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Quando li e reli todos os relatos não cristãos e anticristãos a respeito da Fé [...], logo uma lenta e horrível impressão gravou-se, gradual mas graficamente, sobre o meu espírito - a impressão de que o Cristianismo devia ser algo extraordinário. De fato, o Cristianismo parecia ter os mais violentos vícios, mas tinha também, aparentemente, o místico talento de conciliar defeitos incompatíveis entre si. Atacavam-no por todos os lados e pelas mais contraditórias razões. Assim que um racionalista acabava de demonstrar estar o Cristianismo demasiadamente longe para o leste, outro vinha demonstrar, com igual clareza, que ele estava muito mais longe para o oeste. [...] Provaram-me, no Capítulo I, que o Cristianismo era demasiadamente pessimista; mas, depois, no Capítulo II, provaram-me que ele era, em grande parte, otimista demais. Uma das acusações contra o Cristianismo era a de que ele impedia os homens, por meio de lágrimas e terrores mórbidos, de procurarem alegria e a liberdade no seio da Natureza. Outra acusação, porém, era que ele confortava os homens com uma fictícia providência e os colocava numa creche rosa e branca. [...] Quando um racionalista classificava o Cristianismo como um pesadelo, já outro começava a chamá-lo de paraíso dos tolos. Isso me intrigava, porque tais acusações pareciam-me incompatíveis. O Cristianismo não podia ser, ao mesmo tempo, uma máscara preta sobre um mundo branco e uma máscara branca sobre um mundo preto. [...] Se o Cristianismo deturpava a visão humana, devia deturpá-la de uma forma ou de outra: o cristão não poderia usar, ao mesmo tempo, óculos verdes e óculos cor-de-rosa. [...] O mesmo homem que acusava o Cristianismo de pessimismo era, ele próprio, um pessimista. Achei que devia haver algo errado. E, num momento de exaltação, veio-me à mente a ideia de que aqueles talvez não fossem os melhores juízes da relação entre a religião e a felicidade, pois não possuíam nem uma coisa nem outra. Deve-se compreender que não concluí, apressadamente, que as acusações eram falsas ou que os acusadores não passavam de loucos. Apenas deduzi que o Cristianismo deveria ser algo mais estranho e perverso do que se pretendia afirmar. Uma coisa podia ser ter esses dois defeitos opostos, mas era necessário que fosse bastante estranha para poder concentrar tais características. Um homem poderia ser muito gordo em uma parte do corpo e muito magro em outro, mas seria preciso que tivesse uma compleição deveras singular. Nesse ponto, todos os meus pensamentos centravam-se, apenas, na bizarra forma da religião cristã, sem atribuir qualquer forma bizarra ao pensamento racionalista. [...] O paradoxo do Evangelho acerca da outra face, o fato de os padres nunca lutarem em guerras, uma centena de coisas, enfim, tornava plausível a acusação de que o Cristianismo era uma tentativa de transformar o homem em um cordeiro. Li isso e acreditei, e, se não tivesse lido nada diferente, continuaria a acreditar. No entanto, li algo muito diferente depois. Virei a página seguinte do meu manual agnóstico, e, logo, meu cérebro ficou de pernas para o ar. Descobri, então, que tinha de odiar o Cristianismo não por combater pouco, mas por combater demais. A religião cristã parecia a mãe das guerras. O Cristianismo tinha inundado o mundo em sangue. Eu, que havia ficado zangado com o Cristianismo por ele nunca se zangar, tinha agora de zangar-me com ele porque sua fúria havia sido a coisa mais horrível e monstruosa da História da Humanidade. [...] As mesmas pessoas que criticavam o Cristianismo por sua mansidão e pela não-resistência dos mosteiros eram as que vinham agora acusá-lo pela violência e pela bravura das Cruzadas. O que tudo isso queria dizer? Que cristianismo era este que sempre proibia as guerras e sempre estava a provocá-las? Qual poderia ser a natureza de uma coisa que era insultada, primeiramente, por não combater e, depois, por estar sempre envolvida em lutas?[...]A forma do Cristianismo tornava-se mais estranha a cada instante.
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G.K. Chesterton