divindade eleita para o culto particular). Numa era de contestação e irreverência, tal afirmação não é nada modesta. Hoje está na moda construir frases de efeito ou emitir conceitos que façam média com o leitor. Conceitos demagógicos para cativar a opinião pública. Entretanto, as escrituras hindus não estavam preocupadas com isso e não estavam brincando quando colocaram muito claramente a posição do Mestre e do discípulo. Sendo uma filosofia do Oriente e da antiguidade, o Yôga não faz por menos: o discípulo deve total respeito, obediência, amor e fé ao seu Mestre. Caso contrário, não tem capacidade de ser discípulo nem o direito de chamar a alguém de Mestre, conforme diz a Maitrí Upanishad: “Esta ciência absolutamente secreta só deve ser ensinada a um filho ou a um discípulo totalmente devotado ao seu Mestre”. Para aquele que não souber aprender, ninguém será um Mestre competente, já que a incompetência não estará no ensinar, mas no aprender. Para aquele que aceita as normas do discipulado, o Mestre escolhido sempre é bom, pois tal discípulo está com o siddhi do aprendizado plenamente desenvolvido e aprenderá mesmo que nada seja dito, bastando a proximidade física do Mestre, o qual atua como catalisador. Por isso é importante visitar o Mestre com freqüência. Por que a proximidade física é tão importante, se o Yôga é fundamentalmente subjetivo e domina tão espetacularmente as dimensões paranormais? É porque ocorre um fenômeno denominado nyása, uma espécie de osmose, no qual, o discípulo que reúna as qualidades indispensáveis, assimila parte do conhecimento e o poder do seu Mestre através do simples convívio. Para ele, o Mestre é um catalisador vivo da força e da sabedoria que já estavam presentes no íntimo do próprio discípulo. Esse convívio é tão mais importante na medida em que é através dele que serão realizados o Guru Sêva, o Parampará e o Kripá Guru, três das mais sagradas tradições do Yôga no que se refere às relações Mestre/discípulo. Ao escolher o seu Mestre você deve aceitá-lo, acatá-lo e reconhecê-lo definitivamente e sem reservas. Não cabe da sua parte nenhuma dúvida ou questionamento. Se você não tem essa capacidade, não está a altura de ter um Mestre e vai ficar estagnado sem aprender nada profundo, nada que seja realmente Yôga. Ao que, por outro lado, tem essa capacidade no seu mais alto grau, esse consegue aprender, mesmo à distância, pois cada vez que realizar um pújá sincero, entra em sintonia interior e o Mestre fala diretamente ao seu coração, fora do tempo e do espaço. Dessa forma, pode compensar parcialmente a falta da tão importante presença física.
Sérgio Santos (Yôga, Sámkhya e Tantra)
O outro não é apenas um duplo especular, ao modo de um espelho do Eu. Para começar, o outro tem dois olhos, não apenas um. Então em qual ponto de vista devemos nos colocar? Se os olhos piscam ao mesmo tempo, a imagem permanece ainda que não esteja em presença. Mas, se alternamos o piscar entre um olho e outro, o objeto começa a se movimentar, em função de um efeito de ilusão chamado paralaxe. Ou seja, o fato de nós termos uma visão binocular e supormos no outro um único ponto de vista corresponde a uma diferença estrutural entre o eu e o outro. Isso ocorre também porque há um ponto de ausência na visão, bem no centro do cone ótico, chamado mácula. Além disso, a visão, tomada nesse sentido geométrico, equivale à audição, não à escuta. Para escutar e não só ouvir, assim como olhar e não só ver, é preciso subtrair a representação antecipada que fazemos do outro, da imagem, e que não é uma ilusão ótica, mas uma ilusão cognitiva. Quando alguém começa a aprender a arte do desenho, uma das primeiras lições, e talvez a mais importante, no sentido inaugural, é que você deve se ater ao que objetivamente está vendo, não ao que se “sabe” sobre o formato de uma maçã ou das arestas de um cubo. Isso significa que, para que os dois olhos colaborem na apreensão de uma única imagem, é preciso pensar a partir do quadro, colocar-se no lugar do outro, mas também supor o que o quadro “ignora” sobre sua própria composição. Por exemplo, o tamanho, a disposição e a distribuição dos volumes impõem involuntariamente ao observador que se coloque no ponto exato em que o quadro forma uma boa imagem. Se nos colocamos a menos de um palmo ou a mais de cem metros da Mona Lisa, sua experiência estética simplesmente será outra. Ocorre que, nesse ponto, ao qual nos ajustamos automaticamente – como ajustamos a distância exata à qual um bebê é capaz de formar seu foco visual, sem que ninguém tenha nos ensinado isso –, emerge outro fenômeno: nos vemos sendo vistos. Nossa percepção é a de que fazemos parte da tela e estamos imersos no espaço do museu. Ou seja, recebemos nossa própria imagem, que nos enxerga ali onde não nos vemos. É assim também com a escuta. Reconhecemos o que o outro não escuta, o que ele mesmo diz, e não adianta simplesmente dizer isso, gritar ou se exasperar, porque ele não escuta. E isso acontece porque, no fundo, “não pode escutar”, pois aquilo foi feito para ficar nessa zona cinzenta do não escutado. Não obstante, há restos – penumbras, zonas de transição, rastros daquilo que não se escuta perfeitamente –, mas que se denunciam como ruídos, particularmente em distorções, exageros, inibições e excepcionalidades da sua expressividade. O senso comum tenta eliminar tais ruídos entendendo que atrapalham a funcionalidade das relações. A psicanálise dá atenção a essas bobagens e imperfeições comunicativas, pois presume que nelas falta o que não pode ser realmente escutado e que de fato está determinando impasses relacionais.
Christian Dunker (A arte de amar (Portuguese Edition))
MÁRIO DE SÁ-CARNEIRO (1890-1916) Atque in perpetuum, frater, ave atque vale! CAT . Morre jovem o que os Deuses amam, é um preceito da sabedoria antiga. E por certo a imaginação, que figura novos mundos, e a arte, que em obras os finge, são os sinais notáveis desse amor divino. Não concedem os Deuses esses dons para que sejamos felizes, senão para que sejamos seus pares. Quem ama, ama só a igual, porque o faz igual com amá-lo. Como porém o homem não pode ser igual dos Deuses, pois o Destino os separou, não corre homem nem se alteia deus pelo amor divino; estagna só deus fingido, doente da sua ficção. Não morrem jovens todos a que os Deuses amam, senão entendendo-se por morte o acabamento do que constitui a vida. E como à vida, além da mesma vida, a constitui o instinto natural com que se a vive, os Deuses, aos que amam, matam jovens ou na vida, ou no instinto natural com que vivê-la. Uns morrem; aos outros, tirado o instinto com que vivam, pesa a vida como morte, vivem morte, morrem a vida em ela mesma. E é na juventude, quando neles desabrocha a flor fatal e única, que começam a sua morte vivida. No herói, no santo e no génio os Deuses se lembram dos homens. O herói é um homem como todos, a quem coube por sorte o auxílio divino; não está nele a luz que lhe estreia a fronte, sol da glória ou luar da morte, e lhe separa o rosto dos de seus pares. O santo é um homem bom a que os Deuses, por misericórdia, cegaram, para que não sofresse; cego, pode crer no bem, em si, e em deuses melhores, pois não vê, na alma que cuida própria e nas coisas incertas que o cercam, a operação irremediável do capricho dos Deuses, o jugo superior do Destino. Os Deuses são amigos do herói, compadecem-se do santo; só ao génio, porém, é que verdadeiramente amam. Mas o amor dos Deuses, como por destino não é humano, revela-se em aquilo em que humanamente se não revelara amor. Se só ao génio, amando-o, tornam seu igual, só ao génio dão, sem que queiram, a maldição fatal do abraço de fogo com que tal o afagam. Se a quem deram a beleza, só seu atributo, castigam com a consciência da mortalidade dela; se a quem deram a ciência, seu atributo também, punem com o conhecimento do que nela há de eterna limitação; que angústias não farão pesar sobre aqueles, génios do pensamento ou da arte, a quem, tornando-os criadores, deram a sua mesma essência? Assim ao génio caberá, além da dor da morte da beleza alheia, e da mágoa de conhecer a universal ignorância, o sofrimento próprio, de se sentir par dos Deuses sendo homem, par dos homens sendo deus, êxul ao mesmo tempo em duas terras. Génio na arte, não teve Sá-Carneiro nem alegria nem felicidade nesta vida. Só a arte, que fez ou que sentiu, por instantes o turbou de consolação. São assim os que os Deuses fadaram seus. Nem o amor os quer, nem a esperança os busca, nem a glória os acolhe. Ou morrem jovens, ou a si mesmos sobrevivem, íncolas da incompreensão ou da indiferença. Este morreu jovem, porque os Deuses lhe tiveram muito amor. Mas para Sá-Carneiro, génio não só da arte mas da inovação nela, juntou-se, à indiferença que circunda os génios, o escárnio que persegue os inovadores, profetas, como Cassandra, de verdades que todos têm por mentira. In qua scribebat, barbara terrafuit. Mas, se a terra fora outra, não variara o destino. Hoje, mais que em outro tempo, qualquer privilégio é um castigo. Hoje, mais que nunca, se sofre a própria grandeza. As plebes de todas as classes cobrem, como uma maré morta, as ruínas do que foi grande e os alicerces desertos do que poderia sê-lo. O circo, mais que em Roma que morria, é hoje a vida de todos; porém alargou os seus muros até os confins da terra. A glória é dos gladiadores e dos mimos. Decide supremo qualquer soldado bárbaro, que a guarda impôs imperador. Nada nasce de grande que não nasça maldito, nem cresce de nobre que se não definhe, crescendo. Se assim é, assim seja! Os Deuses o quiseram assim. Fernando Pessoa, 1924.
Fernando Pessoa (Loucura...)