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Crash é um livro assim, uma metáfora extrema para uma situação extrema, um estojo de recursos desesperados para uso apenas em caso de crise extrema. Crash, evidentemente, não tem a ver com um desastre imaginário, embora iminente, mas com um cataclismo pandêmico que a cada ano mata centenas de milhares de pessoas e fere milhões. Será que enxergamos, no desastre de carro, um sinistro presságio de um casamento de pesadelo entre o sexo e a tecnologia? A moderna tecnologia nos proporcionará meios até hoje não sonhados de dar vazão a nossas próprias psicopatias? Esse direcionamento da nossa perversidade inata vai, presumivelmente, nos beneficiar? Existe algum desdobramento lógico desviante mais poderoso do que aquele fornecido pela razão?
Ao longo de Crash, usei o carro não apenas como uma imagem sexual, mas como uma metáfora total da vida do homem na sociedade de hoje. Assim, o romance tem um papel político bem separado de seu conteúdo sexual, mas eu ainda gostaria de pensar que Crash é o primeiro romance pornográfico baseado na tecnologia. Em certo sentido, a pornografia é a forma mais política de ficção, pois aborda como usamos e exploramos uns aos outros, do modo mais urgente e impiedoso.
É desnecessário dizer que o papel de Crash, em última instância, é preventivo, um alerta contra esse território brutal, erótico e excessivamente iluminado, que nos chama de modo cada vez mais persuasivo das margens da paisagem tecnológica.
J. G. Ballard
Introdução — Crash_1995
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J.G. Ballard (Crash)