Um Dia Quotes

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O homem primeiro tropeça, depois anda, depois corre, um dia voará.
José Saramago (Baltasar and Blimunda)
Se tens um coração de ferro, bom proveito. O meu, fizeram-no de carne, e sangra todo o dia.
José Saramago
Nascemos, e nesse momento é como se tivéssemos firmado um pacto para toda a vida, mas o dia pode chegar em que nos perguntemos Quem assinou isto por mim.
José Saramago (Seeing)
Nada desejar e nada recear... Não se abandonar a uma esperança - nem a um desapontamento. Tudo aceitar o que vem e o que foge, com a tranquilidade com que se acolhem as naturais mudanças de dias agrestes e de dias suaves.
Eça de Queirós (Os Maias)
Se viveres, um dia serás livre; a pedra do sepulcro é que nunca se levanta.
Camilo Castelo Branco (Amor de Perdição)
Um dia feliz tem mais poder que a tristeza de uma vida inteira. Nele moram as reviravoltas
Carla Madeira (Tudo é rio)
Escrevo por não ter nada a fazer no mundo: sobrei e não há lugar para mim na terra dos homens. Escrevo porque sou um desesperado e estou cansado, não suporto mais a rotina de me ser e se não fosse a sempre novidade que é escrever, eu me morreria simbolicamente todos os dias. (A hora da estrela)
Clarice Lispector
Se um dia o nosso amor fizer sentido estarmos juntos não tem qualquer sentido
Pedro Chagas Freitas
Não há, sequer um só dia que não imagino o fim sereno. O futuro é o mar aberto o universo ele me quer
Br Reader Br - (As Horas: Esboços do Tempo)
Cântico VI Tu tens um medo: Acabar. Não vês que acaba todo o dia. Que morres no amor. Na tristeza. Na dúvida. No desejo. Que te renovas todo o dia. No amor. Na tristeza. Na dúvida. No desejo. Que és sempre outro. Que és sempre o mesmo. Que morrerás por idades imensas. Até não teres medo de morrer. E então serás eterno.
Cecília Meireles
As três garotas e eu automaticamente nos unimos no primeiro dia de aula, como se precisássemos daquilo para nos protegermos, e é quase isso mesmo. Inicialmente como instinto e, depois, conscientemente com um time.
Pamela Gonçalves (Boa Noite)
Matar não quer dizer a gente pegar o revólver de Buck Jones e fazer Bum! Não é isso. A gente mata no coração. Vai deixando de querer bem. E um dia a pessoa morreu.
José Mauro de Vasconcelos (درخت زیبای من)
Então, que seja doce. Repito todas as manhãs, ao abrir as janelas para deixar entrar o sol ou o cinza dos dias, bem assim, que seja doce. Quando há sol, e esse sol bate na minha cara amassada do sono ou da insônia, contemplando as partículas de poeira soltas no ar, feito um pequeno universo; repito sete vezes para dar sorte: que seja doce que seja doce que seja doce e assim por diante. Mas, se alguém me perguntasse o que deverá ser doce, talvez não saiba responder. Tudo é tão vago como se fosse nada.
Caio Fernando Abreu
Um dia é preciso parar de sonhar e, de algum modo, partir.
Amyr Klink
oh, a medonha coragem dos que vão arrancando de si, dia a dia, a doçura da saudade do que passou, o encanto novo da esperança do que há-de vir, e que serenamente, desdenhosamente, sem saudades nem esperanças, partem um dia sem saber para onde, aventureiros da morte, emigrantes sem eira nem beira, audaciosos esquadrinhadores de abismos mais negros e mais misteriosos que todos os abismos escancarados do mundo
Florbela Espanca (As Máscaras do Destino)
Alguém dissera um dia que se podia viver sem tudo, menos água e comida, mas que viver sem livros e sem música não seria o mesmo que viver.
Miguel Sousa Tavares (Madrugada Suja)
O que não falamos se torna um segredo, e segredos quase sempre criam vergonha, medo e mitos. Falo porque um dia quero me sentir confortável falando, e não envergonhada ou culpada.
V (formerly Eve Ensler) (The Vagina Monologues)
- Ensinar-me? - Levantei a sobrancelha. - Ensinar-me o quê? Tem idade para ser Mestre? - Posso ensinar-lhe muitas coisas. - Respondeu oferecendo-me um sorriso, desta vez, malicioso.
Tânia Dias (Despedaçada (Broken, #1))
Escrevo-te a ti, que andas por ai à minha procura, numa solidão povoada, vazia e acomodada à espera que a vida te ponha no caminho uma mulher como eu. Não sei como te chamas nem por que inicial começa o teu nome, mas sei que existes, que me esperas e desejas e que um dia farás parte da minha vida.
Margarida Rebelo Pinto
O sangramento da lua só me deixa abalada durante três dias num mês. Uma pila torna um homem potencialmente estúpido a qualquer hora do dia.
Anne Bishop (Dreams Made Flesh (The Black Jewels, #5))
Os dias eram iguais, iguais os silêncios e as pessoas - o hábito, um certo desamor por si próprios, soterrara-os na indiferença.
Fernando Namora
A música vivia, mas o mundo estava morto. E a canção morreria um dia, pensou, mas como voltaria o mundo à vida? Como voltaria o seu sal?
Patricia Highsmith (The Price of Salt)
Tu és forte e vais conseguir encontrar alguém que cuide de ti e te faça feliz. E um dia isto vai parecer apenas um pesadelo.
L.C. Lavado (Inverno de Sombras)
Ontem sobrevivi a uma noite de inverno, depois de um dia que teve o ritmo do conflito ________, do encontro ________, e da espera.
Maria Gabriela Llansol (O Raio Sobre o Lápis)
Atravessar a Rússia significa percorrer onze fusos horários. Quando numa ponta do país é de dia, na outra é de noite. A Rússia é com a alma humana. se tem um lado luminoso, é porque a outra ponta está no escuro. Somos todos feitos desta estranha mistura de fusos horários.
Afonso Cruz (Os Livros Que Devoraram o Meu Pai)
E pergunto-me a mim mesma se a eternidade será isto, recordar uma e outra vez, um vestido, um beijo, um dia de Outono, a primeira neve, os meus cães. As coisas essenciais. O nome das rosas e as frases dos livros, o tempo em que alguém nos amou, o jardim que fizemos com as nossas mãos
Ana Teresa Pereira (O Verão Selvagem dos Teus Olhos)
Max era uma incógnita para mim. Às vezes, como naquele momento, me tocava sem que eu precisasse recorrer a subterfúgios. Em outras, dava mais trabalho que cabelo alisado com chapinha em dia de chuva.
Carina Rissi (Procura-se um marido (Família Cassani, #1))
O Crisóstomo então levantou-se, atravessou o quarto, saiu, foi ver o Camilo deitado e beijá-lo para dormir e disse-lhe: nunca limites o amor, filho, nunca por preconceito algum limites o amor. O miúdo perguntou: por que dizes isso, pai. O pescador respondeu: porque é o único modo de também tu, um dia, te sentires o dobro do que és.
Valter Hugo Mãe (O Filho de Mil Homens)
Estava sozinho, os seus amores haviam falhado e sentia que tudo lhe faltava pela metade, como se tivesse apenas metade dos olhos, metade do peito e metade das pernas, metade da casa e dos talheres, metade dos dias, metade das palavras para se explicar às pessoas. Via-se metade ao espelho e achava tudo demasiado breve, precipitado, como se as coisas lhe fugissem, a esconderem-se para evitar a sua companhia. Via-se metade ao espelho porque se via sem mais ninguém, carregado de ausências e de silêncios como os precipícios ou poços fundos. Para dentro do homem era um sem fim, e pouco ou nada do que continha lhe servia de felicidade. Para dentro do homem o homem caía.
Valter Hugo Mãe (O Filho de Mil Homens)
Conforta-me pensar que a vida não começa nem acaba aqui. Um dia regressaremos ao lugar de onde viemos, um lugar de repouso e de paz, um lugar livre de mágoas. Mas quantos lugares de dor teremos de atravessar para alcançá-lo? Quanta tristeza, quanto sofrimento, quanta crueldade no destino do Homem! E se o mundo é repleto de maravilhas é só para não perdermos de vista a morada original, que nos aguarda ao fim dos nossos doze trabalhos de Hércules, e a que os poetas e os místicos chamam paraíso e eu chamo, simplesmente, amor. As guerras fazem-se para alcançar a paz, ensinaram-nos durante séculos. (...)O sofrimento serve para alcançar a bem-aventurança, invento eu, para não morrer de desespero.
Rosa Lobato de Faria (A Trança de Inês)
a conclusão de que não há abismo, e que a infância não pára de desenvolver-se e crescer, é um novo princípio de realidade, de morte, de velhice: eu não deixo de viver no mundo interior e exterior das metamorfoses flutuantes; é já dia, mas a noite que conduz a esperança no pensamento, e sobre si própria, não acabou.
Maria Gabriela Llansol (O Raio Sobre o Lápis)
Na vida, concluiria um dia, todos têm direito a um grande amor. Uns achá-lo-iam num cruzamento perdido e com ele seguiriam até ao fim do caminho, teimosos e abnegados, até que a morte desfizesse o que a vida fizera. Outros estavam destinados a desconhecê-lo, a procurarem sem o descobrirem, a cruzarem-se numa esquina sem jamais se olharem, a ignorarem a sua perda até desaparecerem na neblina que pairava sobre o soliário trilho para onde a vida os conduzira. E havia aqueles fadados para a tragédia, os amores que se encontravam e cedo percebiam que o encontro era afinal efémero, furtivo, um mero sopro na corrente do tempo, um cruel interlúdio antes da dolorosa separação, um beijo de despedida no caminho da solidão, a alma abalada pela sombria angústia de saberem que havia um outro percurso, uma outra existência, uma passagem alternativa que lhes fora para sempre vedada. Esses eram os infelizes, os dilacerados pela revolta até serem abatidos pela resignação, os que percorrem a estrada da vida vergados pela saudade do que podia ter sido, do futuro que não existiu, do trilho que nunca percorreriam a dois. Eram esses os que estavam indelevelmente marcados pela amarga e profunda nostalgia de um amor por viver.
José Rodrigues dos Santos (A Filha do Capitão)
Muita coisa aconteceu nesses cinco anos, e tão rapidamente que um belo dia achei-me estranho a mim mesmo, como um cego que de súbito recuperasse a vista diante de um espelho.
José Eduardo Agualusa (Barroco Tropical)
Podia-se desejar uma tarde feliz, uma noite feliz, um dia inteiro feliz, no máximo. Mas um ano?
Lygia Fagundes Telles (Ciranda de Pedra)
Vida” é noção que a gente completa seguida assim, mas só por lei duma ideia falsa. Cada dia é um dia.
João Guimarães Rosa (Grande Sertão: Veredas)
Não poupes no amor só porque um dia alguém desperdiçou o teu (...)
Raul Minh'alma (Larga Quem Não Te Agarra)
mas não era tempo, o problema foi a perda da parte de mim que acreditava, vazou no banho um dia pelo ralo, escorreu e a água rápido mandou pro cano que levou pro rio.
Aline Bei (O peso do pássaro morto)
Depois olhas para ela e sorris um sorriso que o teu rosto hipócrita irá recordar até ao fim dos teus dias. Querida, dizes, isto é apenas um capítulo do meu romance. É assim que a perdes.
Junot Díaz (This Is How You Lose Her)
-Para onde é que vai o Kurika quando morrer, perguntou-me certo dia a minha filha, depois de um dos ataques do cão. -Para onde vamos todos nós. -Mas para onde? -Talvez o Kurika saiba. Eu não
Manuel Alegre (Cão Como Nós)
A esperança parece inventada pela espera. Eu não sei esperar. Todos os dias me assusto por não ter esperança. Quero muito ter. A minha mãe manda fazer um esforço. Ela diz: acredite sempre. Eu acredito, só não estou certa de saber ficar à espera.
Valter Hugo Mãe (O Paraíso são os Outros)
E, no dia em que ele fugiu, em inúmeros lares, na hora pobre do jantar, rostos se iluminaram ao saber da notícia. E, apesar de que lá fora era o terror, qualquer daqueles lares era um lar que se abriria para Pedro Bala, fugitivo da polícia. Porque a revolução é uma pátria e uma família.
Jorge Amado (Capitães da Areia)
deus tem que ser substituído rapidamente por poe- mas, sílabas sibilantes, lâmpadas acesas, corpos palpáveis, vivos e limpos. a dor de todas as ruas vazias. sinto-me capaz de caminhar na língua aguçada deste silêncio. e na sua simplicidade, na sua clareza, no seu abis- mo. sinto-me capaz de acabar com esse vácuo, e de aca- bar comigo mesmo. a dor de todas as ruas vazias. mas gosto da noite e do riso de cinzas. gosto do deserto, e do acaso da vida. gosto dos enganos, da sorte e dos encontros inesperados. pernoito quase sempre no lado sagrado do meu cora- ção, ou onde o medo tem a precaridade doutro corpo. a dor de todas as ruas vazias. pois bem, mário - o paraíso sabe-se que chega a lis- boa na fragata do alfeite. basta pôr uma lua nervosa no cimo do mastro, e mandar arrear o velame. é isto que é preciso dizer: daqui ninguém sai sem cadastro. a dor de todas as ruas vazias. sujo os olhos com sangue. chove torrencialmente. o filme acabou. não nos conheceremos nunca. a dor de todas as ruas vazias. os poemas adormeceram no desassossego da idade. fulguram na perturbação de um tempo cada dia mais curto. e, por vezes, ouço-os no transe da noite. assolam-me as imagens, rasgam-me as metáforas insidiosas, porcas. ..e nada escrevo. o regresso à escrita terminou. a vida toda fodida - e a alma esburacada por uma agonia tamanho deste mar. a dor de todas as ruas vazias.
Al Berto (Horto de incêndio)
Hoje sabemos que dia é o nosso, amanhã quem o dirá, Emprestam-te uma espingarda, mas nunca te disseram que a apontasses ao latifúndio, Toda a tua instrução de mira e fogo está virada contra o teu lado, é para o teu próprio e enganado coração que olha o buraco do cano da tua arma, não percebes nada do que fazes e um dia dão-te voz de atirar, e matas-te
José Saramago (Levantado del suelo)
Te desejo uma fé enorme, em qualquer coisa, não importa o quê, como aquela fé que a gente teve um dia, me deseja também uma coisa bem bonita, uma coisa qualquer maravilhosa, que me faça acreditar em tudo de novo, que nos faça acreditar em tudo outra vez, que leve para longe da minha boca este gosto podre de fracasso, este travo de derrota sem nobreza.
Caio Fernando Abreu (Morangos Mofados)
Digo de mim para mim: um dia a paisagem há-de atravessar-me.
Pascal Quignard (Terrasse à Rome)
Se o que encontraste é feito de matéria pura, jamais apodrecerá. E poderás voltar um dia. Se foi apenas um momento de luz, como a explosão de uma estrela, então não vais encontrar nada quando voltares. Mas terás visto uma explosão de luz. E só isso já terá valido a pena.
Paulo Coelho
Ela teria de morrer, mais cedo ou mais tarde. Morta. Mais tarde haveria um tempo para essa palavra. Amanhã, e amanhã, e ainda outro amanhã arrastam-se nessa passada trivial do dia para a noite, da noite para o dia, até a última sílaba do registro dos tempos. E todos os nossos ontens não fizeram mais que iluminar para os tolos o caminho que leva ao pó da morte. Apaga-te, apaga-te, chama breve! A vida não passa de uma sombra que caminha, um pobre ator que se pavoneia e se aflige sobre o palco - faz isso por uma hora e, depois, não se escuta mais sua voz. É uma história contada por um idiota, cheia de som e fúria e vazia de significado.
William Shakespeare (Macbeth)
Sim, mas as palavras também crescem, como as árvores, e vão mudando de significado ao longo da vida, começam por querer dizer uma coisa e acabam por dizer outra. Ninguém quer manter-se igual para sempre e até as lagartas começam a voar, um dia.
Afonso Cruz (Assim, Mas Sem Ser Assim)
Querem muitos que o tempo passe, depressa, depressa, e um dia descobrem que o tempo os devorou, sorna e galanteador, nessa luta desigual entre o finito de cada um e o infinito do mundo onde temos a ilusão de mandar no tempo, talvez porque damos corda aos relógios e decidimos se a hora atrasa ou adianta.
Alves Redol (O Muro Branco)
No fim tu hás de ver que as coisas mais leves sãp as únicas que o vento não conseguiu levar: um estribilho antigo,um carinho no momento preciso, o folhear de um livro, o cheiro que tinha um dia o próprio vento...
Mario Quintana (Da preguiça como método de trabalho)
Escrevo por não ter nada a fazer no mundo: sobrei e não há lugar para mim na terra dos homens. Escrevo porque sou um desesperado e estou cansado, não suporto mais a rotina de me ser e se não fosse a sempre novidade que é escrever, eu me morreria simbolicamente todos os dias.
Clarice Lispector (Hour of the Star (Penguin Modern Classics))
Os caminhos são mais longos - disse um dia Elahi - para quem está sozinho. (...) Os dias esticam e ficam mais longos, o relógio diz que não, mas, com licença, o que sabem os relógios da alma humana? Não sabem nada, Alá me perdoe. O tempo demora mais a passar, muito mais, é assim que se sofre. Quando se está feliz, esse mesmo tempo passar a correr, parece que vai atrasado para uma festa, mas, se vê uma lágrima, para e fica a ver o acidente, dá voltas à nossa desgraça e não anda para a frente como os relógios dizem que ele faz. (...) Disse Ali: Não é a falta de pessoas à nossa volta que faz a solidão. São as pessoas erradas.
Afonso Cruz (Para Onde Vão Os Guarda-Chuvas)
O inferno dos vivos não é uma coisa que virá a existir; se houver um, é o que já está aqui, o inferno que habitamos todos os dias, que nós formamos ao estarmos juntos. Há dois modos para não o sofrermos. O primeiro torna-se fácil para muita gente: aceitar o inferno e fazer parte dele a ponto de já não o vermos. O segundo é arriscado e exige uma atenção e uma aprendizagem contínuas: tentar e saber reconhecer, no meio do inferno, quem e o que não é inferno, e fazê-lo viver, e dar-lhe lugar.
Italo Calvino (Invisible Cities)
Chove. Cada vez vejo mais turvo, cada vez tenho mais medo. Estamos enterrados em convenções até ao pescoço: usamos as mesmas palavras, fazemos os mesmo gestos. A poeira entranhada sufoca-nos. Pega-se. Adere. Há dias em que não distingo estes seres da minha própria alma; há dias em que através das máscaras vejo outras fisionomias, e, sob a impassibilidade, dor; há dias em que o céu e o inferno esperam e desesperam. Pressinto uma vida oculta, a questão é fazê-la vir à supuração. Esta manhã de chuva é um minuto no rodar infinito dos séculos, e os seres que passam meras sombras. Tudo isto me pesa e pesa-me também não viver. Do fundo de mim mesmo protesto que a vida não é isto. A árvore cumpre, o bicho cumpre. Só eu me afundo soterrado em cinza. Terei por força de me habituar à aquiescência e à regra?
Raul Brandão (Húmus)
Como se pode esperar que nos comportemos adequadamente, escolhamos as decisões correctas e demos as respostas certas, se nunca há tempo para ensaios e os dias se vão empurrando uns aos outros numa sucessão vertiginosa, sem um momento sequer para descanso da companhia?
José Carlos Fernandes (A Metrópole Feérica (Terra Incógnita, #1))
Como é que se matam saudades não é coisa que se explique de um modo claro. Ele não há ferro nem fogo, corda nem veneno, e todavia as saudades expiram, para a ressurreição, alguma vez antes do terceiro dia. Há quem creia que, ainda mortas, são doces, mais que doces. Esse ponto, no nosso caso, não pode ser ventilado, nem eu quero desenvolvê-lo, como aliás cumpria.
Machado de Assis
As pessoas deviam ter mais de uma vida ou, pelo menos, uma que pudesse também andar para trás de vez em quando. Para corrigir o que saiu mal à primeira, aprender a saborear as poucas horas boas - tal como uma canção que quanto mais se ouve mais se gosta - e, sobretudo, para poder ir primeiro por um lado e depois por outro e depois, sim, seguir pelo caminho encontrado.
Pedro Paixão (Viver Todos Os Dias Cansa)
Nem sempre é na altura de morrermos que a vida inteira nos passa como um clarão diante dos nossos olhos. Essa é a morte física, que não é a única. Para algumas pessoas há um dia em que cada sonho amontoado ao longo dos anos, cada boa intenção, se ergue dentro de si revoltando-se contra a vida que têm vivido. Isto pode suceder no metro, ao volante de um carro, numa ponte olhando para as águas de um rio".
K.C. McKinnon
Esse dia foi memorável para mim, pois causou grandes mudanças no meu destino. Mas é assim com todo mundo. Subtraia um determinado dia de sua vida e veja que, sem ele, sua vida teria tomado um rumo diferente. Faça uma pausa por um instante, leitor, e pense na comprida corrente de ferro ou de ouro, de espinhos ou flores, que jamais se lhe estaria ligada, se um certo dia memorável não tivesse formado o primeiro elo dessa corrente.
Charles Dickens (Great Expectations)
(...) e nunca me disseram o nome daquele oceano esperei sentada à porta... dantes escrevia cartas punha-me a olhar a risca do mar ao fundo da rua assim envelheci... acreditando que algum homem ao passar se espantasse com a minha solidão. (anos mais tarde, recordo agora, cresceu-me uma pérola no coração. mas estou só, muito só, não tenho a quem a deixar.) um dia houve que nunca mais avistei cidades crepusculares e os barcos deixaram de fazer escala à minha porta inclino-me de novo para o pano deste século recomeço a bordar ou a dormir tanto faz sempre tive dúvidas que alguma vez me visite a felicidade
Al Berto (O Último Coração do Sonho)
eu estou bem, dizia-lhe, estou bem. e ele queria saber se estar bem era andar de trombas. eu respondi que o tempo não era linear. preparem-se sofredores do mundo, o tempo não é linear. o tempo vicia-se em ciclos que obedecem a lógicas distintas e que se vão sucedendo uns aos outros repondo o sofredor, e qualquer outro indivíduo, novamente num certo ponto de partida. é fácil de entender. quando queremos que o tempo nos faça fugir de alguma coisa, de um acontecimento, inicialmente contamos os dias, às vezes até as horas, e depois chegam as semanas triunfais e os largos meses e depois os didáticos anos. mas para chegarmos aí temos de sentir o tempo também de outro modo. perdemos alguém, e temos de superar o primeiro inverno a sós, e a primeira primavera e depois o primeiro verão, e o primeiro outono. e dentro disso, é preciso que superemos os nossos aniversário, tudo quanto dá direito a parabéns a você, as datas da relação, o natal, a mudança dos anos, até a época dos morangos, o magusto, as chuvas de molha-tolos, o primeiro passo de um neto, o regresso de um satélite à terra, a queda de mais um avião, as notícias sobre o brasil, enfim, tudo. e também é preciso superar a primeira saída de carro a sós. o primeiro telefonema que não pode ser feito para aquela pessoa. a primeira viagem que fazemos sem a sua companhia. os lençóis que mudamos pela primeira vez. as janelas que abrimos. a sopa que preparamos para comermos sem mais ninguém. o telejornal que já não comentamos. um livro que se lê em absoluto silêncio. o tempo guarda cápsulas indestrutíveis porque, por mais dias que se sucedam, sempre chegamos a um ponto onde voltamos atrás, a um início qualquer, para fazer pela primeira vez alguma coisa que nos vai dilacerar impiedosamente porque nessa cápsula se injeta também a nitidez do quanto amávamos quem perdemos, a nitidez do seu rosto, que por vezes se perde mas ressurge sempre nessas alturas, até o timbre da sua voz, chamando o nosso nome, ou mais cruel ainda, dizendo que nos ama com um riso incrível pelo qual nos havíamos justificado em mil ocasiões no mundo.
Valter Hugo Mãe (A máquina de fazer espanhóis)
Hoje entendo bem meu pai. Um homem precisa viajar. Por sua conta, não por meio de histórias, imagens, livros ou TV. Precisa viajar por si, com seus olhos e pés, para entender o que é seu. Para um dia plantar as suas próprias árvores e dar-lhes valor. Conhecer o frio para desfrutar do calor. E o oposto. Sentir a distância e o desabrigo para estar bem sob o próprio teto. Um homem precisa viajar para lugares que não conhece para quebrar essa arrogância que nos faz ver o mundo como o imaginamos, e não simplesmente como é ou pode ser; que nos faz professores e doutores do que não vimos, quando deveríamos ser alunos, e simplesmente ir ver. Não há como não admirar um homem – Cousteau, ao comentar o sucesso do seu primeiro grande filme: “Não adianta, não serve para nada, é preciso ir ver.” Il faut aller voir. Pura verdade, o mundo na TV é lindo, mas serve para pouca coisa. É preciso questionar o que se aprendeu. É preciso ir tocá-lo.
Amyr Klink
Eu queria um dia escrever um livro. Eu não queria plantar uma árvore. Não queria um filho. Queria só um livro. Queria ler um livro que eu mesmo escrevesse. Um escritor disse uma coisa um dia. Eu não sei quem ele era. Só ouvi alguém dizer o que ele teria dito. Parecia arrogância, mas não era. Era auto-suficiência. Parece que perguntaram para ele o que ele lia, ou o quê ele estava lendo. “Quando quero ler um livro, eu mesmo o escrevo”. Eu queria ter dito isso. Eu queria poder escrever. Mas em mim só encontro o silêncio. E por isso, eu não sei escrever. Escrever, é claro que eu sei. Só não sei escrever um livro. Não consigo encontrar as palavras. Não consigo encontrar as palavras nas palavras. Só encontro minha voz, no que penso. Mas o que eu penso, ninguém ouve. O que eu penso é silêncio. Então eu me calo. O silêncio é minha voz. O silencio é a voz que eu calo. O silêncio é a voz que eu guardo. O silêncio, é lá onde eu moro. O silêncio sou eu.
Lourenço Mutarelli (O Cheiro do Ralo)
E assim prosseguimos com as nossas vidas, cada um para seu lado. Por mais profunda e fatal que seja a perda, por mais importante que seja aquilo que a vida nos roubou – arrebatando-o das nossas mãos -, e ainda que nos tenhamos convertido em pessoas completamente diferentes, conservando apenas a mesma fina camada exterior de pele, apesar de tudo isso continuamos a viver as nossas vidas, assim, em silêncio, estendendo a mão para chegar ao fio dos dias que nos coube em sorte, para logo o deixarmos irremediavelmente para trás. Repetindo, muitas vezes, de forma particularmente hábil, o trabalho de todos os dias, deixando na nossa esteira um sentimento de um incomensurável vazio.
Haruki Murakami (Sputnik Sweetheart)
Há dias iluminados por pequenas coisas, pequeninos nadas que nos tornam incrivelmente felizes; uma tarde a comprar antiguidades, um brinquedo antigo que encontramos no ferro-velho, uma mão que agarra a nossa mão, um telefonema de que não estávamos à espera, uma palavra doce, o filho que nos abraça sem pedir outra coisa senão um momento de amor. Há dias iluminados por pequenos instantes de graça, um cheiro que nos enche a alma de alegria, um raio de sol que entra pela janela , o barulho de uma chuvada quando ainda estamos na cama, ou a chegada da Primavera e dos seus primeiros rebentos.
Marc Levy (Le premier jour)
Há pessoas que aparecem na nossa vida por uma porta que se abre, inesperada, e rapidamente desaparecem, engolidas por um alçapão escuro, sem que tenhamos tempo de perceber ao que vieram. Há sempre um motivo qualquer, que muitos anos depois conseguimos descortinar. Vieram satisfazer o nosso desejo de admiração alheia ou de beleza e entretenimento. Vieram possibilitar que conhecêssemos aluguem que também entrou e saiu, e foi importante, porque nos levou a um encontro especial, a um dia diferente, num lugar desconhecido, e nos proporcionou um passeio único, uma noite de beijos, riso e copos, ou uma amizade indestrutível, nesses minutos que a morte não consegue destruir. Ou alguém que ficou. Não há no mundo explicação para a entrada e saída de transeuntes e utentes pelas vidas uns dos outros.
Isabela Figueiredo (A Gorda)
LUA ADVERSA Tenho fases, como a lua Fases de andar escondida, fases de vir para a rua... Perdição da minha vida! Perdição da vida minha! Tenho fases de ser tua, tenho outras de ser sozinha. Fases que vão e vêm, no secreto calendário que um astrólogo arbitrário inventou para meu uso. E roda a melancolia seu interminável fuso! Não me encontro com ninguém (tenho fases como a lua...) No dia de alguém ser meu não é dia de eu ser sua... E, quando chega esse dia, o outro desapareceu...
Cecília Meireles
— Quando a gente vai se encontrar outra vez? Ela olha fixamente para o asfalto antes de erguer os olhos e me fitar. Suas pupilas dançam, inquietas, tenho a impressão de que seus lábios estão trêmulos. Então ela me apresenta um enigma com o qual ainda hei de quebrar muito a cabeça. Pergunta: — Quanto tempo você consegue esperar? Que diabo de resposta eu podia dar, Georg? Talvez fosse uma armadilha. Se dissesse "dois ou três dias", eu me mostraria impaciente demais. E se respondesse "a vida inteira" ela poderia pensar que eu não a amava tanto assim ou talvez que não fosse sincero. De modo que era preciso encontrar uma resposta intermediária. Eu disse: — Agüento esperar até que o meu coração comece a sangrar de aflição. Ela sorriu, insegura. Então roçou o dedo em meus lábios. E perguntou: — E quanto tempo demora? Desesperado sacudi a cabeça e resolvi dizer a verdade. — Cinco minutos, talvez. (A Garota das Laranjas)
Jostein Gaarder
Se eu pudesse trincar a terra toda E sentir-lhe um paladar, Seria mais feliz um momento ... Mas eu nem sempre quero ser feliz. É preciso ser de vez em quando infeliz Para se poder ser natural... Nem tudo é dias de sol, E a chuva, quando falta muito, pede-se. Por isso tomo a infelicidade com a felicidade Naturalmente, como quem não estranha Que haja montanhas e planícies E que haja rochedos e erva ... O que é preciso é ser-se natural e calmo Na felicidade ou na infelicidade, Sentir como quem olha, Pensar como quem anda, E quando se vai morrer, lembrar-se de que o dia morre, E que o poente é belo e é bela a noite que fica... Assim é e assim seja ...
Alberto Caeiro (The Keeper of Sheep)
Falar do passado é o mais fácil que há, está tudo escrito, é só repetir, papaguear, conferir pelos livros o que os alunos [escrevem] nos livros ou nas chamadas orais, ao passo que falar de um presente que a cada minuto nos rebenta na cara, falar dele todos os dias do ano ao mesmo tempo que se vai navegando pelo rio da História acima até às origens, ou lá perto, esforça-nos por entender cada vez melhor a cadeia de acontecimentos que nos trouxe aonde estamos agora, isso é outro cantar, dá muito trabalho, exige constância de aplicação, há que manter sempre a corda tensa, sem quebra.
José Saramago
Existem várias maneiras de destruir um assunto, de deteriorar a realidade até não sobrar coisa nenhuma. Passa-se com as palavras o mesmo que com as coisas: quantas mais vezes as proferimos menos substância têm, as palavras e as coisas, porque as palavras podem tirar ou roubar às coisas o seu sentido. [...] Imagina agora o que acontece quando as palavras se reportam somente a si próprias. As palavras Deus ou Amor, por exemplo. Imagina o género de esvaziamento que acontece quando as usamos de maneira desenfreada e as pronunciamos milhares ou milhões de vezes todos os dias. 'Amo-te'. 'Amo-te'. 'Amo-te'. 'Meu Deus'. 'Meu Deus'. 'Meu Deus'. Palavras que não têm qualquer referente no mundo que lhes devolva o sentido. Palavras que são somente isso: a junção aleatória de vogais e consoantes; e, contudo, palavras que movem montanhas.
João Tordo (Anatomia dos Mártires)
Onde terá ficado aquela criança que apenas conhece da fotografia e cuja memória há muito se perdeu na sedimentação dos dias? Não se recorda quando se separaram. Quando um deixou de ser o outro. Onde está nele aquela criança? O homem que é hoje é o resultado de todos os dias daquela criança? E se os dias tivessem sido outros, seria outro homem? Se ele pudesse apagar alguns dias, seriam todos os outros suficientes para para ele ser quem hoje é? Apagar alguns dias. Apagar um dia, que fosse aquele dia. Será o homem apenas o conjunto das suas memórias ou será antes a soma de todos os seus esquecimentos?
Joaquim Mestre (O Perfumista)
Olá , bom dia! - disse o principezinho. - Olá , bom dia! - disse o vendedor. Era um vendedor de comprimidos para tirar a sede. Toma-se um por semana e deixa-se de ter necessidade de beber. - Porque é que andas a vender isso? - perguntou o principezinho. - Porque é uma grande economia de tempo - respondeu o vendedor. - Os cálculos foram feitos por peritos. Poupam-se cinquenta e três minutos por semana. - E o que se faz com esses cinquenta e três minutos? - Faz-se o que se quiser... "Eu", pensou o principezinho, "eu cá se tivesse cinquenta e três minutos para gastar, punha-me era a andar muito de mansinho à procura de uma fonte...
Antoine de Saint-Exupéry (The Little Prince)
Era uma melodia lenta e meio fúnebre. O agudo do som do instrumento penetrou Ana Terra como uma agulha, e ela se sentiu ferida, trespassada. Mas notas graves começaram a sair da flauta e aos poucos Ana foi percebendo a linha da melodia... Reagiu por alguns segundos, procurando não gostar dela, mas lentamente foi se entregando e deixando embalar. Sentiu então uma tristeza enorme, um desejo amolecido de chorar. (...) De repente Ana Terra descobriu que aquela música estava exprimindo a tristeza que lhe vinha nos dias de inverno quando o vento assobiava e as árvores gemiam - nos dias de céu escuro em que, olhando a soledade dos campos, ela procurava dizer à mãe o que sentia no peito, mas não encontrava palavras para tanto. Agora a flauta do índio estava falando por ela...
Erico Verissimo
Mais tarde, também eu arrancarei o coração do peito para o secar como um trapo e usar limpando apenas as coisas mais estúpidas. Quando empedernir, esquecido de toda a humanidade da vida, ficará entre as loiças, como inútil souvenir ou peça de mesa para uma festa que nunca acontecerá. Terei sempre pena dele. Estará como um animal antigo que perdeu a qualidade dos novos dias. Sem visitas. Será apenas a humilhação entristecedora de todos os afectos. Poderei, nas arrumações, preparando alguma partida, aligeirando os fardos, deixá-lo no lixo para que a natureza o recicle com as suas ganas aturadas de recomeçar tudo. Até lá, a minha coragem assume apenas a evidência de que somos matéria morrendo. Começarei morrendo pelo coração. Gostarei sempre dele, como se gosta do que está extinto, sejam os dragões, os anjos ou as distâncias. Histórias de coisas que não voltam. O meu coração sem visitas perderá a memória e, quando nos separarmos de vez, certamente será mais feliz. Se me perguntarem, direi que nasci sem ele. Jurarei e mentirei sempre.
Valter Hugo Mãe (A Desumanização)
Retórica dos namorados, dá-me uma comparação exata e poética para dizer o que foram aqueles olhos de Capitu. Não me acode imagem capaz de dizer, sem quebra da dignidade do estilo, o que eles foram e me fizeram. Olhos de ressaca? Vá, de ressaca. É o que me dá ideia daquela feição nova. Traziam não sei que fluido misterioso e enérgico, uma força que arrastava para dentro, como a vaga que se retira da praia, nos dias de ressaca. Para não ser arrastado, agarrei-me às outras partes vizinhas, às orelhas, aos braços, aos cabelos espalhados pelos ombros, mas tão depressa buscava as pupilas, a onda que saía delas vinha crescendo, cava e escura, ameaçando envolver-me, puxar-me e tragar-me. Quantos minutos gastamos naquele jogo? Só os relógios do céu terão marcado esse tempo infinito e breve. A eternidade tem as suas pêndulas; nem por não acabar nunca deixa de querer saber a duração das felicidades e dos suplícios. Há de dobrar o gozo aos bem-aventurados do céu conhecer a soma dos tormentos que já terão padecido no inferno os seus inimigos; assim também a quantidade das delícias que terão gozado no céu os seus desafetos aumentará as dores aos condenados do inferno. Este outro suplício escapou ao divino Dante; mas eu não estou aqui para emendar poetas. Estou para contar que, ao cabo de um tempo não marcado, agarrei-me definitivamente aos cabelos de Capitou, mas então com as mãos, e disse-lhe, – para dizer alguma cousa, – que era capaz de os pentear, se quisesse. – Você? – Eu mesmo. – Vai embaraçar-me o cabelo todo, isso sim. – Se embaraçar, você desembaraça depois. – Vamos ver.
Machado de Assis (Dom Casmurro)
Forçou-se a não pensar nas noites em que, ainda acordada, ouvia a porta bater com força, mesmo depois de a ter trancado. As janelas anteriormente seladas abanavam num som estridente e ouvia passos nas escadas. Recordava-se de uma noite sentir uma mão a agarrar-lhe o braço com uma força que lhe parecia ter deixado marca nos dias seguintes. Abriu os olhos e não viu ninguém, mas o cheiro dele estava lá. Um cheiro inconfundível. A cadeira de balouço posicionada ao lado do sofá movimentava-se sem que ninguém lá se sentasse. Forçou-se a esquecer as vozes que sussurravam aos seus ouvidos. A televisão que se ligava a meio da noite num som absurdo. Não lhe contaria nada daquilo. Não lhe diria que estava louca. Não agora".
Carina Rosa (O Intruso)
As mães gostam de dar aos filhos nomes de fantasia. Nomes de passageiros, de vagabundos. Tudo começou no princípio. Vieram os árabes. Os negros converteram-se. E começaram a chamar-se Sofia, Zainabo, Zulfa, Amade, Mussá. E tornaram-se escravos. Vieram os marinheiros da cruz e da espada. Outros negros converteram-se. Começaram a chamar-se José, Francisco, António, Moisés. Todas as mulheres se chamaram Marias. E continuaram escravos. Os negros que foram vendidos ficaram a chamar-se Charles, Mary, Georges, Christian, Joseph, Charlotte, Johnson. Batizaram-se. E continuaram escravos. Um dia virão outros profetas com as bandeiras vermelhas e doutrinas messiânicas. Deificarão o comunismo, Marx, marxismo, Lénine, leninismo. Diabolizarão o capitalismo e o Ocidente. Os negros começarão a chamar-se Iva, Ivanova, Ivanda, Tania, Kasparov, Tereskova, Nadia, Nadioska. E continuarão escravos.
Paulina Chiziane (O alegre canto da perdiz)
Tu precisas-te entreter... Para isso escrever; isto é, trabalhar. Mas, meu caro, «entreter» significa passar tempo. Ora o tempo passa acelerado em demasia; não necessita de impulsos. Os homens deviam procurar «entreter» o tempo, e não entreterem-se a si... Eu é isso que faço... Penso no passado, revivo os dias que passaram... Assim, levanto uma barreira entre o passado e o futuro. O futuro é porém um óptimo saltador... salta todas as barreiras, vai-se tornando no presente e eu pouco resultado alcanço... Escreves para não te aborreceres... Ah! como seria feliz se me conseguisse aborrecer!...
Mário de Sá-Carneiro (Loucura...)
Podias ter-me dito que ias sair da minha vida. A paixão é mesmo isto, nunca sabemos quando acaba ou se transforma em amor, e eu sabia que a tua paixão não iria resistir à erosão do tempo, ao frio dos dias, ao vazio da cama, ao silêncio da distância. Há um tempo para acreditar, um tempo para viver e um tempo para desistir, e nós tivemos muita sorte porque vivemos todos esses tempos no modo certo. Podias ter-me dito que querias conjugar o verbo desistir. Demorei muito tempo a aceitar que, às vezes, desistir é o mesmo que vencer, sem travar batalhas. Antigamente pensava que não, que quem desiste perde sempre, que a subtracção é a arma mais cobarde dos amantes, e o silêncio a forma mais injusta de deixar fenecer os sonhos. Mas a vida ensinou-me o contrário. Hoje sei que desistir é apenas um caminho possível, às vezes o único que os homens conhecem. Contigo aprendi que o amor é uma força misteriosa e divina. Sei que também aprendeste muito comigo, mais do que imaginas e do que agora consegues alcançar. Só o tempo te vai dar tudo o que de mim guardaste, esse tempo que é uma caixa que se abre ao contrário: de um lado estás tu, e do outro estou eu, a ver-te sem te poder tocar, a abraçar-te todas as noites antes de adormeceres e a cada manhã ao acordares. Não sei quando te voltarei a ver ou a ter notícias tuas, mas sabes uma coisa? Já não me importo, porque guardei-te no meu coração antes de partires. Numa noite perfeita entre tantas outras, liguei o meu coração ao teu com um fio invisível e troquei uma parte da tua alma com a minha, enquanto dormias.
Margarida Rebelo Pinto
Ruth era Oxum, Maria e Madalena. O feminino pleno, sempre foi assim. Orgulho do pai, espelho da mãe, uma mulher para casar. Seria feliz em qualquer tempo, era ou lugar. Serviria ao burguês e ao guerreiro, era Afrodite encarnada, o feminino em pessoa. Futura esposa exemplar, despertou para a vida no apogeu final dos anos 50, embalada pela elegância de Tom e Vinicius. Amar estava na ordem do dia. Os adultos tomavam porres de dor de cotovelo e Ruth ansiava pelo seu dia de fossa. Prenda rara, e ciente da prenda rara que era, guardava-se para o ideal. Alimentava um romantismo pueril, se bem que cumprisse as exigências da nova era.
Fernanda Torres (Fim)
Não, agora nunca mais diria, de ninguém neste mundo, que eram isto ou aquilo. Sentia-se muito jovem; e, ao mesmo tempo, indizivelmente velha. Passava como uma navalha através de tudo; e ao mesmo tempo ficava de fora, olhando. Tinha a perpétua sensação, enquanto olhava os carros, de estar fora, longe e sozinha no meio do mar; sempre sentira que era muito, muito perigoso viver, por um só dia que fosse. Não que se julgasse inteligente, ou muito fora da comum. Nem podia saber como tinha atravessado a vida com os poucos dedos de conhecimento que lhe dera Fräulein Daniels. Não sabia nada; nem línguas, nem história; raramente lia um livro agora, exceto memórias, na cama; mas como a absorvia tudo aquilo, os carros passando; e não diria de Peter, não diria de si mesma: sou isto, sou aquilo.
Virginia Woolf (Mrs. Dalloway)
Se antes de cada acto nosso nos puséssemos a prever todas as consequências dele, a pensar nelas a sério, primeiro as imediatas, depois as prováveis, depois as possíveis, depois as imagináveis, não chegaríamos sequer a mover-nos de onde o primeiro pensamento nos tivesse feito parar. Os bons e os maus resultados dos nosso ditos e obras vão-se distribuindo, supõe-se que de uma forma bastante uniforme e equilibrada, por todos os dias do futuro, incluindo aqueles, infindáveis, em que já cá não estaremos para poder comprová-lo, para congratular-nos ou pedir perdão, aliás, há quem diga que isso é que é a imortalidade de que tanto se fala.
José Saramago (Ensaio Sobre a Cegueira: A arquitetura de um romance)
Mas também acredito que a nossa era não deve ser fácil nem para as crianças. Nós, mulheres, como disse antes, somos obrigadas todos os dias a refletir sobre o nosso papel, sobre a nossa identidade. O mesmo não se pede aos homens. Vivem dentro da crisálida de um machismo vazio, infelizmente encontram fragmentos de violência, palavras e atitudes de gângster, mas são formas mortas, formas desabitadas. A masculinidade agora vive em um reino fantasma. Não sabem mais quem são. Não sabem mais se expressar, e muitas vezes o fazem com dor e agressividade. Seria bom, portanto, que o mesmo debate que tivemos com as mulheres estivesse agora sendo realizado com os homens. Em La Chimera tentei contar a história dessa gangue de homens que de alguma forma são prisioneiros de serem machistas a todo custo, que não sabem se dirigir às mulheres a não ser seduzindo ou atacando-as, que são extremamente solitários e desesperados, abandonados a si mesmos e aos fantasmas delirantes do passado. Pobres ladrões de tumbas! (tradução minha).
Alice Rohrwacher (Dopo il cinema: Le domande di una regista)
Para ti, a vida tem de ser obrigatoriamente um cenário de mudança e distracção constante, caso contrário, o mundo é uma masmorra: tens de ser admirada, tens de ser cortejada, tens de ser bajulada… tens de ter música, tens de ter bailes, tens de ter companhia… caso contrário, definhas e morres. Será possível que não consigas arranjar maneira de te tornares independente de todas as iniciativas e de todas as vontades para além das que provêm de ti própria? Pega num dia, divide-o em partes, atribui a cada parte uma determinada tarefa; não deixes nem um quarto de hora, nem dez, nem cinco minutos que sejam por preencher, ocupa a totalidade do tempo; desempenha cada tarefa com método, com uma regularidade inflexível. O dia chegará ao fim quase sem dares por isso e não ficarás em dívida para com ninguém por te ter ajudado a livrares-te dum momento de ócio, não te verás obrigada a procurar companhia, a conversa, a simpatia, a tolerância de ninguém; viveste, em resumo, como qualquer criatura independente deve viver. (p.309)
Charlotte Brontë (Jane Eyre)
Subitamente, porém, quando transpúnhamos o portão, tive o choque de um alarme. A casota do cão ficava a um canto do quintal, perto do alpendre onde se arrumavam os bois. Admiti bruscamente que o cão tivesse morrido. E, abandonando o grupo, fui sozinho até ao fundo do jardim. À luz da lua, espreitei para a casota, chamei o cão. Mondego não respondeu. Meti a mão dentro - o cão não estava. Presumi, absurdamente, que tivesse rebentado a corrente, se tivesse aninhado no alpendre. Fui para lá, mergulhei para um lado e outro no escuro, chamei: Mondego! Nada. Mas eis que, ao voltar-me para sair, eu vi o cão, enfim: suspenso de uma trave enforcado no arame, Mondego recortava-se contra o céu, iluminado de lua e de estrelas. Dominei-me, não gritei. E corri para o grupo, que voltava atrás a procurar-me. Desculpei-me como pude e segui para a igreja, chorando duramente: quando Cristo nascia entre cânticos e luzes, Mondego balançava de uma trave o seu corpo leproso, banhado de luar... No dia seguinte quiseram iludir-me: o cão teria aparecido morto à porta da casota. Não reagi. Levantei-me apenas e fui eu enterrar o animal, para que fosse amortalhado com ternura, para que a última voz da terra a falar-lhe fosse uma voz de aliança.
Vergílio Ferreira (Aparição)
(...) Eu consegui variar a existência - mas variá-la quotidianamente. Eu não tenho só tudo quanto existe - percebe? - ; eu tenho também tudo quanto não existe. (Aliás, apenas o que não existe é belo.) Eu vivo horas que nunca ninguém viveu, horas feitas por mim, sentimentos criados por mim, voluptuosidades só minhas - e viajo em países longínquos, em nações misteriosas que existem para mim, não porque as descobrisse, mas porque as edifiquei. Porque eu edifico tudo. Um dia hei-de mesmo erguer o ideal - não obtê-lo, muito mais: construí-lo. E já o entrevejo fantástico... e todo esguio... todo esguio... a extinguir-se em altura azul... (...) De resto, é evidente, faltam-me as palavras para lhe exprimir as coisas maravilhosas que não existem... Ah! O ideal... o ideal... Vou sonhá-lo este noite... Porque é sonhando que eu vivo tudo. Compreende? Eu dominei os sonhos. Sonho o que quero. Vivo o que quero.
Mário de Sá-Carneiro (Céu Em Fogo)
Sabes qual é o erro que cometemos sempre? Acreditar que a vida é imutável, que, mal escolhemos um carril, temos de o seguir até ao fim. Contudo, o destino tem muito mais imaginação do que nós... Precisamente quando se pensa que se está num beco sem saída, quando se atinge o cúmulo do desespero, com a velocidade de uma rajada de vento tudo muda, tudo se transforma, e de um momento para o outro damos por nós a viver uma nova vida. […] Se, esteja onde estiver, arranjar maneira de te ver, só ficarei triste, como fico triste sempre que vejo uma vida desperdiçada, uma vida em que o caminho do amor não conseguiu cumprir-se. Tem cuidado contigo. Sempre que à medida que fores crescendo, tiveres vontade de converter as coisas erradas em certas, lembra-te que a primeira revolução a fazer é dentro de nós próprios, a primeira e a mais importante. Lutar por uma ideia sem se ter uma ideia de si próprio é uma das coisas mais perigosas que se pode fazer. Quando te sentires perdida, confusa, pensa nas árvores, lembra-te da forma como crescem. Lembra-te que uma árvore com muita ramagem e poucas raízes é derrubada à primeira rajada de vento, e que a linfa custa a correr numa árvore com muitas raízes e pouca ramagem. As raízes e os ramos devem crescer de igual modo, deves estar nas coisas e estar sobre as coisas, só assim poderás dar sombra e abrigo, só assim, na estação apropriada, poderás cobrir-te de flores e de frutos. E quando à tua frente se abrirem muitas estradas e não souberes a que hás-de escolher, não metas por uma ao acaso, senta-te e espera. Respira com a mesma profundidade confiante com que respiraste no dia em que vieste ao mundo, e sem deixares que nada te distraia, espera e volta a esperar. Fica quieta, em silêncio, e ouve o teu coração. Quando ele te falar, levanta-te, e vai onde ele te levar.
Susanna Tamaro (Follow Your Heart)
- Pois eu tenho estudado muito o nosso amigo Gonçalo Mendes. E sabem vocês, sabe o Sr. Padre Soeiro quem ele me lembra? - Quem? - Talvez se riam. Mas eu sustento a semelhança. Aquele todo de Gonçalo, a franqueza, a doçura, a bondade, a imensa bondade, que notou o Sr. Padre Soeiro... Os fogachos e entusiasmos, que acabam logo em fumo, e juntamente muita persistência, muito aferro quando se fila à sua ideia... A generosidade, o desleixo, a constante trapalhada nos negócios, e sentimentos de muita honra, uns escrúpulos, quase pueris, não é verdade?...A imaginação que o leva smepre a exagerar até à mentira, e ao mesmo tempo um espírito prático, sempre atento à realidade útil. A viveza, a facilidade em compreender, em apanhar... A esperança constante nalgum milagres, no velho milagre de Ourique, que sanará todas as dificuldades... A vaidade, o gosto de se arrebicar, de luzir, e uma simplicidade tão grande, que dá na rua o braço a um mendigo... Um fundo de melancolia, apesar de tão palrador, tão sociável. A desconfiança terrível de si mesmo, que acobarda, o encolher, até que um dia se decide, e aparece herói, que tudo arrasa... Até aquela antiguidade de raça, aqui pegada à valha Torre, há mil anos... Até agora aquele arranque para a África... Assim todo completo, com o bem, com o mal, sabem vocês quem ele me lembra? - Quem? - Portugal.
Eça de Queirós
Não posso falar da nossa história de amor, portanto vou falar de matemática. Não sou matemática, mas uma coisa eu sei: Entre 0 e 1 existem números infinitos. Existe o 0,1 e o 0,12 e o 0,112 e uma série infinita de outros. Claro está que existe um maior conjunto infinito de números entre 0 e 2, ou entre 0 e um milhão. Algumas infinidades são maiores do que outras. Quem nos ensinou isto foi um escritor, de quem gostávamos. Há dias, muitos dias, em que sinto um rancor do tamanho do meu conjunto iluminado. Quero mais números do que é provável que tenha e, oh Deus, quero mais números para o Augustus Waters do que os que ele tem. Mas Gus, meu amor, não te consigo dizer como estou grata pela nossa pequena infinidade. Não a trocaria por nada deste mundo. No meio dos dias numerados, tu deste-me um para sempre, e eu estou grata
John Green (The Fault in Our Stars)
É esta a mais grandiosa história dos homens, a de tudo o que estremece, sonha, espera e tenta, sob a carapaça da sua consciência, sob a pele, sob os nervos, sob os dias felizes e monótonos, os desejos concretos, a banalidade que escorre das suas vidas, os seus crimes e as suas redenções, as suas vítimas e os seus algozes, a concordância dos seus sentidos com a sua moral. Tudo o que vivemos nos faz inimigos, estranhos, incapazes de fraternidade. Mas o que fica irrealizado, sombrio, vencido, dentro da alma mais mesquinha e apagada, é o bastante para irmanar esta semente humana cujos triunfos mais maravilhosos jamais se igualam com o que, em nós mesmos, ficará para sempre renúncia, desespero e vaga vibração. O mais veemente dos vencedores e o mendigo que se apoia num raio de sol, para viver um dia mais, equivalem-se, não como valores de aptidões ou de razão, não talvez como sentido metafísico ou direito abstrato, mas pelo que em si é a atormentada continuidade do homem, o que, sem impulso, fica sob o coração, quase esperança sem nome.
Agustina Bessa-Luís (A Sibila)
Que história é essa, perguntou o comandante, A história de uma vaca, As vacas têm história, tornou o comandante a perguntar, sorrindo, Esta, sim, foram doze dias e doze noites nums montes da galiza, com frio, e chuva, e gelo, e lama, e pedras como navalhas, e mato como unhas, e breves intervalos de descanço, e mais combates e investidas, e uivos, e mugidos, a história de uma vaca que se perdeu nos campos com a sua cria de leite, e se viu rodeada de lobos durante doze dias e doze noites, e foi obrigada a defender-se e a defender o filho, uma longuíssima batalha, a agonia de viver no limiar da morte, um círculo de dentes, de goelas abertas, de arremetidas bruscas, as cornadas que não podiam falhar, de ter de lutar por si mesma e por uma animalzinho que ainda não se podia valer, e também aqueles momentos em que o vitelo procurava as tetas da mãe, e sugava lentamente, enquanto os lobos se aproximavam, de espinhaço raso e orelhas aguçadas. Subhro respirou fundo e prosseguiu, Ao fim dos doze dias a vaca foi encontrada e salva, mais o vitelo, e foram levados em triunfo para a aldeia, porém, porém o conto não vai acabar aqui, continuou por mais dois dias, ao fim dos quais, porque se tinha tornado brava, porque aprendera a defender-se, porque ninguém podia já dominá-la ou sequer aproximar-se dela, a vaca foi morta, mataram-na, não os lobos que em doze dias vencera, mas os mesmos homens que a haviam salvo, talvez o próprio dono, incapaz de compreender que, tendo aprendido a lutar, aquele antes conformado e pacífico animal não poderia parar nunca mais.
José Saramago (A Viagem do Elefante)
Posso acreditar em coisas que são verdade e posso acreditar em coisas que não são verdade. E posso acreditar em coisas que ninguém sabe se são verdade ou não. Posso acreditar no Papai Noel, no coelhinho da Páscoa, na Marilyn Monroe, nos Beatles, no Elvis e no Mister Ed. Ouça bem... Eu acredito que as pessoas evoluem, que o saber é infinito, que o mundo é comandado por cartéis secretos de banqueiros e que é visitado por alienígenas regularmente -uns legais, que se parecem com lêmures enrugados, e uns maldosos, que mutilam gado e querem nossa água e nossas mulheres. Acredito que o futuro é um saco e que é demais, e acredito que um dia a Mulher Búfalo Branco vai ficar preta e chutar o traseiro de todo mundo. Também acho que todos homens não passam de meninos crescidos com profundos problemas de comunicação e que o declínio da qualidade do sexo nos Estados Unidos coincide com o declínio dos cinemas drive-in de um Estado ao outro. Acredito que todos os políticos são canalhas sem princípios, mas ainda assim melhores do que as outras alternativas. Acho que a Califórnia vai afundar no mar quando o grande terremoto vier, ao mesmo tempo em que a Flórida vai se dissolver em loucura, em jacarés, em lixo tóxico. Acredito que sabonetes antibactericidas estão destruindo nossa resistência à sujeira e às doenças, de modo que algum dia todos seremos dizimados por uma gripe comum, como aconteceu com os marcianos em Guerra dos Mundos. Acredito que os melhores poetas do século passado foram Edith Sitwell e Don Marquis, que o jade é esperma de dragão seco, e que há milhares de anos em uma vida passada eu era uma xamã siberiana de um braço só. Acho que o destino da humanidade está escrito nas estrelas, que o gosto dos doces era mesmo melhor quando eu era criança, que aerodinamicamente é impossível pra uma abelha grande voar, que a luz é uma onda e uma partícula, que tem um gato em uma caixa em algum lugar que está vivo e que está morto ao mesmo tempo (apesar de que, se não abrirem a caixa algum dia e alimentarem o bicho, ele no fim vai ficar só morto de dois jeitos), e que existem estrelas no universo bilhões de anos mais velhas do que o próprio universo. Acredito em um deus pessoal que cuida de mim e se preocupa comigo e que supervisiona tudo que eu faço, em uma deusa impessoal que botou o universo em movimento e saiu fora pra ficar com as amigas dela e nem sabe que estou viva. Eu acredito em um universo vazio e sem deus, um universo com caos causal, um passado tumultuado e pura sorte cega. Acredito que qualquer pessoa que diz que o sexo é supervalorizado nunca fez direito, que qualquer um que diz saber o que está acontecendo pode mentir a respeito de coisas pequenas. Acredito na honestidade absoluta e em mentiras sociais sensatas. Acredito no direito das mulheres à escolha, no direito dos bebês de viver, que, ao mesmo tempo em que toda vida humana é sagrada, não tem nada de errado com a pena de morte se for possível confiar no sistema legal sem restrições, e que ninguém, a não ser um imbecil, confiaria no sistema legal. Acredito que a vida é um jogo, uma piada cruel e que a vida é o que acontece quando se está vivo e o melhor é relaxar e aproveitar.
Neil Gaiman (American Gods (American Gods, #1))
O filósofo Gilles Deleuze era há muito tempo o melhor amigo de Bambam. Ele morava e dava aulas em Lyon, mas ia com frequência a Paris. Naquela sexta-feira, 10 de maio, pegaria o trem de volta para casa ás onze da noite, depois de um jantar para o qual Godard e eu tínhamos sido convidados. Nós o víramos algumas vezes, sempre na casa de Rosier e Bambam. Godard e ele tinham uma relação estranha. Pareciam se observar como dois gatos desconfiados, embora soubéssemos que se admiravam e que um falava bem do outro. Reunidos, porém, o diálogo entre eles era truncado. Para mim, Godard justificava a reserva em relação a Gilles Deleuze criticando seu lado abertamente "dândi". Este último tinha a singularidade de usar as unhas compridas de mais, e nunca deixava de lembrar, a quem se surpreendesse com isso, que fazia como Púchkin e que se podia ver nisso uma espécie de homenagem. Godard não compreendia a relação entre o poeta russo que adorávamos tanto e o que ele comparava a "garras repugnantes". Naquela noite, contudo, estavam aplaudindo juntos a abertura, em Paris, das negociações de paz entre americanos e vietnamitas, bem como os acontecimentos do dia e os que pareciam anunciar para a noite.
Anne Wiazemsky (Un an après)
Nossos dias são muito curtos para que tomemos, nos próprios ombros, o peso dos erros de outrem. Cada um vive a própria vida, e paga o preço de vivê-la. Em tudo, a única pena é que, com frequência, temos que pagar um preço alto por uma única falta. E, na verdade, estamos sempre a pagar. No trato com o homem, o Destino jamais encerra as contas.Há momentos, dizem-nos os psicólogos, quando a paixão pelo pecado, ou por aquilo que o mundo chama de pecado, domina de tal maneira uma personalidade, que toda fibra do corpo, e toda célula do cérebro, parece ser instinto com impulsos receosos. Nestes momentos, homens e mulheres perdem a liberdade da vontade. Como autômatos, consciência, morta, ou então, se conseguir viver, vive apenas para dar fascínio à revolta, e encanto a desobediência. Pois todos os pecados, como não se cansam de nos lembrar os teólogos, são pecados da desobediência. Quando, dos céus, cai o espírito maior, a estrela matutina do mal, é como rebelde que cai.
Oscar Wilde
Vivendo há trinta anos quase só, sem se chocar com o mundo, adquirira uma sensibilidade muito viva e capaz de sofrer profundamente com a menor coisa. Nunca sofrera críticas, nunca se atirou à publicidade, vivia imerso no seu sonho, incubado e mantido vivo pelo calor dos seus livros. Fora deles, ele não conhecia ninguém; e, com as pessoas com quem falava, trocava pequenas banalidades, ditos de todo dia, coisas com que a sua alma e o seu coração nada tinham que ver. Nem mesmo a afilhada o tirava dessa reserva, embora a estimasse mais que a todos. Esse encerramento em si mesmo deu-lhe não sei que ar de estranho a tudo, às competições, às ambições, pois nada dessas coisas que fazem os ódios e as lutas tinha entrado no seu temperamento. Desinteressado de dinheiro, de glória e posição, vivendo numa reserva de sonho, adquirira a candura e a pureza d'alma que vão habitar esses homens de uma ideia fixa, os grandes estudiosos, os sábios, e os inventores, gente que fica mais terna, mais ingênua, mais inocente que as donzelas das poesias de outra época. É raro encontrar pessoas assim, mas as há e, quando se as encontra, mesmo tocadas de um grão de loucura, a gente sente mais simpatia pela nossa espécie, mais orgulho de ser humano e mais esperança na felicidade da raça.
Lima Barreto (Triste Fim de Policarpo Quaresma)
Você, Lord Byron, é inteligente também, mas uma inteligência fina, penetrante, como aço, como uma espada. Ao contrário de mim, você é mais capaz de se fazer amado do que de amar. Sua lógica é irresistível, mas impiedosa, irritante. É desses remédios que matam a doença e o doente. Você tem sentimento poético, e muito — no entanto é incapaz de escrever um verso que preste. Por quê? Sei lá. Há qualquer coisa que te contém, que te segura, como uma mão. Sua compreensão do mundo, da vida e das coisas é surpreendente, seu olho clínico é infalível, mas você é um homem refreado, bem comportado, bem educado, flor do asfalto, lírio de salão, um príncipe, o nosso Príncipe de Gales, como diz o Hugo. Tem uma aura de pureza não conspurcada, mas é ascético demais, aprimorado demais, debilitado por excesso de tratamento. Não se contamina nunca, e isso humilha a todo mundo. É esportivo, é atlético, é saudável, prevenido contra todas as doenças, mas, um dia, não vai resistir a um simples resfriado: há de cair de cama e afinal descobrir que para o vírus da gripe ainda não existe antibiótico. — Opinião de estudante de Medicina — e Eduardo pro- curava ocultar seu ressentimento com um sorriso. — Você, agora. (...) — E você, Eduardo. Você, o puro, o intocado, o que se preserva, como disse Mauro. Seu horror ao compromisso porque você se julga um comprometido, tem uma missão a cumprir, é um escritor. Você e sua simpatia, sua saúde... Bem sucedido em tudo, mas cheio de arestas que ferem sem querer. Seu ar de quem está sempre indo a um lugar que não é aqui, para se encontrar com alguém que não somos nós. Seu desprezo pelos fracos porque se julga forte, sua inteligência incômoda, sua explicação para tudo, seu senso prático — tudo orgulho. O orgulho de ser o primeiro — a vida, para você, é um campeonato de natação. Sua desenvoltura, sua excitação mental, sua fidelidade a um destino certo, tudo isso faz de você presa certa do demônio — mesmo sua vocação para o ascetismo, para a vida áspera, espartana. Você e seus escritores ingleses, você e sua chave que abre todas as portas. Orgulho: você e seu orgulho. De nós três, o de mais sorte, o escolhido, nosso amparo, nossa esperança. E de nós três, talvez, o mais miserável, talvez o mais desgraçado, porque condenado à incapacidade de amar, pelo orgulho, ou à solidão, pela renúncia. Hugo não disse mais nada. E os três, agora, não ousavam levantar a cabeça, para não mostrar que estavam chorando. O garçom veio saber se queriam mais chope, ninguém o atendeu. Alguém soltou uma gargalhada no fundo do bar. Lá fora, na rua, um bonde passou com estrépito.
Fernando Sabino (O Encontro Marcado)
Eu espero alguém que não desista de mim mesmo quando já não tem interesse. Espero alguém que não me torture com promessas de envelhecer comigo, mas sim que realmente envelheça comigo. Espero alguém que se orgulhe do que escrevo, que me faça ser mais amigo dos meus amigos e mais irmão do meu irmão. Espero alguém que não tenha medo do escândalo, mas tenha medo da indiferença. Espero alguém que ponha bilhetinhos dentro daqueles livros que vou ler até o fim. Espero alguém que se arrependa rápido de suas grosserias e me perdoe sem querer. Espero alguém que me avise que estou repetindo a roupa na semana. Espero alguém que nunca abandone a conversa quando não sei mais o que falar. Espero alguém que, nos jantares entre os amigos, dispute comigo para contar primeiro como nos conhecemos. Espero alguém que goste de dirigir para nos revezarmos em longas viagens. Espero alguém disposto a conferir se a porta está fechada e o fogão desligado, se meu rosto está aborrecido ou esperançoso. Espero alguém que prove que amar não é contrato, que o amor não termina com nossos erros. Espero alguém que não se irrite com a minha ansiedade. Espero alguém que possa criar toda uma linguagem cifrada para que ninguém nos recrimine. Espero alguém que arrume ingressos de teatro de repente, que me sequestre ao cinema, que cheire meu corpo suado depois de uma corrida como se ainda fosse perfume. Espero alguém que não largue as mãos dadas nem para coçar o rosto. Espero alguém que me olhe demoradamente quando estou distraído, que me telefone para narrar como foi seu dia. Espero alguém que procure um espaço acolchoado em meu peito. Espero alguém que minta que cozinha e só diga a verdade depois que comi. Espero alguém que leia uma notícia, veja que haverá um show de minha banda predileta, e corra para me adiantar por e-mail. Espero alguém que ame meus filhos como se estivesse reencontrando minha infância e adolescência fora de mim. Espero alguém que fique me chamando para dormir, que fique me chamando para despertar, que não precise me chamar para amar. Espero alguém com uma vocação pela metade, uma frustração antiga, um desejo de ser algo que não se cumpriu, uma melancolia discreta, para nunca ser prepotente. Espero alguém que tenha uma risada tão bonita que terei sempre vontade de ser engraçado. Espero alguém que comente sua dor com respeito e ouça minha dor com interesse. Espero alguém que prepare minha festa de aniversário em segredo e crie conspiração dos amigos para me ajudar. Espero alguém que pinte o muro onde passo, que não se perturbe com o que as pessoas pensam a nosso respeito. Espero alguém que vire cínico no desespero e doce na tristeza. Espero alguém que curta o domingo em casa, acordar tarde e andar de chinelos, e que me pergunte o tempo antes de olhar para as janelas. Espero alguém que me ensine a me amar porque a separação apenas vem me ensinando a me destruir. Espero alguém que tenha pressa de mim, eternidade de mim, que chegue logo, que apareça hoje, que largue o casaco no sofá e não seja educada a ponto de estendê-lo no cabide. Espero encontrar uma mulher que me torne novamente necessário.
Fabrício Carpinejar
Hoje é o último dia do ano. Em todo o mundo que este calendário rege andam as pessoas entretidas a debates consigo mesmas as boas ações que tencionam praticar no ano que entra, jurando que vão ser retas, justas e equânimes, que da sua emendada boca não voltará a sair uma palavra má, uma mentira, uma insidia, ainda que as merecesse o inimigo, claro que é das pessoas vulgar que estamos falando, as outras, as de exceção, as incomuns, regulam-se por razões suas próprias para serem e fazerem o contrário sempre que lhes apetece ou aproveite, essas são as que não se deixam iludir, chegam a rir-se de nós e das boas intenções que mostramos, mas, enfim, vamos aprendendo com a experiencia, logo nos primeiros dias de Janeiro teremos esquecido metade do que havíamos prometido, e, tendo esquecido tanto, não há realmente motivo para cumprir o resto, é como um castelo de cartas, se já lhe faltam as obras superiores, melhor é que caia tudo e se confundam os naipes. Por isso é duvidoso ter-se despedido Cristo da vida com as palavras da escritura, as de Mateus e Marcos, Deus meu, Deus meu, por que me desamparaste, ou as de Lucas, Pai, nas tuas mãos entrego o meu espirito, ou as de João, Tudo está cumprido, o que Cristo disse foi, palavra de honra, qualquer pessoa popular sabe que esta é a verdade, Adeus mundo, cada vez a pior. Mas os deuses de Ricardo Reis são outros, silenciosas entidades que nos olham indiferentes, para quem o mal e o bem são menos que palavras, por as não dizerem eles nunca, e como as diriam, se mesmo entre o bem e o mal não sabem distinguir, indo como nós vamos no rio das coisas, só ditamos. Esta lição nos foi dada para que não nos afadiguemos a jurar novas e melhores intenções para o ano que tem, por elas não nos julgarão os deuses, pelas obras, também não, só juízes humanos ousam julgar, os deuses nunca, porque se supõe saberem tudo, salvo se tudo isto é falso, se justamente não é sua ocupação única esquecerem em cada momento o que do cada momento lhes vão ensinando os atos dos homens, os bons como os maus, iguais derradeiramente para os deuses, porque inúteis lhes são. Não digamos Amanhã farei, porque o mais certo é estarmos cansados amanhã, digamos antes, Depois de amanhã, sempre teremos um dia de intervalo para mudar de opinião e projeto, porém ainda mais prudente seria dizer, Um dia decidirei quando será o dia de dizer depois de amanhã, e talvez nem seja preciso, se a morte definidora vier antes desobrigar-me do compromisso, liberdade que a nós próprios negamos.
José Saramago (The Year of the Death of Ricardo Reis)
Mestre, meu mestre querido! Coração do meu corpo intelectual e inteiro! Vida da origem da minha inspiração! Mestre, que é feito de ti nesta forma de vida? Não cuidaste se morrerias, se viverias, nem de ti nem de nada, Alma abstrata e visual até aos ossos, Atenção maravilhosa ao mundo exterior sempre múltiplo, Refúgio das saudades de todos os deuses antigos, Espírito humano da terra materna, Flor acima do dilúvio da inteligência subjetiva... Mestre, meu mestre! Na angústia sensacionista de todos os dias sentidos, Na mágoa quotidiana das matemáticas de ser, Eu, escravo de tudo como um pó de todos os ventos, Ergo as mãos para ti, que estás longe, tão longe de mim! Meu mestre e meu guia! A quem nenhuma coisa feriu, nem doeu, nem perturbou, Seguro como um sol fazendo o seu dia involuntariamente, Natural como um dia mostrando tudo, Meu mestre, meu coração não aprendeu a tua serenidade. Meu coração não aprendeu nada. Meu coração não é nada, Meu coração está perdido. Mestre, só seria como tu se tivesse sido tu. Que triste a grande hora alegre em que primeiro te ouvi! Depois tudo é cansaço neste mundo subjetivado, Tudo é esforço neste mundo onde se querem coisas, Tudo é mentira neste mundo onde se pensam coisas, Tudo é outra coisa neste mundo onde tudo se sente. Depois, tenho sido como um mendigo deixado ao relento Pela indiferença de toda a vila. Depois, tenho sido como as ervas arrancadas, Deixadas aos molhos em alinhamentos sem sentido. Depois, tenho sido eu, sim eu, por minha desgraça, E eu, por minha desgraça, não sou eu nem outro nem ninguém. Depois, mas por que é que ensinaste a clareza da vista, Se não me podias ensinar a ter a alma com que a ver clara? Por que é que me chamaste para o alto dos montes Se eu, criança das cidades do vale, não sabia respirar? Por que é que me deste a tua alma se eu não sabia que fazer dela Como quem está carregado de ouro num deserto, Ou canta com voz divina entre ruínas? Por que é que me acordaste para a sensação e a nova alma, Se eu não saberei sentir, se a minha alma é de sempre a minha? Prouvera ao Deus ignoto que eu ficasse sempre aquele Poeta decadente, estupidamente pretensioso, Que poderia ao menos vir a agradar, E não surgisse em mim a pavorosa ciência de ver. Para que me tornaste eu? Deixasses-me ser humano! Feliz o homem marçano Que tem a sua tarefa quotidiana normal, tão leve ainda que pesada, Que tem a sua vida usual, Para quem o prazer é prazer e o recreio é recreio, Que dorme sono, Que come comida, Que bebe bebida, e por isso tem alegria. A calma que tinhas, deste-ma, e foi-me inquietação. Libertaste-me, mas o destino humano é ser escravo. Acordaste-me, mas o sentido de ser humano é dormir.
Fernando Pessoa (Poemas de Álvaro de Campos (Obra Poética IV))