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Não, não há escapatória. Não existe céu com um pouco de inferno nele – não tentemos reter isso ou aquilo do mal em nossos corações ou em nossos bolsos. Satanás deve sair, cada fiapo, cada fio de cabelo.” (George MacDonald)
O poeta inglês William Blake (1757-1827) escreveu 'O Casamento do Céu e do Inferno'. Se escrevo sobre o Divórcio, não é porque me julgue à altura para antagonizar com tão grande gênio, nem porque tenha pleno conhecimento do que ele queria dizer. No entanto, em um sentido ou outro, é constante a tentativa de fazer tal casamento. Essa tentativa baseia-se na crença de que a realidade nunca se apresenta a nós como uma escolha inevitável entre 'isso ou aquilo'; de que, com habilidade, paciência e (sobretudo) tempo suficiente, seria possível encontrar uma maneira de acomodar as duas alternativas; e de que a simples evolução, adaptação ou refinamento conseguirá, de algum jeito, transformar o mal em bem, sem que sejamos interpelados a rejeitar, de modo definitivo e integral, aquilo que desejamos conservar. Essa crença é, a meu juízo, um erro desastroso. Você não pode levar toda a bagagem consigo em todas as viagens; em alguma jornada, sua mão e seu olho direitos podem estar entre as coisas que você terá de deixar para trás. Não vivemos num mundo onde todos os caminhos são como raios de um círculo, que, se suficientemente percorridos, gradualmente se aproximariam um do outro e, ao fim, convergiriam no centro; vivemos, sim, num mundo onde cada caminho, depois de alguns quilômetros, se bifurca e onde cada uma das duas ramificações, por sua vez, se biparte novamente; e, em cada encruzilhada, você precisa tomar uma decisão. Mesmo no nível biológico, a vida não é como um rio, e sim como uma árvore. A vida não flui no sentido da unidade, mas, ao contrário, afasta-se dela, e as criaturas se diferenciam entre si à medida que se aprimoram. O bem, quando amadurece, distingue-se não apenas do mal, mas também de outro bem.
Não creio que todos aqueles que optam por caminhos equivocados pereçam, mas seu resgate consiste em serem colocados de volta na estrada certa. Uma operação de adição pode ser corrigida: mas isso só pode ser feito retornando até encontrar o erro e refazendo o cálculo a partir dali; nunca simplesmente prosseguindo. O mal pode ser desfeito, mas não pode 'evoluir' para o bem. O tempo não o cura. O feitiço deve ser revertido, aos poucos, 'com sussurros de trás para frente, de poder disjuntivo' (peça ‘Comus’, do poeta inglês John Milton – 1608-1674) – ou, então, o encanto não cessará. É 'uma coisa ou outra'. Se insistirmos em preservar o Inferno (ou mesmo a Terra), não veremos o Céu: se aceitarmos o Céu, não poderemos guardar sequer o menor e o mais íntimo 'suvenir' do Inferno. Acredito, com efeito, que toda pessoa que alcançar o Céu descobrirá que o que abandonou (mesmo que seja arrancando seu olho direito) na verdade não era nada: que o cerne daquilo que estava ansiosamente procurando, mesmo em seus desejos mais pervertidos, estará lá, além das expectativas, aguardando por ela nos 'Países Altos'. Nesse sentido, os que tiverem completado a jornada (e somente estes) poderão verdadeiramente dizer que o bem está em tudo, e o Céu, em todo lugar. Entretanto, deste lado da estrada, não devemos tentar antecipar essa observação retrospectiva. Se o fizermos, provavelmente estaremos abraçando o falso e desastroso avesso e fantasia de que tudo é bom e de que todo lugar é o Céu.
Mas e a terra? – você perguntará. Imagino que, no fim, ninguém a achará um lugar muito diferente. Penso que, se escolhida em prejuízo do Céu, a terra acabará se revelando uma mera região no Inferno e, se colocada em segundo lugar, depois do Céu, se mostrará desde o início como uma parte do próprio Céu.
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C.S. Lewis (The Great Divorce)