Sozinho Quotes

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Quem não gosta de estar sozinho é uma péssima companhia.
Gonçalo M. Tavares
na hora de pôr a mesa, éramos cinco: o meu pai, a minha mãe, as minhas irmãs e eu. depois, a minha irmã mais velha casou-se. depois, a minha irmã mais nova casou-se. depois, o meu pai morreu. hoje, na hora de pôr a mesa, somos cinco, menos a minha irmã mais velha que está na casa dela, menos a minha irmã mais nova que está na casa dela, menos o meu pai, menos a minha mãe viúva. cada um deles é um lugar vazio nesta mesa onde como sozinho. mas irão estar sempre aqui. na hora de pôr a mesa, seremos sempre cinco. enquanto um de nós estiver vivo, seremos sempre cinco
José Luís Peixoto
Amor. Amor. Amor, gostava de dizer esta palavra até gastá-la ainda mais. Amor, gostava de dizer esta palavra até perder ainda mais o seu sentido. Amor. Amor. Amor, até ser uma palavra que não significa nem sequer uma ilusão, uma mentira. Amor, amor, amor, nem sequer uma mentira, nem sequer um sentimento vago e incompreensível. Amor amor amor, até ser nem sequer uma palavra banal, nem sequer a palavra mais vulgar, nem sequer uma palavra. Amoramoramor, até ao momento em que alguém diz amor e ninguém vira a cabeça para ouvir, alguém diz amor e ninguém ouve, alguém diz amor e não disse nada. Sozinho, diante da campa. O amor é a solidão.
José Luís Peixoto (Uma Casa na Escuridão)
Certos passos você tem de dar sozinho.
Suzanne Collins (Mockingjay (The Hunger Games, #3))
Farto como estava de ser sozinho, aprendera que a família também se inventava.
Valter Hugo Mãe (O Filho de Mil Homens)
Sim, eis o que os meus sentidos aprenderam sozinhos: — As cousas não têm significação: têm existência. As cousas são o único sentido oculto das cousas.
Fernando Pessoa (Poemas completos de Alberto Caeiro)
Se te converteres noutro sem deixares de ser tu, nunca mais te sentirás sozinho.
Juan Marsé (El amante bilingüe)
Eu e Antônio estamos casados há vinte e seis anos. Nem sempre é bom, nem sempre é ruim. Desconheço a balança que mede isso. É o que é, aceito, rejeito, mas não escolho mais tirar de mim esse amor entranhado, pertence a lugares em mim que não mando mais. Não fico tomando conta, podia ser assim, podia ser assado, medindo com régua o que falta. Não quero viver sem Antônio, me caso todos os dias com ele, acordo e caso, depois faço o café. Tem dia que ele tá chato de doer, largo pra lá, vai ser chato longe de mim e pronto. Ele melhora sozinho, depois piora e torna a melhorar, e a gente vai assim tomando distância e diminuindo distância. Caminhando.
Carla Madeira (Tudo é rio)
Estava sozinho, os seus amores haviam falhado e sentia que tudo lhe faltava pela metade, como se tivesse apenas metade dos olhos, metade do peito e metade das pernas, metade da casa e dos talheres, metade dos dias, metade das palavras para se explicar às pessoas. Via-se metade ao espelho e achava tudo demasiado breve, precipitado, como se as coisas lhe fugissem, a esconderem-se para evitar a sua companhia. Via-se metade ao espelho porque se via sem mais ninguém, carregado de ausências e de silêncios como os precipícios ou poços fundos. Para dentro do homem era um sem fim, e pouco ou nada do que continha lhe servia de felicidade. Para dentro do homem o homem caía.
Valter Hugo Mãe (O Filho de Mil Homens)
Ser poeta não é uma ambição minha. É a minha maneira de estar sozinho.
Alberto Caeiro
Perder amores é escurecer por dentro, uma memória do corpo que o entardecer evoca quando tinge o céu de vermelho. Para quem está sozinho depois de ter amado, o fim do dia é muito triste.
Carla Madeira (Tudo é Rio)
Pensa, porque pensar é existir com os deuses, enquanto sentir é existir sozinho.
David Soares (A Conspiração dos Antepassados)
entrei sozinho no meu quarto, abri uma janela para a noite. Uma grande lua solene, suspensa sobre a aldeia, banhava toda a massa da montanha.
Vergílio Ferreira (Aparição)
Não há nada por que nos rirmos mas se nos rirmos não estamos sozinhos. A maneira de a directora falar não dá vontade de rir, se não estivéssemos nesta situação não nos teríamos começado a rir. Tempos conturbados. Não conseguimos parar de nos rir, as gargalhadas pegam-se umas às outras, rimo-nos, alto, mais alto, não me lembro de termos rido tanto e tão alto. São tempos conturbados, se nos rirmos não estamos sozinhos e talvez consigamos adormecer.
Dulce Maria Cardoso (O Retorno)
Os caminhos são mais longos - disse um dia Elahi - para quem está sozinho. (...) Os dias esticam e ficam mais longos, o relógio diz que não, mas, com licença, o que sabem os relógios da alma humana? Não sabem nada, Alá me perdoe. O tempo demora mais a passar, muito mais, é assim que se sofre. Quando se está feliz, esse mesmo tempo passar a correr, parece que vai atrasado para uma festa, mas, se vê uma lágrima, para e fica a ver o acidente, dá voltas à nossa desgraça e não anda para a frente como os relógios dizem que ele faz. (...) Disse Ali: Não é a falta de pessoas à nossa volta que faz a solidão. São as pessoas erradas.
Afonso Cruz (Para Onde Vão Os Guarda-Chuvas)
A leitura é para uma pessoa o mesmo que voar é para um pássaro. Primeiro, aprende-se a bater as asas, com a ajuda dos pássaros mais velhos, depois voa-se sozinho...
Rui Zink (Os Surfistas)
Podemos estar numa sala cheia de gente e ainda assim sentirmo-nos sozinhos.
Amanda Brooke (Yesterday’s Sun: a heart wrenching and emotional debut novel)
Anota aí na última folha da agenda: sempre existirão outras coisas, outras pessoas, outros lugares neste mundo. O segredo é deixar ele descobrir tudo isso sozinho e ainda assim preferir você.
Bruna Vieira (Depois dos quinze: Quando tudo começou a mudar)
À noite, quando estou sozinho e a lua derrama as suas lágrimas, sei que o mundo voltaria a ser maravilhoso se estivesses aqui. Sem ti, o meu coração fica vazio, apenas com as lembranças que guarda. Tu, só tu, existes dentro de mim, à noite quando a lua chora.
Nora Roberts (Tears of the Moon (Gallaghers of Ardmore, #2))
O inferno não são os outros, pequena Halla. Eles são o paraíso, porque um homem sozinho é apenas um animal. A humanidade começa nos que te rodeiam, e não exactamente em ti. Ser-se pessoa implica a tua mãe, as nossas pessoas, um desconhecido ou a sua expectativa. Sem ninguém no presente nem no futuro, o indivíduo pensa tão sem razão quanto pensam os peixes. Dura pelo engenho que tiver e perece como um atributo indiferenciado do planeta. Perece como uma coisa qualquer.
Valter Hugo Mãe (A Desumanização)
O Camilo começou a pensar que tantas coisas se aprendiam quando se ficava sozinho. Era importante que muita coisa fosse decidida nessa clausura da solidão, para que a natureza de cada um se pronunciasse livremente, sem estigmas. Pensou assim e achou que, não sendo um livro, era um pensamento capaz de eliminar o colesterol e segurar os tetos das casas todas.
Valter Hugo Mãe (O Filho de Mil Homens)
Um sistema de desvínculo: Boi sozinho se lambe melhor... O próximo, o outro, não é seu irmão, nem seu amante. O outro é um competidor, um inimigo, um obstáculo a ser vencido ou uma coisa a ser usada. O sistema, que não dá de comer, tampouco dá de amar: condena muitos à fome de pão e muito mais à fome de abraços.
Eduardo Galeano (The Book of Embraces)
O inferno não são os outros, pequena Halla. Eles são o paraíso, porque um homem sozinho é apenas um animal. A humanidade começa nos que te rodeiam, e não exactamente em ti. Ser-se pessoa implica a tua mãe, as nossas pessoas, um desconhecido ou a sua expectativa.
Valter Hugo Mãe (A Desumanização)
E, aos que se sentem oprimidos pela solidão, é preciso lembrar: nos momentos mais importantes da vida estaremos sempre sozinhos.
Paulo Coelho (Manuscript Found in Accra)
Pode estar-se sozinho mesmo quando se é amado por muitas pessoas, quando não se é realmente a pessoa mais importante do mundo para ninguém.
Anne Frank
Agora você sozinho. Nada de medo que você está ficando um homenzinho. Meu
José Mauro de Vasconcelos (O Meu Pé de Laranja Lima)
As pessoas pensam que estar sozinho faz de você um solitário, mas eu não acho que isso seja verdade. Estar rodeado por pessoas erradas é a coisa mais solitária do mundo.
Kim Culbertson
Viver sozinho tem momentos de auto-comiseração e paranóia.
Julian Barnes (The Sense of an Ending)
Eu sou o gato que anda sozinho, e todos os lugares são iguais para mim" - In, "Porque és Minha", Beth Kery, Saída de Emergência (2013)
Beth Kery
(Vejo que tentei dar a Maca uma situação minha: eu preciso de algumas horas de solidão por dia senão "me muero".) Quanto a mim, só sou verdadeiro quando estou sozinho.
Clarice Lispector (The Hour of the Star)
Todas as pessoas que viajam apreciam essa sensação de andar pelas ruas de uma cidade que não é aquela em que se vive, sem pressa, sem hora de voltar para casa. Por quê? Porque não há casa, lar doce lar, para onde voltar. A casa é uma prisão, mesmo se você vive sozinho. Uma prisão à qual você se acostuma, como os animais do jardim zoológico se acostumam com as suas jualas.
Rubem Fonseca (Os Prisioneiros)
Um quer ir embora e, ao mesmo tempo, não. O outro quer liberdade, mas a dois. Então um se vai e deita em todas as camas, sofrendo. E o outro mergulha sozinho na dor, sobrevivendo. Diferença de idade não existe. A necessidade secreta de cada um é que destrói ilusões e constrói o que está por vir.
Martha Medeiros (Doidas e santas)
E se eu te dissesse que ele é um deus? O velho abanou a cabeça. Já não acredito em nada disso. Deixei de acreditar há anos. Onde os homens não conseguem viver, os deuses não têm melhor sorte. Vais ver. É melhor estar sozinho.
Cormac McCarthy (The Road)
O olhar de Cal corre de um lado para o outro em busca de uma solução que ele jamais vai encontrar. Por fim, seus olhos pousam em mim. Estão vazios. E sozinhos. É então que uma mão se fecha delicadamente ao redor do meu punho.
Victoria Aveyard (Glass Sword (Red Queen, #2))
O Camilo começou a pensar que tantas coisas se aprendiam quando se ficava sozinho. Era importante que muita coisa fosse decidida nessa clausura da solidão, para que a natureza de cada um se pronunciasse livremente, sem estigmas.
Valter Hugo Mãe (O Filho de Mil Homens)
De repente do riso fez-se o pranto Silencioso e branco como a bruma E das bocas unidas fez-se a espuma E das mãos espalmadas fez-se o espanto. De repente da calma fez-se o vento Que dos olhos desfez a última chama E da paixão fez-se o pressentimento E do momento imóvel fez-se o drama. De repente, não mais que de repente Fez-se de triste o que se fez amante E de sozinho o que se fez contente. Fez-se do amigo próximo o distante Fez-se da vida uma aventura errante De repente, não mais que de repente.
Vinicius de Moraes
Todos os que afirmam saber as coisas sobre as quais medito, seja por tê-las ouvido de mim, seja por tê-las ouvido de outros, seja por tê-las descoberto sozinhos, não é possível, segundo meu parecer, que tenham entendido algo desse objeto. Sobre essas coisas não existe um texto escrito meu nem existirá jamais.
Plato
Subitamente, porém, quando transpúnhamos o portão, tive o choque de um alarme. A casota do cão ficava a um canto do quintal, perto do alpendre onde se arrumavam os bois. Admiti bruscamente que o cão tivesse morrido. E, abandonando o grupo, fui sozinho até ao fundo do jardim. À luz da lua, espreitei para a casota, chamei o cão. Mondego não respondeu. Meti a mão dentro - o cão não estava. Presumi, absurdamente, que tivesse rebentado a corrente, se tivesse aninhado no alpendre. Fui para lá, mergulhei para um lado e outro no escuro, chamei: Mondego! Nada. Mas eis que, ao voltar-me para sair, eu vi o cão, enfim: suspenso de uma trave enforcado no arame, Mondego recortava-se contra o céu, iluminado de lua e de estrelas. Dominei-me, não gritei. E corri para o grupo, que voltava atrás a procurar-me. Desculpei-me como pude e segui para a igreja, chorando duramente: quando Cristo nascia entre cânticos e luzes, Mondego balançava de uma trave o seu corpo leproso, banhado de luar... No dia seguinte quiseram iludir-me: o cão teria aparecido morto à porta da casota. Não reagi. Levantei-me apenas e fui eu enterrar o animal, para que fosse amortalhado com ternura, para que a última voz da terra a falar-lhe fosse uma voz de aliança.
Vergílio Ferreira (Aparição)
Eu me senti tão sozinho no mundo a ponto de esculpir em mim meu equivalente.
Filipe Russo (Caro Jovem Adulto)
Um guia abandonou-me. Ando nas trevas. Não consigo dar um passo sozinho. Ajuda-me!
Hermann Hesse (Demian)
Seguirei adiante sozinho, de modo que você possa me procurar por lá.
Mitch Cullin (Sr. Holmes (Portuguese Edition))
Nunca senti um vazio tão incompreensível dentro de mim, e só então, enquanto meu corpo se erguia do banco, comecei a entender quão absolutamente sozinho eu estava no mundo.
Mitch Cullin (Sr. Holmes (Portuguese Edition))
Acho saudável ficar sozinho a maior parte do tempo. Ter companhia, mesmo a melhor delas, logo cansa e desgasta
Henry David Thoreau (Walden)
O senso comum é uma doença contagiosa e é difícil manter a infecção sozinho.
Sayaka Murata (Earthlings)
- Vivo sozinho - disse o professor Borja. - Às vezes vivo tão sozinho que nem me apetece chorar. Fico seco da solidão.
Afonso Cruz (Jesus Cristo Bebia Cerveja)
Não tenho necessidade do céu infinito; a lua e as estrelas estão além do meu alcance. Prefiro existir no mundo real, pois sonhos sozinhos não podem me sustentar.
Sanu Sharma
Preferir o medo de estar com a pessoa errada por não ser capaz de lidar com o medo de ficar sozinho.
David Levithan (Every Day (Every Day, #1))
Queria que o amor conquistasse tudo. Mas o amor não conquista tudo. Ele não pode fazer nada sozinho. Ele depende de nós para conquistar em seu nome.
David Levithan (Every Day (Every Day, #1))
Nada me fez acontecer, eu possibilito eu mesmo e o resto se realiza sozinho por entropia e inércia.
Filipe Russo (Caro Jovem Adulto)
Richard havia percebido que os acontecimentos são seres covardes. Eles nunca acontecem sozinhos: vêm numa matilha, pulando juntos sobre alguém ao mesmo tempo.
Neil Gaiman (Neverwhere (London Below, #1))
Não estás sozinho. Tudo melhora. És importante e insubstituível. Aguenta.
Penelope Douglas (Punk 57)
Todas as vezes que olhei no lago, nunca vi qualquer outro bicho. O peixe é sozinho. Sei exatamente como ele se sente.
Annabel Pitcher (My Sister Lives on the Mantelpiece)
Eu queria que ele soubesse que, quando se sentisse sozinho no mundo... podia contar comigo.
Gayle Forman (Just One Day (Just One Day, #1))
Estamos todos sozinhos, presos num corpo e na nossa própria cabeça, e qualquer companhia que temos na vida é passageira e superficial.
Jennifer Niven (All the Bright Places)
Não estás sozinho. Tudo melhora. És importante e insubstituível. Aguenta.
Penelope Douglas (Punk 57)
Ninguém é nada sozinho, somos o nosso comportamento com o outro
Luis Fernando Verissimo (Sexo na Cabeça)
Apaguei todas as coisas que escrevi de manhã. Toda aquela besteira sobre ser verdadeiro comigo mesmo. Só escrevi aquilo porque pensei que soava bem. É claro que soava bem. Ficção sempre soa bem, mas não ajuda muito quando a realidade vem e joga você de cara no chão. Quando enrola sua língua, prendendo as palavras na sua cabeça. Quando deixa você almoçando sozinho.
Val Emmich (Caro Evan Hansen)
Espero que cheguem a esta fogueira a qualquer momento. Mas a esperança é como um pedaço de corda quando você está se afogando: simplesmente não é o suficiente para tirar você da água sozinho.
Robert Jordan
E, de súbito, tem medo de que nesta casa sejam bons para ele. Sim, um grande medo de que sejam bons para ele. Não sabe mesmo por quê, mas tem medo. E levanta-se, sai do seu esconderijo e vai fumar bem por baixo da janela da senhora. Assim verão que ele é um menino perdido, que não merece um quarto, roupa nova, comida na sala de jantar. Assim o mandarão para a cozinha, ele poderá levar para diante sua obra de vingança, conservar o ódio no seu coração. Porque se esse ódio desaparecer, ele morrerá, não terá nenhum motivo para viver. E diante dos seus olhos passa a visão do homem de colete que vê os soldados a espancar o Sem-Pernas e ri numa gargalhada brutal. Isso há de impedir sempre o Sem-Pernas de ver o rosto bondoso de dona Ester, o gesto protetor das mãos do padre José Pedro, a solidariedade dos músculos grevistas do estivador João de Adão. Será sozinho e seu ódio alcança a todos, brancos e negros, homens e mulheres, ricos e pobres. Por isso teme que sejam bons para consigo.
Jorge Amado (Capitães da Areia)
A loucura é um país onde não entra quem quer. Tudo se conquista. Em todo o caso, ele, ele entrara como um senhor, soltando as amarras e as âncoras com o brio de um capitão que afunda o navio a pique, sozinho na proa.
Philippe Claudel (Grey Souls)
A pior parte de estar totalmente sozinho é pensar em todas as vezes em que desejamos que todo mundo simplesmente nos deixasse em paz. Foi o que fizeram. Atenderam ao meu pedido, e acabei me saindo uma péssima companhia.
John Green (Turtles All the Way Down)
Zweisamkeit” é a sensação de estar sozinho mesmo quando se está com outras pessoas. [...] Senti isso tantas vezes que pensei que isso era parte da vida. Que estar vivo era aceitar que estamos todos essencialmente sozinhos.
Gabrielle Zevin (Tomorrow, and Tomorrow, and Tomorrow)
Mas creio que é preciso evitar ver, nessas leis necessárias que nos permitem viver juntos, uma necessidade fundamental, primordial. Parece-me, na realidade, que não é necessário que este mundo exista, que não é necessário que estejamos aqui vivendo e morrendo. Já que somos apenas os filhos do acaso, a terra e o universo poderiam ter continuado sem nós, até à consumação dos séculos. Imagem inimaginável, a de um universo vazio e infinito, teoricamente inútil, que nenhuma inteligência poderia contemplar, que existiria sozinho, caos duradouro, abismo inexplicavelmente privado de vida. Talvez outros mundos, que não conhecemos, sigam assim seu curso inconcebível. Atração pelo caos que às vezes sentimos profundamente em nós mesmos.
Luis Buñuel (My Last Sigh)
Luís Bernardo deixou-se ficar até ao fim, sozinho, mais sozinho do que nunca, como se toda a ilha se tivesse despovoado de repente e, por entre os sinais de abandono e de solidão, ele buscasse os sinais da passagem de Ann para não morrer de loucura.
Miguel Sousa Tavares (Equador)
Criança Cabecinha boa de menino triste, de menino triste que sofre sozinho, que sozinho sofre, — e resiste, Cabecinha boa de menino ausente, que de sofrer tanto se fez pensativo, e não sabe mais o que sente... Cabecinha boa de menino mudo que não teve nada, que não pediu nada, pelo medo de perder tudo. Cabecinha boa de menino santo que do alto se inclina sobre a água do mundo para mirar seu desencanto. Para ver passar numa onda lenta e fria a estrela perdida da felicidade que soube que não possuiria.
Cecília Meireles
Na doença é que descobrimos que não vivemos sozinhos, mas sim encadeados a um ser de um reino diferente, de que nos separam abismos, que não nos conhece e pelo qual nos é impossível fazer-nos compreender: o nosso corpo. Qualquer assaltante que encontremos numa estrada, talvez consigamos torná-lo sensível ao seu interesse particular, se não à nossa desgraça. Mas pedir compaixão ao nosso corpo é discorrer diante de um polvo, para quem as nossas palavras não podem ter mais sentido que o rumor das águas, e com o qual ficaríamos cheios de horror de ser obrigados a viver.
Marcel Proust (The Guermantes Way)
No século XX ninguém se ama. Ninguém quer ninguém. Amar é out, é babaca, careta. Embora existam essas estranhas fronteiras entre paixão e loucura, entre paixão e suicídio. Não entendo como querer o outro possa tornar-se mais forte do que querer a si próprio [...] Mentira, compreendo sim. Mesmo consciente de que nasci sozinho do útero de minha mãe, berrando de pavor para o mundo insano, e que embarquei sozinho num caixão rumo a sei lá o quê, além do pó. O que ou quem eu cruzo entre esses dois portos gelados da solidão é mera viagem [...] e exigimos o eterno do perecível.
Caio Fernando Abreu (Pequenas Epifanias)
Sou sociável ao excesso. Por isso me parece razoável subtrair da vista das pessoas a minha importunidade para incubá-la sozinho, e encolher-me e recolher-me em minha carapaça, como as tartarugas. Aprendo a ver os homens sem a eles me agarrar: isso seria um ultraje quando o passo é tão cambaleante.
Michel de Montaigne (The Complete Essays)
Os professores não o querem, a Casa Pia diz que está cheia, o PSD tem a lista de candidatos completa, o Belenenses resolveu o problema com um brasileiro, o brasileiro garante que ata as botas sozinho. Que farei com este Bronco? Pô-lo a cortar capim no Estádio da luz? O gajo cortava as bandeirolas de canto!
Fernando Assis Pacheco (Bronco Angel, o cow-boy analfabeto)
Não, costumo vez a possessão nas coisas, Damien. Nas picuinhas e nos desentendimentos; na palavra cruel e cortante que salta livre à língua entre amigos. Entre namorados. Entre marido e mulher. Temos muito disso e não precisamos de Satanás para criar nossas guerras. Conseguimos criá-las sozinhos... Sozinhos.
William Peter Blatty (The Exorcist)
Mas, assim, pensas que isto tudo é uma confusão, circo meu das palhaçadas, cabeçadas na lógica? Ainda vais rir, mas prepara também o teu coração pra chorar, a vida é mesmo esse laço apertado, tem dias que lhe conhecemos os segredos – lhe desapertamos, outros dias lutamos só, nossas derrotas e lágrimas, e ficamos a olhar: o pescador se irrita com os nós da rede? Isto tudo que eu te falo, não é efeito do álcool, não é com três nem sete que me vais derrubar; isto tudo que eu falo é assim mesmo, a mancha da confusão, labirinto, e há que descobrir as coisas no devagar das coisas: o amor não acende um fósforo sozinho.
Ondjaki (Quantas Madrugadas Tem a Noite)
Era o último dia do ano e para muitos, o único que realmente importava. Tudo o que não fora feito durante o ano, transformar-se -ia num novo desejo, quando a meia-noite fosse anunciada e as passas consumidas de forma pensativa. Brindavam ao ano e à vida que deixavam para trás, dando as boas novas a um ano diferente, com novos conhecimentos, novos projectos e novas aventuras. E por um motivo que ainda não sabia descodificar, ninguém queria estar sozinho na última noite do ano. Era um dia como tantos outros, apenas com a diferença de um número no final do calendário, mas estar sozinho naquela noite era como um mau presságio para o ano que se avizinhava.
Carina Rosa (As Gotas de um Beijo)
Aprendeu que a verdade não tem dono, que é duro demais existir e que ninguém precisa de ajudar ninguém a sofrer. O sofrimento vem sozinho, tem pernas, mais cedo ou mais tarde ele aparece; o que a gente tem de buscar é a alegria, essa esconde-se delicada na correria dos dias, não se oferece de pronto, quer ser encontrada, surpreendida, amada.
Carla Madeira (Tudo é Rio)
- Meu Deus, como somos injustos com o nosso corpo. De quem nos esquecemos mais? é dos pés, coitados, que rastejam para nos suportar. São eles que carregam tristeza e felicidade. Mas como estão longe dos olhos, deixamos os pés sozinhos, como se não fossem nossos. "Só por estarmos por cima calcamos os nossos pés. Assim começa a injustiça neste mundo.
Mia Couto (Voices Made Night (African Writers Series))
Trabalhas sem alegria para um mundo caduco, onde as formas e as ações no encerram nenhum exemplo. Praticas laboriosamente os gestos universais, sentes calor e frio, falta de dinheiro, fome e desejo sexual. Heróis enchem os parques da cidade em que te arrastas, e preconizam a virtude, a renúncia, o sangue-frio, a concepção. À noite, se neblina, abrem guarda-chuvas de bronze ou se recolhem aos volumes de sinistras bibliotecas. Amas a noite pelo poder de aniquilamento que encerra e sabes que, dormindo, os problemas de dispensam de morrer. Mas o terrível despertar prova a existência da Grande Máquina e te repõe, pequenino, em face de indecifráveis palmeiras. Caminhas entre mortos e com eles conversas sobre coisas do tempo futuro e negócios do espírito. A literatura estragou tuas melhores horas de amor. Ao telefone perdeste muito, muitíssimo tempo de semear. Coração orgulhoso, tens pressa de confessar tua derrota e adiar para outro século a felicidade coletiva. Aceitas a chuva, a guerra, o desemprego e a injusta distribuição porque não podes, sozinho, dinamitar a ilha de Manhattan.
Carlos Drummond de Andrade (Sentimento do Mundo)
Ser homossexual num ambiente britânico formal e legalmente avesso ao que era visto como um desvio da norma levou sem dúvida Forster a dar ao corpo seu devido valor. Não escondeu suas preferências sexuais dos amigos próximos mas nunca as assumiu publicamente; manteve um longo relacionamento com um homem casado embora ele mesmo, Forster... vivesse sozinho — ou com a mãe.
E.M. Forster (A Máquina parou)
Sentado sozinho no escuro, assistindo ao programa em meu laptop, sempre imaginava que eu vivia naquela casa quente e bem iluminada, e que aquelas pessoas sorridentes e compreensivas eram a minha família. Imaginava que não havia nada tão errado no mundo que não pudéssemos resolver até o final de um único episódio de meia hora (ou talvez em dois, se fosse algo muito sério).
Ernest Cline (Ready Player One)
Para viver na confusão do mundo com um mínimo de sofrimento, o segredo é conseguir fazer com que o maior número de pessoas possível embarque nas suas ilusões; para viver sozinho aqui na montanha, longe de todos os envolvimentos, todas as atrações e expectativas que nos perturbam a paz, longe, sobretudo, de nossa própria intensidade, o segredo é organizar o silêncio, pensar na plenitude da montanha como capital, encarar o silêncio como uma riqueza que está se multiplicando constantemente. O silêncio que nos cerca é a vantagem que escolhemos, e é só com ele que temos intimidade. O segredo é encontrar sustento nas (Hawthorne mais uma vez) "comunicações de uma mente solidária consigo mesma". O segredo é encontrar sustento em *pessoas* como Hawthorne, na sabedoria dos mortos geniais.
Philip Roth (The Human Stain (The American Trilogy, #3))
Ia em direção ao ferry e quando cheguei à esquina parei a ver o que ele fazia. Foi a última vez que o vi e lembro-me muito claramente. Caminhou pelo molhe e parou junto ao poste de um candeeiro, a olhar para o mar. O único ser vivo numa cidade morta das Caraíbas: uma figura alta num fato gasto de Palm Beach, o seu único fato, agora cheio de pó e manchado de relva, com os bolsos largos, sozinho num molhe no fim do mundo imerso nos seus pensamentos
Hunter S. Thompson
O capitão se curvou para trás e cruzou os braços. Estamos lidando aqui é com uma raça de degenerados, disse. Uma raça de mestiços, não muito melhor que negros. E talvez nem isso. Não existe governo no México. Diabo, não existe Deus no México. Nunca vai existir. A gente está lidando com um povo absolutamente incapaz de se governar sozinho. E sabe o que acontece com povos que não conseguem se governar sozinhos? Isso mesmo. Outros vêm e governam por eles.
Cormac McCarthy (Blood Meridian, or, the Evening Redness in the West)
Mas a explicação solitária já requer uma outra altitude - utilizemos esta palavra - da inteligência. Qualquer instinto criativo começa com esta necessidade antiga que a memória colectiva faz por esquecer: somos criativos porque queremos encontrar uma explicação solitária, uma explicação individual, uma explicação que não tenha par, que não tenha duplo, que não seja possível acompanhar, uma explicação egoísta, dirão alguns, sim, egoísta, claro. Mais que isso: rancorosa. Uma explicação que odeia as outras, que as combate, mas combate não para vencer somente as outras explicações, mas para vencer, derrotar, eliminar os próprios homens portadores de outras explicações solitárias. A explicação solitária, a ciência individual por excelência, no limite, quer eliminar todas as outras existências, porque as odeia; e odeia-as simplesmente porque outra inteligência e outra possibilidade de solidão são a prova de que sozinhos não ocupamos o mundo.
Gonçalo M. Tavares (A Máquina de Joseph Walser)
A perfeição não é alcançada quando não há mais nada a ser incluído, mas sim quando não há mais nada a ser retirado." - Perfection is achieved not when there is nothing more to be added but when there is nothing more to be removed "Cada um que passa na nossa vida, passa sozinho, pois cada pessoa é única e nenhuma substitui outra. Cada um que passa na nossa vida, passa sozinho, mas não vai só nem nos deixa sós. Leva um pouco de nós mesmos, deixa um pouco de si mesmo. Há os que levam muito, mas há os que não levam nada. Essa é a maior responsabilidade da nossa vida, e a prova de que duas almas não se encontram ao acaso." - Every one that goes in our life passes alone, because each person is unique and no other substitutes. Every one that goes in our life passes alone, but will just not leave us alone. It takes a bit of ourselves, leaves a bit of himself. There are those who take a lot, but there are those who do not take anything. This is the greatest responsibility of our life, and the proof that two souls do not meet by chance.
Antoine de Saint-Exupéry
Cada vez sinto menos vontade de estar com os outros. Dou por mim a fazer uma espécie de lenta retirada social. Visito cada vez menos os amigos, até deixar de os ter. Se os visse, na certa, iriam fazer-me perguntas a que não quero responder e também não desejo perder o meu tempo a ouvir os seus dramas. Por isso, forço-me ao isolamento. Mas, nem sempre fui assim. Penso que há uma parte de mim que deixou de funcionar e, por causa disso, sou incapaz de manter o interesse de estar com pessoas. Nessas alturas imagino-me a passar o resto da vida sozinho, lendo, vendo filmes, passeando de um lado para o outro sem propósito.
Sónia Alcaso
O John Gielgud dizia que às vezes ele tinha vontade de ser pintor ou escritor. Aí ele podia pegar o desempenho ruim de uma determinada noite e trabalhar nele até tarde e consertar. Mas isso era impossível. A coisa tinha que ser feita na hora. O Gielgud passou por um período muito ruim, em que nada que ele fazia dava certo. O Olivier também. O Olivier teve uma fase horrorosa. Um problema horroroso. Não conseguia encarar os outros atores, olhos nos olhos. Ele dizia aos outros atores: ‘Por favor, não olhe pra mim, senão eu desabo’. Passou um tempo sem conseguir ficar sozinho no palco. Ele dizia aos outros atores: ‘Não me deixem sozinho’.
Philip Roth (The Humbling)
Desde pequeno, sempre matei o tempo em bibliotecas. Quando uma criança não tem vontade de voltar para casa, encontra poucos lugares para ir. Lanchonetes e cinemas são locais proibidos para um moleque desacompanhado. Resta-lhe apenas a biblioteca. Você não paga para entrar, e ninguém reclama pelo fato de estar sozinho. Pode se sentar numa cadeira e ler todos os livros que quiser. Depois de voltar da escola, eu costumava ir de bicicleta a uma biblioteca municipal existente perto de casa. Era lá que eu passava sozinho muitas horas por dia, mesmo nos feriados. Lendas, romances, biografias ou história, eu devorava tudo que me caía nas mãos. Depois
Haruki Murakami (Kafka à Beira-Mar)
Nós ainda somos moços, podemos perder algum tempo sem perder a vida inteira. Mas olhe para todos ao seu redor e veja o que temos feito de nós e a isso considerado vitória nossa de cada dia. Não temos amado, acima de todas as coisas. Não temos aceito o que não se entende porque não queremos passar por tolos. Temos amontoado coisas e seguranças por não nos termos um ao outro. Não temos nenhuma alegria que já não tenha sido catalogada. Temos construído catedrais, e ficado do lado de fora pois as catedrais que nós mesmos construímos, tememos que sejam armadilhas. Não nos temos entregue a nós mesmos, pois isso seria o começo de uma vida larga e nós a tememos. Temos evitado cair de joelhos diante do primeiro de nós que por amor diga: tens medo. Temos organizado associações e clubes sorridentes onde se serve com ou sem soda. Temos procurado nos salvar mas sem usar a palavra salvação para não nos envergonharmos de ser inocentes. Não temos usado a palavra amor para não termos de reconhecer sua contextura de ódio, de amor, de ciúme e de tantos outros contraditórios. Temos mantido em segredo a nossa morte para tornar nossa vida possível. Muitos de nós fazem arte por não saber como é a outra coisa. Temos disfarçado com falso amor a nossa indiferença, sabendo que nossa indiferença é angústia disfarçada. Temos disfarçado com o pequeno medo o grande medo maior e por isso nunca falamos no que realmente importa. Falar no que realmente importa é considerado uma gafe. Não temos adorado por termos a sensata mesquinhez de nos lembrarmos a tempo dos falsos deuses. Não temos sido puros e ingênuos para não rirmos de nós mesmos e para que no fim do dia possamos dizer "pelo menos não fui tolo" e assim não ficarmos perplexos antes de apagar a luz. Temos sorrido em público do que não sorriríamos quando ficássemos sozinhos. Temos chamado de fraqueza a nossa candura. Temo-nos temido um ao outro, acima de tudo. E a tudo isso consideramos a vitória nossa de cada dia.
Clarice Lispector (Aprendizaje o El libro de los placeres)
Como é que se esquece alguém que se ama? Como é que se esquece alguém que nos faz falta e que nos custa mais lembrar que viver? Quando alguém se vai embora de repente como é que se faz para ficar? Quando alguém morre, quando alguém se separa - como é que se faz quando a pessoa de quem se precisa já lá não está? As pessoas têm de morrer; os amores de acabar. As pessoas têm de partir, os sítios têm de ficar longe uns dos outros, os tempos têm de mudar Sim, mas como se faz? Como se esquece? Devagar. É preciso esquecer devagar. Se uma pessoa tenta esquecer-se de repente, a outra pode ficar-lhe para sempre. Podem pôr-se processos e ações de despejo a quem se tem no coração, fazer os maiores escarcéus, entrar nas maiores peixeiradas, mas não se podem despejar de repente. Elas não saem de lá. Estúpidas! É preciso aguentar. Já ninguém está para isso, mas é preciso aguentar. A primeira parte de qualquer cura é aceitar-se que se está doente. É preciso paciência. O pior é que vivemos tempos imediatos em que já ninguém aguenta nada. Ninguém aguenta a dor. De cabeça ou do coração. Ninguém aguenta estar triste. Ninguém aguenta estar sozinho. Tomam-se conselhos e comprimidos. Procuram-se escapes e alternativas. Mas a tristeza só há-de passar entristecendo-se. Não se pode esquecer alguém antes de terminar de lembrá-lo. Quem procura evitar o luto, prolonga-o no tempo e desonra-o na alma. A saudade é uma dor que pode passar depois de devidamente doída, devidamente honrada. É uma dor que é preciso aceitar, primeiro, aceitar. É preciso aceitar esta mágoa esta moinha, que nos despedaça o coração e que nos mói mesmo e que nos dá cabo do juízo. É preciso aceitar o amor e a morte, a separação e a tristeza, a falta de lógica, a falta de justiça, a falta de solução. Quantos problemas do mundo seriam menos pesados se tivessem apenas o peso que têm em si , isto é, se os livrássemos da carga que lhes damos, aceitando que não têm solução. Não adianta fugir com o rabo à seringa. Muitas vezes nem há seringa. Nem injeção. Nem remédio. Nem conhecimento certo da doença de que se padece. Muitas vezes só existe a agulha. Dizem-nos, para esquecer, para ocupar a cabeça, para trabalhar mais, para distrair a vista, para nos divertirmos mais, mas quanto mais conseguimos fugir, mais temos mais tarde de enfrentar. Fica tudo à nossa espera. Acumula-se-nos tudo na alma, fica tudo desarrumado. O esquecimento não tem arte. Os momentos de esquecimento, conseguidos com grande custo, com comprimidos e amigos e livros e copos, pagam-se depois em condoídas lembranças a dobrar. Para esquecer é preciso deixar correr o coração, de lembrança em lembrança, na esperança de ele se cansar. Miguel Esteves Cardoso, in 'Último Volume
Miguel Esteves Cardoso
Todo ano, no dia 22 de agosto — o dia em que, em 1927, o estado de Massachusetts executou os dois anarquistas, os quais, segundo seus pais ensinaram a ela e a seus irmãos, não haviam cometido assassinato algum —, a loja era fechada e a família se recolhia no sobrado (um apartamento apertado e escuro, cuja desordem enlouquecida era maior ainda que a da loja) para observar um dia de jejum. Era um ritual que o pai de Iris, como se fosse líder de uma seita, havia inventado sozinho, inspirando-se no Yom Kippur judaico. Seu pai não tinha ideias de verdade a respeito do que ele julgava serem ideias — nas profundezas de sua mente só havia uma ignorância absoluta e o desespero amargo dos miseráveis, um ódio revolucionário impotente.
Philip Roth (The Human Stain (The American Trilogy, #3))
A necessidade de solidão revela sempre a nossa espiritualidade, e serve para dar a sua medida. "Essa espécie estouvada de homens, que o não são, esse rebanho de inseparáveis" sentem-no tão pouco que, como os periquitos, morrem, mal se veem sozinhos; como a criancinha que não adormece sem uma canção, é-lhes necessário, para comer, beber, dormir, orar e apaixonar-se, etc, o trauteio tranquilizador da sociabilidade. Mas nem a Antiguidade nem a Idade Média desprezavam essa necessidade de solidão, respeitava-se o que ela significava. A nossa época, com a sua sempiterna sociabilidade, treme de tal modo ante a solidão, que não sabemos (que epigrama!) servir-nos dela senão contra os criminosos. É certo que, nos nossos dias, é um crime dedicar-se ao espírito, e nada tem de extraordinário, portanto, que os amantes da solidão sejam postos ao lado dos criminosos.
Søren Kierkegaard (Sickness Unto Death)
A solidão não se mede pelos quilômetros que se interpõem entre o homem e seus semelhantes. O estudante realmente esforçado [...] de Cambridge é tão solitário quanto um dervixe no deserto. O agricultor pode trabalhar sozinho no campo ou na mata o dia inteiro [...], sem se sentir solitário porque está em atividade; mas quando volta pra casa à noite, não consegue ficar sentado num quarto sozinho, entregue a seus pensamentos, mas tem de ir a algum lugar onde possa "ver gente" e se divertir para compensar, julga ele, a solidão do dia; por isso pergunta-se como o estudante consegue ficar sozinho em casa a noite toda e grande parte do dia sem sentir tédio nem "fossa", mas ele não percebe que o estudante, embora em casa, ainda está trabalhando em seu campo, cortando lenha em sua mata, como o agricultor na dele, e por sua vez procura a mesma companhia e diversão que este procura, embora talvez de forma mais condensada.
Henry David Thoreau (Walden)
O que se vai retardando dia a dia não é o final da intolerável ansiedade provocada pela separação, mas a temida volta de emoções inúteis. Como seria preferível a essa entrevista a recordação dócil, que completamos a nosso gosto com sonhos onde nos aparece essa mulher que na realidade não nos ama, e nos faz declarações de amor agora que estamos sozinhos! A essa recordação podemos dar toda a desejada doçura, amalgamando-a pouco a pouco com muitos de nossos desejos. E preferimo-la àquela entrevista adiada, em que teríamos de nos ver diante de uma criatura a quem já não se poderiam ditar as palavras desejadas, conforme o nosso gosto, mas que nos faria sofrer com novas friezas e violências inesperadas. Todos sabemos, depois que já deixamos de amar, que nem o esquecimento nem sequer a vaga recordação fazem sofrer tanto como um amor desventurado. E eu, sem o confessar, preferia a repousante doçura desse olvido antecipado.
Marcel Proust (In the Shadow of Young Girls in Flower)
Duvido de que eles teriam entendido nossa demanda por originalidade ou valorizado mais aquelas obras de sua própria época que fossem originais, só por conta disso. Se você tivesse perguntado a La3amon ou Chaucer: "Por que é que vocês mesmos não inventaram uma história inédita?" Penso que eles poderiam ter respondido: "Com certeza ainda não estamos reduzidos a isso, estamos?" Que sentido teria tecer uma nova trama da própria cabeça, quando o mundo está repleto de tantas obras excelentes: exemplos proveitosos; tragédias deploráveis; aventuras estranhas e chistes divertidos que ainda nunca foram levados a efeito como mereciam? A originalidade que nós temos como sinal de prosperidade poderia parecer a eles uma confissão de pobreza. Por que fazer coisas sozinho, feito o solitário Robinson Crusoé, se há riquezas por toda a parte, para você se apropriar? O artista moderno muitas vezes não se dá conta dessas riquezas. Ele é o alquimista, que deve transformar metal básico em ouro. Isso faz uma diferença radical.
C.S. Lewis (The Discarded Image: An Introduction to Medieval and Renaissance Literature)
Nem sempre foi assim! Mas os homens não nos querem mais, as mulheres nos odeiam. Saiamos daqui. Vamo-nos. Eu (diz a Pureza) para o poleiro das galinhas. Eu (diz a Castidade) para as colinas ainda não violadas de Surrey. Eu (diz a Modéstia) para qualquer canto onde haja muitas heras e cortinas." "Pois lá, e não aqui" (todas falam ao mesmo tempo, dando-se as mãos e fazendo gestos de despedida e desespero na direção da cama onde Orlando jaz adormecido) "nos ninhos e nos toucadores, nos escritórios e nos tribunais, reside ainda quem nos ame, quem nos honre; virgens e comerciantes; advogados e médicos; aqueles que proíbem; aqueles que negam; aqueles que fazem reverências sem saber por quê; aqueles que louvam sem entender; a tribo ainda muito numerosa (graças aos Céus!) das pessoas respeitáveis; que preferem não ver; desejam não saber; amam a escuridão; os que ainda nos adoram, e com razão, pois lhes demos riqueza, prosperidade, conforto, bem-estar. Vamos rumo a eles e te deixamos sozinho. Vinde, irmãs, vinde! Aqui não é o nosso lugar.
Virginia Woolf (Orlando)
Um deus macho cria o mundo sozinho.” Até o caráter sagrado relativo ao poder de trazer vida ao mundo foi retirado das mulheres. No mito de Adão e Eva, a mulher foi criada da costela do homem. Na mitologia grega, Atenas, a deusa da sabedoria, nasceu da cabeça de Zeus. Mais adiante na história, temos a caça às bruxas, o período trevoso que ocorreu principalmente entre os séculos XV e XVIII. Este é um radical exemplo de como as mulheres foram caçadas, torturadas e mortas por não se conformarem com as imposições sociais de submissão e domesticidade, o que refletia e reforçava a dominação patriarcal da sociedade na qual o poder masculino era central e qualquer forma de ameaçar esse poder deveria ser impedida. As mulheres que exerciam autonomia ou desafiavam as normas estabelecidas eram frequentemente vistas como uma ameaça e eram alvo de atroz perseguição. As acusações de bruxaria também estavam muito ligadas à sexualidade das mulheres. A caça às bruxas foi usada como uma forma de controlar e reprimir a sexualidade feminina, particularmente aquela que estava fora dos limites do casamento e da procriação. Mulheres solteiras ou viúvas que eram sexualmente ativas podiam ser acusadas de bruxaria como uma forma de puni-las e controlá-las.
Ingrid Gerolimich (Para revolucionar o amor: A crise do amor romântico e o poder da amizade entre mulheres (Portuguese Edition))
O teto de vidro da felicidade é mantido no lugar por dois pilares sólidos, um psicológico e outro biológico. No nível psicológico, a felicidade depende mais de expectativas do que de condições objetivas. Não ficamos satisfeitos com uma existência pacífica e próspera. Em vez disso, nosso contentamento resulta de a realidade corresponder a nossas expectativas. A má notícia é que, à medida que as condições melhoram, nossas expectativas inflam. Melhoras dramáticas nas condições, como as que a humanidade vem experimentando em décadas recentes, se traduzem em expectativas maiores e não em mais contentamento. Se não fizermos alguma coisa quanto a isso, ficaremos insatisfeitos também com nossas conquistas futuras. No nível biológico, tanto nossas expectativas como nossa felicidade são determinadas mais pela bioquímica do que pela situação econômica, social ou política. Segundo Epicuro, ficamos felizes quando desfrutamos de sensações agradáveis e nos sentimos livres das desagradáveis. Jeremy Bentham, de modo semelhante, sustentava que a natureza deu o domínio sobre o homem a dois senhores — o prazer e a dor — e eles sozinhos determinam tudo o que fazemos, dizemos e pensamos. O sucessor de Bentham, John Stuart Mill, explicou que a felicidade nada é senão o prazer e a libertação da dor e que, para além de um e de outro, não há nem o bem nem o mal. Aquele que buscar deduzir o bem e o mal de algo diferente (como a palavra de Deus ou o interesse nacional) estará tentando enganá-lo, e talvez enganando a si mesmo também.35
Yuval Noah Harari (Homo Deus: Uma Breve História do Amanhã)
Fiz a descida toda no escuro. Agora via-se a Lua entre nuvens ralas de rebordos claros e a noite estava perfumada, ouvia-se o ruído hipnótico das ondas. Já na praia tirei os sapatos, a areia era fria, uma luz azul-cinza alongava-se até ao mar e depois espalhava-se pela extensão trémula da água. Pensei: sim, a Lila tem razão, a beleza das coisas é uma caracterização, o céu é o trono do medo; estou viva, neste momento, aqui a dez passos da água e na verdade isso não é belo, é aterrador; faço parte, juntamente com esta praia, com o mar, com o fervilhar de todas as formas animais, do terror universal; neste momento sou a partícula infinitesimal através da qual o terror de cada coisa toma consciência de si; eu; eu que oiço o ruído do mar, que sinto a humidade e a areia fria; eu que imagino Ischia inteira, os corpos abraçados de Nino e Lila, Stefano a dormir sozinho na casa nova cada vez menos nova, as Fúrias a favorecerem a felicidade de hoje para alimentarem a violência de amanhã. Sim, é verdade, tenho muito medo e por isso desejo que tudo acabe depressa, que as imagens dos pesadelos me comam a alma. Desejo que desta obscuridade saiam bandos de cães raivosos, víboras, escorpiões, enormes serpentes marinhas. Desejo que enquanto estou aqui sentada, à beira do mar, surjam da noite assassinos que me martirizem o corpo. Oh, sim, que eu seja castigada pela minha inadaptação, que me aconteça o pior, algo tão devastador que me impeça de fazer frente a esta noite, ao dia de amanhã, às horas e aos dias que me confirmarão, com provas cada vez mais esmagadoras, a minha constituição inadequada.
Elena Ferrante
Às vezes eu penso que, com metade do mundo em chamas, com tanta morte, tanta dor, cantar e sentir-se bem é um tipo especial de pecado. Mas aí penso, ué, mesmo antes da Escama do Dragão a maioria das vidas humanas era injusta, brutal, cheia de perda, tristeza e confusão. A maioria das vidas humanas era e é curta demais. A maioria das pessoas passou a vida faminta e descalça, fugindo de uma guerra aqui, de uma fome ali, de uma epidemia aqui, de uma enchente acolá. Mas as pessoas mesmo assim precisam cantar. Até mesmo um bebê que não come há dias para de chorar e olha em volta quando ouve alguém cantar de alegria. Quando você canta, é como dar de beber a quem tem sede. Uma gentileza. Isso faz você brilhar. A prova de que vocês têm importância está na sua canção e na maneira como vocês se acendem uns para os outros. Os outros podem cair e pegar fogo, eles vão cair e pegar fogo. Não existe nenhum de nós que não tenha visto isso acontecer. Mas aqui ninguém pega fogo. Aqui nós brilhamos. Uma alma assustada e sem fé é um combustível perfeito e o egoísmo é tão ruim quanto querosene. Quando alguém está com frio e você divide o seu cobertor, os dois ficam mais aquecidos do que teriam ficado sozinhos. Quando você dá remédio a um doente, a felicidade dele vira o seu remédio. Alguém decerto bem mais inteligente do que eu disse que o inferno são os outros. Eu digo que você está no inferno quanto deixa de dar a quem precisa porque não suporta ter menos. Nesse caso, está abrindo mão é da sua alma. É preciso cuidar uns dos outros, caso contrário viver é andar sobre cinzas, um fósforo pronto para ser aceso. Enfim, é nisso que eu acredito. E vocês, acreditam?
Joe Hill (The Fireman)
Os animais foram imperfeitos, compridos de rabo, tristes de cabeça. Pouco a pouco foram se compondo, fazendo-se paisagem, adquirindo manchas, graça, voo. O gato só gato apareceu completo e orgulhoso nasceu completamente terminado, caminha sozinho e sabe o que quer. O homem quer ser peixe e pássaro, a serpente queria ter asas, o cachorro é um leão desorientado, o engenheiro quer ser poeta, a mosca estuda para ser andorinha, o poeta tenta imitar a mosca, mas o gato só quer ser gato e todo gato é gato do bigode até o rabo, do pressentimento ao rato vivo, da noite até seus olhos de ouro. Não existe unidade como ele, nem têm a lua nem a flor tal contextura: é uma coisa só como o sol ou o topázio, e a elástica linhade seu contorno firme e sutil é como a linha da proa de uma nave. Seus olhos amarelos deixaram uma só ranhura para pôr as moedas da noite. Ó pequeno imperador sem orbe, conquistador sem pátria, mínimo tigre de salão, nupcial sultão do céu das telhas eróticas, o vento do amor na intempérie reclamas quando passas e pousas quatro pés delicados no solo, farejando, desconfiado de tudo que é terrestre, porque tudo é imundo para o imaculado pé do gato. Ó fera independente da casa, arrogante vestígio da noite, preguiçoso, ginástico, e alheio, profundíssimo gato, polícia secreta das moradas, talvez não sejas mistério, todo mundo sabe-te e pertences ao habitante menos misterioso, talvez todos o creiam, todos se creiam donos, proprietários, tios de gatos, companheiros, colegas, discípulos ou amigos de seu gato. Eu não. Eu não concordo. Eu não conheço o gato. Tudo sei, a vida e seu arquipélago, o mar e a cidade incalculável, a botânica, o gineceu com seus extravios, o mais e o menos da matemática, os funis vilcânicos do mundo, a casca irreal do crocodilo, a bondade ignorada do bombeiro, o atavismo azul do sacerdote, mas não posso decifrar um gato. Minha razão resvalou em sua indiferença, seus olhos têm números de ouro.
Pablo Neruda (Navegaciones y Regresos (Spanish Edition))
O tempo que nos resta "De súbito sabemos que é já tarde. Quando a luz se faz outra, quando os ramos da árvore que somos soltam folhas e o sangue que tínhamos não arde como ardia, sabemos que viemos e que vamos. Que não será aqui a nossa festa. De súbito chegamos a saber que andávamos sozinhos. De súbito vemos sem sombra alguma que não existe aquilo em que nos apoiávamos. A solidão deixou de ser um nome apenas. Tocamo-la, empurra-nos e agride-nos. Dói. Dói tanto! E parece-nos que há um mundo inteiro a gritar de dor, e que à nossa volta quase todos sofrem e são sós. Temos de ter, necessariamente, uma alma. Se não, onde se alojaria este frio que não está no corpo? Rimos e sabemos que não é verdade. Falamos e sabemos que não somos nós quem fala. Já não acreditamos naquilo que todos dizem. Os jornais caem-nos das mãos. Sabemos que aquilo que todos fazem conduz ao vazio que todos têm. Poderíamos continuar adormecidos, distraídos, entretidos. Como os outros. Mas naquele momento vemos com clareza que tudo terá de ser diferente. Que teremos de fazer qualquer coisa semelhante a levantarmo-nos de um charco. Qualquer coisa como empreender uma viagem até ao castelo distante onde temos uma herança de nobreza a receber. O tempo que nos resta é de aventura. E temos de andar depressa. Não sabemos se esse tempo que ainda temos é bastante. E de súbito descobrimos que temos de escolher aquilo que antes havíamos desprezado. Há uma imensa fome de verdade a gritar sem ruído, uma vontade grande de não mais ter medo, o reconhecimento de que é preciso baixar a fronte e pedir ajuda. E perguntar o caminho. Ficamos a saber que pouco se aproveita de tudo o que fizemos, de tudo o que nos deram, de tudo o que conseguimos. E há um poema, que devíamos ter dito e não dissemos, a morder a recordação dos nossos gestos. As mãos, vazias, tristemente caídas ao longo do corpo. Mãos talvez sujas. Sujas talvez de dores alheias. E o fundo de nós vomita para diante do nosso olhar aquelas coisas que fizemos e tínhamos tentado esquecer. São, algumas delas, figuras monstruosas, muito negras, que se agitam numa dança animalesca. Não as queremos, mas estão cá dentro. São obra nossa. Detestarmo-nos a nós mesmos é bastante mais fácil do que parece, mas sabemos que também isso é um ponto da viagem e que não nos podemos deter aí. Agora o tempo que nos resta deve ser povoado de espingardas. Lutar contra nós mesmos era o que devíamos ter aprendido desde o início. Todo o tempo deve ser agora de coragem. De combate. Os nossos direitos, o conforto e a segurança? Deixem-nos rir... Já não caímos nisso! Doravante o tempo é de buscar deveres dos bons. De complicar a vida. De dar até que comece a doer-nos. E, depois, continuar até que doa mais. Até que doa tudo. Não queremos perder nem mais uma gota de alegria, nem mais um fio de sol na alma, nem mais um instante do tempo que nos resta." Miguel Gonçalves
eu
(Página 45) "A enfermaria zumbe da maneira como ouvi uma fábrica de tecido zumbir uma vez, quando o time de futebol jogou com a escola secundária na Califórnia. Depois de uma boa temporada, s promotores da cidade estavam tão orgulhosos e exaltados que pagavam para que fôssemos de avião até a Califórnia para disputar um campeonato de escolas secundárias com o time de lá. Quando chegamos à cidade tivemos de visitar um indústria local qualquer. Nosso treinador era um daqueles dados a convencer as pessoas de que o atletismo era educativo por causa do aprendizado proporcionado pelas viagens, e em todas as viagens que fazíamos ele carregava com o time para visitar fábricas de laticínios, fazendas de plantação de beterraba e fábricas de conservas, antes do jogo . Na Califórnia foi uma fábrica de tecido. Quando entramos na fábrica, a maior parte do time deu uma olhada rápida e saiu para ir sentar-se no ônibus e jogar pôquer em cima das malas, mas eu fiquei lá dentro numa canto, fora do caminho das moças negras que corriam de um lado para o outro entre as fileiras de máquinas. A fábrica me colocou numa espécie de sonho, todos aqueles zumbidos e estalos a chocalhar de gente e de máquinas sacudindo-se em espasmos regulares. Foi por isso que eu fiquei quando todos os outros se foram, por isso e porque aquilo me lembrou de alguma forma os homens da tribo que haviam deixado a aldeia nos últimos dias para ir trabalhar na trituradora de pedras para a represa. O padrão frenético, os rostos hipnotizados pela rotina... eu queria ir com o time, mas não pude. Era de manhã, no princípio do inverno, e eu ainda usava a jaqueta que nos deram quando ganhamos o campeonato - uma jaqueta vermelha e verde com mangas de couro e um emblema com o formato de uma bola de futebol bordado nas costas, dizendo o que havíamos vencido - e ela estava fazendo com que uma porção de moças negras olhassem. Eu a tirei , mas elas continuaram olhando. Eu era muito maior naquela época. " (Página 46) "Uma das moças afastou-se de sua máquina e olhou para um lado e para o outro das passagens entre as máquinas, para ver se o capataz estava por perto, depois veio até onde eu estava. Perguntou se íamos jogar na escola secundária naquela noite e me disse que tinha um irmão que jogava como zagueiro para eles. Falamos um pouco a respeito do futebol e coisas assim, e reparei como o rosto dela parecia indistinto, como se houvesse uma névoa entre nós dois. Era a lanugem de algodão pairando no ar. Falei-lhe a respeito da lanugem. Ela revirou os olhos e cobriu a boca com a mão, para rir, quando eu lhe disse como era parecido com o olhar o seu rosto numa manhã enevoada de caça ao pato. E ela disse : " Agora me diga para que é que você quereria nesse bendito mundo estar sozinho comigo lá fora, numa tocaia de pato ?" Disse-lhe que ela poderia tomar de conta da minha arma, e as moças começaram a rir com a boca escondida atrás das mãos na fábrica inteira. Eu também ri um pouco, vendo como havia parecido inteligente. Anda estávamos conversando e rindo quando ela agarrou meus pulsos e os apertou com as mãos. Os traços do seu rosto de repente se acentuaram num foco radioso; vi que ela estava aterrorizada por alguma coisa. - Leve-me - disse ela num murmúrio - Leve-me mesmo garotão. Para fora desta fábrica aqui, para fora desta cidade, para fora desta vida. Me leva para uma tocaia de pato qualquer, num lugar qualquer . Num outro lugar qualquer. Hem garotão, hem ?
Ken Kesey (One Flew Over the Cuckoo’s Nest)