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Este livro é o relato de um desespero. Este mundo é dado ao homem como um enigma a resolver. Toda minha vida – seus momentos bizarros, desregrados, tanto quanto minhas pesadas meditações – se passou a resolver o enigma. Cheguei, efetivamente, à resolução de problemas cujas novidade e extensão me exaltaram. Adentrando regiões insuspeitadas, vi o que olho nenhum jamais vira. Nada mais embriagante: o riso e a razão, o horror e a luz tornados penetráveis... nada havia que eu não soubesse, que não fosse acessível à minha febre. Como uma insensata maravilhosa, a morte abria incessantemente ou fechava as portas do possível. Nesse dédalo, podia me perder à vontade, entregar-me ao arrebatamento, mas à vontade podia discernir os caminhos, preparar à marcha intelectual uma passagem precisa. A análise do riso abrira-me um campo de coincidências entre os dados de um conhecimento emocional comum e rigoroso e os do conhecimento discursivo. Os conteúdos, que se perdem uns nos outros, das diversas formas de dispêndio (riso, heroísmo, êxtase, sacrifício, poesia, erotismo ou outras) definiam por si próprios uma lei de comunicação que regulava os jogos do isolamento e da perda dos seres. A possibilidade de unir num ponto preciso duas sortes de conhecimento até aqui estranhas uma à outra ou confundidas grosseiramente dava a essa ontologia sua consistência inesperada: o movimento do pensar se perdia por inteiro, mas por inteiro se reencontrava, num ponto onde ri a multidão unânime. Isso me proporcionava um sentimento de triunfo: talvez ilegítimo, prematuro?...parece-me que não. Senti logo o que me acontecia como um peso. O que abalou meus nervos foi ter completado minha tarefa: minha ignorância incidia apenas sobre pontos insignificantes, mais nenhum enigma a resolver!
Tudo desabava! Despertei diante de um novo enigma, e este, soube logo, insolúvel: esse enigma era mesmo tão amargo, deixou-me numa impotência tão acabrunhada que eu o experimentei como Deus, se existe, o experimentaria.
Quase concluída, abandonei a obra em que devia se encontrar o enigma resolvido. Escrevi “O suplício”, em que o homem atinge o extremo do possível.
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