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Quem sofre a perda de uma pessoa amada pensa muito a respeito da autopiedade. Nós nos preocupamos com ela, a tememos, vasculhamos nossos pensamentos em busca de sinais dela. Temos medo de que nossas reações denunciem a condição descrita, de forma reveladora, como “remoer o sofrimento”. Compreendemos a aversão que a maior parte de nós tem a “remoer o sofrimento”. O luto visível nos lembra a morte, o que é considerado antinatural, uma incapacidade de lidar com a situação. “Uma única pessoa está ausente, mas o mundo inteiro parece vazio”, escreveu Phillipe Ariès a respeito dessa aversão em História da morte no Ocidente. “Mas uma pessoa não tem mais o direito de dizê-lo em voz alta.” Lembramos a nós mesmos, repetidas vezes, que nossa própria perda não é nada se comparada à perda vivenciada (ou, ainda pior, não vivenciada) por aquele que morreu; essa tentativa de corrigir o pensamento serve apenas para nos fazer mergulhar ainda mais nas profundezas da autopiedade. (Por que não enxerguei isso, por que sou tão egoísta?) A própria linguagem que usamos, quando pensamos na autopiedade, revela a profunda repulsa que sentimos por ela: autopiedade é sentir pena de si mesmo, autopiedade é chupar dedo, autopiedade é ah,coitadinho de mim, autopiedade é o estado que se permitem, ou do qual até mesmo se comprazem, aqueles que sentem pena de si mesmos. A autopiedade permanece ao mesmo tempo o mais comum e o mais universalmente abominado de nossos defeitos, sua destrutividade pestilenta aceita como algo inevitável. “Nosso pior inimigo”, dizia Hellen Keller. Nunca vi um animal selvagem/ sentir pena de si mesmo, escreveu D.H. Lawrence em uma homilia de quatro versos muito citada que, quando analisada, se revela cheia de significados tendenciosos. Um pequeno pássaro cairá morto de um galho, congelado,/ sem nunca ter sentido pena de si mesmo.Isso pode ser o que Lawrence (ou nós) preferia acreditar em relação aos animais selvagens, mas consideremos os golfinhos, que se recusam a comer depois da morte do parceiro. Consideremos os gansos, que procuram pelo parceiro perdido até ficarem desorientados e morrerem. Na verdade, quem sofre essa perda tem razões urgentes, até mesmo uma necessidade urgente, para sentir pena de si mesmo. Maridos saem de casa, esposas saem de casa, divórcios acontecem, mas esses maridos e essas esposas deixam para trás teias de associações intactas, por mais amargas que sejam. Apenas aqueles que sobrevivem a uma morte ficam de fato sozinhos. As conexões que constituíam sua vida — tanto as profundas quanto as aparentemente insignificantes (até serem rompidas) — desaparecem por inteiro.
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