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Naquele dia a Tia Jerónima chegou a desconfiar de que o padre-prior tinha a bola desarranjada. Toda a manhã não fez senão cantarolar, ora um pedaço do Tantum ergo, logo um versículo do Te Deum Laudamus, e assim por diante. Até andou, por mais de meia hora, a brincar com o gato do presbitério. E, para resumir em poucas palavras a extravagância de que parecia possuído, basta dizer que, ao descalçar-se, arrumou os sapatos para um canto e, depois de ter lido um capítulo da crónica de Cister, pela primeira vez da sua vida meteu na estante essa espécie de Carlos Magno monástico, sem o pôr de pernas ao ar. Aquele coração sentia dilatar-se na santa paz do Senhor. E porque não cabia o bom do padre na pele? Porque tinha feito felizes duas criaturinhas, sacrificando-lhes as suas economias de quarenta anos. Achava isso coisa naturalíssima; mas a Providência dava-lhe parte da sua recompensa nessa alegria suave e íntima, que mal pode entrar nos palácios dos grandes e poderosos do mundo; porque é o prémio, não do benefício insolente da opulência, mas sim da abnegação caridosa da humanidade.
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