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Na cidade, um comunista nĂŁo estava sĂł, havia outras pessoas que pensavam como ele, havia um espĂrito de comunidade, acrescendo ainda que as convicções comunistas nĂŁo eram identificáveis a todo o momento e em toda a parte. Num meio rural, um comunista era "o comunista". Tal era a sua identidade, a sua vida. Ser-se comunista no começo do anos 70, acompanhando a vaga, era tambĂ©m muito diferente de ser-se comunista no anos oitenta, depois de todos os ratos terem havia muito abandonado o navio. Um comunista solitário assemelhava-se a um paradoxo, mas foi esse o destino de Kjartan. Lembro-me das discussões que o meu pai tinha com ele, quando, no VerĂŁo, Ăamos visitar os meus avĂłs, e as vozes de ambos ressoavam lá em baixo, na sala, nĂŁo nos deixando adormecer: embora incapaz de o explicitar, ou de o conceber claramente, eu sentia que havia uma diferença entre um e outro e que se tratava de uma diferença fundamental. Para o meu pai, aquelas discussões tinham um objectivo limitado, o seu Ăşnico propĂłsito era mostrar a Kjartan que este se iludia; para Kjartan, as questões eram de vida ou de morte, de tudo ou de nada. DaĂ a irritação na voz do meu pai, o fervor na de Kjartan. Era tambĂ©m evidente, ou pelo menos parecia-me sĂŞ-lo, que as palavras do meu pai se baseavam no mundo real, que aquilo que ele dizia e pensava tinha que ver connosco, com os nossos dias de aulas e os nossos desafios de futebol, as nossas bandas desenhadas e as nossas idas Ă pesca, as nossas tarefas de limpeza da neve e as nossas papas de aveia dos sábado, ao passo que Kjartan falava de outra coisa, de qualquer coisa que tinha que ver com outro lugar. Sem dĂşvida, era-lhe impossĂvel admitir que aquilo em que acreditava, aquilo a que dedicara a sua vida, nada tivesse que ver com a realidade, como o meu pai, e todos os demais, declaravam a todo o momento.
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