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[…] Depois de algum tempo, de ter perguntado pelo Tô Manel a várias pessoas, lembrei-me de ir tentar a sorte no ponto de encontro. Meti-me na bicha e fui escutando os apelos que as pessoas iam fazendo em busca dos seus familiares: “me chamo Fololinda Gouveia, estou a precurar meu filho que desapareceu em oitenta e nove, nome dele mais conhecido é Joãozinho Gouveia, peço só nas pessoas que estão a me ouvir favor só de lhe falarem que mãe dele está lhe precurar, moro no Cazenga”; “Meu nome é André Sapanjo, estou a precurar minha mulher que fugiu com outro homem em noventa e dois, uma grande cabra!, perdão!, não era isso que queria dizer, faz só favor de cortar nesta parte, cabra era no antigamente, agora que estou com a palavra do Senhor no coração não lhe posso chamar nem de cabra nem de puta, ai! ai! ai!, corta, corta, corta só também nesta palavra de puta que é muito feia, já cortou?, hã, ok…, nome dela da minha santinha é Madalena, quero que ela volta, volta só mana Lena, minha fofinha, agora estou bem na vida, mijo forte, tenho carros nas lundas, aqui em Luanda tenho várias lojas e carros, vou te dar cama e mesa, vais ver só no amor que vou te dar, moro na Mabor!”; “Meu nome que me pusseram com ele no baptismo é Mana Maria Teresinha do Menino Jesus, diga?, juro mesmo é esse nome que me pusseram com ele!, me chamam também mana Teté, estou só a precurar no pai das crianças que ele me deixou quando quando foi na tropa em oitenta e nove, o nome dele?, o nome dele mesmo é Zeca, Zeca quê?, Zeca só!, o outro nome dele nunca lhe perguntei, mas está aqui foto dele, peço só para me falarem onde é que ele está, vivo ou morto!, Zeca vem só na casa, as crianças estão te chorar todos dias!, moro no Golfe perto da paragem dos autocarros.” Uma velha, de panos, falando umbundo, olhava atentamente para cãmera da TPA que fazia o registo dos apelos e gesticula como se estivesse a ver a imagem da pessoa que procurava reflectida no olhp da câmera: “ Onde é que andas meu Neto?, desde que foste na tropa não voltaste mais porquê?, te mataram nos bandidos ou quê?, fala só meu neto, fala, não faz mais sofrer na tua mãe e na tua avó, ouviste? Vem só na casa, estamos a morar na mesma casa aqui em Luanda, ele me ouviu né?, só logo a noite no Nação Coragem?, não faz mal, mas tenho certeza que está hora ele já me viu falar”. Quando chegou a minha vez exibi foto dele que dona Marília me tinha enviado com a carta, era uma foto muito antiga tirada nos anos sessenta que, talvez por isso, era capaz de não ajudar nada, o Tô hoje deve ter mais ou menos a minha idade, mas pronto, deixei a foto e a filiação dele, e acrescentei que ele devia de estar na província da Huíla, e a única forma de eu puder ser contactodo caso alguém soubesse do Tô era só memso na portária da Rádio. Pessoas que estvam por perto ainda se admiraram por um preto vir procurar paradeiro de um branco, por isso me olharam só dessas – as dúvidas. Sei que a foto dele passou várias vezes no Nação Coragem e depois, cerca de quarenta dias após minha ida no Ponto de Encontro, a Rádio pela mesma via mandou-me chamar: o Tô manel tinha morrido naufragado ao largo sudoeste da africano.[…]
— Noites de Vigília, de Boaventura Cardoso
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