Mia Couto Quotes

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Listen, and you will realize that we are made not from cells or from atoms. We are made from stories.
Mia Couto
Quem viveu pregado a um só chão não sabe sonhar outros lugares.
Mia Couto (Jesusalém)
A vida é demasiado preciosa para ser esbanjada num mundo desencantado.
Mia Couto (Jesusalém)
Every morning the gazelle wakes up knowing she must run faster than the lion or will be dead. Every morning the lion wakes up knowing he must run faster than the gazelle or he'll starve. It doesn't matter if you are a lion or a gazelle: when the sun rises you better start to run.
Mia Couto (A Confissão da Leoa)
Não viver é o que mais cansa.
Mia Couto (Jesusalém)
Dentro de cada um há o seu escuro. E nesse escuro só mora quem lá inventamos. Somos nós quem enchemos o escuro com os nossos medos.
Mia Couto
A saudade é uma tatuagem na alma: só nos livramos dela perdendo um pedaço de nós.
Mia Couto (O Outro Pé da Sereia)
Não é segurando nas asas que se ajuda um pássaro a voar. O pássaro voa simplesmente porque o deixam ser pássaro.
Mia Couto (Jesusalém)
Saudade de um tempo? Tenho saudade é de não haver tempo.
Mia Couto (O Último Voo do Flamingo)
Ideas, we all know, are not born in people's heads. They begin somewhere out there, loose wisps of smoke swirling directionless in their search for a befitting mind.
Mia Couto
- Não gosto de pretos, Kindzu. - Como? Então gosta de quem? Dos brancos? - Também não. - Já sei: gosta de indianos, gosta da sua raça. - Não. Eu gosto de homens que não tem raça. É por isso que eu gosto de si, Kindzu.
Mia Couto (Sleepwalking Land)
A gente não vai para o céu. É o oposto: o céu é que nos entra, pulmões adentro. A pessoa morre e é engasgada em nuvem.
Mia Couto (Um Rio Chamado Tempo, Uma Casa Chamada Terra)
Só há um modo de escapar de um lugar: é sairmos de nós. Só há um modo de sairmos de nós: é amarmos alguém.
Mia Couto (A Confissão da Leoa)
Na guerra, os pobres são mortos. Na paz, os pobres morrem.
Mia Couto (A Confissão da Leoa)
Sou feliz só por preguiça. A infelicidade dá uma trabalheira pior que doença: é preciso entrar e sair dela, afastar os que nos querem consolar, aceitar pêsames por uma porção da alma que nem chegou a falecer.
Mia Couto (Mar me Quer)
Ainda lembrei de suas palavras amadurecendo uma esperança para mim quando eu de tudo descria: -Não vê os rios que nunca enchem o mar? A vida de cada um também é assim: está sempre toda por viver.
Mia Couto (O Último Voo do Flamingo)
Matar o patrão? Mais difícil é matar o escravo dentro de nós.
Mia Couto (O Último Voo do Flamingo)
O bom do caminho é haver volta. Para ida sem vinda basta o tempo.
Mia Couto (Um Rio Chamado Tempo, Uma Casa Chamada Terra)
Não chegamos realmente a viver durante a maior parte da nossa vida. Desperdiçamo-nos numa espraiada letargia a que, para nosso próprio engano e consolo, chamamos existência. No resto, vamos vagalumeando, acesos apenas por breves intermitências.
Mia Couto (Jesusalém)
Afinal, em meio da vida sempre se faz a inexistente conta: temos mais ontens ou mais amanhãs?
Mia Couto (Sleepwalking Land)
He who seeks eternity should look at the sky, he who seeks the moment, should look at the cloud.
Mia Couto (The Tuner of Silences)
(Escre)ver-me nunca escrevi sou apenas um tradutor de silêncios a vida tatuou-me nos olhos janelas em que me transcrevo e apago sou um soldado que se apaixona pelo inimigo que vai matar
Mia Couto (Raiz de Orvalho e Outros Poemas / O Fio das Missangas)
Todas as manhãs a gazela acorda sabendo que tem que correr mais veloz que o leão ou será morta. Todas as manhãs o leão acorda sabendo que deve correr mais rápido que a gazela ou morrerá de fome. Não importa se és um leão ou uma gazela: quando o Sol desponta o melhor é começares a correr.
Mia Couto (A Confissão da Leoa)
Um exército de ovelhas liderado por um leão é capaz de derrotar um exército de leões liderado por uma ovelha.
Mia Couto (A Confissão da Leoa)
[...] a vida é a espera do que pode ser vivido.
Mia Couto (A Confissão da Leoa)
Não é que eu não tenha fé na humanidade. Deixei foi de acreditar nos homens.
Mia Couto (Um Rio Chamado Tempo, Uma Casa Chamada Terra)
Há mulheres que procuram um homem que lhes abra o mundo. Outras buscam um que as tire do mundo. A maior parte, porém, acaba se unindo a alguém que lhes tira o mundo.
Mia Couto (Contos do Nascer da Terra)
Agora, eu via o meu país como uma dessas baleias que vêm agonizar na praia. A morte nem sucedera e já as facas lhe roubavam pedaços, cada um tentando o mais para si
Mia Couto (Sleepwalking Land)
Love is a territory where orders can't be issued.
Mia Couto (The Tuner of Silences)
a velhice não nos dá nenhuma sabedoria, simplesmente autoriza outras loucuras.
Mia Couto (A Varanda do Frangipani)
Toda a estória se quer fingir verdade. Mas a palavra é um fumo, leve demais para se prender na vigente realidade. Toda a verdade aspira a ser estória. Os factos sonham ser palavra, perfumes fugindo do mundo.
Mia Couto (Estórias Abensonhadas)
De que vale ter voz se só quando não falo é que me entendem? De que vale acordar se o que vivo é menos do que o que sonhei?
Mia Couto (O Fio das Missangas)
-Morreram milhares de moçambicanos,nunca vos vimos cá.Agora,desaparecem cinco estrangeiros e já é o fim do mundo?
Mia Couto (O Último Voo do Flamingo)
Depois de tantos anos, deixamos de viver na casa e passamos a ser a casa onde vivemos. - É como se as paredes nos vestissem a alma
Mia Couto (Venenos de Deus, Remédios do Diabo)
Rir junto é melhor do que falar a mesma língua. Ou talvez o riso seja uma língua anterior que fomos perdendo à medida que o mundo foi deixando de ser nosso.
Mia Couto (Venenos de Deus, Remédios do Diabo)
O silêncio não é a ausência da fala, é o dizer-se tudo sem nenhuma palavra.
Mia Couto (O Outro Pé da Sereia)
De que vale ter crença em Deus se perdemos a fé nos homens?
Mia Couto
Por que não escreveste nunca? Não é de te ler que mais tenho saudade. É o som da faca rasgando o envelope que trazia a tua carta. E sentir, de novo, uma caricia na alma, como se algures estivessem golpeando um cordão umbilical
Mia Couto (Jesusalém)
Cada um descobre o seu anjo tendo um caso com o demónio.
Mia Couto
Aqueles que matámos, por mais estranhos e inimigos que sejam, tornam-se nossos parentes para sempre. Nunca mais se retiram, permanecem mais presentes que os vivos.
Mia Couto (A Confissão da Leoa)
- O senhor não tem cor, Doutor. As pessoas não têm cores. Ou têm cores que não têm nome.
Mia Couto (Venenos de Deus, Remédios do Diabo)
Havia duas maneiras de partir: uma era ir embora, outra era enlouquecer.
Mia Couto
A velhice o que é senão a morte estagiando em nosso corpo?
Mia Couto (A Varanda do Frangipani)
Nós, mulheres, estamos sempre sob a sombra da lâmina: impedidas de viver enquanto novas; acusadas de não morrer quando já velhas.
Mia Couto (A Varanda do Frangipani)
A política é desses incêndios que se acendem na casa do outro e quem arde é a nossa casa.
Mia Couto (Vinte e zinco)
As estrelas são os olhos de quem morreu de amor.
Mia Couto (Estórias Abensonhadas)
Ensinar a ler é sempre ensinar a transpor o imediato. é ensinar a escolher entre sentidos visíveis e sentidos invisíveis. é ensinar a pensar no sentido original da palavra "pensar" que significava "curar ou "tratar" um ferimento.
Mia Couto (E Se Obama Fosse Africano?)
But in the end, there will still be a morning like this one, full of new light, and a distant voice will be heard, like a memory of before we became people. And the tones of a song will well up, the gentle lull of the first mother. This song, yes indeed, will be ours, the memory of a deep root that they were unable to wrench out of us. This voice will give us the strength for a new beginning, and upon hearing it, the corpses will find peace in their graves and the survivors will embrace life with the simple joy of young lovers. All this will happen if we are able to rid ourselves of this time that has made animals out of us. Let us strive to die like the people we no longer are.
Mia Couto
Casuarino se intemperou, gasto pela contrariação de Arcanjo Mistura. Vá pentear macacos, seria o impropério apropriado. Não é, porém, coisa que se diga a um barbeiro.
Mia Couto (O Outro Pé da Sereia)
[...] era preciso deixar de existir para notarem a minha existência.
Mia Couto (A Confissão da Leoa)
A morte é uma brevíssima varanda.Dali se espreita o tempo como a águia se debruça no penhasco- em volta todo o espaço se pode converter em esplêndida voação.
Mia Couto (O Último Voo do Flamingo)
- Aí é que você se engana, Nhonhoso: eu não sou bom. Sou é muito vagaroso nas maldades.
Mia Couto (A Varanda do Frangipani)
O voar não vem da asa. O beija-flor, tão abreviadinho de asa, não é o que voa mais perfeito?
Mia Couto (A Varanda do Frangipani)
Ser menino é estar cheio de céu por cima.
Mia Couto (Pensageiro Frequente)
Toda a roupa recebe a alma de quem a usa.
Mia Couto (Um Rio Chamado Tempo, Uma Casa Chamada Terra)
o ar é uma pele, feita de poros por onde escoa a luz, gota por gota, como um suor solar.
Mia Couto (Um Rio Chamado Tempo, Uma Casa Chamada Terra)
A morte é como o umbigo: o quanto nela existe é a sua cicatriz, a lembrança de uma anterior existência.
Mia Couto (Um Rio Chamado Tempo, Uma Casa Chamada Terra)
As pálpebras limpam os olhos de poeiras. Que pálpebras limpam as poeiras do coração?
Mia Couto (Na Berma de Nenhuma Estrada e Outros Contos)
Beijo não se dá nem se recebe. A vida é que beija, recíproca. Repito, mano: a vida é que nos beija, dois seres se resumindo num único infinito.
Mia Couto (Estórias Abensonhadas)
Quem não tem amigo é que viaja sem bagagem
Mia Couto (Sleepwalking Land)
- Existe dois tipos de pretos: os calçados e os pretos.
Mia Couto (Vinte e zinco)
Só tem viagem quem recebe adeuses.
Mia Couto (O Outro Pé da Sereia)
-Back there our sun doesn't speak. -Where's "there," Miss Marta? -Back there, in Europe. Here, it's different. Here, the sun moans, whispers, shouts. -Surely-I commented delicately-the sun is always the same. - You're wrong. There, the sun is a stone. Here it's a fruit.
Mia Couto (The Tuner of Silences)
Ele já tinha visto os homens. E aqueles não eram diferentes dos que conhecera antes. Começamos por pensar que são heróis. Em seguida, aceitamos que são patriotas. Mais tarde, que são homens de negócios. Por fim, que não passam de ladrões.
Mia Couto (Um Rio Chamado Tempo, Uma Casa Chamada Terra)
Porque esta guerra não foi feita para vos tirar do país mas para tirar o país de dentro de vós.
Mia Couto (Sleepwalking Land)
A morte, afinal, é uma corda que nos amarra as veias. O nó está lá desde que nascemos. O tempo vai esticando as pontas da corda, nos estancando pouco a pouco.
Mia Couto (Sleepwalking Land)
Aquele momento confirmava: o melhor da vida é o que não há-de vir.
Mia Couto (Sleepwalking Land)
- Amar - disse ele - é estar sempre chegando.
Mia Couto (Venenos de Deus, Remédios do Diabo)
- Escutar também é falar.
Mia Couto (Venenos de Deus, Remédios do Diabo)
Os meninos não sabem que o escuro só existe é dentro de nós.
Mia Couto (O Gato e o Escuro)
O que perdemos acontece depressa.
Mia Couto (Um Rio Chamado Tempo, Uma Casa Chamada Terra)
Um herói é como o santo. Ninguém lhe ama de verdade. Se lembram dele em urgências pessoais e aflições nacionais.
Mia Couto (A Varanda do Frangipani)
A missanga, todos a vêem. Ninguém nota o fio que, em colar vistoso, vai compondo as missangas. Também assim é a voz do poeta: um fio de silêncio costurando o tempo.
Mia Couto (O Fio das Missangas)
A saudade é a única dor que me faz esquecer as outras dores.
Mia Couto (O Outro Pé da Sereia)
A viagem não começa quando se percorrem distâncias, mas quando se atravessam as nossas fronteiras interiores. A viagem acontece quando acordamos fora do corpo, longe do último lugar onde podemos ter casa.
Mia Couto (O Outro Pé da Sereia)
- Seja que dia for, é bom voltar. Voltar, agora que temos paz... Sem desviar os olhos da penerira, Hanifa Assulua reclamou, em surdina. Eu falava da Paz? Qual Paz? - Talvez para eles, os homens - disse. - Porque nós, mulheres, todas as manhãs continuamos a despertar para uma antiga e infindável guerra.
Mia Couto (A Confissão da Leoa)
Não sei se tenho mais felicidade que tu: possuo uma casa para onde regressar. Tenho os meus pais, tenho os círculos onde me confirmo igual àquilo que os outros esperam de mim. Os que me amam aceitaram que eu tivesse partido. Mas exigem que volte a mesma, reconhecível, como se a viagem fosse um caso passageiro.
Mia Couto (Jesusalém)
- Uma coisa é certa, disse Southman, vocês, daquele lado, e nós, deste lado, temos uma única luta, a afirmação dos negros... - Irrita-me, senhor Benjamin, esse discurso da afirmação dos negros. - Irrita-o porquê? - O que diria você se encontrasse uns brancos proclamando o orgulho de serem brancos: não diria que eram nazis, racistas? - Não pode comparar, meu amigo. São percursos diferentes... - Ora, diferentes, diferentes... Por que somos tão complacentes connosco próprios? - A verdade é só uma, afirmou Benjamin, nós, os negros, temos que nos unir... - É o contrário. - O contrário, como? Sugere que nos devemos desunir? - Nós temos que lutar para deixarmos de ser pretos, para sermos simplesmente pessoas.
Mia Couto (O Outro Pé da Sereia)
segundo ele, o corpo era feito de tempo. Acabado o tempo que nos é devido, termina também o corpo. Depois de tudo, sobra o quê? Os ossos. O não-tempo, a nossa mineral essência. Se de alguma coisa temos que tratar bem é do esqueleto, nossa tímida e oculta eternidade.
Mia Couto (O Último Voo do Flamingo)
Em toda a vida, teve um único desempenho: ser pai. E todo o bom pai enfrenta a mesma tentação: guardar para si os filhos, fora do mundo, longe do tempo.
Mia Couto (Jesusalém)
O que faz andar a estrada? É o sonho. Enquanto a gente sonhar a estrada permanecerá viva. É para isso que servem os caminhos, para nos fazerem parentes do futuro.
Mia Couto (Sleepwalking Land)
Todos nós somos impossíveis tradutores de sonhos. Na verdade, os sonhos falam em nós o que nenhuma palavra sabe dizer.
Mia Couto (E Se Obama Fosse Africano?)
And that is what a writer is—a traveller between identities, a smuggler of souls.
Mia Couto (Pensativities: Selected Essays)
Que o amor acontece para a gente desacontecer.
Mia Couto (Venenos de Deus, Remédios do Diabo)
O tempo ė o eterno construtor de antigamente.
Mia Couto (O Último Voo do Flamingo)
Talvez, quem sabe, cumprisse o que sempre fora: sonhador de lembranças, inventor de verdades. Um sonâmbulo passeando entre o fogo. Um sonâmbulo como a terra em que nascera.
Mia Couto (Sleepwalking Land)
O que importa não é passear de noite mas deixar a noite passear-se em nós.
Mia Couto (Vinte e zinco)
O que fizeram esses brancos foi ocuparem-nos.Não foi só a terra: ocuparam-nos a nós,acamparam no meio das nossas cabeças.Somos madeira que apanhou chuva.Agora não acendemos nem damos sombra.Temos que secar à luz de um sol que ainda não há.Esse sol só pode nascer dentro de nós.
Mia Couto (O Último Voo do Flamingo)
O pai faz abrir a mala do automóvel e de lá espreitam embrulhos e celofanes. São mais os enfeites que os conteúdos, mas não é assim mesmo a festa: feita de ilusão e brilhos maiores que as substâncias?
Mia Couto (O Fio das Missangas)
Dormir com alguém é a intimidade maior. Não é fazer amor. Dormir, isso é que é íntimo. Um homem dorme nos braços de mulher e a sua alma se transfere de vez. Nunca mais ele encontra suas interioridades.
Mia Couto
Uma mulher não pode existir sozinha, sob o risco de deixar de ser mulher. Ou se converte, para tranquilidade de todos, numa outra coisa: numa louca, numa velha, numa feiticeira. Ou, como diria Silvestre, numa puta. Tudo menos mulher. Foi isto que eu disse a Noci: neste mundo só somos alguém se formos esposa.
Mia Couto (Jesusalém)
Foi por isso que fizeram esta guerra, para envenenar o ventre do tempo, para que o presente parisse monstros em lugar de esperança. (...) Porque esta guerra não foi feita para vos tirar do país mas para tirar o país de dentro de vós.
Mia Couto (Sleepwalking Land)
Perseguida pelo medo da velhice, deixei envelhecer a nossa relação. Ocupada em me fazer bela, deixei escapar a verdadeira beleza, que apenas mora no desnudar do olhar. O lençol esfriou, a cama se desaventurou. Esta é a diferença: a mulher que tu encontraste aí, em África, fica bela apenas para ti. Eu ficava bela para mim, que é um outro modo de dizer: para ninguém.
Mia Couto (Jesusalém)
A diferença entre a Guerra e a Paz é a seguinte: na Guerra, os pobres são os primeiros a serem mortos; na Paz os pobres são os primeiros a morrer. Para nós, mulheres, há ainda uma outra diferença: na Guerra, passamos a ser violadas por quem não conhecemos.
Mia Couto (Mulheres de Cinzas (As Areias do Imperador, #1))
E os olhos do escuro de amarelaram. E se viram escorrer, enxofrinhas, duas lagriminhas amarelas em fundo preto. O escuro ainda chorava: - Sou feio. Não há quem goste de mim. - Mentira, você é lindo. Tanto como os outros. - Então porque não figuro nem no arco-íris? - Você figura no meu arco-íris. - Os meninos têm medo de mim. Todos têm medo do escuro. - Os meninos não sabem que o escuro só existe é dentro de nós. - Não entendo, Dona Gata. - Dentro de cada um há o seu escuro. E nesse escuro só mora quem lá inventamos. Agora me entende? - Não estou claro, Dona Gata. - Não é você que me te medo. Somos nós que enchemos o escuro com nosso medos.
Mia Couto (O Gato e o Escuro)
Se permanecesse imóvel por um tempo, aconteceria o inverso daquilo que ela esperava: as letras é que começariam a olhar para ela. E iriam segredar-lhe histórias. Tudo aquilo parecem desenhos, mas dentro das letras estão vozes. Ao lermos não somos o olho; somos o ouvido.
Mia Couto (Mulheres de Cinzas (As Areias do Imperador, #1))
O BEIJO E A LÁGRIMA Quero um beijo, pediu ela. Um sismo abalou o peito dele. E devotou o calor de lava dos seus lábios, entontecida água na cascata. Entusiamado, ele se preparou para, de novo, duplicar o corpo e regressar à vertigem do beijo. Mas ela o fez parar. Só queria um beijo. Um único beijo para chorar. Há anos que não pranteava. E a sua alma se convertia em areia do deserto. Encantada, ela no dedo recolheu a lágrima. E se repetiu o gesto com que Deus criou o Oceano.
Mia Couto (Idades Cidades Divindades)
But in the end, there will still be a morning like this one, full of new beginning and a distant voice will be heard like a memory of before you became people. And the tones of the song will well up, the gentle lull of the first mother. This song yes, indeed will be ours. The memory of a deeper root that they were unable to wretch out of us. All this will happen if we are able to rid ourselves of this time that has made animals out of us. Let us strive to die like the people we no longer are. Let the animal die that this world has turned us into.
Mia Couto (Sleepwalking Land)
Quem acha doce a terra natal ainda é um tenro principiante; aquele para quem toda a terra é natal já é forte; mas é perfeito aquele para quem o mundo inteiro é um lugar estrangeiro. A alma tenra fixou seu amor num único ponto do mundo; a pessoa forte estendeu o seu amor a todos os lugares; o homem perfeito extinguiu o seu. (Hugo de St. Victor, monge saxão do século XII, citado por Edward Said)
Mia Couto (O Outro Pé da Sereia)
Antigamente, não havia senão noite. E Deus pastoreava as estrelas no céu. Quando lhes dava mais alimento elas engordavam e a sua pança abarrotava de luz. Nesse tempo, todas as estrelas comiam, todas luziam de igual alegria. Os dias ainda não haviam nascido e, por isso, o Tempo caminhava com uma perna só. E tudo era tão lento no infinito firmamento! Até que no rebanho do pastor, nasceu uma estrela com ganancia de ser maior que todas as outras. Essa estrela chamava-se Sol e cedo se apropriou dos pastos celestiais, expulsando para longe as outras estrelas que começaram a definhar. Pela primeira vez houve estrelas que penaram e, magrinhas, foram engolidas pelo escuro. Mais e mais o Sol ostentava grandeza, vaidoso dos seus domínios e do seu nome tão masculino. Ele, então, se intitulou patrão de todos os astros, assumindo arrogâncias de centro do universo. Não tardou a proclamar que ele é que tinha criado Deus. O que aconteceu na verdade, é que, com o Sol, assim soberano e imenso, tinha nascido o Dia. A Noite só se atrevia a aproximar-se quando o Sol, já cansado, se ia deitar. Com o Dia, os homens esqueceram-se dos tempos infinitos em que todas as estrelas brilhavam de igual felicidade. E esqueceram a lição da Noite que sempre tinha sido rainha sem nunca ter que reinar.
Mia Couto (A Confissão da Leoa)