Por Do Sol Quotes

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Tudo vem ao chamamento. Penso mar, e o mar enche-me a alma e as mãos. Balbucio cal, e na pele do tempo cresce uma casa onde não viverei, ergue-se uma cidade de melancolia na incerteza dos punhos, e nela nos ferimos. Digo sol, e quase cego consigo tocar-lhe. Só por ti clamo, e não te acendes, nem regressas, e me queimas.
Al Berto (Lunário)
Então, que seja doce. Repito todas as manhãs, ao abrir as janelas para deixar entrar o sol ou o cinza dos dias, bem assim, que seja doce. Quando há sol, e esse sol bate na minha cara amassada do sono ou da insônia, contemplando as partículas de poeira soltas no ar, feito um pequeno universo; repito sete vezes para dar sorte: que seja doce que seja doce que seja doce e assim por diante. Mas, se alguém me perguntasse o que deverá ser doce, talvez não saiba responder. Tudo é tão vago como se fosse nada.
Caio Fernando Abreu
A vida é cruel por ter inventado a memória. Como os velhos que recobram em matizes suas lembranças mais antigas, à beira da morte minha memória gravita em torno do sol, e como ele clareia tudo! Tudo é presente, nada está perdido. É como uma força oculta que nos impele para nos estimular de novo: diante da evidência de que não mais haverá futuro, o passado se amplifica, suas raízes engrossam, tudo em mim é rizosfera, as cores se cristalizam sobre cada estrato, a mais insignificante imagem toca o seu absoluto, o coração bate em crescendo.
Frida Kahlo
Morrerão milhares, Morrerão centenas de milhares, Morrerão centenas de milhares de homens e mulheres, a terra encher-se-á de gritos de dor, de uivos e roncos de agonia, o fumo dos queimados cobrirá o sol, a gordura deles rechinará sobre as brasas, o cheiro agoniará, e tudo isto será por minha culpa, Não por tua culpa, por tua causa, Pai, afasta de mim este cálice, Que tu o bebas é a condição do meu poder e da tua glória, Não quero esta glória, Mas eu quero esse poder.
José Saramago (O Evangelho Segundo Jesus Cristo)
Eu sei que se pode ser feliz como os gatos por causa do sol ou apesar da chuva. E pode não se ser feliz como os gatos faça chuva ou faça sol.
Alexandra Lucas Coelho (E a Noite Roda)
E se, por vezes, houver cerrações e nevoeiros tão densos que eu não seja capaz de enxergar o caminho? Basta que me tomes pela mão e me guies na escuridão; pois andar contigo nas trevas é muito mais doce e seguro que andar sozinha à luz do sol!
Susannah Spurgeon
Você não tem controle sobre como sua história começa ou termina. Mas por agora, você deve saber que todas as coisas têm um fim. Cada faísca retorna à escuridão. Cada som retorna ao silêncio. Cada flor retorna à terra. A viagem do sol e a lua é previsível. Mas a sua, é seu melhor.
Suzy Kassem (Rise Up and Salute the Sun: The Writings of Suzy Kassem)
Um dia de chuva é tão belo como um dia de sol. ambos existem, cada um como é. Por isso não há vantagem em pôr nomes errados às cousas, nem mesmo em lhes pôr nomes alguns
Alberto Caeiro (Poemas de Alberto Caeiro: Antologia poética do heterónimo de Fernando Pessoa, Alberto Caeiro)
-Dentro de cem anos ninguém que você conhece estará vivo. Então o que vai importar se lutamos ou simplesmente passamos os dias dormindo ao sol? Zhenjin piscou para ele, incapaz de entender o humor estranho do pai. -Se não importa, então por que vamos lutar contra seu irmão? -Talvez eu não tenha dito direito. Quero dizer que não importa se mudamos o mundo. O mundo vai em frente, e novas vidas chegam e partem. O próprio Gêngis disse que seria esquecido, e, acredite, ele deixou uma sombra longa. O modo como vivemos importa, Zhenjin! Importa que usemos o que recebemos, durante apenas o breve tempo que temos ao sol. - Ele sorriu ao ver o filho lutando com a ideia. -É só isso o que se pode alegar, quando o fim chegar: "Não desperdicei meu tempo." Acho que isso importa. Acho que talvez só isso importe.
Conn Iggulden (Conqueror (Conqueror, #5))
Escolhi-te. E tu escolheste-me a mim. (...) E isto é uma promessa. Pelo menos por esta noite . Na saúde e na doença. Nos bons ou nos maus momentos. Na riqueza e na pobreza. Até que o nascer do sol nos separe.
John Green (Paper Towns)
Foi então que tudo vacilou. O mar trouxe um sopro espesso e ardente. Pareceu-me que o céu se abria em toda a sua extensão, deixando chover fogo. Todo o meu ser se retesou e crispei a mão sobre o revólver. O gatilho cedeu, toquei o ventre polido da coronha e foi aí, no barulho ao mesmo tempo seco e ensurdecedor, que tudo começou. Sacudi o suor e o sol. Compreendi que destruíra o equilíbrio do dia, o silêncio excepcional de uma praia onde havia sido feliz. Então atirei quatro vezes ainda num corpo inerte em que as balas se enterravam sem que se desse por isso. E era como se desse quatro batidas secas na porta da desgraça.
Albert Camus (The Stranger)
Esse amor sem fim, onde andará? Que eu busco tanto e nunca está E não me sai do pensamento Sempre, sempre longe Esse amor tão lindo que se esconde Nos confins do não sei onde Vive em mim além do tempo Longe, longe, onde? Por que não me surges nessa hora Como um sol Como o sol no mar Quando vem a aurora Esse amor que o amor me prometeu E que até hoje não me deu Por que não está ao lado meu? Esse amor sem fim, onde andará? Esse amor, meu amor, Onde andará?
Vinicius de Moraes
Nos últimos tempos, quando sinto os lábios da Clarisse a tocarem os meus, comprovo que não têm história, já não convocam o primeiro beijo que demos. Creio que, numa relação, o beijo terá sempre de manter a densidade do primeiro, a história de uma vida, todos os pores-do-sol, todas as palavras murmuradas no escuro, toda a certeza do amor. Mas já não é assim. Agora sabem às vacinas que tínhamos de dar à cadela (já morreu), às conversas como diretor da escola, á loiça por lavar, à lâmpada que falta mudar, às infiltrações no tecto, às reuniões de condóminos. Toco levemente os lábios dela e sabe-me à rotina, às finanças, ao barulho da máquina de lavar roupa. Beijamo-nos como quem faz a cama.
Afonso Cruz (Flores)
Mas abre os olhos e vê o sol, E já não pode pensar em nada, Porque a luz do sol vale mais que os pensamentos De todos os filósofos e de todos os poetas. A luz do sol não sabe o que faz E por isso não erra e é comum e boa.   Metafísica?
Fernando Pessoa (Fernando Pessoa - Poesia Completa de Alberto Caeiro (Portuguese Edition))
Por esta solidão, que não consente Nem do sol, nem da lua a claridade, Ralado o peito pela saudade Dou mil gemidos a Marília ausente: De seus crimes a mancha inda recente Lava Amor, e triunfa da verdade; A beleza, apesar da falsidade, Me ocupa o coração, me ocupa a mente: Lembram-me aqueles olhos tentadores, Aquelas mãos, aquele riso, aquela Boca suave, que respira amores... Ah! Trazei-me, ilusões, a ingrata, a bela! Pintai-me vós, oh sonhos, entre as flores Suspirando outra vez nos braços dela!
Manuel Maria Barbosa du Bocage
Eis a sublime estupidez do mundo; quando nossa fortuna está abalada - muitas vezes pelos excessos de nossos próprios atos - culpamos o sol, a lua e as estrelas pelos nossos desastres; como se fôssemos canalhas por necessidade, idiotas por influência celeste; escroques, ladrões e traidores por comando do zodíaco; bêbados, mentirosos e adúlteros por forçada obediência a determinações dos planetas; como se toda a perversidade que há em nós fosse pura instigação divina. É a admirável desculpa do homem devasso - responsabiliza uma estrela por sua devassidão. Meu pai se entendeu com minha mãe sob a Cauda do Dragão e vim ao mundo sob a Ursa Maior; portanto devo ser lascivo e perverso. Bah! Eu seria o que eu sou, mesmo que a estrela mais virginal do mundo tivesse iluminado a minha bastardia.
William Shakespeare (King Lear)
A noite cai. Ou caiu a noite. Por que a noite cai, em vez de subir como o raiar do dia? Contudo, se você olhar para o leste, ao pôr-do-sol, pode ver a noite subindo, não caindo; a escuridão se eleva em direção ao céu, subindo do horizonte, como um sol negro atrás de uma coberta de nuvem. Como fumaça de chamas que não se vê, uma linha de fogo pouco abaixo do horizonte, um fogo em meio à mata ou uma cidade em chamas. Talvez a noite caia porque é pesada, uma cortina espessa puxada sobre os olhos. Cobertor de lã. Eu gostaria de poder ver no escuro, melhor do que vejo.
Margaret Atwood (The Handmaid’s Tale (The Handmaid's Tale, #1))
Eis os únicos barcos que temos para voltar a nossa pátria; eis nosso único meio de escapar de Minos. Ele, que fechou todas as outras saídas, não pode fechar o ar para nós; resta-nos o ar; fenda-o graças a minha invenção. Mas não é para a virgem de Tégia, nem para o companheiro de Boótes, que é preciso olhar, mas para Orião, armado com uma clava; é por mim que você deve orientar sua marcha com as asas que eu lhe darei; irei na frente para mostrar o caminho; preocupe-se somente em me seguir; guiado por mim você estará seguro, se através das camadas do éter, nós nos aproximarmos do sol, a cera não poderá suportar o calor; se, descendo, agitarmos as asas muito perto do mar, nossas plumas, batendo, serão molhadas pelas águas marinhas. Voe entre os dois. Preste atenção também nos ventos, meu filho; onde seu sopro o guiar, deixe-se levar em suas asas." (Conselhos de Dédalo a Ícaro - em A Arte de Amar)
Ovid (The Art of Love)
Estou a olhar para ela, o sol brilha por cima de nós e, enquanto estou a pensar nestas coisas, os olhos dela ficam cada vez mais arregalados. É, nesse momento, que percebo outra coisa parva, outra coisa óbvia. Só porque eu não ouço nenhum Ruído vindo dela, não significa que ela não ouça cada palavra do meu.
Patrick Ness (The Knife of Never Letting Go (Chaos Walking, #1))
O Cisne Foi em abril, eu me lembro, embora em meu espírito fosse dezembro, Que um pássaro ferido foi retirado da escuridão do lago, As penas brancas brilharam ao sol, e de sua boca escorreu a água negra, Enquanto por dentro minha voz gritava até pensar que meu coração iria se partir; Fui eu quem assistiu à sua morte, seguindo à deriva, à deriva, esperando em sua vigília Que Deus levasse sua alma.
John Harding (Florence & Giles)
Essa é sua verdadeira face, eu pensei conforme apertava os olhos na luz cegante. Os similares se atraem. Essa era sua alma transformada em carne, a verdade sobre ele deixada nua no sol brilhante, despida de mistério e sombra. Essa era a verdade por trás do seu rosto charmoso e de seus poderes milagrosos, a verdade que era o espaço vazio e morto entre as estrelas, o espaço árido preenchido de monstros amedrontados.
Leigh Bardugo (Shadow and Bone (The Shadow and Bone Trilogy, #1))
Dia da Criação da Noite por Carlos Nogueira “ estavam os homens as águas os animais e as terras cansados de luz e de não haver noite levantei as mãos fiz rodar a terra para que se retirasse o sol enrolei os dedos nas últimas fulgurações teci com os cintilantes fios a misteriosa linguagem dos astros depois fui pela escura abóbada estendi a fantástica tapeçaria para que lá em baixo ninguém perdesse o seu caminho e nela pudesse adivinhar o doloroso humano destino a noite ficou assim tão habitada quanto a terra os homens podem hoje sonhar com aquilo que mal entendem e quando o medo atribuiu nomes àquele luzeiro dei por terminada a obra cortei os fios como se cortasse um pedaço de mim fui para outro hemisfério adormecer o dia construir a pirâmide o quadrado o círculo a linha recta as cores do mundo e dar vida a outras incandescentes criaturas ” in A Secreta Vida das Imagens III (1984/85) de O Medo
Al Berto (O Medo)
Temos sorte de estar vivos, considerando o fato de que a grande maioria das pessoas que poderiam ser criadas pela loteria combinatória do DNA na realidade jamais nascerá. (...) Somos incrivelmente sortudos de estar sob a luz. Por mais curto que seja nosso tempo sob o sol, se desperdiçamos um segundo dele, ou reclamarmos que é tedioso ou estéril ou chato (como uma criança), isso não poderá ser visto como um insulto insensível para os trilhões de não-nascidos que jamais terão a chance de receber a vida?
Richard Dawkins
Mestre, meu mestre querido! Coração do meu corpo intelectual e inteiro! Vida da origem da minha inspiração! Mestre, que é feito de ti nesta forma de vida? Não cuidaste se morrerias, se viverias, nem de ti nem de nada, Alma abstrata e visual até aos ossos, Atenção maravilhosa ao mundo exterior sempre múltiplo, Refúgio das saudades de todos os deuses antigos, Espírito humano da terra materna, Flor acima do dilúvio da inteligência subjetiva... Mestre, meu mestre! Na angústia sensacionista de todos os dias sentidos, Na mágoa quotidiana das matemáticas de ser, Eu, escravo de tudo como um pó de todos os ventos, Ergo as mãos para ti, que estás longe, tão longe de mim! Meu mestre e meu guia! A quem nenhuma coisa feriu, nem doeu, nem perturbou, Seguro como um sol fazendo o seu dia involuntariamente, Natural como um dia mostrando tudo, Meu mestre, meu coração não aprendeu a tua serenidade. Meu coração não aprendeu nada. Meu coração não é nada, Meu coração está perdido. Mestre, só seria como tu se tivesse sido tu. Que triste a grande hora alegre em que primeiro te ouvi! Depois tudo é cansaço neste mundo subjetivado, Tudo é esforço neste mundo onde se querem coisas, Tudo é mentira neste mundo onde se pensam coisas, Tudo é outra coisa neste mundo onde tudo se sente. Depois, tenho sido como um mendigo deixado ao relento Pela indiferença de toda a vila. Depois, tenho sido como as ervas arrancadas, Deixadas aos molhos em alinhamentos sem sentido. Depois, tenho sido eu, sim eu, por minha desgraça, E eu, por minha desgraça, não sou eu nem outro nem ninguém. Depois, mas por que é que ensinaste a clareza da vista, Se não me podias ensinar a ter a alma com que a ver clara? Por que é que me chamaste para o alto dos montes Se eu, criança das cidades do vale, não sabia respirar? Por que é que me deste a tua alma se eu não sabia que fazer dela Como quem está carregado de ouro num deserto, Ou canta com voz divina entre ruínas? Por que é que me acordaste para a sensação e a nova alma, Se eu não saberei sentir, se a minha alma é de sempre a minha? Prouvera ao Deus ignoto que eu ficasse sempre aquele Poeta decadente, estupidamente pretensioso, Que poderia ao menos vir a agradar, E não surgisse em mim a pavorosa ciência de ver. Para que me tornaste eu? Deixasses-me ser humano! Feliz o homem marçano Que tem a sua tarefa quotidiana normal, tão leve ainda que pesada, Que tem a sua vida usual, Para quem o prazer é prazer e o recreio é recreio, Que dorme sono, Que come comida, Que bebe bebida, e por isso tem alegria. A calma que tinhas, deste-ma, e foi-me inquietação. Libertaste-me, mas o destino humano é ser escravo. Acordaste-me, mas o sentido de ser humano é dormir.
Fernando Pessoa (Poemas de Álvaro de Campos (Obra Poética IV))
De um ponto de vista geral, [...] a natureza fala da seguinte forma: "O indivíduo é nada e menos de nada. Diariamente, destruo milhões de indivíduos por diversão e passatempo: abandono seu destino nas mãos do mais temperamental e caprichoso dos meus filhos, o acaso, que faz dele sua presa ao seu bel-prazer. Dou vida a milhões de novos indivíduos todos os dias, sem diminuir em nada minha força criativa, do mesmo modo como a força de um espelho não se esgota pelo número de imagens do sol que, uma após a outra, ele reflecte na parede. O indivíduo é nada.
Arthur Schopenhauer
Acordei com o sol rubro do fim de tarde; foi um dos momentos mais impressionantes de minha vida, o mais bizarro, pois simplesmente já não sabia mais quem era. (...) Não me apavorei; simplesmente eu me sentia como se fosse outra pessoa, um estranho a mim mesmo, e toda a minha existência fora apenas uma vida mal-assombrada, a vida vazia de um fantasma. Eu estava no coração da América, meio caminho andado entre o leste da minha mocidade e o oeste de meus sonhos futuristas, e é provável que tenha sido exatamente por isso que tudo se passou assim, naquele entardecer dourado e insólito.
Jack Kerouac (On the Road)
Antigamente, não havia senão noite. E Deus pastoreava as estrelas no céu. Quando lhes dava mais alimento elas engordavam e a sua pança abarrotava de luz. Nesse tempo, todas as estrelas comiam, todas luziam de igual alegria. Os dias ainda não haviam nascido e, por isso, o Tempo caminhava com uma perna só. E tudo era tão lento no infinito firmamento! Até que no rebanho do pastor, nasceu uma estrela com ganancia de ser maior que todas as outras. Essa estrela chamava-se Sol e cedo se apropriou dos pastos celestiais, expulsando para longe as outras estrelas que começaram a definhar. Pela primeira vez houve estrelas que penaram e, magrinhas, foram engolidas pelo escuro. Mais e mais o Sol ostentava grandeza, vaidoso dos seus domínios e do seu nome tão masculino. Ele, então, se intitulou patrão de todos os astros, assumindo arrogâncias de centro do universo. Não tardou a proclamar que ele é que tinha criado Deus. O que aconteceu na verdade, é que, com o Sol, assim soberano e imenso, tinha nascido o Dia. A Noite só se atrevia a aproximar-se quando o Sol, já cansado, se ia deitar. Com o Dia, os homens esqueceram-se dos tempos infinitos em que todas as estrelas brilhavam de igual felicidade. E esqueceram a lição da Noite que sempre tinha sido rainha sem nunca ter que reinar.
Mia Couto (A Confissão da Leoa)
Na Nova Inglaterra, o verão de 1998 foi marcado por muito sol e calor; no beisebol, por uma batalha entre um deus branco e outro deus negro; e, nos Estados Unidos, por uma imensa febre de religiosidade, de puritanismo, quando o terrorismo — que se seguiu ao comunismo como a principal ameaça à segurança do país — foi sucedido pela felação, quando um presidente viril, de meia-idade mas de aparência jovem, e uma estagiária ousada e apaixonada, com vinte e um anos de idade, aprontaram no Salão Oval como se fossem dois adolescentes num estacionamento, resgatando a mais antiga paixão americana, historicamente talvez o seu prazer mais traiçoeiro e subversivo: o êxtase da santimônia.
Philip Roth (The Human Stain (The American Trilogy, #3))
Respondendo a uma pergunta que me fez Conseil sobre a duração do crescimento daquelas barreiras colossais, causei-lhe grande espanto dizendo-lhe que os sábios calculavam esse desenvolvimento em cerca de um oitavo de polegada por século. — Logo, para erguer tudo — disse-me ele —, foram precisos... — Cento e noventa e dois mil anos, meu caro Conseil, o que dilata muito singularmente os dias bíblicos. Além disto, a formação do carvão de pedra, isto é, a mineralização das florestas unidas por inundações, tem exigido um espaço de tempo ainda muito mais considerável. Devo, porém, acrescentar que os dias da Bíblia são apenas épocas e não intervalos que correm entre dois ocasos do sol, porque, segundo a própria Bíblia, o sol não data do primeiro dia da Criação.
Dante Alighieri (30 Obras-Primas da Literatura Mundial [volume 1])
E num domingo de repouso, depois do almoço, quando o vinho já estiver dizendo coisas mornas em nossas cabeças, e o sol lá fora já estiver tombando para o outro lado, eu e você sairemos de casa para fruir a plenitude de um passeio; cortando o bosque, andando depois pela alameda de ciprestes, e deixando logo para trás, em torno da capela, a elegia das casuarinas, responderemos aos apelos das palmas dos coqueiros que nos chamam para os pastos despojados, nos convidando com insistência a deitar no ventre fofo das campinas; e, quando já tivermos, debaixo de um céu arcaico, tingido nossos dentes com o sangue das amoras colhidas no caminho, só então nos entregaremos ao silêncio, vasto e circunspecto, habitado nessa hora por insetos misteriosos, pássaros de vôo alto e os sinos distantes dos cincerros [...] Tantas coisas nos esperam, me estenda a tua mão, é tudo o que te peço
Raduan Nassar (Lavoura Arcaica)
Lembro-me de estar destroçada, de te ter arrancado de dentro de mim a ferros e, ainda assim, um braço teu ficou para trás. Lembro-me de abrir o meu diário em papel, furiosa porque tinha jurado que não escreveria nem mais uma linha a teu propósito, e escrever «durante o dia, bano-te do meu pensamento, mas todas as noites, é a teu lado que me deito, e nos teus braços que adormeço, e é a minha mão que agarro, fingindo que é a tua». (… ) Mas não é de ontem, quando abro a cama, peço-te que te chegues para lá. Deito-me e imagino que estás lá, cansado, extenuado de um dia de trabalho, quase sinto a tua respiração na minha nuca. Imagino que me dizes tudo aquilo que eu queria ouvir, mas não me alongo nisso, é mais íntimo ainda, o que queres ouvir de alguém é mais do que o que esperas dessa pessoa: é o segredo de quem és, de como és e do que queres da vida, na sua voz (…) Encho o peito de ar, subo, subo, subo, amo-te amo-te amo-te, sei-o tão bem, sei até que é para sempre, embora faça figas para que não seja (…) Não posso não posso não posso imaginar que o ar me vai fugir outra vez, que a qualquer momento os meios de informação vão trazer até mim aquele género de notícia que quase me mata - foram ao cinema, saíram juntos, comeram-se, foderam-se, falaram-se - eu disse quase, porque não matou. É verdade que foram muitas lágrimas, muitas reformulações de planos de vida e castelos de cartas a vir por aí abaixo, o jogo virou, e eu perdi. Uma vez mais, e os escritos pararam: o meu diário ficou a branco, o espaço virtual onde nos escrevia acabou com uma nota lúgubre na qual anunciei a minha morte. Estive de luto por mim mesma, estive sim. Doía-me o peito como me dói agora, ao recordar, a falta de ar, o choro compulsivo, os pensamentos sombrios, desesperados, como se nunca mais o sol nascesse no oriente e eu nunca mais o provasse, o sentisse nas costas, como se o mundo tivesse acabado ali, pelo menos o meu tinha, o assombro, os sentimentos, todos baralhados, como se me devesses alguma coisa quando não devias, como se me tivesses dado motivos para te amar tanto quando não me deste, como se quisesses o meu amor e depois o tivesses rejeitado, quando nunca o quiseste. E eu fechei as portas do meu recinto, pus panos negros nas janelas, anunciei que não estava. As pessoas bateram-me à porta, esconderam-me verdades que teriam acabado comigo naquele momento, compraram-me chocolates, secaram-me lágrimas com rosas. morri ali, é a verdade. (…) Mas a fé, a minha maldita fé de quem não acredita em deus e canalizou toda a sua crença nas causas impossíveis, deu-me ar, e mais ar, e subi a montanha, talvez nunca a tivesse subido tanto, julguei que via tudo lá de cima, tudo: falavam em auras, ao nosso redor, falavam na nossa perfeição, enquanto dupla, diziam que «não podia ser de outra forma», que «não se pode estar assim tão enganado», que me amas, imagina só a dimensão da loucura geral, que me amas mas que não tens espaço para mim, e eu, com o peito de cheio de ar, cheguei ao topo e comecei a voar (…) Já sonhaste alguma vez que caías? Eu já, é uma dor na boca do estômago, como se tudo te fugisse, como se o teu corpo se desmantelasse, como se o mundo inteiro implodisse para dentro de ti e soubesses que ias rebentar, ao mínimo toque de um objecto, de um elemento que não o ar, vais rebentar. Estou à espera que venham as abelhas, as orquídeas, os pés descalços na terra húmida, um livro, uns óculos, um copo vazio na mesa-de-cabeceira, e me faça explodir. Entretanto (…) vou imaginar que não estou a cair, que tal? Ao invés (…) vou deitar-me na minha caminha quentinha e imaginar que as tuas pernas se entrelaçam nas minhas e me aquecem os pés gelados e a tua voz, sonolenta, diz: “boa noite, dorme bem”, para eu poder responder-te também – “dorme bem, meu amor”.»
Célia Correia Loureiro
Por isso falava silenciosamente com o sol, na língua das estrelas, dizendo-lhe que viesse mais devagar, por favor, mais devagar. E, naquele mesmo momento, Iaakov Markovitch, deitado em sua cama, que pela primeira vez era também a cama de Bela Markovitch, implorava: mais devagar, por favor, mais devagar. E o sol, apesar de cientistas que insistiam que não era mais que fusão de hidrogênio e hélio, não podia negar as súplicas. Pois o sol – independentemente do que dissessem os cientistas – amava as pessoas em sua totalidade, na medida em que a distância permitia. Não fosse assim não circularia em torno delas dia e noite com preocupação, com dedicação maternal. E mesmo se cientistas dissessem que não era o sol que girava em torno das pessoas, e sim as pessoas em torno dele, e, mais grave ainda, que o giro nada tinha a ver com amor ou preocupação, e fosse motivado apenas por leis físicas, não haveria como contestar nem por um segundo aquilo que o olho enxergava e o coração sabia.
Ayelet Gundar-Goshen (One Night, Markovitch)
As mãos de Zahara apertaram fortemente a saia. - Vais infligir-me a humilhação de ser eu a dizê-lo? Lochan levantou-se. - Jamais desejaria que te humilhasses. Eu sei, sei-o há já demasiado tempo. Zahara sentiu o coração pular. - Se o sabes, porque nunca… - Esquece-me, Zahara, pois não sinto o mesmo – interrompeu ele. Ela recuou. - Mentes… Porquê? Eu sei… O modo como me tratas, como me olhas. Eu sei que gostas de mim, vejo-o no teu olhar, vejo-o neste instante! Lochan sentiu os olhos dela mergulharem nos seus. - Durante anos foram-me apresentados pretendentes das mais nobres famílias – ouviu – Todos me dariam o conforto a que estava habituada, todos me cobririam de jóias, de vestidos luxuosos... no entanto, eu recusava-os. Recusava-os porque não via nada no seu olhar. Para eles, eu seria como um troféu, serviria apenas para provocar inveja. Uma nuvem cobriu o sol, deixando-os na sombra. - Inconscientemente tornei-me arrogante, altiva, somente para os afastar de mim, para que não desejassem casar-se com alguém como eu… Mas tu, tu viste para além da máscara que construí. Naquele dia, na capital, tu viste o que ninguém foi capaz de ver: o meu coração. - Zahara… - Não acredito que não sintas qualquer amor por mim. Lochan voltou-lhe as costas. - Não quero saber se és pobre, não me importo com o teu passado. O que sinto por ti é o que sempre desejei sentir – ouviu. O silêncio envolveu-os por momentos. - Lamento… Zahara correu para a frente dele. No seu olhar era visível desespero. - Não te agrado, é isso? Ele limitou-se a desviar o rosto. - Responde-me! - Como poderia ficar indiferente a alguém como tu – disse voltando a olhar nos olhos dela. - Então porquê, porquê? Lochan agarrou-lhe nos ombros, assustando-a. - Esquece-me por favor. Odeia-me. Odeia-me por isto com todas as tuas forças, mas não me ames, nunca me ames, Zahara. Lochan largou-lhe os ombros. Ela ficou sem reacção, e as lágrimas voltaram a molhar o seu rosto. - Não me faças isto… - implorou. O olhar dele tornou-se gélido. O seu rosto mostrava-se agora tão indecifrável, como o de uma estátua. - Odeia-me pelo sofrimento que te acabo de causar e depois esquece-me – disse deixando-a só. Zahara viu-o desaparecer por entre as colunas do palácio.
Susana M. Almeida (O Renascer (Estrela de Nariën, #2))
As sete artes liberais Atribuir a um currículo educacional um lugar no modelo do Universo pode parecer um absurdo à primeira vista; e seria um absurdo se os medievais tivessem tido o mesmo sentimento, a esse respeito, que temos quanto às matérias dos programas de ensino de hoje. Acontece que esse programa era tido como imutável; o número sete é numinoso; as Artes Liberais, por uma prescrição longa, haviam alcançado um status semelhante ao da própria natureza. As Artes, e também as Virtudes e os Vícios, eram personificados. A Gramática, com sua palmatória, está assentada com olhar altivo nos claustros de Magdalen. Dante no Convivia faz um entalhe cuidadoso das artes na estrutura do cosmo. A Retórica, por exemplo, corresponde a Vênus, pelo único motivo de que ela é "a mais amável de todas as disciplinas", soavissima di tutte le altre scienze. A Aritmética é como o Sol, pois, na medida em que este fornece luz para todas as demais estrelas, ela também fornece luz a todas as outras ciências, e como nossa visão fica turvada pela ação de sua luz intensa, da mesma forma nossa inteligência fica perplexa com a infinidade de números. E assim ocorre com as outras [matérias] (li, xiii),
C.S. Lewis (The Discarded Image: An Introduction to Medieval and Renaissance Literature)
Que significava aquele imenso e eterno espetáculo, sempre renovado e que o atraíra sempre, desde a mais longínqua infância, mas no qual jamais pudera tomar parte? Cada manhã o mesmo sol deslumbrante! Todos os dias o mesmo arco-íris como um diadema sobre a cascata! Todas as tardes a geleira fulgurando envolta em púrpura ao fundo do horizonte! "Cada diminuta mosca que zunia ao redor dele no ardente raio do sol tinha a sua parte no coro, sabia o seu lugar, gostava e era feliz!" Cada folha de relva cresce e é feliz. Tudo tem sua trajetória, cada coisa sabe que possui um itinerário e por ele adiante envereda por entre hosanas! Não há quem não saia de manhã com uma canção e não volte ao crepúsculo, cantando... Só ele não sabe nada, não compreende nada, nem homens, nem sons. Não comparticipa de nada, é um banido. Oh! Naturalmente não dissera servindo-se de palavras, sua interrogação tendo sido apenas mental. Era um sofrimento mudo de quem não atina com um enigma; mas agora lhe parecia que havia dito tudo aquilo com as mesmas palavras de Ippolít, a ponto de a frase relativa à mosca parecer sua, Ippolít o havendo plagiado, tomando-a das suas lágrimas e dos pensamentos de então. Tamanha certeza teve disso que enquanto refletia, o seu coração acelerava o ritmo.
Fyodor Dostoevsky (The Idiot)
não existe, talvez, nada mais assustador e mais sinistro em toda a pré-história do homem que a sua técnica para se lembrar das coisas.” Alguma coisa é impressa, para que permaneça na memória: apenas o que dói incessantemente é recordado” – este é uma proposição central da mais antiga (e, infelizmente, também a mais duradoura) filosofia na Terra. Uma pessoa pode até sentir-se tentada a dizer que algo deste horror – através da qual em tempos se fizeram promessas por toda a Terra e foram dadas garantias e empenhamentos -, algo disto ainda sobrevive sempre que a solenidade, seriedade, secretismo e cores sombrias se encontram na vida dos homens e das nações: o passado, o passado mais longo, mais profundo e mais desagradável, respira sobre nós e brota em nós sempre que nos tornamos “sérios”. As coisas nunca avançaram sem sangue, tortura e vítimas, quando o homem achou necessário forjar uma memória de si próprio. Os sacrifícios e as oferendas mais horrendos (…), as mutilações mais repulsivas (…), os rituais mais cruéis de todos os cultos religiosos ( e todas as religiões são, nas suas fundações mais profundas, sistemas de crueldade) - todas estas coisas tem origem naquele instinto que adivinhou que a mais poderosa ajuda da memória era a dor. Num certo sentido, todo o ascetismo faz parte disto: algumas ideias tem de tornar-se inextinguíveis, omnipresentes, inesquecíveis, “fixas” – com o objectivo de hipnotizar todo o sistema nervoso e intelecto através destas “ideias fixas” – e os procedimentos e formas de vida ascéticos são o meio de libertar essas ideias da competição com todas as outras ideias, para torna-las “inesquecíveis”. Quanto maior era a memoria da humanidade, mais assustadores parecem ser os seus costumes; a dureza dos códigos de punição, em particular, dá uma medida da quantidade de esforço que é necessária para triunfar sobre o esquecimento e tornar estes escravos efémeros da emoção e do desejo atentos a alguns requisitos primitivos de coabitação social. (…) Para dominar (…) recorreram a meios assustadores (…) de apedrejamento, (…), a empalação na estaca, a dilaceração ou o espezinhamento por cavalos, (…), queimar o criminoso em azeite (…), a prática popular de esfolamento, (…) cobrir o criminoso de mel e deixá-lo às moscas num sol abrasador. Com a ajuda deste tipo de imagens e procedimentos, a pessoa acaba por memorizar cinco ou seis “Não farei”, fazendo assim a promessa em troca das vantagens oferecidas pela sociedade. E de facto! com a ajuda deste tipo de memória, a pessoa acaba por “ver a razão”! Ah, razão, seriedade, domínio das emoções, todo o caso sombrio que dá pelo nome de pensamento, todos esses privilégios e exemplos do homem: que preço elevado que foi pago por eles! Quanto sangue e horror está no fundo de todas as “coisas boas”!
Friedrich Nietzsche (On the Genealogy of Morals)
Já repeti o antigo encantamento, E a grande Deusa aos olhos se negou. Já repeti, nas pausas do amplo vento, As orações cuja alma é um ser fecundo. Nada me o abismo deu ou o céu mostrou. Só o vento volta onde estou toda e só, E tudo dorme no confuso mundo. "Outrora meu condão fadava, as sarças E a minha evocação do solo erguia Presenças concentradas das que esparsas Dormem nas formas naturais das coisas. Outrora a minha voz acontecia. Fadas e elfos, se eu chamasse, via. E as folhas da floresta eram lustrosas. "Minha varinha, com que da vontade Falava às existências essenciais, Já não conhece a minha realidade. Já, se o círculo traço, não há nada. Murmura o vento alheio extintos ais, E ao luar que sobe além dos matagais Não sou mais do que os bosques ou a estrada. "Já me falece o dom com que me amavam. Já me não torno a forma e o fim da vida A quantos que, buscando-os, me buscavam. Já, praia, o mar dos braços não me inunda. Nem já me vejo ao sol saudado ergUida, Ou, em êxtase mágico perdida, Ao luar, à boca da caverna funda. "Já as sacras potências infernais, Que, dormentes sem deuses nem destino, À substância das coisas são iguais, Não ouvem minha voz ou os nomes seus. A música partiu-se do meu hino. Já meu furor astral não é divino Nem meu corpo pensado é já um deus. "E as longínquas deidades do atro poço, Que tantas vezes, pálida, evoquei Com a raiva de amar em alvoroço, lnevocadas hoje ante mim estão. Como, sem que as amasse, eu as chamei, Agora, que não amo, as tenho, e sei Que meu vendido ser consumirão. "Tu, porém, Sol, cujo ouro me foi presa, Tu, Lua, cuja prata converti, Se já não podeis dar-me essa beleza Que tantas vezes tive por querer, Ao menos meu ser findo dividi Meu ser essencial se perca em si, Só meu corpo sem mim fique alma e ser! "Converta-me a minha última magia Numa estátua de mim em corpo vivo! Morra quem sou, mas quem me fiz e havia, Anônima presença que se beija, Carne do meu abstrato amor cativo, Seja a morte de mim em que revivo; E tal qual fui, não sendo nada, eu seja!
Fernando Pessoa
Não é sob os raios causticantes do sol mas na fria luz refletida da lua, quando a escuridão da inconsciência atinge sua plenitude, que o processo criativo se completa: a noite, e não o dia, é que é o momento da procriação. Esta requer escuridão e quietude, segredo, mudez e ocultamento. Em conseqüência, a lua é senhora da vida e do crescimento em oposição ao sol letal e devorador. O tempo úmido da noite é o tempo do sono, mas também da cura e de recuperação . Por esta razão, o deus da lua, Sin, é um médico; uma inscrição cuneiforme representando sua planta curativa diz que “depois que o sol se põe e com a cabeça velada, ela (a planta) deve ser circundada com um anel mágico de farinha e cortada antes que o sol nasça”. Aqui vemos, associado com o círculo mágico e com a farinha, o símbolo misterioso de “velar , que pertence à lua e ao segredo da noite. Cura e terapeuta, planta curativa e crescimento recuperador se encontram nessa configuração. É o poder regenerador do inconsciente que na escuridão noturna sou sob a luz da lua executa seu trabalho, um mysterium dentro de um mysterium, trabalhando a partir de si mesmo e da natureza, sem qualquer ajuda do ego cerebral. É por isso que as pílulas e as ervas curativas são associadas à lua e seus segredos guardados por mulheres, ou melhor, pela natureza feminina, que está ligada à lua. Aqui o simbolismo do crescimento vegetativo deve ser interpretado no sentido amplo que concede todo símbolo como síntese de uma realidade tanto interior como exterior. Ao reino noturno da lua curativa pertence o poder regenerador do sono que cura o corpo e suas feridas, a escuridão onde tem lugar a recuperação, e também aqueles acontecimentos da alma que na obscuridade, por processos que somente o coração pode saber, permitem ao homem “superar“ suas crises insolúveis. Não é, como se pensou, porque a lua muitas vezes parece verde no leste, que se supôs ser o verde a cor da lua; é por causa da inerente afinidade da lua com a vegetação da qual se diz: “Quando a palavra de Sin desce sobre a terra, o verde aparece.“ Esse verde de Osíris, de Chidher, do broto de shiva e da pedra verde alquímica, não é somente a cor do desenvolvimento físico mas também do desenvolvimento do espírito e da alma. A lua como regente da consciência matriarcal, está ligada a um conhecimento específico e a uma forma particular de compreensão. Isso é a consciência que nasceu, o espírito que veio à luz como fruto da noite.
Erich Neumann (The Fear of the Feminine and Other Essays on Feminine Psychology)
Nós podemos explicar o azul-pálido desse pequeno mundo que conhecemos muito bem. Se um cientista alienígena, recém-chegado às imediações de nosso Sistema Solar, poderia fidedignamente inferir oceanos, nuvens e uma atmosfera espessa, já não é tão certo. Netuno, por exemplo, é azul, mas por razões inteiramente diferentes. Desse ponto distante de observação, a Terra talvez não apresentasse nenhum interesse especial. Para nós, no entanto, ela é diferente. Olhem de novo para o ponto. É ali. É a nossa casa. Somos nós. Nesse ponto, todos aqueles que amamos, que conhecemos, de quem já ouvimos falar, todos os seres humanos que já existiram, vivem ou viveram as suas vidas. Toda a nossa mistura de alegria e sofrimento, todas as inúmeras religiões, ideologias e doutrinas econômicas, todos os caçadores e saqueadores, heróis e covardes, criadores e destruidores de civilizações, reis e camponeses, jovens casais apaixonados, pais e mães, todas as crianças, todos os inventores e exploradores, professores de moral, políticos corruptos, "superastros", "líderes supremos", todos os santos e pecadores da história de nossa espécie, ali - num grão de poeira suspenso num raio de sol. A Terra é um palco muito pequeno em uma imensa arena cósmica. Pensem nos rios de sangue derramados por todos os generais e imperadores para que, na glória do triunfo, pudessem ser os senhores momentâneos de uma fração desse ponto. Pensem nas crueldades infinitas cometidas pelos habitantes de um canto desse pixel contra os habitantes mal distinguíveis de algum outro canto, em seus frequentes conflitos, em sua ânsia de recíproca destruição, em seus ódios ardentes. Nossas atitudes, nossa pretensa importância de que temos uma posição privilegiada no Universo, tudo isso é posto em dúvida por esse ponto de luz pálida. O nosso planeta é um pontinho solitário na grande escuridão cósmica circundante. Em nossa obscuridade, no meio de toda essa imensidão, não há nenhum indício de que, de algum outro mundo, virá socorro que nos salve de nós mesmos. A Terra é, até agora, o único mundo conhecido que abriga a vida. Não há nenhum outro lugar, ao menos em um futuro próximo, para onde nossa espécie possa migrar. Goste-se ou não, no momento a Terra é o nosso posto. Tem-se dito que a astronomia é uma experiência que forma o caráter e ensina a humildade. Talvez não exista melhor comprovação da loucura das vaidades humanas do que essa distante imagem de nosso mundo minúsculo. Para mim, ela sublinha a responsabilidade de nos relacionarmos mais bondosamente uns com os outros e de preservamos e amarmos o pálido ponto azul, o único lar que conhecemos.
Carl Sagan (Pálido ponto azul: Uma visão do futuro da humanidade no espaço (Portuguese Edition))
As dimensões do universo medieval não são tão facilmente percebidas, ainda hoje, quanto a sua estrutura; em meu próprio tempo de vida, um cientista distinto ajudou a disseminar um erro. 14 O leitor deste livro já deve estar sabendo que a Terra era, a julgar por padrões cósmicos, um pontinho - de nenhuma magnitude significativa. E como o Somnium Scipionis nos ensinou, as estrelas eram maiores do que ela. Isidoro já sabia no século VI que o Sol é maior, e a Lua, menor do que a Terra. (Etymologies, III, xlvii-xl- viii); Maimônides,15 no século XII, sustenta que cada estrela é noventa vezes maior; Roger Bacon, no século XIII, declara que a menor estrela é "maior" do que ela. 16 Quanto às estimativas da distância, contamos com a sorte de ter o testemunho de uma obra completamente popular, Lendas do Sul da Inglaterra, uma prova melhor do que qualquer produção pesquisada, em favor do Modelo, como ele existia no imaginário de pessoas comuns. Diz-se ali que se um homem fosse capaz de viajar para o alto, numa velocidade de quarenta milhas17 e um pouco mais por dia, ele ainda assim não conseguiria alcançar o Stellatum ("o mais alto céu que jamais se viu") em oito mil anos. 18 Esses fatos são em si curiosidades de interesse medíocre. Eles se tornam acessíveis, apenas à medida que nos permitem penetrar mais fundo na consciência dos nossos ancestrais, dando-nos conta de como um universo assim deve ter afetado aqueles que acreditavam nele. A receita para tal compreensão não é o estudo de livros. Você terá de sair numa noite estrelada e caminhar por aproximadamente meia hora, tentando examinar o céu em termos da velha cosmologia. Lembre-se de que agora você tem um "para cima" e um "para baixo" absolutos. A Terra é, de fato, o centro, o lugar mais baixo; o movimento para chegar a ela, de qualquer direção que seja, é um movimento para baixo. Como homem moderno, você localizava as estrelas a uma grande distância. Agora terá de substituir essa distância por um tipo de distância muito especial e muito menos abstrata chamada altura; Os Céus 1 103 que fala imediatamente aos nossos músculos e nervos. O Modelo Medieval é vertiginoso. E o fato de que a altura das estrelas na astronomia medieval é muito pequena comparada às distâncias modernas acabará se manifestando como não tendo o tipo de importância que você supunha. Para o pensamento e a imaginação, dez milhões de milhas e um bilhão são a mesma coisa. Ambas podem ser concebidas (isto é, podemos fazer contas com ambas) e nenhuma delas pode ser imaginada; e quanto mais imaginação tivermos, melhor deveríamos saber disso. A diferença realmente importante é que o universo medieval, ao mesmo tempo que era inimaginavelmente grande, também era indubitavelmente finito. E um resultado inesperado disso foi o de fazer com que a pequenez da Terra fosse sentida com mais vivacidade. Em nosso Universo ela é pequena, sem dúvida; mas as galáxias e tudo o mais também são - e daí? Mas para eles havia um padrão finito de comparação. A esfera celeste mais alta, o maggior corpo de Dante, era tão simples e finalmente o maior objeto existente. A palavra "pequeno" aplicada à Terra assume, então, uma significância bem mais absoluta. Repito, pelo fato de o universo medieval ser finito, ele adquire uma forma, a forma perfeitamente esférica, que contém em si uma diversidade ordenada. Consequentemente, olhar para fora numa noite escura com olhos modernos é como olhar para o mar, que vai minguando num dia de nevoeiro; ou olhar para uma floresta virgem - infindáveis árvores sem nenhum horizonte. Vislumbrar o universo medieval altaneiro é mais como visualizar um prédio bem alto. O "espaço" da astronomia moderna pode infligir terror, espanto ou um vago devaneio; as esferas celestes dos medievais nos apresentam um objeto no qual a mente pode repousar, impressionando por sua grandeza, mas satisfazendo por sua harmonia. Esse é o sentido pelo qual o nosso universo é romântico, e o deles era clássico.
C.S. Lewis (The Discarded Image: An Introduction to Medieval and Renaissance Literature)
MÁRIO DE SÁ-CARNEIRO (1890-1916) Atque in perpetuum, frater, ave atque vale! CAT . Morre jovem o que os Deuses amam, é um preceito da sabedoria antiga. E por certo a imaginação, que figura novos mundos, e a arte, que em obras os finge, são os sinais notáveis desse amor divino. Não concedem os Deuses esses dons para que sejamos felizes, senão para que sejamos seus pares. Quem ama, ama só a igual, porque o faz igual com amá-lo. Como porém o homem não pode ser igual dos Deuses, pois o Destino os separou, não corre homem nem se alteia deus pelo amor divino; estagna só deus fingido, doente da sua ficção. Não morrem jovens todos a que os Deuses amam, senão entendendo-se por morte o acabamento do que constitui a vida. E como à vida, além da mesma vida, a constitui o instinto natural com que se a vive, os Deuses, aos que amam, matam jovens ou na vida, ou no instinto natural com que vivê-la. Uns morrem; aos outros, tirado o instinto com que vivam, pesa a vida como morte, vivem morte, morrem a vida em ela mesma. E é na juventude, quando neles desabrocha a flor fatal e única, que começam a sua morte vivida. No herói, no santo e no génio os Deuses se lembram dos homens. O herói é um homem como todos, a quem coube por sorte o auxílio divino; não está nele a luz que lhe estreia a fronte, sol da glória ou luar da morte, e lhe separa o rosto dos de seus pares. O santo é um homem bom a que os Deuses, por misericórdia, cegaram, para que não sofresse; cego, pode crer no bem, em si, e em deuses melhores, pois não vê, na alma que cuida própria e nas coisas incertas que o cercam, a operação irremediável do capricho dos Deuses, o jugo superior do Destino. Os Deuses são amigos do herói, compadecem-se do santo; só ao génio, porém, é que verdadeiramente amam. Mas o amor dos Deuses, como por destino não é humano, revela-se em aquilo em que humanamente se não revelara amor. Se só ao génio, amando-o, tornam seu igual, só ao génio dão, sem que queiram, a maldição fatal do abraço de fogo com que tal o afagam. Se a quem deram a beleza, só seu atributo, castigam com a consciência da mortalidade dela; se a quem deram a ciência, seu atributo também, punem com o conhecimento do que nela há de eterna limitação; que angústias não farão pesar sobre aqueles, génios do pensamento ou da arte, a quem, tornando-os criadores, deram a sua mesma essência? Assim ao génio caberá, além da dor da morte da beleza alheia, e da mágoa de conhecer a universal ignorância, o sofrimento próprio, de se sentir par dos Deuses sendo homem, par dos homens sendo deus, êxul ao mesmo tempo em duas terras. Génio na arte, não teve Sá-Carneiro nem alegria nem felicidade nesta vida. Só a arte, que fez ou que sentiu, por instantes o turbou de consolação. São assim os que os Deuses fadaram seus. Nem o amor os quer, nem a esperança os busca, nem a glória os acolhe. Ou morrem jovens, ou a si mesmos sobrevivem, íncolas da incompreensão ou da indiferença. Este morreu jovem, porque os Deuses lhe tiveram muito amor. Mas para Sá-Carneiro, génio não só da arte mas da inovação nela, juntou-se, à indiferença que circunda os génios, o escárnio que persegue os inovadores, profetas, como Cassandra, de verdades que todos têm por mentira. In qua scribebat, barbara terrafuit. Mas, se a terra fora outra, não variara o destino. Hoje, mais que em outro tempo, qualquer privilégio é um castigo. Hoje, mais que nunca, se sofre a própria grandeza. As plebes de todas as classes cobrem, como uma maré morta, as ruínas do que foi grande e os alicerces desertos do que poderia sê-lo. O circo, mais que em Roma que morria, é hoje a vida de todos; porém alargou os seus muros até os confins da terra. A glória é dos gladiadores e dos mimos. Decide supremo qualquer soldado bárbaro, que a guarda impôs imperador. Nada nasce de grande que não nasça maldito, nem cresce de nobre que se não definhe, crescendo. Se assim é, assim seja! Os Deuses o quiseram assim. Fernando Pessoa, 1924.
Fernando Pessoa (Loucura...)
Tu estás aqui Estás aqui comigo à sombra do sol escrevo e oiço certos ruídos domésticos e a luz chega-me humildemente pela janela e dói-me um braço e sei que sou o pior aspecto do que sou Estás aqui comigo e sou sumamente quotidiano e tudo o que faço ou sinto como que me veste de um pijama que uso para ser também isto este bicho de hábitos manias segredos defeitos quase todos desfeitos quando depois lá fora na vida profissional ou social só sou um nome e sabem o que sei o que faço ou então sou eu que julgo que o sabem e sou amável selecciono cuidadosamente os gestos e escolho as palavras e sei que afinal posso ser isso talvez porque aqui sentado dentro de casa sou outra coisa esta coisa que escreve e tem uma nódoa na camisa e só tem de exterior a manifestação desta dor neste braço que afecta tudo o que faço bem entendido o que faço com este braço Estás aqui comigo e à volta são as paredes e posso passar de sala para sala a pensar noutra coisa e dizer aqui é a sala de estar aqui é o quarto aqui é a casa de banho e no fundo escolher cada uma das divisões segundo o que tenho a fazer Estás aqui comigo e sei que só sou este corpo castigado passado nas pernas de sala em sala. Sou só estas salas estas paredes esta profunda vergonha de o ser e não ser apenas a outra coisa essa coisa que sou na estrada onde não estou à sombra do sol Estás aqui e sinto-me absolutamente indefeso diante dos dias. Que ninguém conheça este meu nome este meu verdadeiro nome depois talvez encoberto noutro nome embora no mesmo nome este nome de terra de dor de paredes este nome doméstico Afinal fui isto nada mais do que isto as outras coisas que fiz fi-Ias para não ser isto ou dissimular isto a que somente não chamo merda porque ao nascer me deram outro nome que não merda e em princípio o nome de cada coisa serve para distinguir uma coisa das outras coisas Estás aqui comigo e tenho pena acredita de ser só isto pena até mesmo de dizer que sou só isto como se fosse também outra coisa uma coisa para além disto que não isto Estás aqui comigo deixa-te estar aqui comigo é das tuas mãos que saem alguns destes ruídos domésticos mas até nos teus gestos domésticos tu és mais que os teus gestos domésticos tu és em cada gesto todos os teus gestos e neste momento eu sei eu sinto ao certo o que significam certas palavras como a palavra paz Deixa-te estar aqui perdoa que o tempo te fique na face na forma de rugas perdoa pagares tão alto preço por estar aqui perdoa eu revelar que há muito pagas tão alto preço por estar aqui prossegue nos gestos não pares procura permanecer sempre presente deixa docemente desvanecerem-se um por um os dias e eu saber que aqui estás de maneira a poder dizer sou isto é certo mas sei que tu estás aqui
Ruy Belo (Toda a Terra)
Também conhecida por Ilha do Sol, a primeira ilha a ser oficialmente descoberta pelos navegadores portugueses brindava-os com uma estação mesclada, uma espécie de Primavera outonada. O ar morno e húmido bafejava debaixo de um engarrafamento de nuvens indecisas.
Pedro Almeida Maia (Nove Estações)
Escurecia rápido, o navio afastava-se do poente. A lembrança da sombra no rosto de Marina tornava mais fácil aceitar a morte. Uma fita triangular de navegação tremulava no meio de uma corda tesa, gorda do vento, como uma língua de réptil. O corpo estava frio, sem pulso nem sinal algum, completamente largado sobre o seu. Já não havia quem observasse o pôr do sol, não havia o que olhar, apenas uma faixa de luz parda que se diluía sobre o horizonte, cada vez mais turva, indistinta do oceano. Completava-se o abandono lento em seus braços, sob o sorriso da portuguesa enternecida pelo aconchego da moça no ombro do marido. Era a suavidade da morte pública e despercebida. Ele tentava olhar adiante. Teria sido outra história se Marina tivesse se jogado ao mar. Cinquenta, sessenta, setenta metros de altura. Ele teria que se jogar também, arriscar a vida para ter o que enterrar, e iria junto, ninguém mergulha de um navio supondo que sobrevive, muito menos que salvará alguém. Se tivesse que se matar, haveria de ser como um prazer, o prazer que em vida lhe era torto. Deixaria o corpo boiar sobre o oceano, sem peso, ao sabor das correntes, o sono mais pesado e completo que alguém já teve. Talvez o prazer de jogar o corpo no vazio fosse ainda maior. Deixaria o ar limpar os pulmões e os pensamentos, purificar a vida que ficava para trás, no alto da amurada. Seria outro por um lapso, não haveria tempo para pensar no impacto. Talvez o mar restaurasse o sono, a onda fria embalasse as costas, o oceano como o único lugar em que os insones não são insones, embora lhes falte imaginação para sabê-lo. Tinha a impressão de que nunca mais adormeceria, enquanto ela dormiria para sempre, egoísta no sono final, a soberba daquele que reaprende a dormir e deixa o outro na vigília. Teria sido pior se ela tivesse esperado a volta para se matar. Ele aguentaria a náusea de cada milha. Agora podia abandonar o barco. Nada de Ilhas Canárias, Cádiz, Sevilha, nada do balanço que o torturava no convés ou na cabine. Olhava a distância em direção à noite e via o corpo desembarcar em Cabo Verde, sobrevoar o mar até Lisboa, voltar ao Brasil sobre o mesmo mar, as mesmas ilhas escassas do Atlântico. Dois, três dias com o corpo frio e rígido, rigor mortis, velava-o pelos ares, um fardo em plena leveza de nuvens, a dor que alçava ao sol dentro de um saco impermeável, um caixote de metal. Estariam no céu, um corpo que apodrece, um homem que chora, um amor que já não é mais. Alguém se aproximou, parou ao lado da amurada. O uniforme branco e impecável usado pelos tripulantes, certa familiaridade de hospital. — Preciso da sua ajuda. — What can I do for you, sir? — Minha mulher está morta.
Mauricio Lyrio (Memória da Pedra)
Este país tem muito sol por fora e muita sombra por dentro.
António Garcia Barreto (O HOMEM DO BUICK AZUL)
O ovo dourado da criação No começo de tudo terá estado um gigantesco e belo voo dourado. Esse ovo nasceu de uma semente que errava há um ano pelo oceano cósmico, aquecida pelos intensos raios solares. De súbito, Brahma emergiu do ovo dourado que o sol chocou e ganhou a forma de dois seres distintos. Um era macho e o outro fêmea. Vivendo solitários sobre a face da Terra, os dois seres do começo da Criação acabaram por acasalar, nascendo dessa invulgar união todos os outros seres que depois se espalharam pelo céu, pelas águas dos imensos oceanos e pelos vários continentes. Como na origem de tudo esteve um imenso oceano, Brahma é também conhecido pelo nome de Narayana, que significa "aquele que nasceu das águas", sendo por vezes representado como uma criatura vogando nas águas originais sobre a folha de uma árvore, chupando um dedo do pé. Para muitos, esse é um símbolo da própria Eternidade.
José Jorge Letria (Lendas e contos indianos)
Doré mi sol así las olas y la espuma que en tu cuerpo canta, canta -más por tus senos que por tu garganta- do re mi sol la si la sol la si la.
Ángel González
Passaram‑se semanas. Jerônimo tomava agora, todas as manhãs, uma xícara de café bem grosso, à moda da Ritinha, e tragava dois dedos de parati “pra cortar a friagem”. Uma transformação, lenta e profunda, operava‑se nele, dia a dia, hora a hora, reviscerando‑lhe o corpo e alando‑lhe os sentidos, num trabalho misterioso e surdo de crisálida. A sua energia afrouxava lentamente: fazia‑se contemplativo e amoroso. A vida americana e a natureza do Brasil patenteavam‑lhe agora aspectos imprevistos e sedutores que o comoviam; esquecia‑se dos seus primitivos sonhos de ambição; para idealizar felicidades novas, picantes e violentas; tornava‑se liberal, imprevidente e franco, mais amigo de gastar que de guardar; adquiria desejos, tomava gosto aos prazeres, e volvia‑se preguiçoso resignando‑se, vencido, às imposições do sol e do calor, muralha de fogo com que o espírito eternamente revoltado do último tamoio entrincheirou a pátria contra os conquistadores aventureiros. E assim, pouco a pouco, se foram reformando todos os seus hábitos singelos de aldeão português: e Jerônimo abrasileirou‑se. A sua casa perdeu aquele ar sombrio e concentrado que a entristecia; já apareciam por lá alguns companheiros de estalagem, para dar dois dedos de palestra nas horas de descanso, e aos domingos reunia‑se gente para o jantar. A revolução afinal foi completa: a aguardente de cana substituiu o vinho; a farinha de mandioca sucedeu à broa; a carne‑seca e o feijão‑preto ao bacalhau com batatas e cebolas cozidas; a pimenta‑malagueta e a pimenta‑de‑cheiro invadiram vitoriosamente a sua mesa; o caldo verde, a açorda e o caldo de unto foram repelidos pelos ruivos e gostosos quitutes baianos, pela muqueca, pelo vatapá e pelo caruru; a couve à mineira destronou a couve à portuguesa; o pirão de fubá ao pão de rala, e, desde que o café encheu a casa com o seu aroma quente, Jerônimo principiou a achar graça no cheiro do fumo e não tardou a fumar também com os amigos. E o curioso é que quanto mais ia ele caindo nos usos e costumes brasileiros, tanto mais os seus sentidos se apuravam, posto que em detrimento das suas forças físicas. Tinha agora o ouvido menos grosseiro para a música, compreendia até as intenções poéticas dos sertanejos, quando cantam à viola os seus amores infelizes; seus olhos, dantes só voltados para a esperança de tornar à terra, agora, como os olhos de um marujo, que se habituaram aos largos horizontes de céu e mar, já se não revoltavam com a turbulenta luz, selvagem e alegre, do Brasil, e abriam‑se amplamente defronte dos maravilhosos despenhadeiros ilimitados e das cordilheiras sem fim, donde, de espaço a espaço, surge um monarca gigante, que o sol veste de ouro e ricas pedrarias refulgentes e as nuvens tocam de alvos turbantes de cambraia, num luxo oriental de arábicos príncipes voluptuosos.
Aluísio Azevedo (O Cortiço)
(...) Meu coração é um sapo rajado, viscoso e cansado, à espera do beijo prometido capaz de transformá-lo em príncipe. Meu coração é um álbum de retratos tão antigos que suas faces mal se adivinham. Roídas de traça, amareladas de tempo, faces desfeitas, imóveis, cristalizadas em poses rígidas para o fotógrafo invisível. Este apertava os olhos quando sorria. Aquela tinha um jeito peculiar de inclinar a cabeça. Eu viro as folhas, o pó resta nos dedos, o vento sopra. Meu coração é um mendigo mais faminto da rua mais miserável. Meu coração é um ideograma desenhado a tinta lavável em papel de seda onde caiu uma gota d’água. Olhado assim, de cima, pode ser Wu Wang, a Inocência. Mas tão manchado que talvez seja Ming I, o Obscurecimento da Luz. Ou qualquer um, ou qualquer outro: indecifrável. Meu coração não tem forma, apenas som. Um noturno de Chopin (será o número 5?) em que Jim Morrison colocou uma letra falando em morte, desejo e desamparo, gravado por uma banda punk. Couro negro, prego e piano. Meu coração é um bordel gótico em cujos quartos prostituem-se ninfetas decaídas, cafetões sensuais, deusas lésbicas, anões tarados, michês baratos, centauros gays e virgens loucas de todos os sexos. Meu coração é um traço seco. Vertical, pós-moderno, coloridíssimo de neon, gravado em fundo preto. Puro artifício, definitivo. Meu coração é um entardecer de verão, numa cidadezinha à beira-mar. A brisa sopra, saiu a primeira estrela. Há moças na janela, rapazes pela praça, tules violetas sobre os montes onde o sol se p6os. A lua cheia brotou do mar. Os apaixonados suspiram. E se apaixonam ainda mais. Meu coração é um anjo de pedra de asa quebrada. Meu coração é um bar de uma única mesa, debruçado sobre a qual um único bêbado bebe um único copo de bourbon, contemplado por um único garçom. Ao fundo, Tom Waits geme um único verso arranhado. Rouco, louco. Meu coração é um sorvete colorido de todas as cores, é saboroso de todos os sabores. Quem dele provar, será feliz para sempre. Meu coração é uma sala inglesa com paredes cobertas por papel de florzinhas miúdas. Lareira acesa, poltronas fundas, macias, quadros com gramados verdes e casas pacíficas cobertas de hera. Sobre a renda branca da toalha de mesa, o chá repousa em porcelana da China. No livro aberto ao lado, alguém sublinhou um verso de Sylvia Plath: "Im too pure for you or anyone". Não há ninguém nessa sala de janelas fechadas. Meu coração é um filme noir projetado num cinema de quinta categoria. A platéia joga pipoca na tela e vaia a história cheia de clichês. Meu coração é um deserto nuclear varrido por ventos radiativos. Meu coração é um cálice de cristal puríssimo transbordante de licor de strega. Flambado, dourado. Pode-se ter visões, anunciações, pressentimentos, ver rostos e paisagens dançando nessa chama azul de ouro. Meu coração é o laboratório de um cientista louco varrido, criando sem parar Frankensteins monstruosos que sempre acabam destruindo tudo. Meu coração é uma planta carnívora morta de fome. Meu coração é uma velha carpideira portuguesa, coberta de preto, cantando um fado lento e cheia de gemidos - ai de mim! ai, ai de mim! Meu coração é um poço de mel, no centro de um jardim encantado, alimentando beija-flores que, depois de prová-lo, transformam-se magicamente em cavalos brancos alados que voam para longe, em direção à estrela Veja. Levam junto quem me ama, me levam junto também. Faquir involuntário, cascata de champanha, púrpura rosa do Cairo, sapato de sola furada, verso de Mário Quintana, vitrina vazia, navalha afiada, figo maduro, papel crepom, cão uivando pra lua, ruína, simulacro, varinha de incenso. Acesa, aceso - vasto, vivo: meu coração teu.
Caio Fernando Abreu
Depois de Aqcha, a cor da paisagem mudou de chumbo para alumínio, tornou-se pálida e mortiça, como se há milhares e milhares de anos o sol lhe sugasse a alegria. Estávamos agora na planície de Balkh, que se diz ser a cidade mais antiga do mundo. Os maciços de árvores verdes, os tufos de erva áspera e cortante em forma de repuxo, quase pareciam negros, pois destacavam-se sobre o fundo daquela tonalidade mortal. De vez em quando, avistávamos um campo de cevada. O cereal estava maduro, e turcomanos em tronco nu colhiam-no com foices. Mas não era castanho nem dourado, nem lembrava Ceres, nem abundância. Parecia ter embranquecido prematuramente, como o cabelo de um louco, perdendo tudo o que nele fora nutritivo. E destas extensas mortalhas, primeiro a norte e depois a sul da estrada, elevavam-se as formas branco-acizentadas e carcomidas de uma arquitectura antiga, montículos, sulcados e esmaecidos pela chuva e pelo sol, mais estafados do que qualquer obra humana por mim vista: uma pirâmide torta, uma plataforma afunilada, um maciço de ameias, um animal agachado, com que os gregos de Báctria estavam familiarizados, e Marco Polo depois deles. Já deviam ter desaparecido. Mas foi o próprio impacto do sol, que, congregando a pertinácia daquele barro de cinza, permitiu conservar uma centelha inextinguível de forma, a centelha que não se encontra numa fortificação romana, nem numa mamoa coberta de erva, a centelha que continua a tremeluzir num mundo mais luminoso do que ela própria, cansada como só um suicida frustrado consegue ser.
Robert Byron (The Road to Oxiana)
Tudo vem ao chamamento. Penso mar, e o mar enche-me a alma e as mãos. Balbucio cal, e na pele do tempo cresce uma casa onde não viverei, ergue-se uma cidade de melancolia na incerteza dos punhos, e nela nos ferimos. Digo sol, e quase cega consigo tocar-lhe. Só por ti clamo, e não te acendes, nem regressas, e me queimas. Fugir. Descer do cimo da minha razão por uma corda de chuva, vestir-me com a humidade verde das plantas, adquirir asas e reaver a memória de um mundo primordial.
Al Berto (Lunário)
No dia seguinte, o lojista chegou como de costume. Vinha preocupado com um ligeiro atraso e por isso achou estranho que a porta estivesse fechada e as gelosias das janelas cerradas. Hesitou, bateu à porta e acabou por ir sentar-se junto dos outros criados, debaixo do alpendre, aguardando. Era uma situação inédita, aquela, e eles, habituados à rotina e à obediência, não sabiam o que fazer. Comentavam uns com os outros, falavam de coisas pequenas, esperavam. Mas a responsabilidade roía o lojista que não se sentia bem desconversando com o tempo, esperando que as coisas se resolvessem por si próprias. Por isso juntou coragem e deu a volta à casa, espreitando à procura de um sinal. Subiu os três degraus da varanda, do outro lado, batendo as palmas bem alto para pedir licença. Foi então que deparou com a patroa ao fundo da varanda, quieta, olhando o rio. - Bom dia, patroa. Estamos já lá fora à espera de entrar. Há também alguns clientes. Teve como resposta o silêncio. Mama Mère desinteressa-se dele, envolvida agora em assunto mais interior e fundamental. Passou a noite naquela mesmíssima posição, a mão esquerda pousada no colo e a direita no cabo do punhal, erecta, olhando o rio com os seus grandes olhos abertos. O xaile descaiu-lhe para a cintura já há muito tempo, o que de restou pouco importa: o cacimbo não molesta os mortos da mesma maneira que molesta os vivos. O sol matinal espalha-se pelo soalho da varanda e daqui a pouco chegará aos pés da congolesa e começará a trepar-lhe pelas pernas, iluminando-a. O lojista esperou ainda um pouco, respeitoso. Mas intrigado com aquele alheamento, acabou por aproximar-se. Pigarreou primeiro, falou depois, tentando convencê-la a reagir, sem saber que Mama Mère estava já muito longe dali. Deu-se por fim conta de que o mundo desabava (quem depende daquela maneira, como o lojista e os criados, deposita sempre no protector o segredo da ordem das coisas). Deu vários passos na varanda sem se decidir por uma direcção, falou sozinho durante um bocado e acabou por fugir dali, gritando alto. De volta ao alpendre, levou ainda um tempo a fazer-se entender pelos restantes. Desataram então a falar muito alto uns com os outros, lamentando e inquirindo, descoordenados. Uns saíam do confuso círculo e iam espreitar à varanda. Voltavam depois gesticulando e bradando coisas incompreensíveis, como se visão do vulto induzisse a loucura.
João Paulo Borges Coelho (As Duas Sombras do Rio)
A natureza sorriu-se comovida. Um sino, ao longe, batia alegre as doze badaladas do meio-dia. O sol, vitorioso, estava a pino e, por entre a copagem negra da mangueira, um dos seus raios descia em fio de ouro sobre o ventre da rapariga, abençoando a nova mulher que se formava para o mundo.
Aluísio Azevedo (O Cortiço)
Entre o arvoredo tecido de grinaldas amarelas aparecia uma esfera do azul do céu, como tela fina de um painel, cingido por medalhão de ouro. A sombra de uma nuvem errante infundia ao horizonte suave transparência. Debuxava-se na tela acetinada o vulto airoso de linda moça, que montava com elegância um cavalo isabel. A alvura de sua tez fresca e pura escurecia o mais fino jaspe. Nem os raios do sol, nem o exercício acenderam uma rosa mesmo pálida em sua face, cândida como a pétala do jasmim. A seiva dessa mocidade, o viço dessa alma, não se expandia no rubor da cútis, mas no olhar ardente e esplêndido dos grandes olhos negros, e no sorriso mimoso dos lábios, que eram um primor da natureza. Admirando aquele rosto encantador, ninguém reparava na sua palidez; ao contrário parecia que os tons rosados maculariam a alvura do lírio. A alma que se derrama assim em ondas no olhar e no sorriso, está no íntimo, no coração, donde se desprende em centelhas; não pode tingir as faces.
José de Alencar (Obras Completas de José de Alencar: Romances Urbanos - Volume II)
O amor não é necessariamente o que vivemos quando estamos no alto de uma roda gigante testemunhando o mais deslumbrante por do sol. Ele é o que se manifesta na convalescência das cicatrizes, as de dentro e as de fora. É o que se demonstra quando estamos fazendo absolutamente nada, mas não seriamos capazes de cogitar trocar o conforto daquela companhia silenciosa por coisa alguma nesse mundo.
Lucas Silveira (Eu Não Sei Lidar)
Em Cabo Verde, onde é chamado de lestada, o harmatão deixa o céu com uma cor amarelo-magenta, responsável por um deslumbrante pôr do sol,
Laurentino Gomes (Escravidão – Volume 1: Do primeiro leilão de cativos em Portugal até a morte de Zumbi dos Palmares)
Mas nesse momento, sua cabeça inclinada para trás, as folhas verdes e macias se movendo gentilmente na brisa quase imperceptível, sentiu um poderoso déjà-vu. Ele havia olhado para essas folhas antes. Recentemente. Mas isso era impossível. Não havia árvores grandes em Trondheim, e nenhuma crescia dentro do complexo de Milagre. Por que a luz do sol varando as folhas parecia-lhe tão familiar?
Orson Scott Card
As faíscas vêm diretamente da fonte de luz e são feitas de uma pura claridade, é o que dizem as lendas mais antigas. Quando um ser humano está para nascer, a faísca começa a cair. Primeiro passa pela escuridão do espaço sideral, depois pelas galáxias e enfim, antes de cair aqui, na Terra, é rebatida, coitada, pelas órbitas dos planetas. Cada um deles contamina a faísca com alguns atributos, e ela escurece e vai se apagando. Primeiro, Plutão traça os marcos dessa experiência cósmica e revela suas regras básicas — a vida é um acontecimento instantâneo, seguido pela morte, que um dia permitirá que a faísca se liberte da armadilha; não há outra saída. A vida é uma espécie de campo de manobras experimentais muito exigente. A partir desse momento, tudo o que você fizer contará, cada pensamento e cada ato. No entanto, eles não servirão para te castigar ou premiar depois, mas porque constituirão seu mundo. Assim funciona essa máquina. Mais tarde, ao cair, a faísca atravessa a faixa de Netuno e se perde em seus vapores nebulosos. Netuno lhe dá, como uma espécie de consolação, todas as ilusões, a sonâmbula memória da saída, sonhos de voar, fantasias, narcóticos e livros. Urano dota da capacidade de se rebelar, e a partir de então será a prova da memória das origens da faísca. Quando ela passa pelos anéis de Saturno, se torna claro que, no fundo, a prisão espera por ela. Um campo de trabalho, hospital, regras e formulários, um corpo doente, uma doença letal, a morte de uma pessoa querida. No entanto, Júpiter lhe oferece consolo, dignidade e otimismo, um belo presente: tudo-dará-certo. Marte acrescenta força e agressividade, que certamente serão úteis. Passando junto do Sol, fica ofuscada, de sua vasta e antiga consciência, resta apenas um pequeno e minúsculo Eu, separado de tudo. E assim será a partir de então. Imagino isso da seguinte maneira: um pequeno dorso, um ser aleijado com as asas arrancadas, uma mosca atormentada por crianças cruéis; quem sabe como ela sobreviverá nas trevas. Glória às deusas, graças a elas agora Vênus barra o caminho da queda. A faísca recebe dela o dom do amor, de uma pura compaixão, a única coisa que pode salvar a ela mesma e às outras faíscas; graças aos dons de Vênus poderão se apoiar e se unir. Um pouco antes da queda, passa ainda por um planeta estranho e pequeno que lembra um coelho hipnotizado, que não gira em torno de seu próprio eixo, mas se move velozmente, encarando o Sol — é Mercúrio. Ele lhe dá a língua, a capacidade de se comunicar. Passando pela Lua, recebe dela algo tão intangível como a alma. Só então é que cai na Terra e imediatamente se reveste de um corpo. Humano, animal ou vegetal. É assim que as coisas funcionam.
Olga Tokarczuk (Drive Your Plow Over the Bones of the Dead)
Mas que nos importava que aquele astro além se chamasse Sírio e aquele outro Aldebarã? Que lhes importava a eles que um de nós fosse Jacinto, outro Zé? Eles tão imensos, nós tão pequeninos, somos a obra da mesma Vontade. E todos, Uranos ou Lorenas de Noronha e Sande, constituímos modos diversos de um Ser único, e as nossas diversidades esparsas somam na mesma compacta Unidade. Moléculas do mesmo Todo, governadas pela mesma Lei, rolando para o mesmo Fim... Do astro ao homem, do homem à flor do trevo, da flor do trevo ao mar sonoro - tudo é o mesmo Corpo, onde circula, como um sangue, o mesmo Deus. E nenhum frémito de vida, por menor, passa numa fibra desse sublime Corpo, que não se repercuta em todas, até as mais humildes, até as que parecem inertes e invitais. Quando um sol que não avisto, nunca avistarei, morre de inanição nas profundezas, esse esguio galho de limoeiro, em baixo na horta, sente um secreto arrepio de morte - e, quando eu bato uma patada no soalho de Tormes, além o monstruoso Saturno estremece, e esse estremecimento percorre o inteiro Universo! Jacinto bateu rijamente a mão no rebordo da janela. Eu gritei: - Acredita!... O Sol tremeu.
Eça de Queirós
Quando perdemos alguém, viver é doloroso. É assim mesmo. Pode doer-nos caminhar por um corredor ou abrir o frigorífico. Dói calçar um par de meias, escovar os dentes. A comida perde o sabor. As cores ficam esbatidas. A música dói, tal como as memórias. Olhamos para algo que havíamos de achar belo — um céu purpúreo ao pôr-do-sol ou um pátio cheio de crianças — e isso só agudiza a sensação de perda. A dor, assim, é tão solitária. Um dia depois de o meu pai morrer, fomos a uma agência funerária do South Side — eu, a minha mãe e o Craig — escolher um caixão e planear uma cerimónia.
Michelle Obama (Becoming: A minha história (Portuguese Edition))
Debaixo do sol, falo comigo mesmo cantando a melodia da vida. Vejo o que olhos não veem. Digo o que ouvidos não escutam. Sou o que o mundo não quer ser. Será que sou um sábio entre os loucos? Um demente entre os homens? Ou um miserável entre os ricos? Ah! Santo Criador, não sei quem eu sou de verdade.
Modeste Herlic (AVENTURAS? Por que não?: Conversas sobre espiritualidade. (Portuguese Edition))
Oh, homem, por que anda tão agoniado e afligido pelo fracasso de ontem? Olhe para o horizonte e confie no nascer do sol. Escute com ouvidos do coração, pois cada cantar do galo anuncia uma nova jornada.
Modeste Herlic (um sonhador e seus devaneios: Os Poemas de Fubbi (sobre coragem, sabedoria e amor))
Nas noites de inverno, enquanto fervia a sopa no fogão, desejava o calor dos fundos da loja, o zumbido do sol nas amendoeiras empoeiradas, o apito do trem na sonolência da sesta, da mesma forma como desejava em Macondo a sopa de inverno no fogão, os pregões do vendedor de café e as cotovias fugazes da primavera. Aturdido por duas saudades colocadas de frente uma para a outra como dois espelhos, perdeu o seu maravilhoso sentido de irrealidade até que terminou por recomendar a todos que fossem embora de Macondo, que esquecessem tudo o que ele ensinara do mundo e do coração humano, que cagassem para Horácio e que em qualquer lugar que estivessem se lembrassem sempre de que o passado era mentira, que a memória não tinha caminhos de regresso, que toda primavera antiga era irrecuperável e que o amor mais desatinado e tenaz não passava de uma verdade efêmera.
Gabriel García Márquez (One Hundred Years of Solitude)
Das mais puras memórias: ou de lumes Ontem à noite e antes de dormir, a mais pura alegria de um céu no meio do sono a escorregar, solene a emoção e a mais pura alegria de um dia entre criança e quase grande e era na aldeia, acordar às seis e meia da manhã, os olhos nas portadas de madeira, o som que elas faziam ao abrir, as portadas num quarto que não era o meu, o cheiro ausente em nome mas era um cheiro entre o mais fresco e a luz a começar era o calor do verão, a mais pura alegria um céu tão cor de sangue que ainda hoje, ainda ontem antes de dormir, as lágrimas me chegam como então, e de repente, o sol como um incêndio largo e o cheiro as cores Mas era estar ali, de pé, e jovem, e a morte era tão longe, e não havia mortos nem o seu desfile, só os vivos, os risos, o cheiro a luz era a vida, e o poder de escolher, ou assim o parecia: a cama e as cascatas frescas dos lençóis macios como estrangeiros chegando a país novo, ou as portadas abertas de madeira e o incêndio do céu Foi isto ontem à noite, este esplendor no escuro e antes de dormir ... Hoje, os jornais nesta manhã sem sol falam de coisas tão brutais e tão acesas, como povos sem nome, sem luz a amanhecer-lhes cor e tempos, de mortos não por vidas que passaram, mas por vidas cortadas a violência de ser em cima desta terra sobre outros mortos mal lembrados ou nem sequer lembrados E eu penso onde ela está, onde ela cabe, essa pura alegria recordada que me tomou o corredor do sono, se deitou a meu lado ontem à noite tomada novamente  tornada movimento, mercadoria bela para cesta de vime muito belo, como belo era o céu daquele dia Onde cabe a alegria recordada em frente do incêndio que vi ontem de noite? onde as cores da alegria? o seu corte tão nítido como se fosse alimentado a átomo explodindo como fazer de tempo? como fingir o tempo? ... E todavia os tempos coabitam E o mesmo corredor dá-lhes espaço e lume
Ana Luísa Amaral (Escuro (Portuguese Edition))
Se você começar a estalar os dedos agora e estalá-los 98.463.077 vezes sem parar, o sol irá subir e se por, e o céu ficará escuro e a noite vai avançar, e todos estarão dormindo enquanto você continuar estalando os dedos até que, finalmente, um pouco depois do amanhecer, depois de contar o seu 98.463.077º estalar de dedos, você vai experimentar a sensação verdadeiramente íntima de estar consciente e saber exatamente como passou cada momento de um dia de sua vida.' [...] O experimento hipotético que havia proposto era extravagante, mas a premissa era simples. Tudo no universo está em constante mudança, nada fica igual, e nós precisamos compreender a rapidez com que o tempo passa se quisermos despertar e começar a viver realmente as nossas vidas. 'É isso que significa ser um ser-tempo', a velha Jiko me disse, e depois estalou mais uma vez os dedos tortos. 'Até que isso basta e você morre.
Ruth Ozeki (A Tale for the Time Being)
Schopenhauer é um dos raros pensadores que viraram essa hierarquia contra si mesma e afirmaram que apenas no sono pode-se encontrar “o verdadeiro cerne” da existência humana.” “Alguém poderia contestar que os seres humanos foram feitos para dormir à noite, que os nossos corpos estão alinhados com a rotação diária de nosso planeta e que comportamentos que reagem às estações e à luz do Sol existem na maioria dos organismos vivos. A resposta provavelmente seria: isso é uma bobagem “new age” perniciosa, ou pior, uma nefasta ânsia heideggeriana por alguma conexão com a Terra. No paradigma neoliberal globalista, dormir é, acima de tudo, para os fracos.” “A relação entre propriedade e o direito ou privilégio de um sono tranquilo tem suas origens no século XVII e permanece em vigor hoje nas cidades do século XXI. Os espaços públicos são agora totalmente planejados com o fim de impedir o sono, muitas vezes incluindo — com uma crueldade própria — o formato serrilhado de bancos e outras superfícies acima do chão que impedem que um corpo humano se deite sobre eles. O fenômeno disseminado, mas socialmente ignorado, dos sem-teto urbanos é sinal de inúmeras privações, mas poucas são mais agudas do que os riscos e inseguranças do sono desabrigado.” capítulo um
Jonathan Crary (24/7: Late Capitalism and the Ends of Sleep)
Se o Sol é doador de vida, simbolicamente vinculado com a dimensão espiritual, a Lua se relaciona com a manifestação do espírito. Em tudo ela está ligada à expressão prática de assuntos mundanos [...]. A Lua passa por todos os signos e toca cada aspecto em todo mapa uma vez por mês. Hoje, pode-se dizer, ela representa, em termos psicológicos, nossa 'tarefa de casa' psíquica, aprender e aplicar.
Alice O. Howell (Jungian Symbolism in Astrology)
É do bem-estar que um coração como o seu pode ter pena? Aflige-se com a ideia de estar por muito tempo na obscuridade? Mas do senhor depende que essa obscuridade não seja eterna. Transforme-se em sol e todos o verão. O sol, acima de tudo, é o sol! Por que sorri outra vez? Por eu seu como Schiller?
Fyodor Dostoevsky (Crime and Punishment)
Sabia que o lastro de um homem durante toda a sua vida é de resguardar os sonhos em recantos da alma, sagrados, intocáveis, à espera do dia em que os milagres aconteçam e a alma reencontre a frescura perdida dos tempos de infância. Como a inocência dos pássaros que esvoaçam dentro de cada um de nós, num espaço exíguo, voando e batendo nas grades da gaiola em que os enclausurámos, até os seus voos ficarem cada vez mais repetitivos, tristes e raros. Pássaros cujas asas se tornaram inúteis de tanto tempo engaiolados, chilreando apenas melopeias tristes, carregadas de desilusão por tão servil rendição.
Rui Conceição Silva (Quando o Sol Brilha)
("Portanto, tenham cuidado com a maneira como vocês vivem, e vivam não como tolos, mas como sábios, aproveitando bem o tempo, porque os dias são maus. Por esta razão, não sejam insensatos, mas procurem compreender qual é a vontade do Senhor." Efésios 5.15-17) Todos nós temos a mesma quantidade de tempo ao nosso dispor: 60 minutos por hora, 24 horas por dia. As pessoas sábias empregam seu tempo de forma proveitosa. Li algures sobre um aviso no boletim de uma igreja. O aviso era assim: 1) "PERDIDAS, ontem, nalgum lugar entre o nascer e o pôr do sol, duas horas de ouro, cada uma cravejada com sessenta minutos de diamante. Nenhuma recompensa é oferecida, pois foram-se para sempre!" 2) "RESOLVIDO: nunca perder um só momento de tempo, mas, sim, tirar proveito dele da maneira mais proveitosa que puder.
Hernandes Dias Lopes (Efésios - Igreja a Noiva Gloriosa de Cristo (Efésios - Comentários Expositivos Hagnos))
Até então ele passara pela despreocupada idade da primeira juventude, uma estrada que na meninice parece infinita, onde os anos escoam lentos e com passo leve, tanto que ninguém nota a sua passagem. Caminha-se placidamente, olhando com curiosidade ao redor, não há necessidade de se apressar, ninguém empurra por trás e ninguém espera, também os companheiros procedem sem preocupações, detendo-se frequentemente para brincar. Das casas, a porta, a gente grande cumprimenta-se benigna e aponta para o horizonte com sorrisos de cumplicidade; assim o coração começa a bater por heroicos e suaves desejos, saboreia-se a véspera das coisas maravilhosas que aguardam mais adiante; ainda não se veem, não, mas é certo, absolutamente certo, que um dia chegaremos a elas. Falta muito? Não, basta atravessar aquele rio lá longe, no fundo, ultrapassar aquelas verdes colinas. Ou já não se chegou, por acaso? Não são talvez estas árvores, estes prados, esta casa branca o que procurávamos? Por alguns instantes tem-se a impressão que sim, e quer-se parar ali. Depois ouve-se dizer que o melhor está mais adiante, e retoma-se despreocupadamente a estrada. Assim, continua-se o caminho numa espera confiante, e os dias são longos e tranquilos, o sol brilha alto no céu e parece não ter mais vontade de desaparecer no poente. Mas a uma certa altura, quase instintivamente, vira-se para trás e vê-se que uma porta foi trancada às nossas costas, fechando o caminho de volta. Então sente-se que alguma coisa mudou, o sol não parece mais imóvel, desloca-se rápido, infelizmente, não dá tempo de olhá-lo, pois já se precipita nos confins do horizonte, percebe-se que as nuvens não estão mais estagnadas nos golfos azuis do céu, fogem, amontoando-se umas sobre as outras, tamanha é sua afoiteza; compreende-se que o tempo passa e que a estrada, um dia, deverá inevitavelmente acabar. A um certo momento batem às nossas costas um pesado portão, fecham-no a uma velocidade fulminante, e não há tempo de voltar. Será então como um despertar. Olhará à sua volta, incrédulo; depois ouvirá um barulho de passos vindo de trás, verá as pessoas, despertadas antes dele, que correm afoitas e o ultrapassam para chegar primeiro. Ouvirá a batida do tempo escandir avidamente a vida. Nas janelas não mais aparecerão figuras risonhas, mas rostos imóveis e indiferentes. E se perguntar quanto falta do caminho, ainda lhe apontarão o horizonte, mas sem nenhuma bondade ou alegria. Entretanto, os companheiros se perderão de vista, um porque ficou para trás, esgotado, outro porque desapareceu antes e já não passa de um minúsculo ponto no horizonte. Além daquele rio — dirão as pessoas —, mais dez quilômetros, e terá chegado. Ao contrário, não termina nunca, os dias se tornam cada vez mais curtos, os companheiros de viagem, mais raros, nas janelas estão apáticas figuras pálidas que balançam a cabeça. Então já estará cansado, as casas, ao longo da rua, terão quase todas as janelas fechadas, e as raras pessoas visíveis lhe responderão com um gesto desconsolado: o que era bom ficou para trás, muito para trás, e ele passou adiante, sem dar por isso. Ah, é demasiado tarde para voltar, atrás dele aumenta o fragor da multidão que o segue, impelida pela mesma ilusão, mas ainda invisível, na branca estrada deserta. Ai, se pudesse ver a si mesmo, como estará um dia, lá onde a estrada termina, parado na praia do mar de chumbo, sob um céu cinzento e uniforme, sem nenhuma casa ao redor, nenhum homem, nenhuma árvore, nem mesmo um fio de erva, tudo assim desde um tempo imemorável.
Dino Buzzati (Il Deserto dei Tartari e Dodici Racconti)
Sem dúvida os grandes espetáculos da Natureza provocam a nossa admiração, mas enquanto se contempla um nascer do sol, o mar, a baía de Nápoles, sente-se uma grande tristeza, e o mais humilhante é que não se sabe por quê.
Fyodor Dostoevsky (Crime and Punishment)
O sol brilhava imponente acima da sua cabeça e parecia mais uma afronta à tempestade que fizera na noite anterior, atrasando em um dia a sua chegada àquele lugar. Sentia o pouco de pele exposta queimando com os raios que a atingiam, e a sua boca ansiava por água à medida que o suor escorria por debaixo da sua blusa, fazendo-a grudar em suas costas. Talvez o inferno estivesse mais fresco do que aquele buraco.
C. Flohr (Raízes, Lendas & Sangue - Uma Releitura do Folclore Brasileiro)
- Para te dizer a verdade, hoje o nascer do sol deixou-me um pouco deprimida. Ele assente, como se soubesse exatamente do que estou a falar. - Pois. Por vezes, as coisas são tão bonitas que fazem com que tudo o resto pareça pouco impressionante.
Colleen Hoover (Heart Bones)
Cada momento era uma ilusao salutar, como se confudisse o por-do-sol com campos dourados de girassol, para entao se fundir em seu despertar.
Ana Claudia Antunes (Amor de Pierrot (Portuguese Edition))
[...]Creio que, depois desse funesto meteoro, podemos passar ao vinho, visto que é um trovão líquido, uma cólera potável e um trespasse que faz morrer os bêbados de saúde. Por mais abstinentes que sejamos, ele, o insensato, é a causa pela qual a definição dada por Aristóteles para o homem animal racional seja falsa; pelo menos, durante três meses ao ano pode-se dizer que é no cabaré que se vende a loucura em garrafas, e duvido mesmo que ele não tenha ido até os céus fazer com que o Sol cheire seus vapores, vendo como se deita tão cedo todos os dias. A Terra bebeu tanto no século de Copérnico que se pôs a dar piruetas e, se agora se move, são seguramente ss que a bebedeira lhe faz fazer. Não deixo, contudo, de gostar de ver a aguardente detestar seu pai, porque ele é para mim a testemunha de que o vinho foi forçado a perder o espírito. Ei-nos, portanto, (neste momento) condenados a morrer de sede, visto que nossa bebida está envenenada. Vejamos se as frutas se salvaram do furor de dezembro. Ai de mim! Por uma única [fruta] comida por Adão, cem mil pessoas morreram ainda sem existirem, e se tivesse começado uma segunda, teria infalivelmente expulsado a Terra trinta léguas mais longe. Toda a natureza, agora, está dedicada ao suplício de seus criminosos; ela mesma os coloca no patíbulo, a árvore os atira de ponta-cabeça, o vento os sacode, o Sol os desprende, e os pássaros se saciam com seus troncos apodrecidos. Depois, senhor, não achais errado que eu me irrite quando dizem: “Eis frutas em bom estado”, pois como pode estar em bom estado alguém que se enforcou pessoalmente? Aqui, todos os campos são limitados por vergéis, onde as pedradas respondem à oferta, e não será uma ocasião de dúvida de inocência de uma raça que vemos lapidada a cada momento? Considerando as perniciosas, eu não saberia imaginar o que podem ser senão diabos familiares mais gordos e mais agitados do que os outros; o bosque que os produz tem o cuidado de esconder tal pecado com folhas, como se não tivesse bastante descaramento para desnudar suas partes pudendas; mas agora que se desnudou e que sua verdura caiu, somente se vêem folhas na Universidade. Os vermes, as aranhas e as lagartas atingiram a cima das árvores e, mesmo sendo calvas, não deixam de ter parasitas na cabeça. Este é ainda, sem dúvida, mais um dos serviços do outono que, temendo que morrêssemos apenas de uma morte, após nos ter retirado os alimentos, deunos veneno. O que nos poderia restar de puro entre tantas coisas cujo uso nos é necessário senão, talvez, um pouco de ar; mas ele o sufocou com o contágio. Hoje, a peste (esta doença sem-fim) mantém a morte presa à sua própria; ela derruba a economia do mundo até fazer com que um miserável nascido entre andrajos morra coberto de púrpura, e julgai se o fogo com que nos ataca é ardente, quando basta um carvão sobre um homem para consumi-lo. (trecho de carta)
Cyrano de Bergerac (Voyage dans la Lune)
[...]Dou-vos ainda este outro [livro], de que gosto muito mais, A Grande Obra dos Filósofos, que foi composto por um dos mais fortes espíritos do Sol. Nele, o autor prova que todas as coisas são verdadeiras e mostra a maneira de unir fisicamente as verdades de cada oposição, como, por exemplo, que o branco é preto e o preto é branco; que se pode ser e não ser ao mesmo tempo; que pode haver uma montanha sem vale; que o nada é alguma coisa e que todas as coisas que existem não existem. Mas observai que ele prova esses inauditos paradoxos sem nenhuma razão capciosa nem fraudulenta.[...]
Cyrano de Bergerac (Voyage dans la Lune)
Ode no cinquentenário do poeta brasileiro Esse incessante morrer que nos teus versos encontro é tua vida, poeta, e por ele te comunicas com o mundo em que te esvais. Debruço-me em teus poemas e nelo percebo as ilhas em que nem tu nem nós habitamos (ou jamais habitaremos!) e nessas ilhas me banho num sol que não é dos trópicos, numa água que não é das fontes mas que ambos refletem a imagem de um mundo amoroso e patético. Tua violenta ternura, tua infinita polícia, tua trágica existência no entanto sem nenhum sulco exterior – salvo tuas rugas, tua gravidade simples, a acidez e o carinho simples que desbordam em teus retratos, que capturo em teus poemas, são razões por que te amamos e por que nos fazes sofrer… Certamente não sabias que nos fazes sofrer. É didícil explicar esse sofrimento seco, sem qualquer lágrima de amor, sentiment de homens juntos, que se comunicam sem gesto e sem palavras se invadem, se aproximam, se compreendem e se calam sem orgulho. Não é o canto da andorinha, debruçada nos telhados da Lapa, anunciando que a tua vida passou à toa, à toa. Não é o médico mandando exclusivamente tocar um tango argentino, diante da escavação no pulmão esquerdo e do pulmão direito infiltrado. Não são os carvoeirinhos raquíticos voltando encarapitados nos burros velhos. Não são os mortos do recife dormindo profundamente na noite. Nem é tua vida, nem a vida do major veterano da guerra do Paraguai, a de Bentinho Jararaca ou a de Christina Georgina Rossetti: és tu mesmo, é tua poesia, tua pungengente, inefável poesia, ferindo as almas, fogo celeste, ao visitá-las; é o fenômeno poético, de que te constituíste o misterioso portador e que vem trazer-nos na aurora o sopro quente dos mundos, das armadas exuberantes e das situaçãoes exemplares que não suspeitávamos. Por isso sofremos: pela mensagem que nos confias entre ônibus, abafada pelo pregão dos jornais e mil queixas operárias; essa insistente mas discreta mensagem que, aos cinquenta anos, poeta, nos trazes; e essa fidelidade a ti mesmo com que nos apareces sem uma queixa, no rosto entretanto experiente, mão firme estendida para o aperto fraterno - o poeta acima da guerra e do ódio entre os homens -, o poeta ainda capaz de amar Esmeraldas embora a alma anoiteça, o poeta melhor que nós todos, o poeta mais forte - mas haverá lugar para a poesia? Efetivamente o poeta Rimbaud fartou-se de escrever, o poeta Maiakovski suicidou-se, o poeta Schmidt abastece de água o Distrito Federal… Em meio a palavras melancólicas, ouve-se o surdo rumor de combates longínquos (cada vez mais perto, mais, daqui a pouco dentro de nós). E enquanto homens suspiram, combatem ou simplesmente ganham dinheiro, ninguém perecebe que o poeta faz cinquenta anos, que o poeta permanece o mesmo, embora alguma coisa de extraordinário se houvesse passado, alguma coisa encoberta de nós, que nem os olhos traíram nem as mãos apalparam, susto, emoção, enternecimento, desejo de dizer: Emanuel, disfarçado na meiguice elática doa abraços,e uma confiança maior no poeta e um pedido lancinante para que não nos deixe sozinhos nesta cidade em que nos sentimos pequenos à espera dos maiores acontecimentos. Que o poeta nos encaminhe e nos proteja e que o seu canto confidencial ressoe para consolo de muitos e esperança de todos, os delicados e os oprimidos, acima das profissões e dos vãos disfarces do homem. Que o poeta Manuel Bandeira escute este apelo de um homem humilde.
Carlos Drummond de Andrade (Sentimento do Mundo)
Yo quiero salir del mundo por la puerta natural: en un carro de hojas verdes a morir me han de llevar. No me pongan en lo oscuro a morir como un traidor: yo soy bueno, y como bueno moriré de cara al sol. I wish to leave the world By its natural door; In my tomb of green leaves They are to carry me to die. Do not put me in the dark To die like a traitor; I am good, and like a good thing I will die with my face to the sun.
José Martí
A arquitetura do universo de Ptolomeu é tão amplamente conhecida agora, que tratarei dela com a maior brevidade possível. A Terra central (e esférica) é rodeada por uma série de globos ocos e transparentes, uns sobre os outros, e cada qual, é claro, maior do que os que estão abaixo. Essas são as "esferas celestes", os "céus", ou (às vezes) os "elementos". Há um corpo luminoso afixado a cada sete esferas celestes. A começar pela Terra, a ordem é Lua, Mercúrio, Vênus, Sol, Marte, Júpiter e Saturno; os "sete planetas". Para além da esfera celeste de Saturno, encontra-se o Stellatum, ao qual pertencem todas aquelas estrelas que ainda são chamadas de "fixas", porque o seu posicionamento relativo às outras é invariável, em contraste àqueles dos planetas. Para além do Stellatum, há uma esfera celeste chamada Primeiro Motor ou Primum Mobile. Isso porque ela não carrega nenhum corpo luminoso, não fornece nenhuma prova em si para os nossos sentidos; sua existência foi inferida por conta dos movimentos de todas as demais esferas. E o que tem para além do Primum Mobile? A resposta a essa questão inevitável foi dada em primeira instância por Aristóteles. "Do lado de fora do céu não há nem lugar, nem vácuo, nem tempo. Então, o que quer que esteja lá é de um tipo que não ocupa espaço, nem é afetado pelo tempo." 12 A timidez, a voz sussurrante, é uma característica do melhor paganismo. Adotada pelo cristianismo, a doutrina fala alto e de forma jubilosa. O que, em certo sentido, é "do lado de fora do céu" é agora, em outro sentido, "o próprio Céu", caelum ipsum, e repleto de Deus, como diz Bernardo. 13 As- sim, quando Dante passa pela última fronteira que lhe é proposta, ele diz: "Chegamos ao lado de fora do maior corpo [dei maggior corpo] existente dentro daquele Céu que é luz pura, luz intelectual, plena de amor ("Paraíso", XXX, 38). Em outras palavras, como deveremos ver com maior clareza mais adiante, nessa fronteira, toda forma de pensamento espacial sucumbe.
C.S. Lewis
Inferi que os demais passageiros perguntavam a si mesmos se aquilo de fato havia sido dito ou se imaginavam, se eram seus próprios demônios que também tinham fome dentro de suas cabeças ruidosas. E era como se pregássemos uma peça, nós dois, e fôssemos mais espertos do que o resto das pessoas naquele vagão, mais vívidos que seus rostos compenetrados de tédio, difusos, mal trabalhados. Depois me senti burro e inerte, porque estávamos todos juntos, afinal, no mesmo trem, indo para o mesmo lugar. Ofereci o isqueiro para acender o cigarro que ela tirava do maço; me ocorreu que queria minha atenção. Falei que poderíamos cultivar uma horta, aonde iríamos, mas ela tratou como um devaneio, mais um. E riu com a ideia de me ver sujo, metido num macacão. Provoquei assegurando que dali em diante iríamos subir em árvores, sentar nas colinas ao pôr do sol, que andaríamos nus de galochas e que se calhasse, meu amor, ficaríamos loucos, discutindo pela janela e quebrando pratos, móveis, com estardalhaço para que todos escutassem e exclamassem baixinho, com medo de que a gente ouvisse: “Os loucos chegaram na cidade”, como se fôssemos vikings invadindo uma aldeia murada; ou “Os loucos da cidade chegaram”, como se toda cidade precisasse de loucos e os encomendasse, e nós estivéssemos a caminho empacotados no vagão; ou então “Os loucos chegaram”, como se fosse um detalhe que alguém diz só por dizer; ou apenas “Loucos”, não mais que um resmungo, como se a cidade fosse louca também.
Henrique Barreto (A horta (Portuguese Edition))
...Paulo fala sobre a ira (Ef. 4.26,27). "Quando sentirdes raiva, não pequeis; e não conserveis a vossa raiva até o pôr do sol; nem deis lugar ao Diabo." Há dois tipos de raiva: a justa (4.26) e a injusta (4.31). Precisamos sentir raiva justa: a ira de Wilberforce contra a escravidão na Inglaterra é um exemplo de raiva justa. A raiva de Moisés contra a idolatria é outro exemplo clássico. A raiva de Lutero contra as indulgências é um dos mais claros exemplos desse ensinamento de Paulo. A raiva de Jesus no templo ao expulsar os cambistas é o exemplo por excelência desse princípio bíblico. ...Ninguém deve ficar raivado a não ser que esteja raivado contra a pessoa certa, no grau certo, na hora certa, pelo propósito certo e no caminho certo. Paulo qualifica sua expressão permissiva sentirdes raiva com três negativos: 1) "Não pequeis". Devemos nos assegurar de que nossa raiva esteja livre de orgulho, despeito, malícia ou espírito de vingança; 2) "Não conserveis a vossa raiva até o por do sol". Paulo não está permitindo a você ficar com raiva durante um dia, ele está exortando a não armazenar a raiva, pois pode virar raiz de amargura; 3) "Nem deis lugar ao Diabo". O diabo gosta de ficar espreitando as pessoas zangadas para tirar proveito da situação, como fez com Caim. p.122
Hernandes Dias Lopes (Efésios - Igreja a Noiva Gloriosa de Cristo (Efésios - Comentários Expositivos Hagnos))
Qualquer coisa que brilhe São eternos esta oficina mecânica, estes carros, a luz branca do sol. Neste momento, especialmente neste, a morte não ameaça, tudo é parado e vive, num mundo bom onde se come errado, delícia de marmitas de carboidrato e torresmos. Como gosto disso, meu deus! Que lugar perfeito! Ainda que volta e meia alguém morra, tudo é muito eterno, só choramos por sermos condizentes. Necessito pouco de tudo, já é plena a vida,tanto mais que descubro: Deus espera de mim o pior de mim, num cálice de ouro o chorume do lixo que sempre trouxe às costas desde que abri meus olhos, bebi meu primeiro leite no peito envergonhado de minha mãe. Ofereço cantando, estou nua, os braços erguidos de contentamento. Sou deste lugar, com tesoura cega cortei aqui o meu cabelo, sedenta de ouro esburaquei o chão atrás do que brilhasse. Pois o encontro agora escuro e fosco no dia radioso é único e não cintila. Veio de vós. A vida. Do opaco. Do profundo de Vós. Abba! Abba! Aceita o que me enoja, gosma que me ocultou Teu rosto. Vivo do que não é meu. Toma pois minha vida e não me prives mais desta nova inocência que me infundes. Selected by: W. Johnson
Adélia Prado (Miserere)
– Ontem à noite – começou Ventarrón –, saí para dar uma volta, depois que você dormiu, e vi uma luz por aí, e me aproximei para olhar. Naquele lugar existe um hotel, no alto de uma pequena montanha, e num primeiro momento acreditei que tinha se incendiado, de tanto brilho. Mas não havia fogo algum. Desci e me aproximei das janelas. Também não era uma festa. Era uma luz radioativa, que pulsava, e pulsava tanto que sacudia todo o hotel… Uma luz vermelha, horrível, e a temperatura tinha subido vários milhares de graus… Como não tinha nenhuma intenção de me transformar num vento atômico, me afastei e fiquei olhando. Aquilo ia de mal a pior. Eu mesmo comecei a ficar assustado. E olhe que sou o mais eficaz que há numa fuga. Mas sei que existem sustos a distância dos quais não vale a escapatória. E então, de repente, o hotel inteiro caiu, derretido como um floco de neve ao sol. E lá estava, livre, aceso e horrível, o Monstro… o menino que não deveria ter nascido. Sua voz, que já era grave, tinha adquirido uma ressonância de além-túmulo, muito pessimista. Suas últimas palavras fizeram um arrepio correr pelas costas de Delia. – Que menino…? Que monstro…? – Existe uma lenda que diz que um dia vai nascer, num hotel termal da zona, um menino dotado de todo o poder das transformações, um ser que será a cápsula de todos os ventos do mundo, o molde do vento, e, portanto, feio de espantar… pelo menos para mim, e para você, porque o que em mim está do lado de fora, nele está do lado de dentro, impulsionando todas as deformações. Já percebe que isso que eu estava vendo me dizia respeito. – E o que aconteceu? – Nada. Saí correndo e aqui estou. O problema é que agora o Monstro está solto e à sua procura. – Eu? Por que eu? – Porque assim diz a lenda – respondeu o vento, críptico. – E é óbvio que a lenda se transformou em realidade.
César Aira (Cómo me hice monja / La costurera y el viento)
Mulheres são os melhores juízes de mulheres. Disseram filósofos e moralistas, uns grandes santos como S. Paulo, e outros grandes ateus como Voltaire, que a mulher é um ser exuberante de sensibilidade, e apoucado de raciocínio. Daí vem o denegarem-lhe acesso às ciências abstractas, às políticas, aos parlamentos, ao magistério, às regiões intelectivas do maquinismo social, e mandaremnas cuidar dos filhos, e fiar na roca. Se o absurdo vinga, se, por alvitre grosseiro do mais forte, a mulher é um ente inepto para exercitar a razão, com que direito as julgamos e sentenciamos, segundo a razão, sendo as suas culpas demasias de sentimento. A injustiça é flagrante e odiosa. Privam-nas de razão para as excluírem das funções que a requerem; sentenciamnas pela razão, se o sentimento, seu dom essencial, as desvia do piso demarcado por ela. Isto é uma tirania, uma inquisição, uma crueza turca. A mulher não pode ser julgada por nós. Somos os senhores feudais da razão. A nossa alçada respira a prepotência do braço e cutelo. Estamos em insurreição permanente contra o santíssimo apostolado de Jesus, que baixou seu divino braço por igual sobre o homem e mulher. Não podemos superintender no foro do coração, porque a nossa jurisprudência é toda de cabeça, e o nosso código em pleitos de alma é estúpido ou hipócrita. Quem é o juiz da mulher? O homem que a despenha do abismo, onde a lançou o amor, ao abismo do opróbrio. É o homem, que lhe entalha o ferrete da ignomínia na face onde imprimira o beijo da perdição. O altar onde se adora uma mulher é ao mesmo tempo a asa onde ela se dá em holocausto. Pecadora por muito sentir e chorar, amar e crer, quando nos abre céus e céus de alegria e glória, abrimos-lhes nós o inferno dos desenganos, e o suplício extremo do descrédito. O mundo não as exija, mas afronta-as; o coração não as incrimina, mas agoniza na horrível soledade para onde a razão o desterra. E somos nós os juízes, porque entramos numa herança usurpada pela força primeiro, e legalizada depois pelo sofisma escrito. A mulher foi escrava do braço, antes de o ser da superioridade moral. Quando o homem chamou a ciência a dar um testemunho falso da sua primazia, a mulher, quebrantada pela escravidão do braço, não pôde remir-se com as forças do espírito. Ainda assim, o tirano, receoso da emancipação, fez em redor da escrava as trevas da ignorância, para que a razão da mulher não pudesse conceber da luz o germe que a reabilitasse. Pegou da formosa flor, cercou-a de estevas, cobriu-a de sombras por onde o sol não podia coar uma réstia reanimadora. Esta maquinação arteira sobreviveu a todas as borrascas sociais. Os fautores, e ainda os mártires da igualdade perante Deus e perante a lei, nunca proferiram uma palavra, nem verteram gota de sangue para o resgate moral da mulher. O Filho de Maria disse que a mulher era igual ao homem, e levou para o céu o segredo da sua emancipação. Ficámos nós cá, os açambarcadores do entendimento escrevendo livros, que sacrilegamente denominamos de moral derivada do Evangelho, e neles demarcamos a 47 profunda raia que estrema RAZÃO de SENTIMENTO. A razão para nós, o sentimento para elas. Se, todavia, o sentimento claudica nos preceitos da razão pautada e insofrida, condenamos a mulher pela culpa de se deixar perder na obscuridade, à míngua duma lâmpada que lhe negáramos.
Camilo Castelo Branco (O Que Fazem Mulheres)
Eu, de repente, Inflamo a minha flama E o dia fulge novamente. Brilhar para sempre, brilhar como um farol, brilhar com brilho eterno, gente é para brilhar, que tudo o mais vá pró inferno, este é o meu slogan, e o do Sol! - Poema «A Extraordinária Aventura Vivida por Vladimir Maiakóvski no Verão de Datcha», de Maiakóvski, tradução de Augusto de Campos.
Amor Towles (A Gentleman in Moscow)
Costuma-se dizer que os Ingleses são quem melhor sabe comemorar o Advento, mas, com o devido respeito, para testemunharmos a essência da alegria do inverno temos de nos aventurar mais a norte do que Londres. Temos de nos aventurar acima do quinquagésimo paralelo, até onde o curso do Sol é mais elíptico e a força do vento mais inclemente. Escura, fria e coberta de neve, a Rússia tem o tipo de clima em que o espírito do Natal mais brilha. E é por isso que Tchaikovski parece ter captado melhor do que ninguém o som desse espírito. Todas as crianças europeias do século XX não só conhecerão as melodias do Quebra-Nozes , mas também imaginaram o seu Natal como ele é retratado no bailado.
Amor Towles (A Gentleman in Moscow)
Ontem passeava com o meu amigo Jawdah quando começou a chover. Corremos a abrigar-nos e rimo-nos, pois ficámos completamente encharcados. Pouco depois, mal o tempo melhorou, fomos para casa. Eu fui ao terraço pendurar as minhas roupas, todas molhadas, pois já estava sol. Por coincidência, o meu amigo passou na rua nesse momento, depois de se trocar. Ao passar por baixo do meu estendal, caíram-lhe uns pingos na cabeça. Pensou que estava a começar a chover outra vez, mas eu chamei-o. Quando ele percebeu que os pingos eram da minha roupa, ficou furioso. Insultou-me, subiu as escadas e agrediu-me. Um homem suporta muita água, desde que ela venha dos céus, mas é incapaz de suportar umas gotas se elas vierem de um estendal. Nenhum homem dá socos no céu, mas as pessoas ao nosso lado são mais fáceis de culpar. Com um terramoto ninguém fica furioso, mas se eu abanar alguém sou agredido.
Afonso Cruz (Para Onde Vão Os Guarda-Chuvas)
Nós queremos que você seja responsável por dizer e representar, em nosso meio, aquilo em que acreditamos sobre Deus, o reino e o evangelho. Nós cremos que o Espírito Santo está entre nós e dentro de nós. Cremos que o Espírito de Deus continua a pairar sobre o caos do mal do mundo e o nosso pecado, moldando uma nova criação e novas criaturas. Cremos que, por sua vez, Deus não é um espectador divertido e alarmado com os destroços da história do mundo, mas um participante dela. Cremos que tudo, especialmente tudo que parece destroço, é material que Deus está usando para fazer uma vida de louvor. Cremos em tudo isso, mas não o vemos. Vemos, como Ezequiel, esqueletos desmembrados, esbranquiçados sob um impiedoso sol babilônico. Nós vemos muitos ossos que já pertenceram a crianças que riam e dançavam, a adultos que faziam amor e planos, a crentes que levavam suas dúvidas à igreja e ali cantavam seus louvores — e pecavam. Nós não vemos os dançarinos, os amantes ou os cantores — na melhor hipótese, temos apenas fugazes vislumbres deles. O que vemos são ossos. Ossos secos. Vemos pecado e julgamento sobre o pecado. Assim parece. Assim parecia a Ezequiel; assim parece a qualquer pessoa com olhos para ver e cérebro para pensar; e assim parece a nós. “Mas nós cremos em outra coisa. Cremos que esses ossos se juntam formando seres humanos conectados, com tendões e músculos, que falam, cantam, riem, trabalham, creem e bendizem o seu Deus. Cremos que isso aconteceu da maneira como Ezequiel pregou e cremos que ainda acontece. Cremos que isso aconteceu em Israel e acontece na Igreja. Cremos ser parte do acontecimento ao cantarmos nossos louvores, escutarmos com fé a Palavra de Deus, recebermos a nova vida de Cristo nos sacramentos. Cremos que a coisa mais importante que acontece ou pode acontecer é não estarmos mais desmembrados, mas sermos lembrados no corpo ressurreto de Cristo. “Precisamos de ajuda para manter nossas crenças nítidas, precisas e intactas. Não confiamos em nós mesmos — nossas emoções nos seduzem a praticarmos infidelidades. Sabemos que somos lançados em um difícil e perigoso ato de fé e que existem fortes influências desejosas de dissolvê-lo ou destruí-lo. Queremos que você nos ajude: seja nosso pastor, um ministro de palavra e dos sacramentos, no meio da vida deste mundo. Ministre-nos com a Palavra e com os sacramentos em todas as diferentes partes e estágios de nossas vidas — em nosso trabalho e diversão, com nossos filhos e nossos pais, no momento do nascimento e no da morte, em nossas celebrações e tristezas, naqueles dias em que a manhã irrompe sobre nós num banho de luz do sol, e naqueles outros dias em que só garoa. Essa não é a única tarefa na vida de fé, mas é a sua tarefa. Nós encontraremos outro alguém para fazer as outras tarefas importantes e essenciais. Esta é a sua: Palavra e sacramento.
Eugene H. Peterson (The Contemplative Pastor: Returning to the Art of Spiritual Direction (The Pastoral Series #4))
Os escribas se multiplicam pela terra, cada escriba faz o filho ser escriba, o qual escreva história de seu escriba pai: um escriba vê o outro e aprende a sê-lo também, ser escriba ou mestre de escribas ou guardião das escritas, ou herói das bibliotecas, gerente de engenhos de escritos, fazendo as sagradas escrituras. Quando o último escriba morrer, outro escriba ao lado pronto para tomar nota. Livro, já estiveste dentro de um sonho e te fiz despertar porque o sol é melhor que o sonho! Desconfio da dúvida, incorro numa certeza: zombo de esquecimento. Mostro e nego o monstro para o monstrengo: acredito no que não sei, três barrufos, três toques! Toco, tuco, tucum! Aconteceu-lhe ser. Haja. Que é que há? Falo tanto que minto algo: muito não está certo. Assisto, míope. Horizonte de cegos: quem tem muitos olhos, comparo aos cegos e às cegas, reis às vistas ou ao alcance de um óculos de ver longe. Cego não vê, não lê, não crê, não é? O escriba sonha com um herói cego? Pois haja cegos nessa Pérsia! Aconteceu-lhe um estado, golpe de graspa na couraça da carcassa. Ofereço o pensamento e só ouvem a voz? Tacanho tacuíno, canhenho alcuinho. Caí em mim e fiquei parado como caí, negando ecos e dizendo o contrário? Mim, quem? Sonho um pouco e já volto para a revanche. Caimcapim! Alminguém... O mundo esquece de nós quando dele nos esquecemos. Obedeço à distração: lembro do Lete, que só de me lembrar um olvido me crise. Dou um salto no claro. Errei. Sobrou uma? Uma vez só, e basta uma. O poeta fala do ciclope cego, cego falando de cegos: não precisa de rei. Rei é para mandar, apreciar, punir: lei, régua, cárcere. Cego não faz nada, portanto não erra, logo não é réu de nada. Báratro de cego, — cucas adentro, ver o fogo, apaga o fogo. Fogapagou, fugapogeu! Minotauroformou-se, cada um trate de ensimesmar-se, mesmo que seja cegovesgo! Vire para dentro a cara que forachove. A sengas arengas, parlongas flamingas: abismo na cabeça, jogo a cabeça no abismo, um hiato nos abismos, pelo prisma dos sofrismas, espicho a cabeça de lado, abismado. Lavo minhas mãos no sangue da vítima, chacoalhar o olho, chácolher de molho! Galope galego, peregringrenalda! Dá tempo ao tempo que atrasa até acabar. Cada um como cada qual vê qualquer como bem quer: por essas e por outras, fico com uma e outras. Os ídolos caem no pensamento, explodindo em adorações. A mãe do esquecimento deixa lembranças, assim veio a filha a fazer-se mãe de sua própria progenitora. Filósofo, louco de propósito; intérprete de verdades, setenciado por si mesmo, pregador contrário a si, mestre de ver, cego. O silêncio é bemaventurado, e ele o exalta falando demasiado? O arqueiro, cego: a flecha não tem pé nem cabeça. Cego, em silêncio, esquecido, esquece de tudo, emudece de surdo e enlouquece de novo. Silêncio, vaso ou vazio? De que lado do espelho estás? Sonho um eco.
Paulo Leminski (Catatau (Portuguese Edition))
Tu, Rússia, és como o cavalo! Dois cascos dianteiros projetados para a escuridão, pasa o zazio; e os dois cascos traseiros cravados firmemente no solo de granito. Queres tu também te separar da pedra que te segura, da mesma maneira que alguns dos teus filhos loucos que se apartaram do torrão pátrio - queres tu também te separar da pedra que te sustenta e ficar suspensa no ar, sem rédeas, para precipitar-te depois no caos das águas? Ou talvez queira lançar-te, rompendo as neblinas, através do espaço, para desaparecer, juntamente com os teus filhos, nas nuvens? Ou, empinada, puseste-te a meditar por muitos anos, oh, Rússia, diante do terrível destino que aqui te lançou - no meio deste norte soturno, onde até o ocaso leva muitas horas, onde o próprio tempo se lança, ora na noite gelada, ora - no resplendor do dia? Ou, temerosa do salto, baixarás novamente os cascos para levar, bufando, o enorme Cavaleiro das terras ilusórias para o fundo dos espaços planos? Que assim não seja!... Tendo uma vez se empinado e medido o espaço com o olhar, não baixará mais os cascos: o salto sobre a história: haverá; haverá uma grande agitação, rachar-se-á a terra; abalados pelo grande temor, irão ruir os próprios montes e as planícies queridas virarão um mar de corcovas. Nijni Nóvgorod, Vladímir e Uglitch ficarão sobre as corcovas. Mas Petersburgo afundará. Nesses dias todos os povos da terra irão arremeter-se de seus lugares; haverá uma grande batalha, - uma batalha inédita no mundo: hostes amarelas de asiáticos deixarão os locais tradicionais de sua habitação para manchar os campos da Europa com oceanos de sangue; haverá, haverá - Sushima! Haverá - uma nova Kalka!... Campo de Kulikovo, à tua espera estou! E neste dia o último sol resplandecerá sobre a minha terra pátria. Se, oh, Sol, se tu não nasceres, então, oh, Sol, as costas européias irão afundar sob o pesado calcanhar mongólico, e sobre essas costas irá encrespar-se a espuma; criaturas nascidas na Terra descerão novamente para o fundo dos oceanos - para o caos, progênito a muito tempo esquecido... Nasce, oh, Sol!
Andrei Bely (Petersburg)
Não são sentimentos verdadeiros, ou melhor, têm a mesma verdade que a luz do sol apaziguada por uma cortina. Ainda é a luz do sol, mas já não fere.
José Eduardo Agualusa (Barroco Tropical)
É a sensação de rodar, rodar, rodar, sem saber exatamente pra onde estava indo ou como se já estivesse no céu. Por que acredito totalmente que é pra lá que eu vou quando isso for decidido, quando for o momento. Eu não sabia o que estava acontecendo, porque eu não sabia como começou acontecer. Uma tarde de domingo, linda, maravilhosa, um sol belo, azul, 17h. Eu, ahn, ao contrário do que os homens pensam, eu dirijo muito bem. Porque pra dirigir Rio, São Paulo, Porto Alegre, precisa dirigir muito bem. Não tinha movimento e era incrível, era Domingo, era pra estar lotado de carros vindo da praia. Era verão. Dia 19 de dezembro de 1999, exatamente no dia que minha mãe se tivesse viva, estaria de aniversário. E eu vinha muito feliz, e eu estava indo muito feliz pra Santa Isabel, aonde esses amigos maravilhosos numa turnê que eu fiz com terapia sexual e que eles se tornaram amigos íntimos. Estávamos indo eu e a minha empresária, minha amiga querida, que hoje é minha amiga querida e não mais empresária, Berenice Lamônica, quando tudo começou a girar, girar, girar, girar e eu disse: "Berenice, segura, nós vamos bater". Nada mais me lembro! Nada mais me lembro! Apenas sei que foram horas e horas e horas e horas de resgate porque pensavam que eu estava realmente morta! (...) Eu tive sete vértebras realmente feridas, não pude nem mais fazer a novela, não pude mais nem...Eu tive que...Era natal, tive que ir com aquelas macas da Varig e tal, e realmente foi uma coisa terrível e foram meses e meses na cama de recuperação, foi uma coisa terrível. (...) Ah, eu tenho certeza absoluta que foi ele que me salvou! Aliás, a minha vida, eu digo: é uma antes do acidente e outra pós-acidente (...) A oração, sobretudo, a oração é que te recupera. E ali começou uma nova Leila, uma nova Leila! É esse Deus que me tirou dali, são esses anjos, esse Jesus Cristo meu irmão que me tirou dali. E um bom carro também, né, se pode falar! Se eu tivesse de um fusquinha que tem que empurrar - me desculpe os fusquinhas, acho ótimo - eu não estaria lá, com certeza. Não estaria mais aqui, eu seria também um anjo, tenho certeza. Porque tudo que eu faço na minha vida, sem pieguice, é tentar ser boa!
Leila Lopes
É a sensação de rodar, rodar, rodar sem saber exatamente para onde estava indo ou como se já estivesse no céu. Por que eu acredito totalmente que é pra lá que eu vou quando isso for decidido, quando for o momento. Eu não sabia o que estava acontecendo, porque eu não sabia como começou acontecer. Uma tarde de domingo, linda, maravilhosa, um sol belo, azul, 17h. Eu, ahn, ao contrário do que os homens pensam, dirijo muito bem. Porque pra dirigir Rio, São Paulo, Porto Alegre, precisa dirigir muito bem. Não tinha movimento e era incrível, era Domingo, era pra estar lotado de carros vindo da praia. Era verão. Dia 19 de dezembro de 1999, exatamente no dia que minha mãe se tivesse viva, estaria de aniversário. E eu estava muito feliz indo para Santa Isabel, aonde esses amigos maravilhosos numa turnê que eu fiz com terapia sexual e que eles se tornaram amigos íntimos. Estávamos indo eu e minha empresária, minha amiga querida, que hoje é minha amiga querida e não mais empresária, Berenice Lamonica, quando tudo começou a girar, girar, girar e eu disse: "Berenice, segura, nós vamos bater". Nada mais me lembro! Nada mais me lembro! Apenas que sei foram horas e horas e horas e horas de resgate porque pensaram que eu estava realmente morta.
Leila Gomes Lopes
Escolhido por engano, não era sua hora, Um herói que, em Valhala, não pode permanecer agora. Em nove dias o sol irá para o leste, Antes que a Espada do Verão a fera liberte.
Rick Riordan (A Espada do Verão (Magnus Chase e os Deuses de Asgard, #1))
Não queremos a mera contemplação da beleza, embora, Deus o sabe, isso já constitua grande privilégio. O que queremos dificilmente seria dito em palavras — ser integrados à beleza que vemos, queremos ser como ela, tê-la em nós, mergulhar nela, fazer parte dela. Por isso povoamos os ares, a terra e a água de deuses, e ninfas, e gnomos — para que, embora não possamos nós, possam essas projeções gozar a beleza, a graça e o poder de que a natureza é imagem. É por isso que os poetas contam-nos mentiras tão adoráveis. Falam como se as mais leves brisas pudessem de fato penetrar na alma humana; mas não podem. Dizem-nos que "a beleza nascida de um murmúrio" pode tomar a forma de um rosto; mas não pode. Pelo menos por enquanto. Porque, se levarmos a sério as imagens das Escrituras, se acreditarmos que Deus nos dará um dia a estrela da manhã e nos revestirá do esplendor do sol, então bem podemos suspeitar que os mitos antigos e a poesia moderna, tão falsos historicamente, podem estar bem próximos da verdade quanto a profecia. No momento, estamos do lado de fora do mundo, do lado errado da porta. Discernimos o frescor e a pureza da manhã, mas esse frescor e essa pureza não nos contagiam. Não nos fundimos com o esplendor que vemos. Mas todas as páginas do Novo Testamento murmuram um rumor de que não será sempre assim. Um dia, queira Deus, haveremos de entrar. Quando a alma humana atingir a perfeição na obediência voluntária, como ocorre na criação inanimada, revestir-se-á de glória, uma glória maior da qual a natureza é apenas o primeiro esboço.
C.S. Lewis
Esquécese de todo e o mar chámalle na lembranza, chámalle con forza, duramente, mentres ela bota a melena para atrás, sen se decatar, mecanicamente, porque na praia un rapaz dille estás moi guapa e ela sente como se a enchesen de areas toda por dentro e o rapaz cóllelle a man e bícanse e nadan xuntos e o sol vainos dourando, emborrachando, e ela non di nada porque o rapaz fala, fala, fala e ela non quere saber nada, oír nada, senón soñar, soñar, só soñar e pasar as tardes na illa bailando cos pes metidos na auga e coas caras ben xuntiñas, collidos, electrizados subindo por aquel monte de lume, subindo entre brasas, subindo ata que aquela forza poderosa se desfaga en luciñas de cores e non quede máis que a quente recordanza fumegando, correndo para ver unha película italiana que ela volverá ver despois alá na cidade chuviosa de inverno, contándolle todo á súa amiga, chorando, non de rabia, non de desengano, senón de tristeza ou de noxo, chorando primeiro sen saber ben por que, despois pola chuvia, porque non hai sol, porque non hai mar, porque non ten praia, porque non o ten a el, chorando e contestando a unha carta e outra e outra ata que un día deixa de escribir porque non ten ganas e as lembranzas xa non lle din moito alí no "whisky-club", falando con outros rapaces, bailando, dicindo cal é o teu signo do horóscopo e a min gústanme os rapaces de vintecinco anos e el era un neno de dezasete, qué parva, cómo pasa o tempo, qué parva que é unha ás veces.
Carlos Casares (Vento ferido)
Para explicar o êxito de seus negócios, John Rockefeller costumava dizer que a natureza recompensa os mais aptos e castiga os inúteis. Mais de um século depois, muitos donos do mundo continuam acreditando que Charles Darwin escreveu seus livros para lhes prenunciar a glória. Sobrevivência dos mais aptos? A aptidão mais útil para abrir caminho e sobreviver, o killing instinct, o instinto assassino, é uma virtude humana quando serve para que as grandes empresas façam a digestão das pequenas empresas e para que os países fortes devorem os países fracos, mas é prova de bestialidade quando um pobre-diabo sem trabalho sai a buscar comida com uma faca na mão. Os enfermos da patologia antissocial, loucura e perigo de que cada pobre é portador, inspiram-se nos modelos de boa saúde do êxito social. O ladrão de pátio aprende o que sabe elevando o olhar rasteiro aos cumes: estuda o exemplo dos vitoriosos e, mal ou bem, faz o que pode para lhes copiar os méritos. Mas “os fodidos sempre serão fodidos”, como costumava dizer Dom Emílio Azcárraga, que foi amo e senhor da televisão mexicana. As possibilidades de que um banqueiro que depena um banco desfrute em paz o produto de seus golpes são diretamente proporcionais às possibilidades de que um ladrão que rouba um banco vá para a prisão ou para o cemitério. Quando um delinquente mata por dívida não paga, a execução se chama ajuste de contas; e se chama plano de ajuste a execução de um país endividado, quando a tecnocracia internacional resolve liquidá-lo. A corja financeira sequestra os países e os arrasa se não pagam o resgate. Comparado com ela, qualquer bandidão é mais inofensivo do que Drácula à luz do sol. A economia mundial é a mais eficiente expressão do crime organizado. Os organismos internacionais que controlam a moeda, o comércio e o crédito praticam o terrorismo contra os países pobres e contra os pobres de todos os países, com uma frieza profissional e uma impunidade que humilham o melhor dos lança-bombas.
Eduardo Galeano (Upside Down: A Primer for the Looking-Glass World)
Às vezes, o fiel Anastácio seguia-o no descanso e ambos, lado a lado, à sombra de uma fruteira mais copada, ficavam a ver o ar pesado daqueles dias de verão que enrodilhava as folhas das árvores e punha nas coisas um forte acento de resignação mórbida. Então, aí por depois do meio-dia, quando o calor parecia narcotizar tudo e mergulhar em silêncio a vida inteira, é que o major percebia bem a alma dos trópicos, feita de desesncontros como aquele que se via agora, de um sol alto, claro, olímpico, a brilhar sobre um torpor de morte, que ele mesmo provocava
Lima Barreto (O Triste Fim de Policarpo Quaresma)
Lewis sugeriu: “Creia em Deus assim como você crê no nascer do sol. Não por poder vê-lo, mas, sim, por enxergar tudo aquilo que ele toca.
Alberto R. Timm (Meditações Diárias 2018 - Um Dia Inesquecível (Portuguese Edition))