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— Quer saber por que o seu pai não fica por perto?
As lágrimas fazem meu nariz arder, mas assinto. Essa é a pergunta que eu nunca deixei de me fazer, por mais que doa.
— Porque você vê como ele é — diz Miles. — E o seu pai não consegue suportar isso. E o Peter é a mesma merda com figurino diferente, tão entediado com ele mesmo que se convenceu de que estar com alguém como a Petra iria transformar ele em outra pessoa, sem precisar, sei lá, ter coragem pra tentar tomar ácido.
— Ele ficou entediado comigo, Miles — retruco.
— Se tivesse a ver com você — insiste ele —, o Peter poderia ter terminado o noivado. Em vez de mudar a vida toda. O que aconteceu tem a ver com ele. Eu já fui esse cara várias vezes, com várias pessoas que eu não merecia. É fácil ser amado por quem nunca viu você ferrar com tudo. Com quem você nunca tem que se desculpar, e que ainda acha que todos as suas “loucuras” são um charme. Miles faz uma pausa antes de continuar. — É fácil estar perto de pessoas que não te conhecem. E, assim que alguém começa a te decifrar, assim que você deixa de ser perfeito, é mais fácil fugir, passar para a próxima pessoa. Encontrar alguém novo com quem você possa ser descolado, divertido, descontraído.
— Então é isso? — Minha voz sai embargada. — Eu faço as pessoas se sentirem na pior versão delas.
— Daphne, não. — Miles me puxa para junto dele e enfia o rosto no meu pescoço. — Meu Deus, não. — Quando ele recua, vejo covinhas de tensão marcando o maxilar com a barba por fazer. — Escuta. Eu sempre quis ser essa pessoa divertida, fácil de lidar, sem bagagem, mesmo com a Petra. Mas depois de um tempo alguém finalmente vê a gente como a gente é, ou não vê, e as duas possibilidades são uma merda. Porque, se a pessoa vê a gente de verdade e não somos o que ela esperava, ela cai fora. E, se ela nunca vê a gente de verdade... é pior. Porque aí estamos completamente sozinhos. Uma nova pausa. — E eu amava a Petra — continua então —, mas no fundo sabia que, assim que as coisas parassem de ser divertidas, ela iria embora. E ela foi. Encontrou alguma coisa mais romântica, mais perfeita, só mais. Acho que você é a primeira pessoa que me vê de verdade. Que vai além do que eu quero que as pessoas vejam. Miles fica em silêncio por mais um instante. — Você faz as pessoas de quem você gosta se sentirem como... — Ele faz uma pausa. — Como se você quisesse tudo delas. Não só as partes boas. E isso é assustador pra alguém que passou a vida inteira evitando essas outras partes de si mesmo.
— Eu não quero fazer as pessoas fugirem de mim apavoradas — digo, a garganta doendo. Miles balança a cabeça.
— Vale a pena ficar assustado. Acredita em mim. Por você, vale a pena.
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