Este Ano Quotes

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Sabe Deus se te amei! sabem as noites Essa dor que alentei, que tu nutrias! Sabe este pobre coração que treme Que a esperança perdeu porque mentias!
Álvares de Azevedo (Lira Dos Vinte Anos)
Margarida atingira os seus cinco anos. Uma idade fácil para as crianças, é aquela idade em que basta mostrar a mão aberta para dizer há quanto tempo calcorreia este mundo inabitado por Deus.
Afonso Cruz (Jesus Cristo Bebia Cerveja)
Nunca tivera uma alegria de criança. Se fizera homem antes dos dez anos para lutar pela mais miserável das vidas: a vida de criança abandonada. Nunca conseguira amar a ninguém, a não ser a este cachorro que o segue. Quando os corações das demais crianças ainda estão puros de sentimentos, o do Sem-Pernas já estava cheio de ódio. Odiava a cidade, a vida, os homens. Amava unicamente o seu ódio, sentimento que o fazia forte e corajoso apesar do defeito físico.
Jorge Amado (Capitães da Areia)
Sam, há dois anos, não fazia qualquer ideia de como era o mundo há minha volta. Não sabia o que tu eras. Não sabia que existiam fadas a sério. Não poderia ter imaginado nada disso. - Abanei a cabeça. - Que mundo este, Sam. É maravilhoso e assustador. Cada dia é diferente. Nunca pensei que teria uma vida e agora tenho.
Charlaine Harris (All Together Dead (Sookie Stackhouse, #7))
Le pays est devenue un territoire où les mathématiques ressemblent un jeu d'enfants: les actifs additionnent et les retraités soustraient.
Núria Añó
Como duas aves solitárias sobrevoando as imensas pradarias por vontade divina, todos estes anos e vidas avançámos ao encontro um do outro.
Robert James Waller (The Bridges of Madison County)
Morrer-nos alguém são mil anos de leituras. Carregamos nossos mortos importantes como uma biblioteca de ciências cultas, uma infinidade de sabedorias que só se aprendem assim. Quem ainda não ama seus mortos não se educa de modo nenhum para este conhecimento específico. Não acede a uma erudição natural. Se é uma sorte amar apenas os vivos, é também o lado exterior do mistério.
Valter Hugo Mãe (Contra mim)
Da classe rica, à qual o uso do ópio inicialmente era formalmente reservado, este uso desceu até às classes inferiores, e o turbilhão não pode mais ser detido. Fuma-se ópio em todos os lugarem e sempre no Império do Meio. Homens e mulheres dão-se a esta paixão deplorável, e uma vez costumados à inalação, não podem passar sem ela, sem experimentarem horríveis contrações do estômago. Um grande fumador pode fumar oito cachimbos por dia, mas morre em cinco anos.
Jules Verne (A Volta ao Mundo em 80 Dias)
Mas que você tivesse demorado tanto a perceber, que fosse tão destituído de sensibilidade, tão estúpido para apreender tudo o que existe de raro, delicado e belo, a ponto de propor a publicação de cartas nas quais e através das quais eu tentava manter vivo o próprio espírito e a alma do amor para que este pudesse habitar o meu corpo durante os longos anos em que este corpo seria humilhado – era, e continua sendo para mim, causa do mais profundo sofrimento e da mais pungente desilusão.
Oscar Wilde (De Profundis)
Hoje é o último dia do ano. Em todo o mundo que este calendário rege andam as pessoas entretidas a debates consigo mesmas as boas ações que tencionam praticar no ano que entra, jurando que vão ser retas, justas e equânimes, que da sua emendada boca não voltará a sair uma palavra má, uma mentira, uma insidia, ainda que as merecesse o inimigo, claro que é das pessoas vulgar que estamos falando, as outras, as de exceção, as incomuns, regulam-se por razões suas próprias para serem e fazerem o contrário sempre que lhes apetece ou aproveite, essas são as que não se deixam iludir, chegam a rir-se de nós e das boas intenções que mostramos, mas, enfim, vamos aprendendo com a experiencia, logo nos primeiros dias de Janeiro teremos esquecido metade do que havíamos prometido, e, tendo esquecido tanto, não há realmente motivo para cumprir o resto, é como um castelo de cartas, se já lhe faltam as obras superiores, melhor é que caia tudo e se confundam os naipes. Por isso é duvidoso ter-se despedido Cristo da vida com as palavras da escritura, as de Mateus e Marcos, Deus meu, Deus meu, por que me desamparaste, ou as de Lucas, Pai, nas tuas mãos entrego o meu espirito, ou as de João, Tudo está cumprido, o que Cristo disse foi, palavra de honra, qualquer pessoa popular sabe que esta é a verdade, Adeus mundo, cada vez a pior. Mas os deuses de Ricardo Reis são outros, silenciosas entidades que nos olham indiferentes, para quem o mal e o bem são menos que palavras, por as não dizerem eles nunca, e como as diriam, se mesmo entre o bem e o mal não sabem distinguir, indo como nós vamos no rio das coisas, só ditamos. Esta lição nos foi dada para que não nos afadiguemos a jurar novas e melhores intenções para o ano que tem, por elas não nos julgarão os deuses, pelas obras, também não, só juízes humanos ousam julgar, os deuses nunca, porque se supõe saberem tudo, salvo se tudo isto é falso, se justamente não é sua ocupação única esquecerem em cada momento o que do cada momento lhes vão ensinando os atos dos homens, os bons como os maus, iguais derradeiramente para os deuses, porque inúteis lhes são. Não digamos Amanhã farei, porque o mais certo é estarmos cansados amanhã, digamos antes, Depois de amanhã, sempre teremos um dia de intervalo para mudar de opinião e projeto, porém ainda mais prudente seria dizer, Um dia decidirei quando será o dia de dizer depois de amanhã, e talvez nem seja preciso, se a morte definidora vier antes desobrigar-me do compromisso, liberdade que a nós próprios negamos.
José Saramago (The Year of the Death of Ricardo Reis)
Cada um de nós não permanece muito tempo neste mundo e, durante os poucos anos de existência, tem de aprender tudo o que se conhece sobre este estranho planeta e o seu lugar no universo. Ignorar essas possibilidades de conhecimento, por imperfeito que possa ser, é como ir ao teatro e não prestar atenção à peça. O mundo está cheio de coisas trágicas, cómicas, heroicas, bizarras e surpreendentes, e quem não for capaz de se interessar pelo espetáculo que ele oferece renuncia a um dos privilégios que a vida lhe pode dar.
Bertrand Russell
Producir, producto, una identidad producto-producir... Precisamente es esta identidad la que forma un tercer término en la serie lineal: un enorme objeto no diferenciado. Todo se detiene un momento, todo se paraliza (luego todo volverá a empezar). En cierta manera, sería mejor que nada marcharse, que nada funcionase. No haber nacido, salir de la rueda de los nacimientos; ni boca para mamar, ni ano para cagar. ¿Estarán las máquinas suficientemente estropeadas, sus piezas suficientemente sueltas como para entregarse y entregarnos a la nada? Se diría que los flujos de energía todavía están demasiado ligados, que los objetos todavía son demasiado orgánicos. Un puro fluido en estado libre y sin cortes, resbalando sobre un cuerpo lleno. Las máquinas deseantes nos forman un organismo; pero en el seno de esta producción, en su producción misma, el cuerpo sufre por ser organizado de este modo, por no tener otra organización, o por no tener ninguna organización. ‘Una parada incomprensible y por completo recta’ en medio del proceso, como tercer tiempo: ‘Ni boca. Ni lengua. Ni dientes. Ni laringe. Ni esófago. Ni vientre. Ni ano’.
Gilles Deleuze (El Antiedipo Capitalismo y esquizofrenia)
Dos 19 aos 25 anos, Anne. Estes são os "anos de loucura". É a época em que se deve ter loucos casos de amor, longas conversas com alguém que poderia ser mas não é, o grande amor de nossa vida. É quando a gente experimenta usar as roupas mais estranhas e muda de penteado dez vezes por mês, vai a festas esquisitas, bebe demais e vomita no tapete.
Dallas Schulze (Bela Adormecida)
Estou contente por você ter encontrado este lugar, creio que vá achar aqui muitas coisas de seu interesse. Estes companheiros", disse e colocou a mão em alguns livros, "foram meus bons amigos durante muitos anos, desde que tive a ideia de ir para Londres, e me deram muitas, muitas horas de satisfação. Por eles, passei a conhecer sua extraordinária Inglaterra, e quem a conhece não pode deixar de amá-la. Anseio por caminhar pelas apinhadas ruas de sua magnífica Londres, em meio ao tumultuado caos da humanidade, a compartilhar sua vida, suas transformações, sua morte e tudo mais que a define. Mas, infelizmente, por enquanto só conheço a língua pelos livros. Conto com você, meu amigo, para aprender a falar o idioma.
Bram Stoker
(...) Não há um caseiro, não há um pescador que não saiba ler e que não leia. Pensamos que os livros, em vez de criarem bolor atrás de uma grade de ferro, longe dos olhares curiosos, se destinam a ficar gastos sob os olhos dos leitores. Assim, estes volumes passam de mão em mão, folheados, lidos e relidos, e muitas vezes só regressam à sua secção após um ou dois anos de ausência.
Julio Verne (Journey to the Center of the Earth)
Clark observa a actividade nocturna na pista, os aviões que estão parados à vinte anos, o reflexo da sua vela bruxuleante no vidro. Não tem esperança de ver um avião levantar voo novamente no seu tempo de vida, mas será possível que nalgum lugar haja navios a partirem? Se houver cidades com iluminação pública, se existem sinfonias e jornais, que mais pode conter este mundo que agora desperta? Talvez haja navios a içar velas neste preciso momento, a viajar em direcção a ele ou para longe dele, tripulados por marinheiro armados com mapas e conhecimento das estrelas, impulsionados pela necessidade, ou talvez simplesmente pela curiosidade: o que foi feito dos países do outro lado? É, pelo menos, agradável considerar essa possibilidade. Agrada-lhe a ideia de haver navios que se deslocam sobre as águas, em direcção a outro mundo fora do alcance da vista.
Emily St. John Mandel (Station Eleven)
Durante o segundo ano sofreu uma mudança. Tinha-se mudado para dentro do colégio e este começou a assimilá-lo. Talvez passasse os dias como dantes, mas quando os portões se fechavam sobre ele à noite iniciava-se um novo processo. Mesmo quando ainda era caloiro fez a importante descoberta de que os homens crescidos comportam-se educadamente uns com os outros, se não houver qualquer motivo em contrário. (...) As atitudes dos professores eram mais extraordinárias ainda. Maurice estava mesmo só a precisar de um ambiente assim para acalmar. Não lhe agradava ser bruto e grosseiro. Era contra a sua natureza. Mas isso tinha sido necessário no colégio ou ele não teria aguentado, e julgara que comportamentos assim seriam ainda mais necessários no maior campo de batalha que era a Universidade. ----------------------------------------------------- p.32, MAURICE, E.M. FORSTER
E.M. Forster (Maurice)
Pascal disse que o coração tem razões que a razão desconhece. Se é que o interpretei bem, ele queria dizer que, quando a paixão se apodera de um coração, este inventa, para provar que por amor todo sacrifício é pouco, razões não somente plausíveis, mas conclusivas. Ficamos convencidos de que vale a pena aceitar a desonra, e que a vergonha não é preço exagerado para se pagar por ele. A paixão é destruidora. Destruiu Antônio e Cleópatra, Tristão e Isolda, Parnell e Kitty O’Shea. E, quando não destrói, morre. É possível que então a pessoa se veja na amarga contingência de reconhecer que desperdiçou anos de vida, que se desgraçou inutilmente, que sofreu a tortura do ciúme, engoliu toda espécie de humilhações, tendo dado a sua ternura, as riquezas da sua alma a um ser insignificante, idiota, uma estaca onde dependurou seus sonhos, e que não valia dois tostões de mel coado.
W. Somerset Maugham (The Razor’s Edge)
Eis o que não é bonito em tudo isso: daqui não se vê a poeira ou a tinta rachando ou sei lá o quê, mas dá para ver o que este lugar é de verdade. Dá para ver o quanto é falso. Não é nem consistente o suficiente para ser feito de plástico. É uma cidade de papel. Quer dizer, olhe só para ela, Q: olhe para todas aquelas ruas sem saída, aquelas ruas que dão a volta em si mesmas, todas aquelas casas construídas para virem abaixo. Todas aquelas pessoas de papel vivendo suas vidas em casas de papel, queimando o futuro para se manterem aquecidas. Todas as crianças de papel bebendo a cerveja que algum vagabundo comprou para elas na loja de papel da esquina. Todos idiotizados com a obsessão por possuir coisas. Todas as coisas finas e frágeis como papel. E todas as pessoas também. Vivi aqui durante dezoito anos e nunca encontrei ninguém que se importasse realmente com qualquer coisa.
John Green (Paper Towns)
Assim como no regime da criação, Shakti é o criador e Shiva é o testemunho de todo o jogo, no tantra a mulher tem o estado do guru e o homem do discípulo. A tradição tântrica é atualmente passada da mulher para o homem, na prática tântrica, é a mulher quem inicia. É só por seu poder que o ato de maithuna acontece. Todas as preliminares são feitas por ela. Ela coloca a marca na testa do homem e fala pra ele meditar. Na relação ordinária, quem controla é o homem e a mulher participa. Mas no tantra eles trocam de papéis. A mulher torna-se a operadora e o homem o seu intermédio. Ela tem que ser capaz de despertá-lo. então, no momento certo, ela deve criar o bindu para que ele possa praticar vajroli. Se o homem perde seu bindu, significa que a mulher não conseguiu realizar suas funções adequadamente. No tantra se diz que Shiva é incapaz sem Shakti. Shakti é a sacerdotisa. Portanto, quando Vama marga é praticado, o homem deve ter uma atitude absolutamente tântrica com a mulher. Ele não pode comportar-se com ela como os homens geralmente fazem com outras mulheres. Normalmente, quando um homem olha uma mulher, ele torna-se apaixonado, mas durante o maithuna ele não deve. Ele deve vê-la como a mãe divina, a Devi, e aproximar-se dela como uma atitude de devoção e entrega, não com luxúria. De acordo com o conceito tântrico, as mulheres são mais dotadas de qualidades espirituais e seria uma coisa sábia se elas assumissem posições elevadas na área social. Então, haveria maior beleza, compaixão, amor e compreensão em todas as esferas da vida. O que estamos discutindo aqui não é sociedade patriarcal versus matriarcal, mas tantra. No relacionamento entre marido e mulher, por exemplo, há dependência e posse, enquanto que no tantra cada parceiro é independente, um para si mesmo. Outra coisa difícil na sadhana tântrica é cultivar a atitude de impassionalidade. O homem tem de se tornar praticamente um bramacharya, a fim de libertar a mente as emoções dos pensamentos sexuais e da paixão, que normalmente surgem na presença de uma mulher. Ambos os parceiros devem ser absolutamente purificados e controlados interna e externamente antes de praticar o maithuna. É difícil para a pessoa comum compreender isto porque para a maioria das pessoas a relação sexual é o resultado da paixão e da atração emocional ou física, tanto para a procriação quanto para o prazer. É somente quando você está purificado que estes instintos sexuais estarão ausentes. Isto acontece porque, de acordo com a tradição, o caminho do Dakshina marga deve ser seguido por muitos anos antes do caminho do Vama marga poder ser iniciado. Então, a interação do maithuna não acontece por uma gratificação física. O propósito é muito claro – o despertar de sushumna, o aumento da energia de Kundalini no mooladhara chakra e a explosão nas áreas inconscientes do cérebro. Se isto não ficar claro, quando você praticar os kriyas e sushumna se tornar ativa, você não será capaz de confrontar o despertar. Sua cabeça vai ficar quente e você nãos será capaz de controlar a paixão e o excitamento, porque você não tranqüilizou seu cérebro. Portanto, em minha opinião, somente aqueles que são adeptos no yoga estão qualificados para o Vama marga. Este caminho não é para ser usado indiscriminadamente como um pretexto para a auto-indulgência. Ele se destina para os sadhakas maduros e chefes de família sérios, que são evoluídos, que têm praticado sadhana para despertar o potencial energético e atingir o samadhi Eles devem utilizar este caminho como um veículo para o despertar, caso contrário torna-se um caminho de queda.
Satyananda Saraswati (Kundalini Tantra)
Suponho que as nações foram por muito tempo como eu, que apenas se instruíram tarde, que durante séculos não se preocuparam senão com o momento presente, pouco com o passado e nada com o futuro. Andei quinhentas ou seiscentas léguas no Canadá; não encontrei um só monumento, ninguém ali sabe nada sobre o que fez o bisavô. Não seria este o estado natural do homem? A espécie humana deste continente parece-me superior à do outro. O seu ser tem aumentado de há muitos séculos para cá, graças às artes e aos conhecimentos. Será por terem barba na cara e Deus a ter negado aos americanos? Não o creio, porque os chineses não têm barba e cultivam as artes há mais de cinco mil anos. Com efeito, se eles têm mais de quatro mil anos de história, é necessário que a nação viva unida e florescente há mais de cinquenta séculos. O que mais me impressiona nesta antiga história da China é que tudo nela seja verosímil e natural. Admiro-a por nada ter de maravilhoso. Porque é que todas as nações se atribuem origens fabulosas? Os antigos cronistas da história da França, que ainda assim não são muito antigos, dizem que os franceses descendem de um Francus, filho de Heitor; os Romanos dizem-se originários de um frígio, conquanto não haja na língua deles uma só palavra que tenha a mais pequena relação com a língua frígia. Os deuses habitaram dez mil anos no Egipto e os diabos na Sítia, onde engendraram os Hunos. Antes de Tucídides, não vejo senão romanos parecidos com o Amadis e muito menos divertidos do que ele. Por toda a parte há aparições, oráculos, metamorfoses, sonhos explicados, sobre que assenta o destino dos maiores impérios e dos mais pequenos Estados. Aqui há animais que falam, além animais que se adoram, deuses transformados em homens e homens transformados em deuses. Ah! Se temos de recorrer às fábulas, que essas fábulas sejam, pelo menos, o emblema da verdade! Gosto das fábulas dos filósofos, rio-me das fábulas das crianças e odeio as dos impostores.
Voltaire
Bonifácio trombou com os poderosos interesses dos latifundiários e senhores de escravos ao sugerir a constituinte a proibição do tráfico negreiro e abolição gradual da escravidão no Brasil. Seu projeto, que nem chegou a ser apresentado, compunha-se de um preâmbulo com 22 páginas e 32 artigos intitulado "Representação à Assembleia Constituinte e Legislativa do Império do Brasil sobre a escravatura". Dois anos mais tarde, já no exilio em Paris, Bonifácio explicaria a razão da proposta: "A necessidade de abolir o comércio de escravatura, e de emancipar gradualmente os atuais cativos é tão imperiosa que julgamos não haver coração brasileiro tão perverso, ou tão ignorante que a negue, ou desconheça. (...) Qualquer que seja a sorte futura do Brasil, ele não pode progredir e civilizar-se sem cortar, o quanto antes, pela raiz este cancro moral, que lhe rói e consome as ultimas potências de vida, e que acabara por lhe dar morte desastrosa." ... O Brasil era escravagista e assim permaneceria por mais 66 anos, até a assinatura da lei Áurea em 1888.
Laurentino Gomes (1822)
Deste modo, o Dataísmo ameaça fazer ao Homo sapiens o que este fez a todos os outros animais. No decurso da História, os humanos criaram uma rede global e avaliaram tudo de acordo com a função que cada coisa desempenhava dentro da rede. Durante milhares de anos, isto estimulou o orgulho da humanidade e os seus preconceitos. Visto que as funções mais importantes da rede eram desempenhadas por humanos, era-nos fácil reclamar para nós o mérito pelos feitos da rede e vermo-nos como o auge da criação. As vidas e as experiências dos outros animais eram subvalorizadas porque esses desempenhavam funções menos importantes e, sempre que um animal deixava de ter qualquer função, acabava por se extinguir. Porém, assim que os humanos perderem a sua importância funcional para a rede, chegaremos à conclusão de que, afinal de contas, não somos o auge da criação. Os critérios por nós consagrados irão condenar-nos a cair no esquecimento onde já estão os mamutes e o boto chinês. Em retrospectiva, a humanidade revelar-se-á uma pequena ondulação no fluxo cósmico de dados.
Yuval Noah Harari (Homo Deus A Brief History of Tomorrow By Yuval Noah Harari & How We Got to Now Six Innovations that Made the Modern World By Steven Johnson 2 Books Collection Set)
Nunca te contei isso, pai, mas eu estava completamente bêbado uma noite, tinha acabado de vomitar em frente à estátua de Pasquino e não poderia estar mais atordoado. Aqui, encostado contra este muro, eu soube, por mais bêbado que estivesse, que essa, com Oliver me abraçando, era a minha vida, que tudo o que tinha acontecido antes com outras pessoas não era nem um esboço grosseiro ou a sombra de um rascunho do que estava acontecendo naquele momento. Dez anos depois, quando olho para este muro e este poste velho, estou com ele de novo e juro, nada mudou. Em trinta, quarenta, cinquenta anos não vai ser diferente. Conheci muitas mulheres e ainda mais homens em minha vida, mas o que está gravado neste muro ofusca todas as pessoas que conheci. Quando venho aqui, posso estar sozinho ou com pessoas, com vocês, por exemplo, mas sempre estou com ele. Se eu ficasse olhando para este muro durante uma hora, estaria com ele durante uma hora. Se eu falasse com este muro, ele responderia. — O que ele diria? — perguntou Miranda, completamente envolvida na ideia de Elio com o muro. — O que ele diria? Sem sombra de dúvida: “Procure por mim, me encontre”. — E o que você diz? — Eu digo a mesma coisa. “Procure por mim, me encontre”. E nós dois ficamos felizes. Agora você sabe.
André Aciman (Find Me (Call Me By Your Name, #2))
Dizia-me: vale a pena viver para morrer? Gozar para quê ? O trabalho é mais vão que a poeira alevantada por um cavalo a galope! Amigo, morrerás! Este morrerás revestia no meu espírito a significação exacta dum prazo. Não era a noção vaga «morrer», mas antes o juízo determinado «não viver». Não viver podia alongar-se no tempo e, todavia, não era amanhã, era já hoje. Nele se me sentenciava à vida a ablação, por inútil, de tudo o que ela representava, no espaço, de gozo, de posse, de sentimento de mim mesmo - via-me a entrar para a antecâmara do meu próprio celário. Mas se este pensamento se encarniçava particularmente na esfera do eu, às vezes batia asas para abranger o universo em suas finalidades. E proclamava: tu; os outros; todos; esta cidade; o reino; a terra. Daqui a cem anos terão passado, em matéria, os que te amam e cercam; mais uns séculos e a memória deles será mais fugaz que a mente dum recém-nascido. Conta mais uns séculos, e onde estará o teu país ? E se teu entendimento pode apreender no relógio do tempo o ponteiro salvar os milénios, este planeta, em que ensaiais edificar o imortal, não será mais que cinza semeada no oceano sidéreo. Vale a pena existir? Da Vénus de Milo, a jucunda e gloriosa, não ficará uma sombra, nem da Bíblia sapiente um eco; da ciência não se salvará uma lei. Tudo o que saiu da boca do infinito acaba na boca do infinito, sem que ele caduque, o monstro! Mors de mor sus.
Aquilino Ribeiro (A Via Sinuosa)
D’ENGENHO DE DENTRO (excertos) ​ 12/10 eu queria escrever sobre ana, mas ainda é cedo, eu não sei, não sei se posso e, finalmente, vejo que não quero. sobre a vinda de mamãe e papai até aqui, também não: falta qualquer novidade a esse respeito – a não ser que valha a pena anotar que reencontrar papai depois de três anos é como reencontrar um velho amigo que não via há três dias; e reencontrar mamãe depois de dois anos é como ser apresentado a alguém cujo nome, fama e aventuras eu já conhecia de sobra e que, portanto, me pareceu estranha, distante, mítica. mais ou menos assim. mas prefiro escrever sobre este lugar e minha vida dentro dele. a melhor sensação é a de reconquistar inteiramente o anonimato no contato diário com meus pares de hospício. posso gritar: “meu nome é torquato neto, etc., etc.”; do outro lado uma voz sem dentes dirá: meu nome é vitalino; e outra: o meu é atagahy! aqui dentro só eu mesmo posso ter algum interesse: minhas aventuras, nem um pingo. meu nome podia ser, josé da silva – e de preferência, mas somente no que se refere a mim. a eles não interessa. O dr. Osvaldo não pode fugir. nem fingir: mas isso eu comecei a ver, de fato, logo mais quando teremos nossa primeira entrevista. o anonimato me assegura uma segurança incrível: já não preciso mais (pelo menos enquanto estiver aqui) liquidar meu nome e formar nova reputação como vinha fazendo sistematicamente como parte do processo autodestrutivo em que embarquei – e do qual, certamente, jamais me safarei por completo. mas sobre isso, prefiro dar mais tempo ao tempo: eu sou obrigado a acreditar no meu destino. (isso é outra conversa que só rogério entenderia). tem um livro chamado: o hospício é deus. eu queria ler esse livro. foi escrito, penso, neste mesmo sanatório. vou pedir a alguém para me conseguir esse livro. 13/10 eu: pronome pessoal e intransferível. viver: verbo transitório e transitivo, transável, conforme for. a prisão é um refúgio: é perigoso acostumar-se a ela. e o dr. Osvaldo? Não exclui a responsabilidade de optar, ou seja:? 20/10 É preciso não beber mais. Não é preciso sentir vontade de beber e não beber: é preciso não sentir vontade de beber. É preciso não dar de comer aos urubus. É preciso fechar para balanço e reabrir. É preciso não dar de comer aos urubus. Nem esperanças aos urubus. É preciso sacudir a poeira. É preciso poder beber sem se oferecer em holocausto. É preciso. É preciso não morrer por enquanto. É preciso sobreviver para verificar. Não pensar mais na solidão de Rogério, e deixá-lo. É preciso não dar de comer aos urubus. É preciso enquanto é tempo não morrer na via pública. 4/4/71 Debaixo da tempestade sou feiticeiro de nascença atrás desta reticência tenho o meu corpo cruzado a morte não é vingança 7/4/71 – Foi um caminhão que passou. bateu na minha cabeça. aqui. isso aqui é péssimo, não me lembro de nada. – Eles não deixam ninguém ficar em paz aqui dentro. são bestas. Não deixam a gente cortar a carne com faca mas dão gilete pra se fazer a barba. – Pode me dar um cigarro? eu só tenho um maço, eu tenho que pedir porque senão acaba. Pode me dar as vinte.
Torquato Neto (26 Poetas Hoje)
A comunidade é uma coisa bela. Aquilo que por todo o lado vemos florir não tem nada a ver com ela. Esta surgirá nova, formando-se do conhecimento recíproco dos indivíduos e, durante algum tempo, transformará o mundo. O que por aí há de agremiação é pura criação de rebanhos. As pessoas agrupam-se porque têm receio umas das outras. Os senhores juntam-se entre si, os trabalhadores uns com os outros, os estudiosos de outro lado. E, de que têm eles medo? Só tememos alguma coisa quando não estamos em conformidade connosco mesmos. Eles apavoram-se porque nunca se conheceram a si próprios. É uma comunidade de indivíduos com horror ante o desconhecido que existe dentro de si. Todos sabem que as suas normas de vida já não são correctas, que vivem segundo padrões antiquados. Nem a sua religião nem os costumes se adequam àquilo de que, actualmente, necessitamos. Durante uma centena de anos ou mais, a Europa limitou-se a estudar e a construir fábricas! Eles têm conhecimentos exactos de quantos gramas de pólvora são necessários para matar uma pessoa; contudo, não sabem como se reza a Deus. Não são capazes de passar uma só hora com prazer. Repara numa dessas tabernas de estudantes! Ou mesmo num local de divertimento onde se juntem os ricos! Que desespero!... Caro Sinclair, de todo este conjunto não poderá brotar alegria alguma. Esta gente que tão cobardemente se acotovela está cheia de terror e maldade: não se encontra, ali, quem confie noutra pessoa. Estão agarrados a ideias que já não existem e apedrejam todo aquele que pretender erguer uma nova.
Hermann Hesse (Demian)
Um imenso animal leiteiro aproximou-se da mesa de Zaphod Beeblebrox. Era um enorme e gordo quadrúpede do tipo bovino, com olhos grandes e protuberantes, chifres pequenos e um sorriso nos lábios que era quase simpático. – Boa noite – abaixou-se e sentou-se pesadamente sobre suas ancas –, sou o Prato do Dia. Posso sugerir-lhes algumas partes do meu corpo? – Grunhiu um pouco, remexeu seus quartos traseiros buscando uma posição mais confortável e olhou pacificamente para eles. Seu olhar se deparou com olhares de total perplexidade de Arthur e Trillian, uma certa indiferença de Ford Prefect e a fome desesperada de Zaphod Beeblebrox. – Alguma parte do meu ombro, talvez? – sugeriu o animal. – Um guisado com molho de vinho branco? – Ahn, do seu ombro? – disse Arthur, sussurrando horrorizado. – Naturalmente que é do meu ombro, senhor – mugiu o animal, satisfeito –, só tenho o meu para oferecer. Zaphod levantou-se de um salto e pôs-se a apalpar e sentir os ombros do animal, apreciando. – Ou a alcatra, que também é muito boa – murmurou o animal. – Tenho feito exercícios e comido cereais, de forma que há bastante carne boa ali. – Deu um grunhido brando e começou a ruminar. Engoliu mais uma vez o bolo alimentar. – Ou um ensopado de mim, quem sabe? – acrescentou. – Você quer dizer que este animal realmente quer que a gente o coma? – cochichou Trillian para Ford. – Eu? – disse Ford com um olhar vidrado. – Eu não quero dizer nada. – Isso é absolutamente horrível – exclamou Arthur -, a coisa mais repugnante que já ouvi. – Qual é o problema, terráqueo? – disse Zaphod, que agora observava atentamente o enorme traseiro do animal. – Eu simplesmente não quero comer um animal que está na minha frente se oferecendo para ser morto – disse Arthur. – É cruel! – Melhor do que comer um animal que não deseja ser comido – disse Zaphod. – Não é essa a questão – protestou Arthur. Depois pensou um pouco mais a respeito. – Está bem – disse –, talvez essa seja a questão. Não me importa, não vou pensar nisso agora. Eu só... ahn... O Universo enfurecia-se em espasmos mortais. – Acho que vou pedir uma salada – murmurou. – Posso sugerir que o senhor pense na hipótese de comer meu fígado? Deve estar saboroso e macio agora, eu mesmo tenho me mantido em alimentação forçada há meses. – Uma salada verde – disse Arthur, decididamente. – Uma salada? – disse o animal, lançando um olhar de recriminação para ele. – Você vai me dizer – disse Arthur – que eu não deveria comer uma salada? – Bem – disse o animal –, conheço muitos legumes que têm um ponto de vista muito forte a esse respeito. E é por isso, aliás, que por fim decidiram resolver de uma vez por todas essa questão complexa e criaram um animal que realmente quisesse ser comido e que fosse capaz de dizê-lo em alto e bom tom. Aqui estou eu! Conseguiu inclinar-se ligeiramente, fazendo uma leve saudação. – Um copo d’água, por favor – disse Arthur. – Olha – disse Zaphod –, nós queremos comer, não queremos uma discussão. Quatro filés malpassados, e depressa. Faz 576 bilhões de anos que não comemos. O animal levantou-se. Deu um grunhido brando. – Uma escolha muito acertada, senhor, se me permite. Muito bem – disse –, agora é só eu sair e me matar. Voltou-se para Arthur e deu uma piscadela amigável. – Não se preocupe, senhor, farei isso com bastante humanidade.
Douglas Adams (The Restaurant at the End of the Universe (The Hitchhiker's Guide to the Galaxy, #2))
Como se envelhece rápido, como a sabedoria nada tem a ver com a idade: não nos tornamos mais sábios, apenas conscientes de que os riscos são inerentes a qualquer ação. E então refreamos os desejos, pois tememos que nossos músculos enfraquecidos não mais respondam aos desejos do coração e das memórias. E então preferimos nos calar, calar os desejos, evitar que a vida bruta que nos corria nas veias, naqueles anos, continue a fluir pelos tendões enrijecidos. E então esse medo nos faz precavidos, preferimos aconselhar, nos resguardar da própria vida, como vassouras desgastadas, nos esconder em nossas roupas de lã, mesmo num verão como este. E então tudo o que nos resta é posar de sábios, como se a proximidade da morte nos fizesse melhores conhecedores da vida. Não nos tornamos sábios, apenas velhos, com nossos compromissos, nossos sonhos não cumpridos e, quase sempre, uma vida inútil atrás de nós.
Murilo Carvalho (O Rastro do Jaguar)
Foi novamente como se a Vida, com todos os seus segredos, estivesse próxima de mim, como se eu a pudesse tocar… E ali sentia-me imensamente segura e protegida. E pensei: «Como isto é est ranho. É guerra. Há campos de concentração. Pequenas crueldades amontoam-se por cima de pequenas crueldades. Quando caminho pelas ruas, sei que, em muitas das casas por onde passo, há ali um filho preso, e ali um pai refém, e ali têm de suportar a condenação à morte de um rapaz de dezoito anos.» E estas ruas e casas ficam perto da minha própria casa. Sei do grande sofrimento humano que se vai acumulando, sei das perseguições e da opressão… Sei de tudo isso e continuo a enfrentar cada pedaço de realidade que se me impõe. E num momento inesperado, abandonada a mim própria — encontro-me de repente encostada ao pei to nu da Vida e os braços dela são muito macios e envolvem-me, e nem sequer consigo descrever o bater do seu coração: tão fiel como se nunca mais findasse…
Etty Hillesum (Diário 1941-1943)
A Isto chamam a vida. A este vazio. A este não saber que fazer das mãos quando, enfim, da máquina (da prostituição) as mãos se libertaram. A esta mesquinha oscilação entre nada e coisa nenhuma chamam vida. Enquanto nos comem a carne. A vida, no meu caso, António Almeida, de um funcionário exemplar. Dias cautelosos, anos silenciosos de obediência, cursivo distinto, camisa no fio mas limpa, como tem passado Vossa Excelêncía, etc. E a boca seca. E um cordão de císco na garganta, a palavra sempre adiada. A isto, ao meu barro domesticado, a esta voz dócil, ajoelhada, chamam vida; dócil, e na terra derramada. Aqui estou pois sentado na vida. Impotente. Como quem se senta num túmulo. Os braços, as pernas paralisadas. A cabeça cheia de fórmulas sem sentido — cheia de pedras. Pedras de cenário. O sangue parado nas veias, apodrecido por um dique (o Chefe impera do alto da sua própria solidão e sussurra entre dentes, içando lentamente os olhos por cima dos óculos: «um bom funcionário jamais se apaixona, rapazes; lembrai a eficiência das máquinas; das formigas»); o sangue gelado, contido em seus vasos e controlado pelas conveniências — que palavra (de vidro mas não transparente): conveniências. E que dizer do sexo? Dos rios logo ressequidos que um dia iluminaram o meu sexo? Minha mulher que o diga, ela também apodrecida. Se ao menos eu pudesse correr, blasfemar, trepar às montanhas — eu que tenho medo e não sei fazer revoluções, nem falar delas; correr durante cinco anos e durante outros tantos esconder-me numa toca. Mas de que serve queixar-me? Comigo falo. De que te serve, companheiro, ranger os dentes? E nada resolve correr ou ser dócil ou sentar-me junto ao fogo. E da violência? Que dizer dessa cabra? A morte continua do ventre ao túmulo — e chamam-lhe (sem ironia!) vida. Através deste caminho obscuro tomo nas mãos as contradições da vida, essa que, ao mesmo tempo, é, deveria ser, truculenta festa da carne, tumultuosa festa do espírito. É, deveria ser, uma cerimónia da qual sempre saíssemos feridos, amputados, refeitos — e mais velhos, e mais cansados, e mais humildes — mas sem este sabor na boca, este sabor que posso apenas situar entre nada e coisa nenhuma. Nem cúmplices da terra somos; nem quase já linguagem tem o nosso corpo… As Férias ou o Tema do Funcionário Cansado, 1967, incluído na recolha Contos da Morte Eufórica, (Dom Quixote, 1984)
Casimiro de Brito (Contos da Morte Eufórica)
Há um morcego de papel da festa das bruxas pendurado num cordão acima de sua cabeça; ele levanta o braço e dá um piparote no morcego, que começa a girar. - Dia de outono bem agradável - continua ele. Fala um pouco do jeito como papai costumava falar, voz alta, selvagem mesmo, mas não se parece com papai; papai era um índio puro de Columbia - um chefe - e duro e brilhante como uma coronha de arma. Esse cara é ruivo, com longas costeletas vermelhas, e um emaranhado de cachos saindo por baixo do boné, está precisando de dar um corte no cabelo há muito tempo, e é tão robusto quanto papai era alto, queixo, ombros e peitos largos, um largo sorriso diabólico, muito branco e é duro de uma maneira diferente do que papai era, mais ou menos do jeito que uma bola de beisebol é dura sob o couro gasto. Uma cicatriz lhe atravessa o nariz e uma das maçãs do rosto, o luga em que alguém o acertou numa briga, e os pontos ainda estão no corte. Ele fica de pé ali, esperando, e, quando ninguém toma a iniciativa de lhe responder alguma coisa, começa a rir. Ninguém é capaz de dizer exatamente por que ele ri; não há nada de engraçado acontecendo. Mas não é da maneira como aquele Relações Públicas ri, é um riso livre e alto que sai da sua larga boca e se espalha em ondas cada vez maiores até ir de encontro às paredes por toda a ala. Não como aquele riso do gordo Relações Públicas . Este som é verdadeiro. Eu me dou conta de repente de que é a primeira gargalhada que ouço há anos. Ele fica de pé, olhando para nós, balançando-se para trás nas botas , e ri e ri. Cruza os dedos sobre a barriga sem tirar os polegares dos bolsos. Vejo como suas mãos são grandes e grossas. Todo mundo na ala, pacientes, pessoal e o resto, está pasmo e abobalhado diante dele e da sua risada. Não há qualquer movimento para faze-lo parar, nenhuma iniciativa para dizer alguma coisa. Ele então interrompe a risada, por algum tempo, e vem andando, entrando na enfermaria. Mesmo quando não está rindo, aquele ressoar do seu riso paira a sua volta, da mesma maneira com o som paira em torno de um grande sino que acabou de ser tocado - está em seus olhos, na maneira como sorri, na maneira como fala. [1] - Meu nome é McMurphy, companheiros, R. P. McMurphy, e sou um jogador idiota. - Ele pisca o olho e canta um pedacinho de uma canção : - .... " e sempre eu ponho ... meu dinheiro ... na mesa " - e ri de novo.
Ken Kesey (One Flew Over the Cuckoo’s Nest)
O que há é que estou resolvido a sumir. Eu sei que sou um desfavorecido da natureza. Estive doente durante 24 anos, desde o meu nascimento até completar 24 anos. Deve tomar tudo quanto eu digo agora como coisa de um homem doente. Vou-me embora, imediatamente, imediatamente. Pode ficar certa disso. Não me sinto envergonhado, não, pois seria estranho que eu estivesse envergonhado disso, não seria? Mas estou deslocado na sociedade… Falo, não por vaidade ferida!… Estive refletindo durante estes três dias e achei cá comigo que lhe devia explicar certas coisas sinceramente e de modo bem digno para com a senhora, na primeira oportunidade que eu tivesse. Há ideias, grandes ideias, sobre as quais eu não devo começar a falar, porque na certa faria todo o mundo rir. O Príncipe Chtch… ainda agora me avisou sobre tal coisa. Minha atitude não é conveniente. Não tenho nenhum senso de proporção. Minhas palavras são incoerentes, não se enquadrando no assunto; e isso é uma degradação para tais ideias. Portanto, não tenho nenhum direito!… Além disso, sou sensível morbidamente… Estou mais do que certo de que ninguém, aqui nesta casa, feriria meus sentimentos e que sou mais querido aqui do que mereço. Mas eu sei (e sei ao certo) que vinte anos de doença devem deixar traços, e que por conseguinte é impossível a qualquer pessoa deixar de rir de mim… às vezes… Não é assim, não é mesmo?
Fyodor Dostoevsky (The Idiot)
No corpo feminino, o ponto de concentração está no mooladhara chackra, o qual está situado no colo do útero, logo atrás da abertura do útero. Este é o ponto onde o espaço e o tempo unem-se e explodem na forma de uma experiência. Esta experiência é conhecida como orgasmo na linguagem comum, mas na linguagem do Tantra ele é chamado um despertar. A fim de manter a continuidade desta experiência, é necessário que um acumulo de energia acontece naquele ponto em particular, ou bindu. Normalmente isso não acontece porque a explosão de energia dissipa-se por todo o corpo por meio do ato sexual. para evitar isso a mulher deve ser capaz de segurar sua mente em absoluta concentração naquele ponto em particular. Para isto, a prática é conhecida como sahajoli. Na verdade, sahajoli é a concentração no bindu, mas isto é muito difícil. Portanto, a pratica de sahajoli, que é a contração da vagina, bem como dos músculos uterinos, deve ser praticada por um longo período de tempo. Se é ensinada a menina, uddiyana bandha desde a mais tenra idade, ela aperfeiçoará sahajoli naturalmente com o tempo. Uddiyana bandha é sempre praticada com a retenção externa. É importante saber realizar isto em qualquer posição. Normalmente é praticado em siddhayoni asana, mas deve-se ser capaz de realizar em vajrasana ou na postura do corvo também. Quando você pratica uddiyana bandha, e outros dois bandhas – jalandhara e moola bandha ocorrem espontaneamente. Anos desta prática irá criar um senso de concentração no ponto correto no corpo. Esta concentração é mais mental em sua natureza, mas ao mesmo tempo, uma vez que não seja possível fazê-lo mentalmente, tem de começar de algum ponto físico. Se a mulher for capaz de concentrar-se e manter a continuidade da experiência, ela pode despertar sua energia para níveis superiores. De acordo com o tantra, há duas diferentes áreas do orgasmo. Uma é na zona nervosa, que é a experiência comum para muitas mulheres, e a outra é em mooladhara chakra. Quando sahajoli é praticado durante o maithuna (o ato da união sexual), mooladhara chakra desperta e o orgasmo espiritual, ou tântrico, acontece. Quando a yoguini é capaz de praticar sahajoli por 5 a 15 minutos, ela pode reter o orgasmo tântrico pelo mesmo período de tempo. Retendo esta experiência, o fluxo de energia é revertido. A circulação do sangue e das forças simpáticas e parassimpáticas move-se para cima. Neste ponto, ela transcende a consciência normal e vê a luz. É assim que ela entra no estado profundo de dhyana. A menos que a mulher seria capaz de praticar sahajoli, ela não será capaz de reter os impulsos necessários para o orgasmo tântrico, e conseqüentemente ela terá o orgasmo nervoso, que é de curta duração e seguida de insatisfação e exaustão. Isto é muitas vezes a causa da histeria de uma mulher e da depressão.
Satyananda Saraswati (Kundalini Tantra)
Stendhal, desde infância, amou as mulheres sensualmente; projetou nelas as aspirações de sua adolescência; imaginava-se de bom grado salvando de algum perigo uma bela desconhecida e conquistando-lhe o amor. Chegando a Paris, o que desejava mais ardentemente era "uma mulher encantadora; nós nos adoraremos, ela conhecerá minha alma"... Velho, escreve na poeira as iniciais das mulheres que mais amou. "Creio que foi o devaneio que preferi a tudo", confia-nos ele. E são imagens de mulheres que lhe alimentaram os sonhos; a lembrança delas anima as paisagens. "A linha de rochedos aproximando-se de Arbois, creio, e vindo de Dôle pela estrada principal, foi para mim uma imagem sensível e evidente da alma de Métilde." A música, a pintura, a arquitetura, tudo o que amou, amou-o com uma alma de amante infeliz; quando passeia em Roma, a cada página, uma mulher aparece; nas saudades, nos desejos, nas tristezas, nas alegrias que elas suscitaram-lhe, conheceu o gosto do próprio coração; a elas é que deseja como juizes. Freqüenta-lhes os salões, procura mostrar-se brilhante aos seus olhos, deveu-lhes suas maiores felicidades, suas penas; foram sua principal ocupação. Prefere seu amor a toda amizade e sua amizade à dos homens; mulheres inspiram seus livros, figuras de mulheres os povoam; é em grande parte para elas que escreve. "Corro o risco de ser lido em 1900 pelas almas que amo, as Mme Roland, as Mélanie Guibert..." As mulheres foram a própria subsistência de sua vida. De onde lhe veio esse privilégio? Esse terno amigo das mulheres, e precisamente porque as ama em sua verdade, não crê no mistério feminino; nenhuma essência define de uma vez por todas a mulher; a idéia de um "eterno feminino" parece-lhe pedante e ridículo. "Pedantes repetem há dois mil anos que as mulheres têm o espírito mais vivo e os homens, mais solidez; que as mulheres têm mais delicadeza nas idéias e os homens, maior capacidade de atenção. Um basbaque de Paris que passeava outrora pelos jardins de Versalhes concluía, do que via, que as árvores nascem podadas." As diferenças que se observam entre os homens e as mulheres refletem as de sua situação. Por exemplo, por que não seriam as mulheres mais romanescas do que seus amantes? "Uma mulher com seu bastidor de bordar, trabalho insípido que só ocupa as mãos, pensa no amante, enquanto este galopando no campo com seu esquadrão é preso se faz um movimento em falso." Acusam igualmente as mulheres de carecerem de bom senso. "As mulheres preferem as emoções à razão; é muito simples: como em virtude de nossos costumes vulgares elas não são encarregadas de nenhum negócio na família, a razão nunca lhes ê útil.. . Encarregai vossa mulher de tratar de vossos interesses com os arrendatários de duas de vossas propriedades; aposto que as contas serão mais bem feitas do que por vós." Se a História revela-nos tão pequeno número de gênios femininos é porque a sociedade as priva de quaisquer meios de expressão: "Todos os gênios que nascem mulheres estão perdidos para a felicidade do público; desde que o acaso lhes dê os meios de se revelarem, vós as vereís desenvolver os mais difíceis talentos." O pior handicap que devem suportar é a educação com que as embrutecem; o opressor esforça-se sempre por diminuir os que oprime; é propositadamente que o homem recusa às mulheres quaisquer possibilidades. "Deixemos ociosas nelas as qualidades mais brilhantes e mais ricas de felicidade para elas mesmas e para nós." Aos dez anos, a menina é mais fina e viva do que seu irmão; com vinte, o moleque é homem de espírito e a moça "uma grande idiota desajeitada, tímida e com medo de urna aranha"; o erro está na formação que teve. Fora necessário dar à mulher exatamente a mesma instrução que se dá aos rapazes.
Simone de Beauvoir (The Second Sex)
(Noto que todas as psicoterapias, todos os meus esforços de adaptação, este viver na Terra, minha aparência decente ou mais ou menos normal dos últimos anos, é só um verniz ou uma forma de simulação, que se desvanece como por encanto quando mal começo a escrever, a pensar, a tentar me resgatar de minhas depressões, a enfrentar a ideia da morte que a necessidade de me operar gerou – quando busco os recursos da vida e da esperança, encontro-me com essas coisas, sempre essas queridas coisas.)
Mario Levrero (La novela luminosa)
Caput tuum in ano est.
Ken Follett (World Without End (Kingsbridge, #2))
Se é a paixão que te move, então deixe que a razão controle as rédeas. BENJAMIN FRANKLIN
Michael Hyatt (Este é o melhor ano da sua vida: Cinco Passos para Alcançar os seus mais Importantes Objetivos (Portuguese Edition))
Muita gente começa seu dia tendo dez ou vinte tarefas para esse dia. No fim do horário de trabalho, só conseguiram fazer metade dos itens e sentem o peso do fracasso. Essas pessoas estão criando um jogo que não têm como vencer.
Michael Hyatt (Este é o melhor ano da sua vida: Cinco Passos para Alcançar os seus mais Importantes Objetivos (Portuguese Edition))
Se você realmente quer fazer progresso rumo aos seus objetivos mais importantes, então precisa de um método fácil e rápido para dividir grandes objetivos em tarefas diárias realizáveis.
Michael Hyatt (Este é o melhor ano da sua vida: Cinco Passos para Alcançar os seus mais Importantes Objetivos (Portuguese Edition))
Menos seguros porém de si mesmos que o seu bruto antepassado comum, não caíram na ingênua tentação de dizer, Este sou eu, é que desde então os medos mudaram muito e as dúvidas ainda mais, agora, aqui, em vez de uma afirmação confiante, o único que nos sai da boca é a pergunta, Este quem é, e a ela nem mais quatro ou cinco milhões de anos conseguirão provavelmente dar resposta.
José Saramago (The Double)
Os Florais de Bach, como o nome já diz, trata-se de florais extraídas diretamente das flores com o objetivo de mudar emoções e pensamentos negativos que a pessoa tem durante seu dia a dia. O tratamento segue, por base, com a Lei dos Opostos. Logo, para o dono das emoções negativas, existe uma essência que fica escondida atrás de todas as virtudes contrárias. Para ficar melhor no seu entendimento, vou listar as emoções negativas e seus contrapostos (positivas). Emoções negativas: • Tristeza; • Insegurança; • Estresse; • Depressão. Emoções positivas: • Alegria; • Segurança; • Tranquilidade; • Alegria de viver. Dentro da prática, o que vai trazer bem é a vibração/energia que a flor, ao ter contato com o campo vibracional da pessoa, resultara em uma melhora considerável nestes quadros. É importante lembrar que estes florais não são remédios. Cada frasco de floral é preparado, em um ambiente geral, com um conhaque direcionado e destinado para conservar a essência do floral, além da água mineral. Elas também podem ser utilizadas, no máximo, com sete destas essenciais em cada frasco. Após isso, ele será guardado em alguns vidros de cor âmbar, também para garantir uma melhor conservação. Caso o paciente não possa ingerir álcool (mesmo em uma quantidade muito baixa), a fórmula também poderá ser utilizada com vinagre de maçã ou glicerina vegetal. É sempre interessante lembrar que o floral realmente não é um remédio, não sendo capaz de curar a gastrite, mas poderá impactar positivamente em causas emocionais que fazem doenças aparecerem. De maneira geral, os Florais de Bach originais são 38 essências, descobertas entre 1928 e 1936 depois de uma série de experiências levadas pelo dono das pesquisas, o doutor Edward Bach. Ele acreditava que esta atitude em conjunto com a mente desempenha um papel vital e fundamental na manutenção da saúde, além da recuperação de doenças. Após conseguir identificar os 38 estados básicos negativos da mente e de passar vários anos ao explorar o campo, ele conseguiu criar um remédio que seja baseado em uma planta/flor. A continuidade das pesquisas do Dr. Bach foi precedida pelos amigos e colegas, passando seus conhecimentos, pesquisas e responsabilidade total dos seus métodos para frente. Como diretor direto do centro de Bach, fica então a cargo de Judy Howard Ramsell conseguir manter a preparação das essências florais nunca tenham seus trabalhos originais e essenciais desviados ou alterados de qualquer forma. Foi com isso que, hoje em dia, o tratamento cresce ainda com mais força entre as pessoas que ainda possuem dificuldades emocionais. Fonte: Farmadoro farmacia de manipuação sp
Marry anta
Já estava acostumado aos amputados, às vitimas do agente laranja, aos famintos, pobres, garotos de rua de seis anos de idade que você encontra às três da madrugada gritando "Feliz ano novo! Olá! Bye-Bye!" em inglês, e depois aponta para suas bocas e faz "bum bum?". Estou ficando quase indiferente aos garotos famintos, sem pernas, sem braços, cobertos de cicatrizes, desesperançados, dormindo no chão, em triciclos, na beirada do rio. Mas não estava preparado para o homem sem camisa, com um corte de cabelo a la forma de pudim, que me detém na saída do mercado, estendendo a mão. No passado ele sofreu queimaduras e tornou-se uma figura humana quase irreconhecível, a pele transformada numa imensa cicatriz sob a coroa de cabelos pretos. Da cintura para cima (e sabe Deus até onde), a pele é uma cicatriz só; ele não tem lábios, nem nariz, nem sobrancelha. Suas orelhas são como betume, como se tivesse mergulhado e moldado num alto-forno, sendo retirado pouco antes de derreter por completo. Mexe seus dentes como uma abóbora de Halloween, mas não emite um único som através do que foi um dia, uma boca. Sinto um murro no estômago. Minha animação exuberante dos dias e horas anteriores desmorona. Fico paralisado, piscando e pensando na palavra napalm, que oprime cada batida do meu coração. De repente nada mais é divertido. Sinto vergonha. Como pude vir até esta cidade, até este país por razões tão fúteis, cheio de entusiasmo por algo tão...sem sentido, como sabores, texturas, culinária? A famíla daquele homem deve ter sido pulverizada, ele mesmo transformado num boneco desgraçado, como um modelo de cera de madame Tussaud, a pele escorrendo como vela pingando. O que estou fazendo aqui? Escrevendo um livro de merda? Sobre comida? Fazendo um programinha leve e inútil de tevê, um showzinho de bosta? A ficha caiu de uma vez e fiquei me desprezando, odiando o que faço e o fato de estar ali. Imobilizado, piscando nervosamente e suando frio, sinto que todo mundo na rua está me observando, que irradio culpa e desconforto, que qualquer passante vai associar os ferimentos daquele homem a mim e ao meu país. Dou uma espiada nos outros turistas ocidentais que vagueiam por ali com suas bermudas da Banana Republic e suas camisas pólo da Land´s End, suas confortáveis sandálias Weejun e Bierkenstock, e sinto um desejo irracional de assassiná-los. Parecem malignos, comedores de carniça. O Zippo com a inscrição pesa no meu bolso, deixou de ser engraçado, virou uma coisa tão pouco divertida quanto a cabeça encolhida de um amigo morto. Tudo o que comer terá gosto de cinzas daqui pra frente. Fodam-se os livros. Foda-se a televisão. Nem mesmo consigo dar algum dinheiro ao coitado. Tenho as mãos trêmulas, estou inutilizado, tomado pela paranoia, Volto correndo ao quarto refrigerado do New World Hotel, me enrosco na cama ainda desfeita, fico olhando para o teto com os olhos cheios de lágrimas, incapaz de digerir ou entender o que presenciei e impotente para fazer qualquer coisa a respeito. Não saio nem como nada pelas 24 horas seguintes. A equipe de tevê acha que estou tendo um colapso nervoso. Saigon...Ainda em Saigon. O que vim fazer no Vietnã?
Anthony Bourdain (A Cook's Tour: Global Adventures in Extreme Cuisines)
Este tema, o da remuneração da classe política, é um dos problemas mais sérios que o país enfrenta. Os que sabem que os salários não são bons não podem falar disso em público sob pena de serem arrasados nas redes sociais, à conta da onda populista que invadiu o país nos últimos cinco anos. Estou convencido que, enquanto não tivermos coragem para abordar seriamente o assunto, iremos continuar a ter políticos de fraca qualidade. Como dizem os anglo saxónicos, you pay peanuts, you get monkeys.
Camilo Lourenço (Fartos de ser pobres!)
Estou contente por você ter encontrado este lugar, creio que vá achar aqui muitas coisas de seu interesse. Estes companheiros", disse e colocou a mão em alguns livros, "foram meus bons amigos durante muitos anos, desde que tive a ideia de ir para Londres, e me deram muitas, muitas horas de satisfação. Por eles, passei a conhecer sua extraordinária Inglaterra, e quem a conhece não pode deixar de amá-la. Anseio por caminhar pelas apinhadas ruas de sua magnífica Londres, em meio ao tumultuado caos da humanidade, a compartilhar sua vida, suas transformações, sua morte e tudo mais que a define. Mas, infelizmente, por enquanto só conheço a língua pelos livros. Conto com você, meu amigo, para aprender a falar o idioma.
Bram Stocker
Em miúdo era cruel para as pessoas que não conseguiam relatar com precisão acontecimentos, que discutiam o ano em que uma tragédia pessoal ocorrera. Via isso como um descuido inaceitável em relação à própria vida. Não foi preciso chegar a uma idade muito avançada pra que as dúvidas me começassem a assaltar: datas, locais, pessoas, tudo se misturava na minha cabeça num lodo de confusão e esquecimento. Não sei mesmo dizer se alguma vez estive em Penacova, se foi algum amigo que passou férias em Penacova, se Penacova era a terra natal de uma das minhas vizinhas. O último censo diz que Penacova é uma vila do distrito de Coimbra, com 15 251 habitantes, mas não me esclarece sobre se alguma vez lá estive. São estes os limites da sociedade de informação.
Bruno Vieira Amaral (As Primeiras Coisas)
[...]Creio que, depois desse funesto meteoro, podemos passar ao vinho, visto que é um trovão líquido, uma cólera potável e um trespasse que faz morrer os bêbados de saúde. Por mais abstinentes que sejamos, ele, o insensato, é a causa pela qual a definição dada por Aristóteles para o homem animal racional seja falsa; pelo menos, durante três meses ao ano pode-se dizer que é no cabaré que se vende a loucura em garrafas, e duvido mesmo que ele não tenha ido até os céus fazer com que o Sol cheire seus vapores, vendo como se deita tão cedo todos os dias. A Terra bebeu tanto no século de Copérnico que se pôs a dar piruetas e, se agora se move, são seguramente ss que a bebedeira lhe faz fazer. Não deixo, contudo, de gostar de ver a aguardente detestar seu pai, porque ele é para mim a testemunha de que o vinho foi forçado a perder o espírito. Ei-nos, portanto, (neste momento) condenados a morrer de sede, visto que nossa bebida está envenenada. Vejamos se as frutas se salvaram do furor de dezembro. Ai de mim! Por uma única [fruta] comida por Adão, cem mil pessoas morreram ainda sem existirem, e se tivesse começado uma segunda, teria infalivelmente expulsado a Terra trinta léguas mais longe. Toda a natureza, agora, está dedicada ao suplício de seus criminosos; ela mesma os coloca no patíbulo, a árvore os atira de ponta-cabeça, o vento os sacode, o Sol os desprende, e os pássaros se saciam com seus troncos apodrecidos. Depois, senhor, não achais errado que eu me irrite quando dizem: “Eis frutas em bom estado”, pois como pode estar em bom estado alguém que se enforcou pessoalmente? Aqui, todos os campos são limitados por vergéis, onde as pedradas respondem à oferta, e não será uma ocasião de dúvida de inocência de uma raça que vemos lapidada a cada momento? Considerando as perniciosas, eu não saberia imaginar o que podem ser senão diabos familiares mais gordos e mais agitados do que os outros; o bosque que os produz tem o cuidado de esconder tal pecado com folhas, como se não tivesse bastante descaramento para desnudar suas partes pudendas; mas agora que se desnudou e que sua verdura caiu, somente se vêem folhas na Universidade. Os vermes, as aranhas e as lagartas atingiram a cima das árvores e, mesmo sendo calvas, não deixam de ter parasitas na cabeça. Este é ainda, sem dúvida, mais um dos serviços do outono que, temendo que morrêssemos apenas de uma morte, após nos ter retirado os alimentos, deunos veneno. O que nos poderia restar de puro entre tantas coisas cujo uso nos é necessário senão, talvez, um pouco de ar; mas ele o sufocou com o contágio. Hoje, a peste (esta doença sem-fim) mantém a morte presa à sua própria; ela derruba a economia do mundo até fazer com que um miserável nascido entre andrajos morra coberto de púrpura, e julgai se o fogo com que nos ataca é ardente, quando basta um carvão sobre um homem para consumi-lo. (trecho de carta)
Cyrano de Bergerac (Voyage dans la Lune)
Ode no cinquentenário do poeta brasileiro Esse incessante morrer que nos teus versos encontro é tua vida, poeta, e por ele te comunicas com o mundo em que te esvais. Debruço-me em teus poemas e nelo percebo as ilhas em que nem tu nem nós habitamos (ou jamais habitaremos!) e nessas ilhas me banho num sol que não é dos trópicos, numa água que não é das fontes mas que ambos refletem a imagem de um mundo amoroso e patético. Tua violenta ternura, tua infinita polícia, tua trágica existência no entanto sem nenhum sulco exterior – salvo tuas rugas, tua gravidade simples, a acidez e o carinho simples que desbordam em teus retratos, que capturo em teus poemas, são razões por que te amamos e por que nos fazes sofrer… Certamente não sabias que nos fazes sofrer. É didícil explicar esse sofrimento seco, sem qualquer lágrima de amor, sentiment de homens juntos, que se comunicam sem gesto e sem palavras se invadem, se aproximam, se compreendem e se calam sem orgulho. Não é o canto da andorinha, debruçada nos telhados da Lapa, anunciando que a tua vida passou à toa, à toa. Não é o médico mandando exclusivamente tocar um tango argentino, diante da escavação no pulmão esquerdo e do pulmão direito infiltrado. Não são os carvoeirinhos raquíticos voltando encarapitados nos burros velhos. Não são os mortos do recife dormindo profundamente na noite. Nem é tua vida, nem a vida do major veterano da guerra do Paraguai, a de Bentinho Jararaca ou a de Christina Georgina Rossetti: és tu mesmo, é tua poesia, tua pungengente, inefável poesia, ferindo as almas, fogo celeste, ao visitá-las; é o fenômeno poético, de que te constituíste o misterioso portador e que vem trazer-nos na aurora o sopro quente dos mundos, das armadas exuberantes e das situaçãoes exemplares que não suspeitávamos. Por isso sofremos: pela mensagem que nos confias entre ônibus, abafada pelo pregão dos jornais e mil queixas operárias; essa insistente mas discreta mensagem que, aos cinquenta anos, poeta, nos trazes; e essa fidelidade a ti mesmo com que nos apareces sem uma queixa, no rosto entretanto experiente, mão firme estendida para o aperto fraterno - o poeta acima da guerra e do ódio entre os homens -, o poeta ainda capaz de amar Esmeraldas embora a alma anoiteça, o poeta melhor que nós todos, o poeta mais forte - mas haverá lugar para a poesia? Efetivamente o poeta Rimbaud fartou-se de escrever, o poeta Maiakovski suicidou-se, o poeta Schmidt abastece de água o Distrito Federal… Em meio a palavras melancólicas, ouve-se o surdo rumor de combates longínquos (cada vez mais perto, mais, daqui a pouco dentro de nós). E enquanto homens suspiram, combatem ou simplesmente ganham dinheiro, ninguém perecebe que o poeta faz cinquenta anos, que o poeta permanece o mesmo, embora alguma coisa de extraordinário se houvesse passado, alguma coisa encoberta de nós, que nem os olhos traíram nem as mãos apalparam, susto, emoção, enternecimento, desejo de dizer: Emanuel, disfarçado na meiguice elática doa abraços,e uma confiança maior no poeta e um pedido lancinante para que não nos deixe sozinhos nesta cidade em que nos sentimos pequenos à espera dos maiores acontecimentos. Que o poeta nos encaminhe e nos proteja e que o seu canto confidencial ressoe para consolo de muitos e esperança de todos, os delicados e os oprimidos, acima das profissões e dos vãos disfarces do homem. Que o poeta Manuel Bandeira escute este apelo de um homem humilde.
Carlos Drummond de Andrade (Sentimento do Mundo)
Quem sou eu? Um dos quatro filhos de um tenente-coronel na reserva, que ficou órfão aos sete anos de idade, tendo sido educado por mulheres e por estranhos e que, sem qualquer preparação mundana ou intelectual, se fez ao mundo por volta dos dezassete anos [...]. Sou feio, grosseiro, sujo e mal-educado, quando veio as coisas como o mundo as vê. Sou irascível, chato, intolerante e tímido como uma criança. Sou um labrego com todas as letras. O que sei aprendi-o sozinho, mal, aos solavancos, de modo descosido; e é bem pouco. Sou imoderado, indeciso, inconstante, estupidamente vaidoso e expansivo como todos os fracos. Coragem é coisa que não tenho. A minha preguiça é tal que a ociosidade se tornou para mim uma exigência. Sou boa pessoa, entendendo por isso que gosto do bem, fico de mal comigo quando dele me afasto e é com agrado que volto atrás. Todavia, há em mim uma coisa que pode mais que o bem: a glória. Sou tão ambicioso que, a darem-me a escolher entre a glória e a virtude, receio bem que escolhesse a primeira. Modesto é que não sou, sem sombra de dúvida. Por isso me vêem com este ar de cão batido, por fora, mas se querem saber o que é o orgulho, olhem lá para dentro.
Leo Tolstoy (What Is Art?)
Não é importante a forma como se arma o Presépio; pode ser sempre igual ou modificá-lo cada ano. O que conta, é que fale à nossa vida. Por todo o lado e na forma que for, o Presépio narra o amor de Deus, o Deus que se fez menino para nos dizer quão próximo está de cada ser humano, independentemente da condição em que este se encontre.
Papa Francisco
On n'est de nulle part tant qu'on n'a pas un mort dessous la terre.
Gabriel García Márquez (Cien Anos De Soledad)
Como feminista, naturalmente quero perceber com clareza o modo como a defesa de certos privilégios penetra insidiosamente os mais diversos discursos, inclusive o literário. Quero distinguir os valores masculinos hegemônicos daqueles universais, se é que estes existem. No entanto, como mulher formada por essa cultura, preciso admitir que sou parte dela, que não há modo objetivo de isolar minha consciência feminina de todo o resto. Em outras palavras, não só ler literatura escrita por homens mas também ler como um homem — já que tantos livros foram escritos para eles — são experiências constitutivas do modo como entendo a mim mesma e o mundo. Para uma mulher, crescer em uma cultura predominantemente masculina significa ocupar um lugar esquisito, em que é preciso se tensionar entre sujeito e objeto. As narrativas a que somos expostas frequentemente nos esticam (ou nos dilaceram) entre duas práticas e atitudes: entre, de um lado, o gesto de calçar os sapatos de personagens e autores homens, vivendo — como leitoras, ouvintes e espectadoras — suas aventuras e desventuras, e, de outro, o movimento de nos colocarmos no nosso devido lugar, à parte desse mundo mágico ou, no caso heterossexual, na posição secundária de objetos de desejo dos sujeitos. A diferença entre querer ser e querer ter é só aparentemente simples. Eu me lembro bem do dia em que percebi o que há no meio do caminho. Tinha uns dezessete anos e estava no corredor da Faculdade de Direito, conversando com alguns dos rapazes da turma. Um deles fez, então, alguma piada grosseira e logo me pediu desculpas por falar aquilo na frente de uma garota. Outro colega, porém, disse para ele relaxar: “A Ligia é como a gente, não tem problema”. Eu queria, sim, ser como a gente — poder fazer e ouvir piadas grosseiras etc. —, mas também queria, e muito, ser como as garotas diante de quem não se fazem piadas grosseiras. Eram elas, afinal, que eles queriam beijar. No meu caso — uma menina nerd que gostava de submergir nos livros e no cinema, e que ouvia muito Bob Dylan e Chico Buarque —, romances, poemas, filmes e canções contribuíram bastante para eu viver esse lugar esquisito, de querer ser tanto o aventureiro que atravessa 2 mil quilômetros escondido em vagões de trem quanto a mulher fatal que faz com que ele finalmente se descuide e acabe morto. Queria ser o herói que tinha um cavalo que falava inglês e também a noiva do caubói. Ainda quero.
Ligia Gonçalves Diniz (O homem não existe: Masculinidade, desejo e ficção)
CAPÍTULO XCIX   O FILHO É A CARA DO PAI   Minha mãe, quando eu regressei bacharel quase estalou de felicidade Ainda ouço a voz de José Dias, lembrando o evangelho de São João, e dizendo ao ver-nos abraçados: – Mulher, eis aí o teu filho! Filho, eis aí a tua mãe! Minha mãe, entre lágrimas: – Mano Cosme, é a cara do pai, não é? – Sim, tem alguma cousa, os olhos, a disposição do rosto. É o pai, um pouco mais moderno, concluiu por chalaça. E diga-me agora mana Glória, não foi melhor que ele não teimasse em ser padre? Veja se este peralta daria um padre capaz. – Como vai o meu substituto? – Vai indo, ordena-se para o ano, respondeu tio Cosme. Hás de ir ver a ordenação; eu também, se o meu senhor coração consentir. É bom que te sintas na alma do outro, como se recebesses em ti mesmo a sagração. – Justamente! – exclamou minha mãe. – Mas veja bem, mano Cosme, veja se não é a figura do meu defunto. Olha, Bentinho, olha bem para mim. Sempre achei que te parecias com ele, agora é muito mais. O bigode é que desfaz um pouco... – Sim, mana Glória, o bigode realmente... mas é muito parecido. E minha mãe beijava-me com uma ternura que não sei escrever. Tio Cosme, para alegrá-la, chamava-me doutor, José Dias também, e todos em casa, a prima, os escravos, as visitas, Pádua, a filha, e ela mesma repetiam-me o título.
Machado de Assis (Dom Casmurro)
Os pequenos fazendeiros observam como as dívidas sobem insensivelmente, como o crescer da maré. Cuidaram das árvores sem vender a colheita, podaram e enxertaram e não puderam colher as frutas. Este pequeno pomar, para o ano que vem, pertencerá a uma grande companhia, pois o proprietário será sufocado por dívidas. Este parreiral passará a ser propriedade do banco. Apenas os grandes proprietários podem subsistir, visto que também possuem fábricas de conservas. A podridão alastra por todo o Estado e o cheiro doce torna-se uma grande preocupação nos campos. E o malogro paira sobre o Estado como um grande desgosto. As raízes das vides e das árvores têm de ser destruídas, para se poderem manter os preços elevados. É isto o mais triste, o mais amargo de tudo. Carradas de laranjas são atiradas para o chão. O pessoal vinha de milhas de distâncias para buscar as frutas, mas agora não lhes é permitido fazê-lo. Não iam comprar laranjas a vinte cents a. dúzia, quando bastava pular do carro e apanhá-las do chão. Homens armados de mangueiras derramam querosene por cima das laranjas e enfurecem-se contra o crime, contra o crime daquela gente que veio à procura das frutas. Um milhão de criaturas com fome, de criaturas que precisam de frutas... e o querosene derramado sobre as faldas das montanhas douradas. O cheiro da podridão enche o país. Queimam café como combustível de navios. Queimam o milho para aquecer; o milho dá um lume excelente. Atiram batatas aos rios, colocando guardas ao longo das margens, para evitar que o povo faminto intente pescá-las. Abatem porcos, enterram-nos e deixam a putrescência penetrar na terra. Há nisto tudo um crime, um crime que ultrapassa o entendimento humano. Há nisto uma tristeza, uma tristeza que o pranto não consegue simbolizar. Há um malogro que opõe barreiras a todos os nossos êxitos; à terra fértil, às filas rectas de árvores, aos troncos vigorosos e às frutas maduras. Crianças atingidas de pelagra têm de morrer porque a laranja não pode deixar de proporcionar lucros. Os médicos legistas devem declarar nas certidões de óbito; "Morte por inanição", porque a comida deve apodrecer, deve, por força, apodrecer. O povo vem com redes para pescar as batatas no rio, e os guardas impedem-nos. Os homens vêm nos carros ruidosos apanhar as laranjas caídas no chão, mas as laranjas estão untadas de querosene. E ficam imóveis, vendo as batatas passarem flutuando; ouvem os gritos dos porcos abatidos num fosso e cobertos de cal viva; contemplam as montanhas de laranja, rolando num lodaçal putrefacto. Nos olhos dos homens reflecte-se o malogro. Nos olhos dos esfaimados cresce a ira. Na alma do povo, as vinhas da ira crescem e espraiam-se pesadamente, pesadamente amadurecendo para a vindima.
John Steinbeck
A vida é ruim; eu sei. Irônica também. Dizem que quando começamos a aprender alguma coisa ela decrepitude chega para cerrar as cortinas. Mas não aprendi nada. Existência oblíqua. Caminhando cabisbaixo olhando sempre de soslaio os amanheceres. Vida-viés. Quase oitenta anos vendo tudo-todos pelas fendas da tibieza. Sou do signo da dubiedade. Vinda inútil: vim vi perdi; não sou melancólico por obra do acaso; aperfeiçoei-me no desconsolo. Vida me trouxe tristeza tempo todo. Dia escuro-tempestuoso feito este se aclimata comigo sob medida para meu desfecho fatal.
Evandro Affonso Ferreira (Minha Mãe se Matou sem Dizer Adeus)
XIV Recordo o jovem que não regressou P´lo seu império querer dilatar… O ferro, fogo, desgraça, seu sonho legou, Sendo mui nobre aquela morte a lutar! Tamanha bravura e glória jamais deixou, Em tantos séculos de ao mundo mostrar, Quão este povo de heróis, ano após ano Bem alto elevaria o peito ilustre lusitano!
José Braz Pereira da Cruz (Esta é a Ditosa Pátria Minha Amada)
No meio disso, a que vinha agora uma criança deformá-la por meses, obrigá-la a recolher-se, pedir-lhe as noites, adoecer dos dentes e o resto? Tal foi a primeira sensação da mãe, e o primeiro ímpeto foi esmagar o gérmen. Criou raiva do marido. A segunda sensação foi melhor. A maternidade, chegando ao meio-dia, era como uma aurora nova e fresca. Natividade viu a figura do filho ou filha brincando na relva da chácara ou no regaço da aia, com três anos de idade, e este quadro daria aos trinta e quatro anos que teria então um aspecto de vinte e poucos...
Machado de Assis (Esau and Jacob)
Este lugar é um mistério,Daniel,um santuário.Cada volume que vês,tem alma.A alma de quem o escreveu e a alma dos que o leram e viveram e sonharam com ele.Cada vez que um livro muda de mãos,cada vez que alguém desliza o olhar pelas suas páginas,o seu espírito cresce e torna-se mais forte.Há já muitos anos,quando o meu pai me trouxe pela primeira vez aqui,este lugar já era velho.Talvez tão velho como a própria cidade.Ninguém sabe de ciência certa desde quando existe,ou quem o criou. Dir-te-ei o que o meu pai me disse a mim.Quando uma biblioteca desaparece,quando uma livraria fecha as suas portas,quando um livro se perde no esquecimento,os que conhecemos este lugar,os guardiães, asseguramo-nos de que chegue aqui.Neste lugar,os livros de que já ninguém se lembra, os livros que se perderam no tempo,vivem para sempre,esperando chegar um dia ás mãos de um novo leitor,de um novo espírito.Na loja nós vendemo-los e compramo-los, mas na realidade os livros não têm dono.Cada livro que aqui vês foi o melhor amigo de alguém.Agora só nos têm a nós,Daniel.
Carlos Ruiz Zafón (The Shadow of the Wind (The Cemetery of Forgotten Books, #1))
Há homens que lutam um dia, e são bons; Há outros que lutam um ano, e são melhores; Há aqueles que lutam muitos anos, e são muito bons; Porém há os que lutam toda a vida, Estes são os imprescindíveis.
Bertolt Brecht
Quando nos bancos escolares ouvia as primeiras aulas de filosofia, de mestres conspícuos e profundos, sempre me provocou grande inconformidade a maneira como era exposta a filosofia pitagórica. E algumas vezes, dirigindo-me ao meu iniciador na filosofia, perguntava-lhe se não havia falsificação, e muita grosseria, na apresentação de uma filosofia, cujo papel era inegável sobre todo o processo do pensamento europeu. Ele mesmo me confessava que assim aprendera, assim transmitia o conhecimento, e que não encontrara obras capazes de lhe expor um pensamento, outro que o proferido em suas aulas. Tais fatos, tiveram sempre sobre mim uma influência importante e tomei a deliberação de, no decorrer de minha vida, procurar todos os meios para estudar devidamente o pitagorismo e, sobretudo, a figura de Pitágoras, que exercia sobre mim uma fascinação extraordinária. Os anos decorreram e verifiquei quão difícil era coligir material para um estudo aprofundado dessa posição filosófica. Nas minhas viagens a vários países, fui adquirindo tudo quanto encontrava que tratasse do assunto, para, posteriormente, organizar um quadro de tendências. Seria longo descrever o trabalho que dispendi, o trabalho que nunca poupei, pois se tenho algum mérito, considero este o mais elevado: o de ser incansável trabalhador, para o qual todas as horas do dia são horas de obrigação.
Mário Ferreira dos Santos
Pouco antes de se envolver com Julio, Emilia decidiu que dali pra frente só follaría, treparia, como os espanhóis, não faria mais amor com ninguém, não deitaria nem transaria com mais ninguém, muito menos foderia ou fuderia. Este é um problema chileno, disse Emilia, então, a Julio, com uma desenvoltura que só lhe nascia na escuridão, e em voz bem baixa, naturalmente: Este é um problema dos jovens chilenos, somos jovens demais para fazer amor, e no Chile se você não faz amor só pode foder ou fuder, mas eu não gostaria de fuder nem de foder com você, preferiria que nós trepássemos, como na Espanha. Mas na época Emilia não conhecia a Espanha. Anos mais tarde moraria em Madri, cidade onde treparia bastante, mas não mais com Julio, e sim, fundamentalmente, com Javier Martínez e com Ángel García Atienza e com Julián Albuquerque e até, mas só uma vez, e um pouco forçada, com Karolina Kopeć, sua amiga polonesa. Mas naquela noite, naquela segunda noite, Julio se transformou no segundo parceiro sexual da vida de Emilia, ou, como dizem as mães e as psicólogas com certa hipocrisia, no segundo homem de Emilia, que passou, por sua vez, a ser o primeiro relacionamento sério de Julio. Julio fugia dos relacionamentos sérios, não se escondia das mulheres, mas da seriedade, pois sabia que a seriedade era tanto ou mais perigosa que as mulheres. Julio sabia que estava condenado à seriedade, e tentava, obstinadamente, torcer seu destino sério, passar o tempo na estoica espera daquele espantoso e inevitável dia em que a seriedade chegaria para se instalar para sempre na sua vida
Anonymous
O suicídio sempre foi tratado somente como um fenômeno social. Ao invés disso, aqui se trata, para começar, da relação entre o pensamento individual e o suicídio. Um gesto como este se prepara no silêncio do coração, da mesma forma que uma grande obra. O próprio homem o ignora. Uma tarde ele dá um tiro ou um mergulho. De um administrador de imóveis que tinha se matado, me disseram um dia que ele perdera a filha há cinco anos, que ele mudara muito com isso e que essa história “o havia minado”. Não se pode desejar palavra mais exata. Começar a pensar é começar a ser minado. A sociedade não tem muito a ver com esses começos. O verme se acha no coração do homem. É ali que é preciso procurá-lo. É preciso seguir e compreender esse jogo mortal que arrasta a lucidez em face da existência à evasão para fora da luz.
Albert Camus (The Myth of Sisyphus)
O Andaime O tempo que eu hei sonhado Quantos anos foi de vida! Ah, quanto do meu passado Foi só a vida mentida De um futuro imaginado! Aqui à beira do rio Sossego sem ter razão. Este seu correr vazio Figura, anónimo e frio, A vida vivida em vão. A esperança que pouco alcança! Que desejo vale o ensejo? E uma bola de criança Sobe mais que a minha esperança. Rola mais que o meu desejo. Ondas do rio, tão leves Que não sois ondas sequer, Horas, dias, anos, breves Passam — verduras ou neves Que o mesmo sol faz morrer. Gastei tudo que não tinha Sou mais velho do que sou. A ilusão, que me mantinha, Só no palco era rainha; Despiu-se, e o reino acabou. Leve som das águas lentas, Gulosas da margem ida, Que lembranças sonolentas De esperanças nevoentas! Que sonhos o sonho e a vida! Que fiz de mim? Encontrei-me Quando estava já perdido. Impaciente deixei-me Como a um louco que teime No que lhe foi desmentido. Som morto das águas mansas Que correm por ter que ser, Leva não só as lembranças, Mas as mortas esperanças — Mortas, porque hão-de morrer. Sou já o morto futuro. Só um sonho me liga a mim — O sonho atrasado e obscuro Do que eu devera ser — muro Do meu deserto jardim. Ondas passadas, levai-me Para o olvido do mar! Ao que não serei legai-me, Que cerquei com um andaime A casa por fabricar.
Fernando Pessoa (Poems of Fernando Pessoa)
Aos vinte anos julgava que o tempo lhe resolvia os problemas: aos cinquenta dava-se conta de que o tempo se tornara o problema. Jogara tudo no acto de escrever, servindo-se de cada romance para corrigir o anterior em busca do livro que não corrigiria nunca, com tanta intensidade que não lograva recordar-se dos acontecimentos que haviam tido lugar enquanto os produzia. Esta intensidade e este trabalho faziam que não sofresse outra influência que não fosse a sua nem erigisse como modelo nada fora de si, embora o tornassem mais sozinho do que um casaco esquecido num quarto de hotel vazio, enquanto o vento e a desilusão fazem estalar, à noite, a persiana que ninguém fechou. Não conhecendo a tristeza sabia o que era o desespero: o próprio rosto no espelho para a barba da manhã, ou antes não um rosto, pedaços de rosto reflectidos numa superfície inquieta, incapazes de construírem o presente, devolvendo-lhe fragmentos soltos de passado que se não ajustavam.
António Lobo Antunes (Segundo livro de Crónicas)
Tenho setenta e cinco anos, Roman. Vi inúmeras coisas ao longo da vida, e neste momento posso dizer que este mundo está prestes a mudar. Os dias vindouros serão ainda mais sombrios. Se encontrar algo de bom, não solte. Não pode perder tempo preocupado com coisas que, no fim, não terão importância. Em vez disso, é preciso se arriscar pela luz. Entende o que estou dizendo?
Rebecca Ross (Divine Rivals (Letters of Enchantment, #1))
O que este mundo incorporou nela e nos seus contemporâneos será a matéria de que se servirá para reconstruir um tempo comum, esse que foi deslizando ao longo dos anos desde um passado longínquo até aos dias de hoje - para, ao descobrir numa memória individual a memória da memória coletiva, ser capaz de transmitir a dimensão vivida da História.
Annie Ernaux (The Years)
É estranho que você não tenha suspeitado há anos - séculos, eras, éons atrás! - pois você existiu, sem companhia, através de todas as eternidades. Estranho, de fato, que você não tenha suspeitado que seu universo e seu conteúdo eram apenas sonhos, visões, ficção! Estranho, porque eles são tão francamente e histericamente insanos - como todos os sonhos: um Deus que poderia fazer crianças boas tão facilmente quanto más, mas preferiu fazer as más; que poderia ter feito cada uma delas feliz, mas nunca fez uma única feliz; que fez com que valorizassem suas vidas amargas, mas as cortou mesquinhamente; que deu a seus anjos felicidade eterna não merecida, mas exigiu que seus outros filhos a merecessem; que deu aos seus anjos vidas sem dor, mas amaldiçoou seus outros filhos com misérias e doenças da mente e do corpo; que prega justiça e inventou o inferno - prega misericórdia e inventou o inferno - prega Regras de Ouro e perdão multiplicado por setenta vezes sete, e inventou o inferno; que prega moral para os outros e não tem nenhuma para si; que desaprova crimes, mas comete todos eles; que criou o homem sem convite e depois tenta transferir a responsabilidade pelos atos do homem para o próprio homem, em vez de colocá-la honradamente onde pertence, sobre si mesmo; e finalmente, com uma obtusidade totalmente divina, convida este pobre e abusado escravo a adorá-lo!" Mark Twain
Jorge Guerra Pires (Falácias: Aprenda a identificar e rebater argumentações problemáticas, mas comumente usadas (Inteligência Artificial, Democracia, e Pensamento Crítico) (Portuguese Edition))
Vivemos há dezenas de anos num estado de excepção que se tornou regra. Este estado de excepção, em vez de limitado no tempo, é hoje o modelo normal de governação, e isto em Estados que se dizem democráticos.
Joana Bértholo (Ecologia (Portuguese Edition))
Até então ele passara pela despreocupada idade da primeira juventude, uma estrada que na meninice parece infinita, onde os anos escoam lentos e com passo leve, tanto que ninguém nota a sua passagem. Caminha-se placidamente, olhando com curiosidade ao redor, não há necessidade de se apressar, ninguém empurra por trás e ninguém espera, também os companheiros procedem sem preocupações, detendo-se frequentemente para brincar. Das casas, a porta, a gente grande cumprimenta-se benigna e aponta para o horizonte com sorrisos de cumplicidade; assim o coração começa a bater por heroicos e suaves desejos, saboreia-se a véspera das coisas maravilhosas que aguardam mais adiante; ainda não se veem, não, mas é certo, absolutamente certo, que um dia chegaremos a elas. Falta muito? Não, basta atravessar aquele rio lá longe, no fundo, ultrapassar aquelas verdes colinas. Ou já não se chegou, por acaso? Não são talvez estas árvores, estes prados, esta casa branca o que procurávamos? Por alguns instantes tem-se a impressão que sim, e quer-se parar ali. Depois ouve-se dizer que o melhor está mais adiante, e retoma-se despreocupadamente a estrada. Assim, continua-se o caminho numa espera confiante, e os dias são longos e tranquilos, o sol brilha alto no céu e parece não ter mais vontade de desaparecer no poente. Mas a uma certa altura, quase instintivamente, vira-se para trás e vê-se que uma porta foi trancada às nossas costas, fechando o caminho de volta. Então sente-se que alguma coisa mudou, o sol não parece mais imóvel, desloca-se rápido, infelizmente, não dá tempo de olhá-lo, pois já se precipita nos confins do horizonte, percebe-se que as nuvens não estão mais estagnadas nos golfos azuis do céu, fogem, amontoando-se umas sobre as outras, tamanha é sua afoiteza; compreende-se que o tempo passa e que a estrada, um dia, deverá inevitavelmente acabar. A um certo momento batem às nossas costas um pesado portão, fecham-no a uma velocidade fulminante, e não há tempo de voltar. Será então como um despertar. Olhará à sua volta, incrédulo; depois ouvirá um barulho de passos vindo de trás, verá as pessoas, despertadas antes dele, que correm afoitas e o ultrapassam para chegar primeiro. Ouvirá a batida do tempo escandir avidamente a vida. Nas janelas não mais aparecerão figuras risonhas, mas rostos imóveis e indiferentes. E se perguntar quanto falta do caminho, ainda lhe apontarão o horizonte, mas sem nenhuma bondade ou alegria. Entretanto, os companheiros se perderão de vista, um porque ficou para trás, esgotado, outro porque desapareceu antes e já não passa de um minúsculo ponto no horizonte. Além daquele rio — dirão as pessoas —, mais dez quilômetros, e terá chegado. Ao contrário, não termina nunca, os dias se tornam cada vez mais curtos, os companheiros de viagem, mais raros, nas janelas estão apáticas figuras pálidas que balançam a cabeça. Então já estará cansado, as casas, ao longo da rua, terão quase todas as janelas fechadas, e as raras pessoas visíveis lhe responderão com um gesto desconsolado: o que era bom ficou para trás, muito para trás, e ele passou adiante, sem dar por isso. Ah, é demasiado tarde para voltar, atrás dele aumenta o fragor da multidão que o segue, impelida pela mesma ilusão, mas ainda invisível, na branca estrada deserta. Ai, se pudesse ver a si mesmo, como estará um dia, lá onde a estrada termina, parado na praia do mar de chumbo, sob um céu cinzento e uniforme, sem nenhuma casa ao redor, nenhum homem, nenhuma árvore, nem mesmo um fio de erva, tudo assim desde um tempo imemorável.
Dino Buzzati (Il Deserto dei Tartari e Dodici Racconti)
- Eu tinha 9 anos quando ela morreu. Eles já viviam separados há alguns anos, embora ela nunca se tivesse divorciado, de facto, dele. Dizia que ele era o amor da sua vida e que quando se encontra esse amor, este torna-se insubstituível, porque lhe entregamos o nosso coração.
Vi Keeland (The Naked Truth)
Jon já experimentou todo o tipo de cansaço antes, como qualquer ser humano de quarenta e quatro anos de idade. Há o cansaço que te esgota de tal forma que não consegues dormir. Há o que te dá vontade de chorar. Há o cansaço que te deixa triste, muito triste. Este cansaço é diferente. É um cansaço para lá do choro, para lá da tristeza. É um cansaço entorpecido e doloroso que se lhe agarra à carne e aos ossos. É um cansaço da esperança. – Não aguento mais, querida. Compreende.
Juan Gómez-Jurado (Rei Branco (Antonia Scott, #3))
E após um bom par de anos a devorar romances estúpidos, eu sabia que estes rapazes demasiado indecifráveis eram perigosos.
Helena Magalhães (Raparigas Como Nós)
Da terra despedaçada pelo fogo e embebida em sangue surgem espíritos que não se deixam encantar com o silêncio dos canhões; em vez disso, influenciam de um modo estranho todas as valorizações existentes e dão-lhes um sentido modificado. Tivessem uns reconhecido isto como uma recaída numa barbárie moderna, tivessem-no outros saudado como um banho de aço — o mais importante é ver que um afluente novo e ainda indomado de forças elementares se apoderou do nosso mundo. Sob a segurança enganadora da ordem envelhecida, que é apenas possível enquanto ainda existir o cansaço, estas forças estão demasiado próximas, são demasiado destruidoras, de tal modo que o simples olhar as poderia abarcar. A sua forma é a da anarquia, que, nos anos de uma assim chamada paz, surge nos bandos ardentes como um vulcão à superfície. Quem aqui ainda acreditar que este processo se deixa domar através de ordens de velho estilo pertence à raça dos vencidos, que está condenada ao aniquilamento. Dá-se antes a necessidade de novas ordens em que esteja incluído o extraordinário — de ordens que não estejam calculadas para a exclusão do que é perigoso, mas criadas por um novo casamento da vida com o perigo.
Ernst Jünger
O filho perdido e o filho fiel: o "filho pródigo — 11Disse ainda: "Um homem tinha dois filhos. 12O mais jovem disse ao pai: 'Pai, dá-me a parte da herança que me cabe'. E o pai dividiu os bens entre eles. 13Poucos dias depois, ajuntando todos os seus haveres, o filho mais jovem partiu para uma região longínqua e ali dissipou sua herança numa vida devassa. 14E gastou tudo. Sobreveio àquela região uma grande fome e ele começou a passar privações. 15Foi, então, empregar-se com um dos homens daquela região, que o mandou para seus campos cuidar dos porcos. 16Ele queria matar a fome com as bolotas que os porcos comiam, mas ninguém lhas dava. 17E caindo em si, disse: 'Quantos empregados de meu pai têm pão com fartura, e eu aqui, morrendo de fome! 18Vou-me embora, procurar o meu pai e dizer-lhe: Pai, pequei contra o Céu e contra ti; 19já não sou digno de ser chamado teu filho. Trata-me como um dos teus empregados'. 20Partiu, então, e foi ao encontro de seu pai. Ele estava ainda ao longe, quando seu pai viu-o, encheu-se de compaixão, correu e lançou-se-lhe ao pescoço, cobrindo-o de beijos. 21O filho, então, disse-lhe: 'Pai, pequei contra o Céu e contra ti; já não sou digno de ser chamado teu filho'.22Mas o pai disse aos seus servos: 'Ide depressa, trazei a melhor túnica e revesti-o com ela, ponde-lhe um anel no dedo e sandálias nos pés. 23Trazei o novilho cevado e matai-o; comamos e festejemos, 24pois este meu filho estava morto e tornou a viver; estava perdido e foi reencontrado!' E começaram a festejar. 25Seu filho mais velho estava no campo. Quando voltava, já perto de casa ouviu músicas e danças. 26Chamando um servo, perguntou-lhe o que estava acontecendo. 27Este lhe disse: 'É teu irmão que voltou e teu pai matou o novilho cevado, porque o recuperou com saúde'. 28Então ele ficou com muita raiva e não queria entrar. Seu pai saiu para suplicar-lhe. 29Ele, porém, respondeu a seu pai: 'Há tantos anos que eu te sirvo, e jamais transgredi um só dos teus mandamentos, e nunca me deste um cabrito para festejar com meus amigos. 30Contudo, veio esse teu filho, que devorou teus bens com prostitutas, e para ele matas o novilho cevado!' 31Mas o pai lhe disse: 'Filho, tu estás sempre comigo, e tudo o que é meu é teu. 32Mas era preciso que festejássemos e nos alegrássemos, pois esse teu irmão estava morto e tornou a viver; ele estava perdido e foi reencontrado!
Various (Bíblia de Jerusalém: Bíblia Sagrada)
Na cidade, um comunista não estava só, havia outras pessoas que pensavam como ele, havia um espírito de comunidade, acrescendo ainda que as convicções comunistas não eram identificáveis a todo o momento e em toda a parte. Num meio rural, um comunista era "o comunista". Tal era a sua identidade, a sua vida. Ser-se comunista no começo do anos 70, acompanhando a vaga, era também muito diferente de ser-se comunista no anos oitenta, depois de todos os ratos terem havia muito abandonado o navio. Um comunista solitário assemelhava-se a um paradoxo, mas foi esse o destino de Kjartan. Lembro-me das discussões que o meu pai tinha com ele, quando, no Verão, íamos visitar os meus avós, e as vozes de ambos ressoavam lá em baixo, na sala, não nos deixando adormecer: embora incapaz de o explicitar, ou de o conceber claramente, eu sentia que havia uma diferença entre um e outro e que se tratava de uma diferença fundamental. Para o meu pai, aquelas discussões tinham um objectivo limitado, o seu único propósito era mostrar a Kjartan que este se iludia; para Kjartan, as questões eram de vida ou de morte, de tudo ou de nada. Daí a irritação na voz do meu pai, o fervor na de Kjartan. Era também evidente, ou pelo menos parecia-me sê-lo, que as palavras do meu pai se baseavam no mundo real, que aquilo que ele dizia e pensava tinha que ver connosco, com os nossos dias de aulas e os nossos desafios de futebol, as nossas bandas desenhadas e as nossas idas à pesca, as nossas tarefas de limpeza da neve e as nossas papas de aveia dos sábado, ao passo que Kjartan falava de outra coisa, de qualquer coisa que tinha que ver com outro lugar. Sem dúvida, era-lhe impossível admitir que aquilo em que acreditava, aquilo a que dedicara a sua vida, nada tivesse que ver com a realidade, como o meu pai, e todos os demais, declaravam a todo o momento.
Karl Ove Knausgård (Min kamp 2 (Min kamp, #2))
Parábola da figueira estéril — 6Contou ainda esta parábola: "Um homem tinha uma figueira plantada em sua vinha. Veio a ela procurar frutos, mas não encontrou. 7Então disse ao vinhateiro: 'Há três anos que venho buscar frutos nesta figueira e não encontro. Corta-a; por que há de tornar a terra infrutífera?' 8Ele, porém, respondeu: 'Senhor, deixa-a ainda este ano para que eu cave ao redor e coloque adubo. 9Depois, talvez, dê frutos... Caso contrário, tu a cortarás'".
Various (Bíblia de Jerusalém: Bíblia Sagrada)
...Estou ao volante e, pelo retrovisor, observo um automóvel que vem atrás de mim. A luzinha da esquerda pisca e todo o automóvel emite ondas de impaciência. O condutor espera o ensejo de me ultrapassar; espreita esse momento como uma ave de rapina espreita um pardal. Véra, a minha mulher, diz-me: “Todos os cinquenta minutos morre um homem nas estradas de França. Olha para eles, para estes doidos todos que correm à nossa volta. São os mesmos que sabem mostrar-se de uma prudência extraordinária quando vêem assaltar uma velha na rua, mesmo diante dos olhos. Como é que podem não ter medo quando estão ao volante?” Que responder? Talvez o seguinte: o homem inclinado para a frente na sua motorizada só pode concentrar-se no segundo presente do seu voo; agarra-se a um fragmento do tempo cortado tanto do passado como do futuro; agarra-se à continuidade do tempo; está fora do tempo; por outras palavras, está no estado de êxtase; nesse estado, nada sabe da sua idade, nada da mulher, nada dos filhos, nada das preocupações e, portanto, não tem medo, porque a fonte do medo está no futuro, e quem se liberta do futuro nada tem a temer. A velocidade é a forma do êxtase com que a revolução técnica presenteou o homem. Ao contrário do motociclista, quem corre a pé continua presente no seu corpo, obrigado ininterruptamente a pensar nas suas bolhas, no seu ofegar; quando corre sente o seu peso, a sua idade, mais consciente do que nunca de si próprio e da sua vida. Tudo muda quando um homem delega a faculdade da velocidade numa máquina: a partir de então, o seu próprio corpo sai do jogo e ele entrega-se a uma velocidade que é incorpórea, imaterial, velocidade pura, velocidade em si mesma, velocidade êxtase. Curiosa aliança: a fria impessoalidade da técnica e as chamas do êxtase. Estou a lembrar-me dessa americana que, há trinta anos, expressão severa e entusiástica, qual apparatchik do erotismo, me deu uma aula (glacialmente teórica) sobre a libertação sexual; a palavra que se repetia mais vezes no seu discurso era a palavra orgasmo; contei: quarenta e três vezes. O culto do orgasmo; o utilitarismo puritano projectado na vida sexual; a eficácia contra a ociosidade; a redução do coito a um obstáculo que se deve ultrapassar o mais depressa possível para se chegar a uma explosão extática, único verdadeiro alvo do amor e do universo. Porque terá desaparecido o prazer da lentidão? Ah, onde estão os deambuladores de outrora? Onde estão esses heróis indolentes das canções populares, esses vagabundos que preguiçam de moinho em moinho e dormem ao relento? Terão desaparecido com os caminhos campestres, com os prados e as clareiras, com a natureza? Há um provérbio checo que descreve a sua ociosidade por meio de uma metáfora: contemplam as janelas de Deus. Quem contempla as janelas de Deus não se aborrece; é feliz. No nosso mundo, a ociosidade transformou-se em desocupação, o que é uma coisa muitíssimo diferente: o desocupado sente-se frustrado, aborrece-se, procura constantemente o movimento que lhe faz falta. Olho para o retrovisor: sempre o mesmo automóvel que não consegue ultrapassar-me por causa da circulação em sentido contrário. Ao lado do condutor, está sentada uma mulher; porque é que o homem não lhe conta alguma coisa engraçada? Porque não lhe põe a palma da mão no joelho? Em vez disso, amaldiçoa o automobilista que, à sua frente, não vai suficientemente depressa, e também a mulher não pensa em tocar com a mão o condutor, conduz mentalmente ao mesmo tempo que ele e como ele amaldiçoa-me. E eu penso nessa outra viagem de Paris para um solar no campo, que teve lugar há mais de duzentos anos, na viagem da Senhora de T. e do jovem cavaleiro que a acompanhava. É a primeira vez que estão tão perto um do outro, e a indizível atmosfera sensual que os envolve nasce justamente da lentidão do ritmo: balouçados pelo movimento da carruagem, os dois corpos tocam-se, primeiro sem o saberem, depois sabendo-o, e a história principia.
Milan Kundera (Slowness)
O Império Otomano turco caiu ao terminar a Primeira Guerra Mundial. O território se dividiu principalmente entre os vencedores britânicos e franceses, que conservaram essas regiões durante trinta anos. Ao terminar a Segunda Guerra Mundial, a terra foi devolvida ao controle árabe (exceto um atoleiro reclamado que apenas ocupava 1% do Oriente Médio e que carecia de recursos naturais. A ONU entregou este território aos judeus e hoje recebe o nome de Israel).
Harry Richardson (A Historia de Maome O Isla sem segredos (Portuguese Edition))
Os toltecas foram grandes homens e mulheres muito sábios que viveram há milhares de anos na atual região Centro-Sul do México. Na língua náuatle, tolteca significa “artista”, e, de acordo com nossos ensinamentos, a tela para nossa arte é a própria vida. Aprendi sobre o modo de vida tolteca pelas tradições orais da minha família que, de acordo com meu tataravô paterno, Don Exiquio, é descendente direta dos toltecas da linhagem dos Cavaleiros da Águia. Este conhecimento chegou até mim pela minha avó, Madre Sarita. Nós nos autodenominamos toltecas não apenas devido à linhagem, mas também porque somos artistas. A vida é a tela da nossa arte, e nossa tradição se dedica a ensinar as lições de vida que vão nos ajudar a criar nossa obra-prima. A tradição tolteca não é uma religião, e sim um modo de vida para o qual a grande obra-prima é viver com felicidade e com amor. Ela abraça o espírito ao mesmo tempo em que honra os vários grandes mestres de todas as tradições do mundo. O cerne da questão de todo este trabalho é ser feliz, aproveitar a vida e curtir os relacionamentos com as pessoas que mais amamos, começando por nós mesmos.
Miguel Ruiz Jr. (The Five Levels of Attachment: Toltec Wisdom for the Modern World)
O budismo floresceu ainda nas regências das filhas de Shômu, como com a imperadora Kôken (718 – 770) que buscou atrair sacerdotes budistas para sua corte. Kôken abdicou em 758 sob os conselhos de seu primo, Nakamaro Fujiwara. Este se rebelou contra a imperadora aposentada quando esta buscou favorecer um curandeiro budista chamado Dokyo, mas a rebelião foi rapidamente controlada, e Kôken mandou depor todos aqueles em conluio com o golpe. Após o evento, Kôken reassumiu o trono como imperadora Shôtoku (r. 764 – 770). Neste seu reinado, a imperadora favoreceu o budismo e fomentou a impressão de mais de um milhão de orações e pagodes em miniatura (hyakumanto dharani, 百万塔陀罗尼) (fig. 10) por volta do ano de 770. Mas as ações da imperadora a favor do clero budista fizeram com que fosse abolida a posição imperial a mulheres e, nos anos seguintes a sua morte, removeram budistas de posições de autoridade política.
Emiliano Unzer (História do Japão: Uma introdução)
Se você voltar por este caminho e renovar seu convite para eu "me juntar", Stu, provavelmente concordarei. Esta é a maldição da raça humana. Sociabilidade. Cristo assim teria dito: "É, na verdade, sempre que dois ou três d vocês se juntam, algum outro vai perder a merda da vida". Preciso lhe dizer que a sociologia nos ensina sobre a raça humana? Eu lhe direi isso em poucas palavras. Mostre-me um homem ou uma mulher e lhe mostrarei um santo. Dê-me dois e eles se apaixonarão. Dê-me três e eles inventarão essa coisa encantada que chamamos de "sociedade". Dê-me quatro e eles construirão uma pirâmide. Dê-me cinco e eles transformarão alguém num pária. Dê-me seis e eles reinventarão o preconceito. Dê-me sete e em sete anos eles reinventarão a guerra. O homem pode ter sido feito à imagem e semelhança de Deus, mas a sociedade humana foi feita à imagem e semelhança de Seu oposto, e está sempre tentando voltar pra casa.
Stephen King
Sagres é o cabo do mundo. Levo os pés magoados de caminhar sobre pedregulhos azulados, num carreirinho, por entre lava atormentada. Do passado restam cacos, o presente é uma coisa fora da realidade, grande extensão deserta e encapelada, com pedraria a aflorar entre tufos lutuosos; vasto ossário abandonado onde as pedras são caveiras, as ervas cardos negros e os tojos só espinhos e algumas folhas de zinco. O mar - é verdade, esquecia-o - mas o mar como imensidade e tragédia, e ao lado a gigantesca ponta de São Vicentte, só negrume e sombra. Mar e céu, céu e mar, terra reduzida a torresmos, e o sentimento do ilimitado. Esta grandeza esmaga-me. Grande sítio para ser devorado por uma ideia! Isto devia chamar-se Sagres ou a ideia fixa... Só agora entrevejo o vulto do Infante. Cerca-o e aperta-o a solidão de ferro. Pedra e mar - torna-se de pedra. Está só no mundo e contrariado por todos. Obstina-se durante doze anos! contra o clamor geral. - Perdição! Perdição! - agoura toda a gente, e Ele não ouve os gritos da plebe ou a murmuração das pessoas «de mais qualidade» (Barros). Aqui não se ouve nada... Nem um sinal de assentimento encontra. Não importa, Só e o sonho, na gigantesca penedia que com dois dedos inexoráveis aponta o caminho marítimo para as Índias pela direcção da ponta de Sagres, e a descoberta do Brasil pela direcção da ponta de São Vicente. Lágrimas, orfandades, mortes... Mas o homem de pedra está diante deste infinito amargo e só vê o sonho que o devora. Rodeia-o a imensidão. Os mais príncipes contentam-se «com a terra que ora temos, a qual Deus deu por termo e habitação dos homens». Este Príncipe não. Este Príncipe pertence a outra raça e a outra categoria de homens. Não lhe basta um grande sonho - há-de por força realizá-lo e «levar os Portugueses a povoar terras ermas por tantos perigos de mar, de fome e de sede». Não é egoísmo, mas só vive para o pensamento que se apoderou de todo o seu ser. Um pensamento e o ermo. E este é óptimo para forjar uma alma à luz do céu ou do inferno. Os dias neste sítio magnético pesam como chumbo. Uma pobre mulher do povo dizia-me ontem: —Isto aqui é tão nu e tão só que a gente ou se agarra a um trabalho e não o larga, ou morre. É a realidade que nos mata. Este panorama é na verdade trágico. Não cessa dia e noite o lamento eterno da ventania e das águas. E os cabos, que são de ferro e escorrem sangue, obstinam-se em apontar o seu destino de dor a esta terra de pescadores.
Raul Brandão (Os Pescadores)
Este é o ponto fraco de determinadas escolas de progresso e de evolução moral. Elas sugerem a existência de um movimento lento em direção à moralidade, com uma imperceptível mudança ética em cada ano e a cada instante. Há somente uma grande desvantagem nessa teoria. Ela fala de um movimento lento em direção à justiça, mas não permite um movimento rápido. [...] Para esclarecer, tomemos um exemplo característico. Certos vegetarianos idealistas dizem que chegou o tempo de não se comer carne; por conseguinte, admitem que houve um tempo em que era considerado correto comê-la e sugerem que algum dia pode ser considerado errado comer ovos e tomar leite. Não discuto aqui a questão do que seja justo ou injusto a respeito dos animais. Limito-me a afirmar que, seja qual for a justiça, sob determinadas condições deve ser uma justiça rápida. Se um animal é injustamente tratado, devemos prontamente correr em seu auxílio. Mas como poderemos fazer isso, se ainda não chegou a hora? Como poderemos correr para pegar um trem que ainda levará alguns séculos para chegar?
G.K. Chesterton (Orthodoxy)
Este ano é bissexto, Jonathan. No céu ou no inferno, um dia inteiro pra nós
Adélia Prado (A Faca no Peito)
Quando eu era muito novo e sentia em mim o impulso irreprimível de estar em qualquer outro lugar, foi-me assegurado por pessoas de idade madura que a maturidade curaria este desejo ardente. Quando os anos me indicavam como amadurecido, o remédio prescrito foi a meia-idade. Na meia-idade, asseguraram-me que uns anos mais acalmariam a minha febre, e agora, que tenho cinquenta e oito, talvez a senilidade o consiga. Nada surtiu efeito. Quatro sopros roufenhos do apito de um navio ainda arrepiam o cabelo da minha nuca e põem os meus pés a sapatear. O som de um avião de jacto, de um motor a aquecer, até o bater de cascos ferrados no pavimento, provocam o antigo formigar, a boca seca e o olhar vago, o calor das palmas das mãos e a agitação violenta do estômago, aos pulos sob a caixa das costelas. Por outras palavras, não melhoro, ou, indo mais longe, quem foi vadio é sempre vadio. Receio que a doença seja incurável.
John Steinbeck (Travels with Charley: In Search of America)
Quando te vejo agora - movendo-se lentamente com uma nova vida crescendo dentro de você - espero que saibas quanto significas para mim e como este ano foi especial. Nenhum homem é mais abençoado do que eu, e amo você de todo o meu coração.
Nicholas Sparks (Diário de uma Paixão: Uma das mais emocionantes e intensas histórias de amor)
PRÓLOGO Alguns Anos atrás no Planeta Orfheus... Escurecia quando Lucius chegou ao local combinado, do qual haviam escolhido para ser o novo esconderijo. O último havia sido utilizado por vários meses, e estavam preocupados com a possibilidade de estarem sendo perseguidos e por fim, descobertos. - Pensei que você não viesse... Estou lhe esperando faz quase uma hora, estava ficando angustiada. - disse Sofia aliviada. - Desculpe meu amor... Tudo está se tornando cada vez mais difícil, quase não consegui vir hoje. Houve uma emboscada com as tropas de Igor na última invasão, e muitos guerreiros retornaram gravemente feridos. – ele a olhou surpreso. – Porque, esse encontro repentino? Nós havíamos combinado que o próximo seria na semana seguinte! - Eu sei... Mas, não pude esperar... Lucius deu-lhe um forte abraço, trazendo-a para junto de si. Permanecendo em silêncio por alguns momentos, sentindo o cheiro dela. A saudade e o desejo o consumiam. Ela significava o seu mundo, sem Sofia, sua vida jamais faria sentido. Ele nunca esqueceria aqueles olhos, serenos e sinceros, um azul tão claro e límpido, capaz de enxergar sua alma de guerreiro atormentado. Juntamente com seus cabelos dourados, Sofia parecia um anjo. - Algum problema? Você ficou tão quieto e pensativo. – ela perguntou intrigada. - Estou pensando em nós... Quanto tempo nós conseguiremos manter tudo em segredo? – ele afastou-se dela suspirando. - Ficar mentindo e fingindo que está tudo bem. Você faz ideia do quanto eu tenho que suportar quando está longe de mim? Ou quando vejo você com ele? – Meu amor, agora não. Já discutimos diversas vezes sobre esse assunto. Você sabe que a nossa única alternativa, seria fugir, e rezar para que nunca nos encontrem. Sofia sabia muito bem que as leis do Reino não podiam ser desrespeitadas. O amor, o respeito e a lealdade eram fatores primordiais, que faziam parte da hierarquia de Orfheus. Embora sempre fosse apaixonada por Lucius, que jamais demonstrou qualquer atitude ou interesse por ela, Sofia acabou se relacionando com Alex, irmão de Lucius em consequência de um pacto. Entretanto com o decorrer dos séculos, Lucius começou a mudar e demonstrar sentimentos amorosos por ela que, nunca deixou de amá-lo e sucumbiu às tentações e a paixão por ele. Inevitavelmente um caso de amor surgiu entre os dois. Interrompendo os pensamentos dela, Lucius pegou-a pela mão e a levou para dentro da cabana. Este último lugar escolhido era reservado, adentro de uma vasta e linda floresta. Ele a puxou pela cintura, dando-lhe um beijo apaixonado, acariciou seus cabelos e disse baixinho. - Amor... Senti tanto a sua falta. - Eu também senti muitas saudades, mas o verdadeiro motivo que me trouxe hoje aqui às presas é outro. Preciso que você escute com atenção e mantenha a calma. – enquanto falava passava as mãos entre os cabelos negros de Lucius que contrastavam com sua pele clara. Sofia não queria assustá-lo. No entanto imaginava o quanto ele ficaria transtornado e nervoso com a notícia. Infelizmente a revelação era inevitável, cedo ou tarde, tudo viria à tona. - Estou grávida. – ela declarou sem cerimônias. Por um breve instante, Lucius não lhe disse nada. Somente a encarou sem reação alguma. Parecia estar em uma batalha silenciosa com seus próprios pensamentos. - Mas como? – ele balbuciava não acreditando no que acabara de escutar. Certamente aquela revelação seria o fim para os dois. - Fique calmo meu amor! Eu sei que isso muda tudo. O que estávamos planejando há meses, não será mais possível. – ela sentou-se em um banquinho improvisado e prosseguiu com lágrimas nos olhos. - Com o bebê a caminho, não posso simplesmente passar pelo portal, eu e o bebê morreríamos durante a travessia. - Poderíamos pedir ajuda para a tia Wilda, ela é muito poderosa, provavelmente, ela seria capaz de quebrar a magia dos portais. Sofia já havia pensado nessa possibilidade. Tinha plena consciência de que seria a única escolha que lhe restava.
Gisele de Assis (Entre o Amor e o Sacrifício)
— Escute, escute! — a interrompi. — Desculpe se vou lhe dizer outra vez algo assim... Mas é isto: não posso deixar de vir aqui amanhã. Sou um sonhador; tenho uma vida tão pouco movimentada que momentos assim como este, agora, considero tão raros que não posso deixar de repeti-los em meus devaneios. Vou sonhar com a senhora a noite inteira, a semana inteira, o ano inteiro. Virei aqui amanhã sem falta, exatamente aqui, neste mesmo lugar, a esta mesma hora, e ficarei feliz, lembrando o dia anterior. Este lugar já é precioso para mim. Já tenho dois ou três lugares assim, em Petersburgo. Uma vez, até comecei a chorar por causa de recordações, como a senhora...
Fyodor Dostoevsky
ciumento e vingativo? Mas está escrito: “eu sou um Deus ciumento e vingativo”. Aonde nós vamos chegar desse jeito? Nós vamos chegar a este planeta. Porque cada um tem uma interpretação, que está debaixo de histórias. Se fizer uma ligação direta, acaba esse problema. Entra em fluxo com Ele, sai de lado, um pouquinho, e deixa Ele trabalhar. Aí, as coisas vão poder acontecer. O que foi dito? “Tudo que vocês pedirem, crendo que receberam, receberão.” Receberam, receberão. Passado, futuro. Tudo o que a Mecânica Quântica fala. Você colapsou a função de onda. Basta você esperar que vai acontecer. Já foi dito isso há dois mil anos. Tudo o que foi dito era para criar uma conexão direta, um canal aberto. E isso foi deturpado. Por quê? Porque mudaria tudo. Da mesma forma, se a humanidade entender PNL e realmente aplicar, o mundo muda. Se entender a Ressonância, muda. É só aplicar, é só levar a sério.
Hélio Couto (PNL: Programação Neuro Linguística (Portuguese Edition))
Hay libros que tenemos a nuestro lado veinte anos sin leerlos, libros de los que no nos alejamos, que los llevamos de una ciudad a otra, de un país a otro, cuidadosamente empaquetados, aunque haya muy poco sitio, y que tal vez hojeamos en el momento de sacarlos de la maleta; sin embargo, nos guardamos muy bien de leer aunque sólo sea una frase completa. Luego, al cabo de veinte años, llega un momento en el que, de repente, como si estuviéramos bajo la presión de un operativo superior, no podemos hacer otra cosa que coger un libro de estos y leerlo de un tirón, de cabo a rabo: este libro actúa como una revelación. En aquel momento sabemos por qué le hemos hecho tanto caso. Tenía que estar mucho tiempo a nuestro lado; tenía que viajar; tenía que ocupar sitio; tenía que ser una carga y ahora ha llegado a la meta de su viaje; ahora levanta su velo; ahora ilumina los veinte años transcurridos en los que ha vivido mudo a nuestro lado. No hubiera podido decir tantas cosas si no hubiera estado mudo durante este tiempo, y qué imbécil se atrevería a afirmar que en el libro hubo siempre lo mismo.
Elias Canetti (La provincia del hombre)
Naquele tempo o comércio dos livros era, como ainda hoje, artigo de luxo; todavia, apesar de mais baratas, as obras literárias tinham menor circulação. Provinha isso da escassez das comunicações com a Europa, e da maior raridade de livrarias e gabinetes de leitura. Cada estudante, porém, levava consigo a modesta provisão que juntara durante as férias, e cujo uso entrava logo para a comunhão escolástica. Assim correspondia São Paulo às honras de sede de uma academia, tornando-se o centro do movimento literário. Uma das livrarias, a que maior cabedal trazia a nossa biblioteca, era de Francisco Otaviano, que herdou do pai uma escolhida coleção das obras dos melhores escritores da literatura moderna, a qual o jovem poeta não se descuidava de enriquecer com as últimas publicações. Meu companheiro de casa era dos amigos de Otaviano, e estava no direito de usufruir sua opulência literária. Foi assim que um dia vi pela primeira vez o volume das obras completas de Balzac, nessa edição em folha que os tipógrafos da Bélgica vulgarizam pôr preço módico. As horas que meu companheiro permanecia fora, passava-as eu com o volume na mão, a reler os títulos de cada romance da coleção, hesitando na escolha daquele pôr onde havia de começar. Afinal decidia-me pôr um dos mais pequenos; porém, mal começada a leitura, desistia ante a dificuldade. Tinha eu feito exame de francês à minha chegada em São Paulo e obtivera aprovação plena, traduzindo uns trechos do Telêmaco e da Henriqueida; mas, ou soubesse eu de outiva a versão que repeti, ou o francês de Balzac não se parecesse em nada com o de Fenelon e Voltaire; o caso é que não conseguia compreender um período de qualquer dos romances da coleção. Todavia achava eu um prazer singular em percorrer aquelas páginas, e pôr um ou outro fragmento de ideia que podia colher nas frases indecifráveis, imaginava os tesouros que ali estavam defesos à minha ignorância. Conto-lhe este pormenor para que veja quão descurado foi o meu ensino de francês, falta que se deu em geral com toda a minha instrução secundária, a qual eu tive de refazer na máxima parte, depois de concluído o meu curso de direito, quando senti a necessidade de criar uma individualidade literária. Tendo meu companheiro concluído a leitura de Balzac, a instâncias minhas, passou-me o volume, mas constrangido pela oposição de meu parente que receava dessa diversão. Encerrei-me com o livro e preparei-me para a luta. Escolhido o mais breve dos romances, armei-me do dicionário e, tropeçando a cada instante, buscando significados de palavra em palavra, tornando atrás para reatar o fio da oração, arquei sem esmorecer com a ímproba tarefa. Gastei oito dias com a Grenadière; porém um mês depois acabei o volume de Balzac; e no resto do ano li o que então havia de Alexandre Dumas e Alfredo Vigny, além de muito de Chateaubriand e Victor Hugo. A escola francesa, que eu então estudava nesses mestres da moderna literatura, achava-me preparado para ela. O molde do romance, qual mo havia revelado pôr mera casualidade aquele arrojo de criança a tecer uma novela com os fios de uma ventura real, fui encontrá-lo fundido com a elegância e beleza que jamais lhe poderia dar.
José de Alencar (Como e Por Que Sou Romancista)
Este homem era mesmo esperto. Como podia um inglês ter escrito há setenta anos um livro que previa tudo aquilo por que passei? “Guerra é paz, liberdade é escravidão, ignorância é força.” Estas palavras são tão inteligentes. George Orwell viu o futuro. Ele viu o nosso mundo. Maysem sobrevivente dos campos de Xinjiang
José Rodrigues dos Santos (A Mulher do Dragão Vermelho (Tomás Noronha #12))