“
Costuma-se dizer, dêmos tempo ao tempo, mas aquilo que sempre nos esquecemos de perguntar é se haverá tempo para dar.
”
”
José Saramago (The Double)
“
Puedes no ser su primero, su ultimo o su único. Ella amo antes y puede amar de nuevo. Pero si ella te ama ahora, Que otra cosa importa? Ella no es perfecta -tu tampoco lo eres, y los dos podrán nunca ser perfectos juntos, pero si ella te puede hacer reír, hacer que pienses las cosas dos veces, y puede admitir ser humana y cometer errores, Hazla tuya y dale lo mas que puedas. Puede que ella no piense en ti cada segundo del día, pero ella te dará una parte de su cuerpo que sabe es frágil - su corazón. Así que no la lastimes, no la cambies, no la analices y no esperes más de lo que ella pueda dar. Sonríe cuando te haga feliz, déjale saber cuándo te enfurezca y extráñala cuando no esté ahí.
”
”
Bob Marley
“
Dalva poderia tantas coisas se pudesse. Mas só pôde o que fez. Quem vê de fora faz arranjos melhores, mas é dentro, bem no lugar que a gente não vê, que o não dar conta ocupa tudo.
”
”
Carla Madeira (Tudo é Rio)
“
A gente quer passar um rio a nado, e passa; mas vai dar na outra banda é num ponto muito mais embaixo, bem diverso do em que primeiro se pensou. Viver nem não é muito perigoso?
”
”
João Guimarães Rosa (Grande Sertão: Veredas)
“
Então, que seja doce. Repito todas as manhãs, ao abrir as janelas para deixar entrar o sol ou o cinza dos dias, bem assim, que seja doce. Quando há sol, e esse sol bate na minha cara amassada do sono ou da insônia, contemplando as partículas de poeira soltas no ar, feito um pequeno universo; repito sete vezes para dar sorte: que seja doce que seja doce que seja doce e assim por diante. Mas, se alguém me perguntasse o que deverá ser doce, talvez não saiba responder. Tudo é tão vago como se fosse nada.
”
”
Caio Fernando Abreu
“
Sê calmo até à estupidez como a vida. E todavia. Dar a volta por quanto existi - e exististe tanto. Porque uma vida humana. Como ela é intensa. Porque o que nela acontece não é o que nela acontece mas a quantidade de nós que acontece nesse acontecer.
”
”
Vergílio Ferreira (Para Sempre)
“
Ainda tentei puxar-te para mim, explicar-te que a distância aproxima as pessoas quando elas têm alguma coisa para dar uma à outra, mas já tinhas desistido de mim.
”
”
Margarida Rebelo Pinto
“
Assim nuas, precisávamos de proteção, e o hospital nos protegia. É claro que primeiro o hospital nos desnudava - mas isso apenas reforçava sua obrigação de nos dar abrigo.
”
”
Susanna Kaysen (Girl, Interrupted)
“
Todas as cartas de amor são
Ridículas.
Não seriam cartas de amor se não fossem
Ridículas.
Também escrevi em meu tempo cartas de amor,
Como as outras,
Ridículas.
As cartas de amor, se há amor,
Têm de ser
Ridículas.
Mas, afinal,
Só as criaturas que nunca escreveram
Cartas de amor
É que são
Ridículas.
Quem me dera no tempo em que escrevia
Sem dar por isso
Cartas de amor
Ridículas.
A verdade é que hoje
As minhas memórias
Dessas cartas de amor
É que são
Ridículas.
(Todas as palavras esdrúxulas,
Como os sentimentos esdrúxulos,
São naturalmente
Ridículas.)
”
”
Fernando Pessoa
“
Às vezes, a maior prova de amor que podemos nos dar é justamente abrir mão de algo que gostamos e desejamos muito se não estamos preparados para lidar com aquilo. E era assim que eu me sentia. A vida não se resumia a encontrar alguém que vá nos querer acima de tudo ou perder alguém que amamos muito. A gente não podia nem devia se envolver com uma pessoa sem antes estar bem com nós mesmas. Com nosso corpo, nossa mente, nossa essência. Aprendi que amor-próprio não era o mar de rosas que os filmes contam, mas é necessário, mesmo sem todo aquele glamour. Só ele pode te salvar dos seus pensamentos mais sombrios.
”
”
Bel Rodrigues (13 Segundos)
“
A vida é tão maravilhosa que a nossa mente tenta dar uma utilidade a ela, mas isso é uma besteira. A vida é fruição, é uma dança, só que é uma dança cósmica, e a gente quer reduzi-la a uma coreografia ridícula e utilitária.
”
”
Ailton Krenak (A vida não é útil)
“
A história é uma cadeia interminável de acontecimentos, mas está presa por fios. Se cortarmos um dos fios já não podemos dar por certo acontecimento algum.
”
”
Rui Tavares (O Pequeno Livro do Grande Terramoto: Ensaio sobre 1755)
“
Ser ou estar. Não, não é ser ou não ser, essa já existe, não confundir com a minha que acabei de inventar agora. Originalíssima. Se eu sou, não estou porque para que eu seja é preciso que eu não esteja. Mas não esteja onde? Muito boa a pergunta, não esteja onde. Fora de mim, é lógico. Para que eu seja assim inteira (essencial e essência) é preciso que não esteja em outro lugar senão em mim. Não me desintegro na natureza porque ela me toma e me devolve na íntegra: não há competição mas identificação dos elementos. Apenas isso. Na cidade me desintegro porque na cidade eu não sou, eu estou: estou competindo e como dentro das regras do jogo (milhares de regras) preciso competir bem, tenho consequentemente de estar bem para competir o melhor possível. Para competir o melhor possível acabo sacrificando o ser (próprio ou alheio, o que vem a dar no mesmo). Ora, se sacrifico o ser para apenas estar, acabo me desintegrando (essencial e essência) até a pulverização total.
”
”
Lygia Fagundes Telles (As Meninas)
“
Já escondi um amor com medo de perdê-lo, já perdi um amor por escondê-lo. Já segurei nas mãos de alguém por medo, já tive tanto medo, ao ponto de nem sentir minhas mãos. Já expulsei pessoas que amava de minha vida, já me arrependi por isso. Já passei noites chorando até pegar no sono, já fui dormir tão feliz, ao ponto de nem conseguir fechar os olhos. Já acreditei em amores perfeitos, já descobri que eles não existem. Já amei pessoas que me decepcionaram, já decepcionei pessoas que me amaram. Já passei horas na frente do espelho tentando descobrir quem sou, já tive tanta certeza de mim, ao ponto de querer sumir. Já menti e me arrependi depois, já falei a verdade e também me arrependi. Já fingi não dar importância às pessoas que amava, para mais tarde chorar quieta em meu canto. Já sorri chorando lágrimas de tristeza, já chorei de tanto rir. Já acreditei em pessoas que não valiam a pena, já deixei de acreditar nas que realmente valiam. Já tive crises de riso quando não podia. Já quebrei pratos, copos e vasos, de raiva. Já senti muita falta de alguém, mas nunca lhe disse. Já gritei quando deveria calar, já calei quando deveria gritar.
”
”
Renato Dieckson
“
… era greu sa-mi imaginez ca m-as fi putut simti vreodata ca o tipa “misto”, dar ma simteam ca o persoana de care eu insami as fi fost intrigata in primii mei ani acolo.
”
”
Curtis Sittenfeld (Prep)
“
Ao contrário do que dizem certos parisienses, o texto está aí não para dar prazer, mas o elevado desprazer ou prazer mais difícil que um texto menor não dará.
”
”
Harold Bloom (The Western Canon: The Books and School of the Ages)
“
Lo que nunca jamás pudimos medir fue nuestro amor, porque era infinito.
Era, si, como cuando Palinuro le preguntaba al abuelo cuánto lo quería.
- Mucho, muchísimo le contestaba el abuelo Francisco.
- Pero ¿cuánto, cuánto abuelo? ¿De aquí a la esquina?
- Más, mucho más.
- ¿De aquí al Parque del Ajusco?
- Más, muchísimo mas: de aquí al cielo de ida y de regreso, yéndose por el camino mas largo de todos y regresando por un camino todavía más largo. Y eso después de dar varios rodeos, de perderse a propósito, de tomar un café con leche en Plutón, de recorrer los anillos de Saturno en patín del diablo y de dormir veinte años como Rip Van Winkle, en uno de esos planetas donde las noches duran veintiún años: porque a mi me gusta levantarme temprano, cuando menos un año antes de que amanezca.
”
”
Fernando del Paso (Palinuro de México)
“
Agora, nunca ter querido dar uma escapulidinha de vez em quando, nunca ter fantasiado uma trepada fora é mentira. Mentira que muito raramente pode ser sincera, mas, mesmo nestes casos, não deixa de ser mentira.
”
”
João Ubaldo Ribeiro (A Casa dos Budas Ditosos)
“
Sua avó diz que você lê muito. Em todas as oportunidades que tem. Isso é bom, mas não o suficiente. Palavras significam mais do que é colocado no papel. É preciso a voz humana para dar a elas as nuances do significado mais profundo.
”
”
Maya Angelou (I Know Why the Caged Bird Sings)
“
- Menti, pois é verdade – desabafou, sem no entanto se dar ares de vítima – um homem pode conquistar o mundo, começar uma guerra, defrontar outras nações, estabelecer-se em novos continentes. Mas uma mulher está destinada a ser a sua sombra e a gerar-lhe outras sombras e eu nem isso parecia talhada para fazer.
”
”
Célia Correia Loureiro (A Filha do Barão)
“
Pasmo sempre quando acabo qualquer coisa. Pasmo e desolo-me. O meu instinto de perfeição deveria inibir-me de acabar; deveria inibir-me até de dar começo. Mas distraio-me e faço. O que consigo é um produto, em mim, não de uma aplicação de vontade, mas de uma cedência dela. Começo porque não tenho força para pensar; acabo porque não tenho alma para suspender. Este livro é a minha cobardia.
”
”
Fernando Pessoa (The Book of Disquiet)
“
Deixa-me lhe dar um conselho, bastardo - Disse Lannister - Nunca se esqueça de quem é, porque é certo que o mundo não lembrará. Faça disso sua força. Assim, não poderá ser nunca a sua fraqueza. Arme-se com esta lembrança, e ela nunca poderá ser usada para magoá-lo (…) Lembre-se disso, rapaz. Todos os anões serão bastardos, mas nem todos os bastardos precisam ser anões -(…) e, só por um momento, Tyrion Lannister ergueu-se alto como um rei.
”
”
George R.R. Martin (A Game of Thrones (A Song of Ice and Fire, #1))
“
Houve um poeta que me disse que o mundo, tal como está, pode matar. Não vou deixar que isso aconteça, sei bem que tenho uns ferros no coração e que de repente posso começar a escorregar para dentro de mim mesmo. Então não se consegue parar. Foi isso mesmo que o Zeca Afonso disse no ouvido da mulher quando estava a morrer: Não consigo parar. Sei perfeitamente o que ele queria dizer. Mas não vou deixar que o mundo, tal como está, dê cabo de mim. Tenho as minhas canas de pesca e as minhas espingardas. É sempre possível ir aos robalos, dar uns tiros. Ou então pegar na caneta e vir para aqui falar contigo. Um cão nunca abandona o dono. Mesmo que não te veja sei que estás aí: é quanto me chega. As minhas armas e eu. O meu cão e eu.
”
”
Manuel Alegre (Cão Como Nós)
“
Instruções para dar corda ao relógio
Lá no fundo está a morte, mas não tenha medo. Segure o relógio com uma mão, pegue com dois dedos o pino da corda, puxe-o suavemente. Agora abre-se outro prazo, as árvores soltam suas folhas, os barcos correm regata, o tempo como um leque vai-se enchendo de si mesmo e dele brotam o ar, as brisas da terra, a sombra de uma mulher, o perfume do pão.
Que mais quer, que mais quer? Amarre-o depressa ao seu pulso, deixe-o bater em liberdade, imite-o anelante. O medo enferruja as âncoras, cada coisa que pôde ser alcançada e foi esquecida começa a corroer as veias do relógio, gangrenando o frio sangue de seus pequenos rubis. E lá no fundo está a morte se não corremos, e chegamos antes e compreendemos que já não tem importância.
”
”
Julio Cortázar (Historias de cronopios y de famas / Un tal Lucas)
“
Dar um passo pode ser fruto de uma decisão complexa. Há a possibilidade de seguir para a direita ou para a esquerda, posso continuar em frente ou voltar para trás, desfazer. Cada escolha lançará uma cadeia de resultados. Mal comparado, é como acordar na estação Sèvres-Lecourbe e não ter mapa do metro, nunca ter estado ali, não saber sequer onde se está, não saber sequer o que é o metro. Ter de aprender tudo. Ao fim de um tempo, com sorte, conversando com pedintes cegos, tocadores de concertina, talvez se consiga chegar à conclusão que se quer ir para a estação Ourcq, esse é o lugar onde se poderá ser feliz, mas como encontrar o caminho sem mapa, sem conhecer linhas e ligações? É possível arrastar a vida inteira no metro de Paris e nunca passar por Ourcq. É também possível passar por lá e não reconhecer que é ali que se quer sair.
”
”
José Luís Peixoto (Livro)
“
O mundo está apodrecendo. A Igreja é corrupta e os reis são fracos. Cabe a nós fazer um mundo novo, amado por Deus, mas para fazê-lo temos de destruir o velho. Temos de tomar o poder e depois dar o poder a Deus. É por isso que estamos lutando.
”
”
Bernard Cornwell (The Archer's Tale (The Grail Quest, #1))
“
Antes de me organizar, tenho que me desorganizar internamente. Para experimentar o primeiro e passageiro estado primário de liberdade. Da liberdade de errar, cair e levantar-me. Mas se eu esperar compreender para aceitar as coisas - nunca o ato de entrega se fará. Tenho que dar o mergulho de uma só vez, mergulho que abrange a compreensão e sobretudo a incompreensão. E quem sou eu para ousar pensar? Devo é entregar-me. Como se faz? Sei porém que só andando é que se sabe andar e - milagre - se anda.
”
”
Clarice Lispector (The Stream of Life)
“
«Andar a pé por uma cidade antiquíssima, como Lisboa, é meio-caminho andado para se sentir uma tristeza profunda pela efemeridade do nosso próprio mundo: onde estão os nossos sítios, os nossos mortos, esses pontos de contacto entre o nosso coração e o território? Como continuar a caminhar, quando grande parte do que amámos já se foi embora? Quem estuda a história não se pode dar ao luxo de ser nostálgico, mas eu não sou historiador, sou escritor e por isso posso ser nostálgico à vontade. E nem toda a tristeza é má. Continuam perto de nós, essas âncoras de osso e pedra, de palavra e memória - camufladas no território, como um vasto sistema nervoso sob os músculos. Continua-se a caminhar, porque o território é tudo o que existe: é tudo o que sempre existiu e continuará a existir; mesmo depois das mortes daqueles de quem gostamos e da ruína dos locais onde vivemos. Somos sílabas e iluminuras num texto redigido pelo tempo sobre a terra que nos viu nascer, como tinta sobre um pedaço de papel. Nós secamos, como a tinta - embaciamos. O território fica - mas nós ficamos nele. Ressequidos. Translúcidos. Como folhas mortas. Não há nada mais para além disso.»
”
”
David Soares
“
Onde é que dói na minha vida,
para que eu me sinta tão mal?
quem foi que me deixou ferida
de ferimento tão mortal?
Eu parei diante da paisagem:
e levava uma flor na mão.
Eu parei diante da paisagem
procurando um nome de imagem
para dar à minha canção.
Nunca existiu sonho tão puro
como o da minha timidez.
Nunca existiu sonho tão puro,
nem também destino tão duro
como o que para mim se fez.
Estou caída num vale aberto,
entre serras que não têm fim.
Estou caída num vale aberto:
nunca ninguém passará perto,
nem terá notícias de mim.
Eu sinto que não tarda a morte,
e só há por mim esta flor;
eu sinto que não tarda a morte
e não sei como é que suporte
tanta solidão sem pavor.
E sofro mais ouvindo um rio
que ao longe canta pelo chão,
que deve ser límpido e frio,
mas sem dó nem recordação,
como a voz cujo murmúrio
morrerá com o meu coração...
”
”
Cecília Meireles
“
Num deserto de almas também desertas, uma alma especial reconhece de imediato a outra - talvez por isso, quem sabe? Mas nenhum deles se perguntou.
Não chegaram a usar palavras como especial, diferente ou qualquer outra assim. Apesar de, sem efusões, terem se reconhecido no primeiro segundo do primeiro minuto. Acontece porém que não tinham preparo algum para dar nome às emoções, nem mesmo para tentar entendê-Ias. (Aqueles dois, p. 107-108)
”
”
Caio Fernando Abreu (Além do Ponto e Outros Contos)
“
Começou a me dar um certo nojinho dele. É horrível quando isso acontece, tão horrível que muita gente se recusa a reconhecer que passou por isso, mas a verdade é que, antes de a gente se livrar de alguém, às vezes dá um nojinho. Horrível, até porque a pessoa pode não ter culpa, mas de repente fica nojenta, cheiros inaceitáveis, manchas de pele insuportáveis, roupas sujas repelentes, hálito ascoso, cabelo fedido, tudo irremediavelmente nojento.
”
”
João Ubaldo Ribeiro
“
Podias ter-me dito que ias sair da minha vida. A paixão é mesmo isto, nunca sabemos quando acaba ou se transforma em amor, e eu sabia que a tua paixão não iria resistir à erosão do tempo, ao frio dos dias, ao vazio da cama, ao silêncio da distância. Há um tempo para acreditar, um tempo para viver e um tempo para desistir, e nós tivemos muita sorte porque vivemos todos esses tempos no modo certo. Podias ter-me dito que querias conjugar o verbo desistir. Demorei muito tempo a aceitar que, às vezes, desistir é o mesmo que vencer, sem travar batalhas. Antigamente pensava que não, que quem desiste perde sempre, que a subtracção é a arma mais cobarde dos amantes, e o silêncio a forma mais injusta de deixar fenecer os sonhos. Mas a vida ensinou-me o contrário. Hoje sei que desistir é apenas um caminho possível, às vezes o único que os homens conhecem. Contigo aprendi que o amor é uma força misteriosa e divina. Sei que também aprendeste muito comigo, mais do que imaginas e do que agora consegues alcançar. Só o tempo te vai dar tudo o que de mim guardaste, esse tempo que é uma caixa que se abre ao contrário: de um lado estás tu, e do outro estou eu, a ver-te sem te poder tocar, a abraçar-te todas as noites antes de adormeceres e a cada manhã ao acordares. Não sei quando te voltarei a ver ou a ter notícias tuas, mas sabes uma coisa? Já não me importo, porque guardei-te no meu coração antes de partires. Numa noite perfeita entre tantas outras, liguei o meu coração ao teu com um fio invisível e troquei uma parte da tua alma com a minha, enquanto dormias.
”
”
Margarida Rebelo Pinto
“
Já gastámos as palavras pela rua, meu amor,
e o que nos ficou não chega
para afastar o frio de quatro paredes.
Gastámos tudo menos o silêncio.
Gastámos os olhos com o sal das lágrimas,
gastámos as mãos à força de as apertarmos,
gastámos o relógio e as pedras das esquinas
em esperas inúteis.
Meto as mãos nas algibeiras e não encontro nada.
Antigamente tínhamos tanto para dar um ao outro;
era como se todas as coisas fossem minhas:
quanto mais te dava mais tinha para te dar.
Às vezes tu dizias: os teus olhos são peixes verdes.
E eu acreditava.
Acreditava,
porque ao teu lado
todas as coisas eram possíveis.
Mas isso era no tempo dos segredos,
era no tempo em que o teu corpo era um aquário,
era no tempo em que os meus olhos
eram realmente peixes verdes.
Hoje são apenas os meus olhos.
É pouco, mas é verdade,
uns olhos como todos os outros.
Já gastámos as palavras.
Quando agora digo: meu amor,
já se não passa absolutamente nada.
E no entanto, antes das palavras gastas,
tenho a certeza
que todas as coisas estremeciam
só de murmurar o teu nome
no silêncio do meu coração.
Não temos já nada para dar.
Dentro de ti
não há nada que me peça água.
O passado é inútil como um trapo.
E já te disse: as palavras estão gastas.
Adeus.
”
”
Eugénio de Andrade
“
Escrito está: "Era no início o Verbo!"
Começo apenas, e já me exacerbo!
Como hei de ao verbo dar tão alto apreço?
De outra interpretação careço;
Se o espírito me deixa esclarecido,
Escrito está: No início era o Sentido!
Pesa a linha inicial com calma plena,
Não se apressure a tua pena!
É o sentido então, que tudo opera e cria?
Deverá opor! No início era a energia!
Mas, já, enquanto assim o retifico,
Diz-me algo que tampouco nisso fico.
Do espírito me vale a direção
E escrevo em paz: Era no início a Ação!
”
”
Johann Wolfgang von Goethe (Faust, First Part)
“
As minhas primeiras emoções tinham sido a melancolia mais pura e a compaixão mais sincera, mas na mesma proporção em que o desamparo de Bartleby crescia na minha fantasia, aquela melancolia se transformava em medo, e a compaixão, em repulsa. É tão verdadeiro e ao mesmo tempo tão terrivel o fato de que, ao vermos ou presenciarmos a miséria, os nossos melhores sentimentos são despertados até um cer
to ponto; mas, em certos casos especiais, não passam disso. Erram os que afirmam que é devido apenas ao egoísmo inerente ao coração humano. Na verdade, provém de uma certa impotência em remediar um mal excessivo e orgânico. Para uma pessoa sensivel, a piedade é quase sempre uma dor. Quando afinal percebe que tal piedade não significa um socorro eficaz, o bom senso compele a alma a desvencilhar-se dela. O que vi naquela manhã convenceu-me de que o escrivão era vítima de um mal inato e incurável. Eu podia dar esmolas ao seu corpo, mas o seu corpo não lhe doía; era a sua alma que sofria, e ela estava fora do meu alcance.
”
”
Herman Melville (Bartleby the Scrivener)
“
Primeiro você precisa saber a sua própria língua de uma maneira absoluta. Depois, esquecer que sabe a língua e começar tudo de novo, para dar aquele passo novo na língua. Do contrário, você seria uma pessoa formal, escrevendo muito bem, mas uma coisa chatérrima. Portanto, é todo um processo de construir e destruir. Isso leva anos e, quando você está velhinho, parece que aí você consegue escrever mais ou menos bem. Quando se está com aquelas manchas nas mãos, que aparecem com os anos e que eu chamo de "as flores do sepulcro".
”
”
Hilda Hilst (Fico Besta Quando Me Entendem: Entrevistas com Hilda Hilst)
“
Aquilo pertubava Bridei porque lhe parecia que só havia um mundo e que, se tinha defeitos, as pessoas não se deviam queixar deles, mas dar passos para o mudar
”
”
Juliet Marillier (The Dark Mirror (The Bridei Chronicles, #1))
“
A investigação podia dar esperanças para o futuro, curando as doenças... mas tinha um outro potencial muito mais perturbador.
”
”
Robin Cook (Mutation)
“
Jean Valjean, meu irmão, lembre-se que já não pertence ao mal, mas sim ao bem. Resgatei a sua alma. Libertei-a dos maus pensamentos e dos expírito de perdição para a dar a Deus.
”
”
Victor Hugo (Les Misérables)
“
Algumas pessoas simplesmente tinham talento para as coisas, mas tinham nascido pobres, feias ou azaradas, e tudo o que podiam dizer era “Olhe só pra mim” e dar o seu melhor.
”
”
Zoraida Córdova (The Inheritance of Orquídea Divina)
“
Será que me vou levantar para o almoço ou almoçarei no camarote? Há uma letargia suplicante que indica, «Toma-o na cama», mas não consigo dominar o desejo de explorar e o sentimento de expectativa de que algo está prestes a acontecer- e, por isso, decido almoçar na sala de jantar. Estou a dar a mim próprio um estímulo emocional. Nada acontece. Não conhecemos ninguém.
”
”
Charlie Chaplin (A Minha Viagem Pela Europa)
“
Hoje entendo bem meu pai. Um homem precisa viajar. Por sua conta, não por meio de histórias, imagens, livros ou TV. Precisa viajar por si, com seus olhos e pés, para entender o que é seu. Para um dia plantar as suas próprias árvores e dar-lhes valor. Conhecer o frio para desfrutar do calor. E o oposto. Sentir a distância e o desabrigo para estar bem sob o próprio teto. Um homem precisa viajar para lugares que não conhece para quebrar essa arrogância que nos faz ver o mundo como o imaginamos, e não simplesmente como é ou pode ser; que nos faz professores e doutores do que não vimos, quando deveríamos ser alunos, e simplesmente ir ver. Não há como não admirar um homem – Cousteau, ao comentar o sucesso do seu primeiro grande filme: “Não adianta, não serve para nada, é preciso ir ver.” Il faut aller voir. Pura verdade, o mundo na TV é lindo, mas serve para pouca coisa. É preciso questionar o que se aprendeu. É preciso ir tocá-lo.
”
”
Amyr Klink
“
O bom Deus foi injusto ao dar um rosto tão belo àquele imbecil e pernas curtas a Lermontov. Mas se o poeta não ter pernas compridas, possui um espírito sarcástico que o puxa para as alturas.
”
”
Milan Kundera (Life is Elsewhere)
“
DE PROFUNDIS
(...)
De-acuma chiar de m-as zvarli
Intr-o vultoare,
De mine moarte va fugi
Cu coasa-nre picioare.
Caci isi va zice-n gandul ei:
"Mor toti, - flamandul si satulul...
Dar asta are obicei
Sa-mi traga chiulul!
”
”
George Topîrceanu (Balade vesele și triste)
“
Nos últimos tempos, quando sinto os lábios da Clarisse a tocarem os meus, comprovo que não têm história, já não convocam o primeiro beijo que demos. Creio que, numa relação, o beijo terá sempre de manter a densidade do primeiro, a história de uma vida, todos os pores-do-sol, todas as palavras murmuradas no escuro, toda a certeza do amor. Mas já não é assim. Agora sabem às vacinas que tínhamos de dar à cadela (já morreu), às conversas como diretor da escola, á loiça por lavar, à lâmpada que falta mudar, às infiltrações no tecto, às reuniões de condóminos. Toco levemente os lábios dela e sabe-me à rotina, às finanças, ao barulho da máquina de lavar roupa. Beijamo-nos como quem faz a cama.
”
”
Afonso Cruz (Flores)
“
Eu transava com um idiota, merecia mais suspense, por que eu não cultivava amigas em vez de tomar cerveja com a empregada? Namorado em vez de amante, um filho que fosse meu. Mas eu teria que gostar dessas pessoas, esse elenco atual eu podia botar na rua sem dar satisfação.
”
”
Andréa del Fuego (A pediatra)
“
- Minha filha, vens da água e a água fala. Vens do tempo e estarás no tempo e a tua palavra estará no vento e será espalhada pela terra. A tua palavra será o fogo que transforma todas as coisas. A tua palavra estará na água be será espelho da língua. A tua palavra terá olhos e verá, terá ouvidos e ouvirá, terá tacto para mentir com a verdade e dirá verdades que parecerão mentiras. E com a tua palavra poderás regressar à quietude, ao princípio onde nada é, onde nada está, onde tudo o que foi criado regressa ao silêncio, mas a tua palavra despertá-lo-á e terás de nomear os deuses e terás de dar vozes às árvores e farás com que a natureza tenha língua e falará por ti o que é invisível. E a tua língua será palavra de luz e a tua palavra, pincel de flores, palavra de cores que, com a tua voz, pintará novos códices.
”
”
Laura Esquivel (Malinche)
“
Care mama s-ar bucura sa-si vada fiul cu o femeie despartita si cu un copil dupa ea? Eu nu m-as bucura sa-mi vad copilul purtand o haina carpita cand isi poate lua o haina nepurtata. Greseli am facut destule-n viata, dar lucruri murdare, lucruri pe care sa mi le reprosez, nu.
”
”
Ileana Vulpescu (Arta conversației)
“
Sabia que não ia voltar mas continuava pensando com tanta força. Como quando se tira um vestido velho do baú, um vestido que não é para usar, só para olhar. Só para ver como ele era. Depois a gente dobra de novo e guarda mas não se cogita em jogar fora ou dar. Acho que saudade é isso.
”
”
Lygia Fagundes Telles (As Meninas)
“
Conheço pessoas, conheço cidades, fazendas, montanhas, rios e rochas; sei como sol poente de outono se esparrama pela face de um certo tipo de terra arada; mas qual o sentido de impor uma fronteira a isso tudo, dar-lhe um nome e deixar de amar o lugar onde o nome não se aplica? O que é o amor pelo seu país? É o ódio pelo seu não-país? Então não é uma coisa boa. É apenas amor-próprio? Isso é bom, mas não se deve fazer dele uma virtude ou uma profissão de fé. Na mesma medida que amo a vida, amo as montanhas, mas esse amor não tem uma fronteira traçada pelo ódio."
Ursula K. Le Guin, no ótimo "A Mão Esquerda da Escuridão".
”
”
Ursula K. Le Guin (The Left Hand of Darkness)
“
- Por que a gente não teria o direito de criticar, de achar certas pessoas babacas e fracas, sob pretexto de que teríamos um clima pesado e ciumento? Todo o mundo se comporta como se fôssemos todos iguais, como se fôssemos todos ricos, educados, poderosos, brancos, jovens, belos, machos, felizes, como se todos estivéssemos com boa saúde, como se todos tivéssemos um carrão... Mas isso, obviamente, não é verdade. Por isso, tenho o direito de gritar, de estar de mau humor, de não sorrir idiotamente todo o tempo, de dar a minha opinião quando vejo coisas não-normais e injustas, e até de insultar pessoas. Tenho o direito de protestar.
”
”
Martin Page (How I Became Stupid)
“
Compreendera então, julgo, a natureza da minha situação. A solidão de um é amenizada pela solidão de outro, e deste modo, mesmo na miséria, existe uma espécie de partilha, de comunhão, a que não se pode dar o nome de alegria mas algo como um encolher de ombros. O estudante franzino fora durante os meus primeiros meses de isolamento esse encolher de ombros, a minha resignação perante a brutalidade daquilo que me acontecera. Que ele tivesse alguém e eu não perturbava-me, colocava um entrave à nossa amizade, um ponto final no nosso monólogo. De uma certa maneira que não sei explicar senão com palavras incoerentes, até então tinha sido como se eu tivesse dado um passo ao lado que me tivesse feito sair do mundo, um pequeno passo discreto e silencioso de retirada. Após essa noite, o mundo notou a minha falta e deu também ele um passo ao lado, mas um passo do mundo é muito maior do que um passo dos nossos, e num certo sentido eu fiquei atrás das coisas, deslocado.
”
”
João Tordo (O Livro dos Homens sem Luz)
“
Saber seria fatal. Na incerteza é que está o encanto. O nevoeiro dá às coisas aspectos maravilhosos.
Mas a gente pode errar o caminho.
Todos os caminhos vão dar ao mesmo ponto.
Qual é?
A desilusão.
Foi a minha estreia na vida.
(...)
O botão do seu florete, você o deixou cair.
Resta-me a máscara.
Que lhe dá mais beleza aos olhos.
”
”
Oscar Wilde
“
Queria dar-lhe uma série de coisas. Queria que o que eu tinha fosse dela. Perguntava-me se era esta a sensação de amar alguém. Eu já sabia o que significava estar apaixonada por alguém. Sentira-o e agira em conformidade. Mas amar alguém. Cuidar de alguém. Aliar a nossa sorte à de alguém e pensar: Aconteça o que acontecer, somos tu e eu.
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Taylor Jenkins Reid (The Seven Husbands of Evelyn Hugo)
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Olavismo. 1. Estilo de pensamento filosófico muito peculiar, que substitui o argumento pelo xingamento e o conceito pelo palavrão. 2. Fruto da expansão dos meios tecnológicos de informação, que, utilizando selfies e vídeos autoproduzidos, deixam aparecer na rede pessoas como se fossem “professores” e “intelectuais”, posando nas telas ao terem no fundo estantes decoradas com livros mal lidos e mal compreendidos. 3. Nome de uma corrente de fake-pensamento. "4. Expressão oriunda da composição de “Olá” e “revanchismo”, combinando alguém que chega de repente para dar a ideia aos governantes sem ideias de en-direitar o país com rifles e rifas e quem se sentiu a vida toda complexado por nunca ter conseguido entender o que é uma ideia e muito menos uma filosofia. 5. Nome da corrente ideológica que seduz, encanta e lidera o bando de ressentidos do país. 6. Uma forma bem específica de saudosismo: saudades da era medieval, saudades da teocracia, saudades de D. Pedro, saudades dos bons costumes. 7. Modo borrágico de expressar opiniões que procuram, em tese, chocar o senso comum, mas que nada mais fazem além de corroborar o pior dos sensos (o qual, infelizmente, muitas vezes é comum e quase sempre predominou ao longo da história). 8. Movimento de desespero final de quem quer encontrar uma identidade para chamar de sua e um líder para chamar de seu. 9. Espécie de fanatismo religioso que cultua o ódio e a intolerância travestidos de intelectualismo. 10. Seita seguida por pessoas particularmente vulneráveis a uma retórica violenta e macabra, mas perigosamente sedutora. 11. Doutrina do ter-razão-em-tudo quando não se tem razão em nada. Atribuindo a base dessa doutrina do ter-razão-em-tudo ao filósofo alemão Arthur Schopenhauer, é fácil constatar como olavistas não possuem o menor conhecimento nem de alemão e nem de filosofia, tendo (mal) entendido o próprio nome de Schopenhauer como “chope raro”, que, bebido, gera mal-entendidos dos princípios básicos da erística e da dialética. Com bases em erros fundamentais, o olavismo derivado desse “chope raro” (confundido com Schopenhauer) desenvolveu uma errística dislética, que se vale de argumentos nefastos (do latim nefas que significa ilícito) para destruir as questões mais lícitas do pensamento, da sociedade e da cultura. 11. Tradução google para o português bolsonarista da tradução google para o inglês trumpista da tradução google russa do resumo dos clássicos da extrema direita europeia, assinada por Dugin, ideólogo de Putin.
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Luisa Buarque (Desbolsonaro de Bolso)
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Como é triste falar sobre as coisas, tentar se explicar, tentar se expressar. É só dar nome às coisas que elas morrem. Será que ele entendia? Será que a perdoava? Será que está tudo bem?
Ele diz que não perdoa mas entende e está tudo bem, que ela saberá onde encontrá-lo se quiser e que espera que ela seja muito feliz. Não vê nenhum propósito em contar que passou uns dez dias sofrendo como se sua vida tivesse perdido toda e qualquer possibilidade de alegria e encanto, bebendo até apagar e correndo e nadando até sentir câimbras, mas que depois disso tudo voltou ao normal e na verdade ele já não sentia muito sua falta, que seu rosto tinha sumido da sua memória quinze minutos depois de deixá-la dormindo naquela última manhã que acordaram juntos e jamais retornaria a não ser que ela enviasse um retrato, o que ele gostaria muito que ela fizesse, por sinal, e que pra ser sincero já a tinha esquecido no outro sentido também, o sentido que o faria sofrer agora, mas acaba contando de qualquer modo e ela emudece por uns instantes e diz Viu? Tu nem me amava tanto assim.
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Daniel Galera (Barba ensopada de sangue)
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mas o amor, essa palavra... Moralista Horacio, temeroso de paixões sem uma razão de águas fundas, desconcertado e arisco na cidade onde o amor se chama com todos os nomes de todas as ruas, de todas as casas, de todos os andares, de todos os quartos, de todas as camas, de todos os sonhos, de todos os esquecimentos ou recordações. amor meu, não te amo por ti nem por mim nem pelos dois juntos, não te amo porque meu sangue me faça te amar, amo te porque tu não és minha, porque tu estás do outro lado, desse lado pra onde me convidas a saltar e não posso dar o salto, porque no mais profundo de tudo tu não estás em mim, e não te alcanço, não consigo passar pra lá do teu corpo, do teu riso, há horas em que me atormento por saber que tu me amas (...) , atormento me com o teu amor que não me serve de ponte, pois uma ponte não se apoia de um só lado, Wright ou Le Corbusier jamais farão uma ponte apoiada de um só lado e não me olhes com esses olhos de pássaro, pra ti a operação do amor é muito fácil, tu ficarás curada antes de mim, e a verdade é que não amo aquilo que amas em mim.
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Julio Cortázar
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Meus filhos, que não sabem que brincam sobre um cemitério.
Peeta diz que vai ficar tudo bem. Temos um ao outro. E o livro. Podemos fazê-los compreender de uma maneira que os torne ainda mais corajosos. Mas um dia eu terei que dar uma explicação sobre os meus pesadelos. Por que eles acontecem. Por que eles realmente jamais acabarão.
Direi a eles como sobrevivo aos pesadelos. Direi a eles que nas manhãs desagradáveis é impossível sentir prazer em qualquer coisa que seja, porque temo que essa coisa me possa ser tirada. É quando faço uma lista em minha cabeça com todos os atos de bondade que vi alguém realizando. É como um jogo. Repetitivo. Até um pouco entediante após mais de vinte anos.
Mas há jogos muito piores do que esse.
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Suzanne Collins (A Esperança (Jogos Vorazes, #3))
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Comportamo-nos como se as pessoas de quem gostamos fossem durar para sempre. Em vida não fazemos nunca o esforço consciente de olhar para elas como quem se prepara para lembrá-las. Quando elas desaparecem, não temos delas a memória que nos chegue. Para as lembrar, que é como quem diz, prolongá-las. A memória é o sopro com que os mortos vivem através de nós. Devemos cuidar dela como da vida.
Devemos tentar aprender de cor quem amamos. Tentar fixar. Armazená-las para o dia em que nos fizerem falta. São pobres as maneiras que temos para o fazer, é tão fraca a memória, que todo o esforço é pouco. Guardá-las é tão difícil. Eu tenho um pequeno truque. Quando estou com quem amo, quando tenho a sorte de estar à frente de quem adivinho a saudade de nunca mais a ver, faço de conta que ela morreu, mas voltou mais um único dia, para me dar uma última oportunidade de a rever, olhar de cima a baixo, fazer as perguntas que faltou fazer, reparar em tudo o que não vi; uma última oportunidade de a resguardar e de a reter. Funciona.
Miguel Esteves Cardoso, in 'As Minhas Aventuras na República Portuguesa
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Miguel Esteves Cardoso (As Minhas Aventuras na República Portuguesa)
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De la misma manera que a la mujer falsa, inconstante, liviana y sin reputación no se le ha de dar nombre de mujer, sino de bestia fiera, así el hombre cuerdo, bien intencionado, y que sabe en los mismos vicios aprovecharse de la virtud y nobleza a que está obligado, no será comprendido en mi reprensión; mas hablo de los que, olvidados de sus obligaciones, hacen diferente de lo que es justo; estos tales no serán hombres, sino monstruos.
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María de Zayas Sotomayor (Relatos (Spanish Edition))
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Eu disse para Kevin:
- Você teve a chance de perguntar a Sophia sobre seu gato morto? - Eu fiz a pergunta por sarcasmo, mas Kevin, para minha surpresa, virou a cabeça e respondeu, sério:
- Tive.
- O que foi que ela disse? - perguntei.
Inalando profundamente e segurando com força o voltante, Kevin respondeu:
- Ela disse que MEU GATO MORTO... - Ele fez uma pausa e falou mais alto: - MEU GATO MORTO ERA BURRO.
Eu tive que rir. David idem. Ninguém havia pensado em dar a Kevin essa resposta antes. O gato viu o carro e correu para cima dele, não o contrário; ele havia mergulhado direto na roda dianteira direita do carro, feito uma bola de boliche.
- Ela disse - disse Kevin - que o universo possui regras muito definidas, e que essa espécie de gato, o tipo que corre e se joga de cabeça em carros em movimento, não existe mais.
- Bem - eu disse -, falando de um modo pragmático, ela tem razão.
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Philip K. Dick (VALIS)
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Oferecer o corpo como objeto agradavável, dar gratuitamente prazer: é isso o que os ocidentais não sabem mais fazer. Perderam totalmente o senso da doação. Podem até se esforçar, mas não conseguem mais sentir o sexo como algo natural. Não apenas têm vergonha dos próprios corpos, que não estão à altura dos que vemos nos filmes pornôs, mas também, pelo mesmo motivo, não sentem nenhuma atração pelo corpo do outro. É impossivel fazer amor sem um certo abandono, sem a aceitação ao mesmo tempo temporária de um certo estado de dependência e fraqueza. A exaltação sentimental e a obsessão sexual têm a mesma origem, as duas nascem de um certo esquecimento de si mesmo; neste terreno, a gente não pode se realizar sem se perder. As pessoas se tornam frias, racionais, extremamente conscientes da sua existência individual e dos seus direitos (...) realmente não são as condições ideais para fazer amor".
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Michel Houellebecq (Platform)
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Mostraste-me agora o quão cruel tens sido. Cruel e falsa! Por que me desprezaste, Cathy? Por que traíste o teu próprio coração? Não tenho sequer uma palavra de conforto para dar. Tu mereces tudo aquilo por que estás passando. Mataste a ti própria. Sim, podes beijar-me e chorar o quanto quiseres. Arrancar-me beijos e lágrimas. Mas eles vão te queimar e serás amaldiçoada. Se me amavas, por que me deixaste? Com que direito? Responde-me! Por causa da mera inclinação que sentias pelo Linton? Pois não foi a miséria, nem a degradação, nem a morte, nem algo que Deus ou Satanás pudessem enviar, que nos separou. Foste tu, de livre vontade, que o fizeste. Não fui eu que despedacei teu coração, foste tu própria. E, ao despedaçares o teu, despedaçaste o meu também.
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Emily Brontë (Wuthering Heights)
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Pela primeira vez, Mattia envergonhou-se de aos vinte e dois anos de idade ainda não ter carta de condução. Era outra das coisas que havia deixado para trás, outro passo óbvio na vida de um rapaz que ele escolhera não dar, para se manter o mais possível fora da engrenagem da vida. Como comer pipocas no cinema, como sentar-se nas costas de um banco, como não respeitar a hora de entrada em casa imposta pelos pais, como jogar futebol com uma bola de estanho enrolada ou estar de pé, nu, em frente a uma rapariga. Pensou que a partir daquele dia tudo seria diferente. Decidiu que ia tirar a carta de condução o mais depressa possível. Fá-lo-ia por ela, para a levar a passear. Porque tinha medo de o admitir, mas quando estava com ela parecia que valia a pena fazer todas as coisas normais que as pessoas normais fazem.
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Paolo Giordano (The Solitude of Prime Numbers)
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Justamente sempre acontecia uma pequena coisa que a desviava da torrente principal. Era tão vulnerável. Odiava-se por isso? Não, odiar-se-ia mais se já fosse um tronco imutável até a morte, apenas capaz de dar frutos mas não de crescer dentro de si mesma. Desejava ainda mais: renascer sempre, cortar tudo o que aprendera, o que vira, e inaugurar-se num terreno novo onde todo pequeno ato tivesse um significado, onde o ar fosse respirado como da primeira vez. Tinha a sensação de que a vida corria espessa e vagarosa dentro dela, borbulhando como um quente lençol de lavas.
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Clarice Lispector (Near to the Wild Heart)
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Não consigo me expressar bem - afirmou Naoko. - E tem sido sempre assim nos últimos tempos. Tento dizer alguma coisa, mas só me ocorrem as palavras erradas. Palavras erradas ou opostas ao que quero dizer. E quando eu tento corrigir o que disse, cometo erros, as coisas ficam mais confusas, e acabo então sem saber mais o que pretendia dizer no início. Sinto como se meu corpo se repartisse em dois, com as duas metades brincando de pega-pega. Bem no meio existe um poste bem grosso, ao redor do qual elas não param de dar voltas se perseguindo. Nunca consigo alcançar a outra metade de mim que sempre tem a palavra certa.
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Haruki Murakami (Norwegian Wood)
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Quando a porta abriu-se para dar-lhe passagem, Seixas cuidou que assistia à metamorfose da ninfa transformada em loto. Mas logo depois admirando a graça que se desprendia dessa peregrina gentileza como a irradiação de um astro, pareceu-lhe antes que a flor tomava as formas da mulher e animava-se ao sopro divino.
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José de Alencar (Senhora)
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Nada.., que a tuga até num vale a pena…! Mambo que às vezes penso – epá, vais rir, eu sei, mas é o rabo das tugas… Meu, tábua d’engomar, a xoetice toda? Rabo foi aonde então, Nzambi lhes castigou assim porquê?, nossa observação que nós fazíamos, antigas missões na tuga e noutras europas mais, comissão disto e daquilo que dava é pra tirarmos comissões no nosso bolso, e nós ali no bar, fim de tarde, sem as palavras – os olhares só: uma tuga, duas tugas, muitas tugas, mas agora pra encontrar inda um rabo de acender mesmo as vistas? Passas mal. Uí, falo isso por causa da maka das culturas, diferenças só, que eu fico mesmo a pensar que a cultura está mesmo até nos nossos olhos de pessoas, tás a rir?, gala só então: um gajo é daqui, fica a pôr riso na dança dos tugas e outros europeus, ancas desarranjadas e não dão semba, tão a falar é malcriado, mambos dos brasileiros, carnaval só. Afinal? Mas depois, considera só: eles também a nos verem dançar e vestir e pôr cu duro, num vão falar dança dos bêbados?, a dar bungula puramente e pôr açúcar e as kabetulas todas, num vão dizer estamos a ficar parecidos com os macacos?, xinguilamentos musicais? Olhos deles, muadiê, tou ta pôr, e os nossos olhos todos de cada um: culturas!, num enormes plural e final das contas.
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Ondjaki (Quantas Madrugadas Tem a Noite)
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Com o êxito das teorias científicas em descrever os eventos, a maioria das pessoas passou a acreditar que Deus permite ao universo evoluir de acordo com uma série de leis e que ele não intervém para violá-las. Contudo, as leis não nos dizem como devia ser o aspecto do universo no início — ainda teria cabido a Ele dar corda no relógio e decidir como pô-lo em funcionamento. Contanto que o universo tenha tido um início, podemos supor que houve um criador. Mas, se o universo fosse de fato absolutamente contido em si mesmo, sem contorno nem borda, ele não teria início nem fim: ele simplesmente seria. Nesse caso, qual é o papel de um criador?
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Stephen Hawking (Uma breve história do tempo)
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As pessoas gostam de dizer que o amor é incondicional, mas isso não é verdade. E mesmo que fosse incondicional, o amor nunca é de graça. Sempre vem acompanhado de uma expectativa. Todo mundo sempre quer algo em troca. Tipo, querem que você seja feliz, ou o que for, e isso nos torna automaticamente responsáveis pela felicidade dos outros, porque eles não serão felizes a menos que você também seja. Você tem que ser quem eles pensam que tem que ser e se sentir do jeito que eles pensam que tem que se sentir, porque eles amam você. E quando você não consegue dar o que eles querem, eles ficam infelizes, e aí você também fica infeliz e todo mundo fica infeliz. Eu só não quero ter essa responsabilidade“.
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Katja Millay (The Sea of Tranquility)
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Eu quis tanto ser a tua paz, quis tanto que você fosse o meu encontro. Quis tanto dar, tanto receber. Quis precisar, sem exigências. E sem solicitações, aceitar oq ue me era dado. Sem ir além, compreende? Não queria pedir mais do que você tinha, assim como eu não daria mais do que dispunha, por limitação humana. Mas o que tinha, era seu. A noite ultrapassou a si mesma, encontrou a madrugada, se desfez em manhã, em dia claro, em tarde verde, em anoitecer e em noite outra vez. Fiquei. Você sabe que eu fiquei. E que ficaria até o fim, até o fundo. Que aceitei a queda, que aceitei a morte. Que nessa aceitação, caí. Que nessa queda, morri. Tenho me carregado tão perdido e pesado pelos dias afora. E ninguém vê que estou morto.
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Caio Fernando Abreu (Inventário do ir-remediável)
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Um dos livreiros para quem trabalhava, Magimel, creio eu, oferecera-lhe levá-lo para sua casa, fornecer-lhe um trabalho regular e dar-lhe 1500 francos por ano. Ter boa casa e 1500 francos, que boa coisa! Mas renunciar à sua liberdade, ser uma espécie de mercenário, uma espécie de literato-caixeiro. Segundo o modo de ver de Mário, (...) ganhava em comodidades e perdia em dignidade
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Victor Hugo (Les Misérables: Marius (Les Misérables, #3))
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a poesia não nos salva da morte
mas faz o luto connosco"
"todas as conversas
por mais rebuscadas
são rios que vão desaguar em ti
volta e meia os arbustos tremem
e o cheiro que aparece é teu"
"e se foi o acaso
de nos fintarmos
a vida inteira
pelos mesmos sítios sem nos cruzarmos
ou talvez o acaso
de nos cruzarmos
pelas mesmas ruas
sem notar"
"podes vir
podemos falar sobre tudo
podemos falar
do cheiro dos livros em segunda mão
cheiram aos avós de quem?
cheiram aos avós de alguém
apesar de não serem os nossos
mas não tivemos todos os mesmos avós?
não importa"
"o inverno todo à espera do verão
o frio sempre à mingua do calor
não perguntar com medo do não
nem sequer dar com medo da dor
a inspiração
a sorte
as certezas
tal como tantos outros ventos
são vagas que devemos respeitar
as estações são no seu tempo
não as podemos apressar
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Isabel Viana (o 3 é um número par)
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O alegre e claro espelho de minha alma era muitas vezes embaçado por uma espécie de melancolia mas, por ora, não havia sido seriamente danificado. Ela aparecia de tempos em tempos, durante um dia ou uma noite, como uma tristeza sonhadora e solitária; desaparecia depois sem deixar traços, voltando após algumas semanas ou meses. Aos poucos fui me habituando a ela, como a uma amiga e confidente, não a recebendo como um tormento, mas como um cansaço inquieto, que não deixava de ter seu encanto. Quando ela me surpreendia de noite eu ficava, em vez de dormir, horas inteiras à janela, olhava o lago mergulhado na escuridão, as silhuetas das montanhas desenhadas no palor do céu e bem no alto, as belas estrelas. Então apossava-se de mim com frequência um sentimento doce e vigoroso, como se eu fosse contemplado por toda aquela formosura da noite, com uma justa censura. Como se estrelas, montanhas e lagos aspirassem por alguém que compreendesse sua beleza e o sofrimento da sua natureza calada e a expressasse, como se eu fosse aquele ser e como se fosse essa a minha verdadeira missão. a de dar, em poesias, uma expressão à natureza muda. De que maneira isso seria possível não sei, jamais pensei nisso, apenas sentia que a bela e severa noite esperava por mim, impaciente, numa ânsia silente. (p. 42)
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Hermann Hesse (Peter Camenzind)
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Com o Jaí foi mais rápido, nas emoções contidas dele, modo de falar dos professorados todos dele, aí a JuízaMeritíssima aproveitou pra entender algumas coisas do presente, porque vistas bem as coisas, aquela sessão tava mais radicada nos passados, que é também o modo e a maneira das pessoas viverem a vida, muadiê, num sei se já reparaste, mas isso do presente é uma só armadilha, coisa de poucos valores reais, pois o que se faz é sempre ir perguntando no futuro o que ele nos vai dar, voltar no presente, fazer as contas rápidas e espreitar no passado, outras vezes parecidas, se foi assim mesmo como o futuro está prometer, ou não é, avilo?, pra mim é tudo a mesma rede: pontas dela são os dias, bóias dela são os passados, atirar rede na água são os futuros e o peixe, o peixe? – o peixe vindouro somos nós mesmo, apanhados nas correntes marítimas do presente. Falei bonito, muadiê?
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Ondjaki (Quantas Madrugadas Tem a Noite)
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Estamos jogando um jogo infantil, eu me arrasto pela sombra, de uma árvore à outra, estamos em pleno caminho, você me chama, aponta-me os perigos, quer dar-me ânimo, desespera-se por ver meu passo vacilante, recorda-me (a mim!) a seriedade do jogo... não posso, desfaleço, já caí. Não posso ouvir ao mesmo tempo as vozes terríveis de meu interior e a sua, mas em troca posso ouvir apenas a sua e confiar em você, em você, como em ninguém mais no mundo.
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Franz Kafka
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O que se vai retardando dia a dia não é o final da intolerável ansiedade provocada pela separação, mas a temida volta de emoções inúteis. Como seria preferível a essa entrevista a recordação dócil, que completamos a nosso gosto com sonhos onde nos aparece essa mulher que na realidade não nos ama, e nos faz declarações de amor agora que estamos sozinhos! A essa recordação podemos dar toda a desejada doçura, amalgamando-a pouco a pouco com muitos de nossos desejos. E preferimo-la àquela entrevista adiada, em que teríamos de nos ver diante de uma criatura a quem já não se poderiam ditar as palavras desejadas, conforme o nosso gosto, mas que nos faria sofrer com novas friezas e violências inesperadas. Todos sabemos, depois que já deixamos de amar, que nem o esquecimento nem sequer a vaga recordação fazem sofrer tanto como um amor desventurado. E eu, sem o confessar, preferia a repousante doçura desse olvido antecipado.
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Marcel Proust (In the Shadow of Young Girls in Flower)
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Cred ca era ora unu noaptea cand m-am trezit pe strada.
Era o noapte clara, linistita si geroasa. Aproape ca alergam, ma grabeam tare, dar nu ma duceam acasa. "De ce m-as duce acasa? Oare acum pot avea casa? In casa se traieste, maine m-as trezi ca sa traiesc, dar oare asta e posibil acum?
Viata s-a sfarsit, nu mai pot trai". Asa am ratacit pe strazi, nestiind unde merg si nici nu stiu daca voiam sa ajung undeva. "Acum, nicio actiune, mi se parea in acel moment, nu poate avea vreun scop." Si lucru ciudat : mi se parea ca in jurul meu toate, chiar si aerul pe care-l respiram, era de pe alta planeta, de parca brusc nimerisem pe luna. Toate - orasul, trecatorii, trotoarul pe care fugeam, toate nu mai erau ale mele. "Uite, aici e Piata Palatului, aici - Catedrala Sfantului Isac, imi trecu prin minte,dar acum nu mai am nicio legatura cu ele; totul pare ca s-a instrainat, nimic nu mai este al meu. O am pe mama, pe Liza - dar ce importanta are, ce sa fac eu acum cu mama si cu Liza? Totul s-a sfarsit, totul s-a sfarsit deodata, in afara unui singur lucru : sunt un hot, pe vecie.
"Cum sa dovedesc ca nu sunt hot ? Oare mai pot s-o fac acum? Sa plec in America? Si ce-as dovedi cu asta? Versilov va fi primul care va crede ca am furat ! << Ideea >> ? Care << idee >> ? Ce mai inseamna acum << ideea >> ? Peste cincizeci de ani, peste o suta de ani, cand voi trece, mereu se va gandi un om care, aratand spre minr, va spune : Uite, asta e un hot. Si-a inceput << ideea >> furand ..."
Simteam oare ranchiuna? Nu stiu, poate ca da. Straniu, totdeauna, poate ca inca din frageda copilarie, am avut aceasta trasatura de caracter : daca mi se facea un rau, daca duceau acest rau pana la limita sau ma jigneau insuportabil, totdeauna aparea dorinta de neatins de a ma supune pasiv jignirii si chiar de a implini dinainte dorintele celui care ma jignea : "Poftim, daca voi m-ati umilit, eu ma umilesc si mai abitir, uitati-va, admirati !
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Fyodor Dostoevsky
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Mas você é brilhante o bastante... e só o bastante... para se dar conta do que aconteceria com você no mundo real. Você nasceu para o fracasso, e você sabe disso. Embora você seja capaz de ser um filho da puta, não é implacável o bastante para sê-lo até o fim. Embora você não seja precisamente o homem mais honesto que já conheci, tampouco é o pior desonesto. Por um lado, você é capaz de trabalhar, mas é simplesmente preguiçoso o bastante para não conseguir trabalhar tão duro quanto o mundo gostaria. Por outro lado, você não é assim tão preguiçoso que não consiga deixar a marca de sua importância no mundo. E você não é sortudo, nem um pouco. Nenhuma aura se ergue de você, e você sempre tem uma expressão desorientada. No mundo externo, você sempre estaria no limiar do sucesso, mas depois seria destruído por seus fracassos. Então você foi escolhido, eleito: a providência, cujka ironia sempre me divertiu, salvou você das mandíbulas do mundo, colocando-o em segurança aqui, entre os seus irmãos
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John Williams (Stoner)
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Nas histórias que contava aos engenheiros — e que vários me repetiram, nos mesmos termos —, ele diferenciava o que chamava de “ética da consciência” da “ética da responsabilidade”. Norberto dizia que a última era “a ética do sujeito que tem uma fatura de 200 milhões de dólares e precisa do dinheiro para poder pagar 3 mil famílias. Esse empresário depara com um funcionário público que diz: ‘Se você deixar 10% comigo, eu te dou o resto’. A ética da consciência diz: não dê. Mas a da responsabilidade diz: dê. Eu olhava pela janela do canteiro e decidia dar”.
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Malu Gaspar (A organização: A Odebrecht e o esquema de corrupção que chocou o mundo (Portuguese Edition))
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Deixa eu ler um trecho deste documento. Escuta só. Redigido por uma colega minha, defendendo Tracy Cummings como uma pessoa que a gente não deve julgar de maneira impensada, nem com muita rigidez, e que de modo algum devemos expulsar ou rejeitar. Pelo contrário, é uma aluna que deve ser estimulada e compreendida — temos que levar em conta, diz essa professora, 'qual a origem de Tracy'. Deixa eu ler só as últimas frases. 'Tracy teve problemas muito sérios, pois quando estava na décima série se separou da família e foi morar com parentes. Como resultado, nunca conseguiu enfrentar a realidade de uma situação. Que ela tem esse defeito, eu reconheço. Mas ela está disposta e preparada para mudar seu modo de enfrentar a vida. O que eu tenho observado durante as últimas semanas é a conscientização da seriedade da sua dificuldade de aceitar a realidade'. Essas frases foram escritas por Delphine Roux, catedrática de letras, responsável, entre outras coisas, por um curso sobre o classicismo francês. *A conscientização da seriedade da sua dificuldade de aceitar a realidade.* Ah, chega. Chega. Isso dá nojo, chega a dar nojo.
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Philip Roth (The Human Stain (The American Trilogy, #3))
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Romanul adolescentului miop
9.‘’Eu ma simt atat de schimbat…Multe ganduri au ajuns acum sentimente. Din intuitii, au ajuns experiente. Nu stiu care parte din mine s-a schimbat. Simt o reinnoire; ma simt mai viu; simt mai précis ca aceasta e carnea mea, ca acesta e sufletul meu. Nu pot lamuri nimic. Simt !’’
10.‘’Afara, pe campuri, pe strazi, e toamna. Aici, in mansarda, sunt EU. Putin imi pasa de toamna de afara, atat timp cat eu nu sunt inca implinit. Nelinistea de pana acum a facut loc spaimei asteptarii. Astept halucinat. Si nu stiu ce astept, dupa cum nu stiam nici acum doua toamne.’’
11.‘’Tu ai toate insusirile si toate pacatele femeii de elita. Orisicat m-as trudi, vei ramane capricioasa si te vei pleca dupa fiecare infrangere pana la anulare. Tu esti perfecta langa mine. Dar drumurile noastre trebuiesc despartite, multi ani. Tu nu vei avea puterea de a trai libera acesti ani. Vei aluneca firesc si iremediabil in mediocritate. Poate , nu ma vei uita; dar la intoarcere , nu ma vei mai intelege…’’
12.‘’Maine! Ma-nfior cand aud cuvantul asta aducator de voie buna sau tristete. Maine!? Ce-o fi maine? Ah, timpul !...
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Mircea Eliade
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Da economia do tempo - Sêneca saúda o amigo Lucílio
Comporta-te assim, meu Lucílio, reivindica o teu direito sobre ti mesmo e o tempo que até hoje foi levado embora, foi roubado ou fugiu, recolhe e aproveita esse tempo. Convence-te de que é assim como te escrevo: certos momentos nos são tomados, outros nos são furtados e outros ainda se perdem no vento. Mas a
coisa mais lamentável é perder tempo por negligência.
Se pensares bem, passamos grande parte da vida agindo mal, a maior parte sem fazer nada, ou fazendo algo diferente do que se deveria fazer.
Podes me indicar alguém que dê valor ao seu tempo, valorize o seu dia, entenda que se morre diariamente? Nisso, pois, falhamos: pensamos que a morte é coisa do futuro, mas parte dela já é coisa do passado.
Qualquer tempo que já passou pertence à morte.
Então, caro Lucílio, procura fazer aquilo que me escreves: aproveita todas as horas; serás menos dependente do amanhã se te lançares ao presente. Enquanto adiamos, a vida se vai. Todas as coisas, Lucílio, nos são alheias; só o tempo é nosso. A natureza deu-nos posse de uma única coisa fugaz e escorregadia, da qual qualquer um que queira pode nos privar. E é tanta a estupidez dos mortais que, por coisas insignificantes e desprezíveis, as quais certamente se podem recuperar,
concordam em contrair dívidas de bom grado, mas ninguém pensa que alguém lhe deva algo ao tomar o seu tempo, quando, na verdade, ele é único, e mesmo aquele que reconhece que o recebeu não pode devolver esse tempo de quem tirou.
Talvez me perguntes o que faço para te dar esses conselhos. Eu te direi francamente: tenho consciência de que vivo de modo requintado, porém cuidadoso. Não posso dizer que não perco nada, mas posso dizer o que perco, o porquê e como; e te darei as razões pelas quais me considero miserável. No entanto, a mim acontece o que ocorre com a maioria que está na miséria não por culpa própria: todos estão prontos a desculpar, ninguém a dar a mão.
E agora? A uma pessoa para a qual basta o pouco que lhe resta, não a considero pobre. Mas é melhor que tu conserves todos os teus pertences, e começarás em tempo hábil. Porque, como diz um sábio ditado, é tarde para poupar quando só resta o fundo da garrafa. E o que sobra é muito pouco, é o pior. Passa bem!
(Sêneca, em "Aprendendo a Viver - Cartas a Lucílio")
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Seneca (Letters from a Stoic)
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Não fico mais aflito por saber que nada sei. O que é? De quê? De onde veio? para onde? São perguntas cujas respostas não me interessam. O tempo não precisa ser medido; essa frase tem ficado muito tempo na minha cabeça. Não existe diferença entre verdade e mentira, nem a possibilidade de encontrar o bem e o mal; não sei por que catso comecei a pensar nisso.
Não fico alegre, nem triste. Há muito não dou uma risada, nem choro. As palavras não significam nada. Meu corpo se curvou para frente, cansado, desiludido.
Não consigo entender o sentido da minha vida. Não consigo entender nada. E isso não me comove mais. Os homens fizeram a sua própria história, mas não imaginaram onde iriam desembocar.
No princípio, o Céu e a Terra eram fenômenos divinos; e só. Em segundos, a Razão, a Ciência encontrou teorias que os definissem. A luta da humanidade era explicar o inexplicável. Hoje... meu corpo se curvou para frente, cansado, desiludido. Dane-se! Me lembro de uma música que falava "Tudo, tudo, tudo vai dar certo..." e acho engraçado. Nada deu certo. Já me falaram de uma nova Era. Já me falaram do universo em expansão. Mas nada deu certo. Nada.
Começou há muito tempo. Sei lá, há uma porrada de tempo...
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Marcelo Rubens Paiva
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..não tem maisl ugar o escritor mandarim, aquele que, como Sartre na França ou Ortega Y Gasset e Unamuno em seu tempo ou um Octavio Paz ainda entre nós, faz as vezes de guia e mestre em todas as questões importantes e supre um vazio que, por causa da escassa participação dos demais na vida pública, ou pela falta de democracia ou prestígio mítico da literatura, só o "grande escritor" parece capaz de preencher. Numa sociedade livre aquela função de tutor que exerce o escritor- às vezes de forma proveitosa - acaba sendo inútil nas sociedades submetidas: a complexidade e a multiplicidade dos problemas o levam a dizer disparates se quiser dar palpites em tudo. Suas opiniões e posicionamentos podem ser muito lúcidos, mas não necesariamente mais do que as de qualquer outro- um cientista, um profissional, um técnico- e, seja como for, devem ser julgadas por seus próprios méritos e não por serem provenientes de alguém que escreve com talento. Essa dessacralização da pessoa do escritor não me parece uma desgraça, pelo contrário, põe as coisas no seu lugar, pois a verdade é que escrever bons romances ou belos poemas não implica que quem assim está dotado para a criação literária goza de clarividência generalizada
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Mario Vargas Llosa (The Language of Passion: Selected Commentary)
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- Axioma: uma doença não é produtiva. Em si mesma, não cria quaisquer produtos de consumo e, consequentemente, não gera dinheiro. Embora seja uma desculpa para muitas actividades, em termos económicos só permite que o dinheiro troque de mãos. Dos doentes para os saudáveis. Dos pacientes para os médicos, dos clientes para os curandeiros. Podemos chamar-lhe uma osmose financeira.
[...]
- Agora, supõe que és uma empresa chamada SábiaSaúde. Supõe que ganhas dinheiro com as drogas e as técnicas que curam pessoas doentes ou, melhor ainda, que tornam impossível que as pessoas cheguem a ficar doentes.
[...]
- Então, de que é que vais precisar mais tarde ou mais cedo?
- De mais curas?
- Depois disso?
O que queres dizer com "depois disso"?
- Depois de curares tudo o que existe para ser curado.
[...]
- Lembras-te da má situação financeira em que ficaram os dentistas depois de aquele novo colutório ter entrado no mercado? Aquele que substituía as bactérias nocivas da placa dentária por outras benéficas que preenchiam o mesmo nicho ecológico, nomeadamente a tua boca? Nunca mais ninguém precisou de chumbar um dente e muitos dentistas foram à falência.
- E então?
- Então, precisarias de mais doentes. Ou... o que ia dar no mesmo... de mais doenças. Novas e diferentes, certo?
- É plausível - admitiu Jimmy depois de uma breve pausa. De facto era. - Mas não estão constantemente a ser descobertas novas doenças?
- A ser descobertas, não - retorquiu Crex. - A ser criadas.
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Margaret Atwood (Oryx and Crake (MaddAddam, #1))
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A história de uma família parece mais com um mapa topográfico do que com um romance, e uma biografia é a soma de todas as eras geológicas que você atravessou. Escrever-se a si mesma significa lembrar que você nasceu com raiva e que foi um despejo de lava denso e contínuo, antes que sua crosta endurecesse e rachasse para deixar aflorar uma espécie de amor, ou que a força inútil do perdão viesse polir e achatar qualquer formação de um vale em você. Reler-se a si mesma significa inventar aquilo pelo que você passou, detectar cada estrato de que está composta: os cristais de júbilo ou de solidão no fundo, as consequências de uma lembrança que evaporou, tudo o que foi escavado e depois inundado, apenas para se dar conta de que não é verdade que o tempo cura — há uma fratura que jamais será preenchida. A única coisa que o tempo faz é carregar consigo o pó e ervas daninhas, de modo que aquela fissura seja coberta até se transformar numa paisagem distinta, distante, quase de fábula, na qual se fala um idioma que não se conhece mais, tão verossímil quanto o élfico. Paisagens sobre as ruinas da sua família, e você se dá conta de que algumas palavras foram apagadas, mas outras salvas, algumas desapareceram, enquanto outras farão sempre parte da sua reverberação, e então finalmente se chega à margem do seu pai e da sua mãe, depois de anos acreditando que morrer ou enlouquecer fosse o único jeito de estar à altura deles. É lá então que você entende que tudo no seu sangue é uma chamada e você é somente eco de uma mitologia pregressa.
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Claudia Durastanti (La straniera)
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D’ENGENHO DE DENTRO (excertos)
12/10
eu queria escrever sobre ana, mas ainda é cedo, eu não sei, não sei se posso e, finalmente, vejo que não quero. sobre a vinda de mamãe e papai até aqui, também não: falta qualquer novidade a esse respeito – a não ser que valha a pena anotar que reencontrar papai depois de três anos é como reencontrar um velho amigo que não via há três dias; e reencontrar mamãe depois de dois anos é como ser apresentado a alguém cujo nome, fama e aventuras eu já conhecia de sobra e que, portanto, me pareceu estranha, distante, mítica. mais ou menos assim. mas prefiro escrever sobre este lugar e minha vida dentro dele. a melhor sensação é a de reconquistar inteiramente o anonimato no contato diário com meus pares de hospício. posso gritar: “meu nome é torquato neto, etc., etc.”; do outro lado uma voz sem dentes dirá: meu nome é vitalino; e outra: o meu é atagahy! aqui dentro só eu mesmo posso ter algum interesse: minhas aventuras, nem um pingo. meu nome podia ser, josé da silva – e de preferência, mas somente no que se refere a mim. a eles não interessa. O dr. Osvaldo não pode fugir. nem fingir: mas isso eu comecei a ver, de fato, logo mais quando teremos nossa primeira entrevista. o anonimato me assegura uma segurança incrível: já não preciso mais (pelo menos enquanto estiver aqui) liquidar meu nome e formar nova reputação como vinha fazendo sistematicamente como parte do processo autodestrutivo em que embarquei – e do qual, certamente, jamais me safarei por completo. mas sobre isso, prefiro dar mais tempo ao tempo: eu sou obrigado a acreditar no meu destino. (isso é outra conversa que só rogério entenderia). tem um livro chamado: o hospício é deus. eu queria ler esse livro. foi escrito, penso, neste mesmo sanatório. vou pedir a alguém para me conseguir esse livro.
13/10
eu: pronome pessoal e intransferível. viver: verbo transitório e transitivo, transável, conforme for. a prisão é um refúgio: é perigoso acostumar-se a ela. e o dr. Osvaldo? Não exclui a responsabilidade de optar, ou seja:?
20/10
É preciso não beber mais. Não é preciso sentir vontade de beber e não beber: é preciso não sentir vontade de beber.
É preciso não dar de comer aos urubus. É preciso fechar para balanço e reabrir. É preciso não dar de comer aos urubus. Nem esperanças aos urubus. É preciso sacudir a poeira.
É preciso poder beber sem se oferecer em holocausto. É preciso.
É preciso não morrer por enquanto. É preciso sobreviver para verificar. Não pensar mais na solidão de Rogério, e deixá-lo. É preciso não dar de comer aos urubus. É preciso enquanto é tempo não morrer na via pública.
4/4/71
Debaixo da tempestade
sou feiticeiro de nascença
atrás desta reticência
tenho o meu corpo cruzado
a morte não é vingança
7/4/71
– Foi um caminhão que passou. bateu na minha cabeça. aqui. isso aqui é péssimo, não me lembro de nada.
– Eles não deixam ninguém ficar em paz aqui dentro. são bestas. Não deixam a gente cortar a carne com faca mas dão gilete pra se fazer a barba.
– Pode me dar um cigarro? eu só tenho um maço, eu tenho que pedir porque senão acaba. Pode me dar as vinte.
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Torquato Neto (26 Poetas Hoje)
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Mas, logo ao outro dia, seus parceiros,
Todos nus e da cor da escura treva,
Decendo pelos ásperos outeiros,
As peças vem buscar que estoutro leva.
Domésticos já tanto e companheiros
Se nos mostram, que fazem que se atreva
Fernão Veloso a ir ver da terra o trato
E partir-se co eles pelo mato.
É Veloso no braço confiado
E, de arrogante, crê que vai seguro;
Mas, sendo um grande espaço já passado,
Em que algum bom sinal saber procuro,
Estando, a vista alçada, co cuidado
No aventureiro, eis pelo monte duro
Aparece e, segundo ao mar caminha,
Mais apressado do que fora, vinha.
O batel de Coelho foi depressa
Polo tomar; mas, antes que chegasse,
Um Etíope ousado se arremessa
A ele, por que não se lhe escapasse.
Outro e outro lhe saem; vê-se em presa
Veloso, sem que alguém lhe ali ajudasse,
Acudo eu logo, e, enquanto o remo aperto
Se mostra um bando negro descoberto.
Da espessa nuvem setas e pedradas
Chovem sobre nós outros, sem medida,
E não foram ao vento em vão deitadas,
Que esta perna trouxe eu dali ferida;
Mas nós, como pessoas magoadas,
A reposta lhe demos tão tecida,
Que em mais que nos barretes se suspeita
Que a cor vermelha levam desta feita.
E, sendo já Veloso em salvamento,
Logo nos recolhemos pera a armada,
Vendo a malícia feia e rudo intento
Da gente bestial, bruta e malvada,
De quem nenhum milhor conhecimento
Pudemos ter da Índia desejada
Que estarmos inda muito longe dela.
E assi tornei a dar ao vento a vela.
Disse então a Veloso um companheiro
(Começando-se todos a sorrir):
"Oula, Veloso amigo, aquele outeiro
É milhor de decer que de subir.
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Luís de Camões (Os Lusíadas)
“
Uma consideção que podemos fazer é a respeito da palavra "traição". De fato, examinada atentamente, ela se nos revela ambígua, não só etimológica mas também semanticamente. Sabemos que o latim tradere significava somente “entregar”. Sabemos também que os evangelhos, escolhendo esse verbo para designar o ato de Judas de entregar Jesus aos seus inimigos, carregavam-no de conotações éticas, obviamente negativas. Mas, com o tempo, o mal-entendido inicial originou outros mal-entendidos e ambiguidades: o itinerário semântico desse verbo “condenado” levou-o a significados diferentes, distantíssimos entre si e às vezes nas antípodas, literalmente opostos. “Traio” deriva do latino trado, que é composto de dois morfemas, trans e do (=dar). O prefixo trans implica passagem; de fato, todos os significados originais de trado contem a ideia de dar alguma coisa que passa de uma mão a outra. Assim, trado significa o ato de entregar nas mãos de alguém (para guarda, proteção, castigo) o ato de confiar para o governo ou o ensinamento, o dar em esposa, o vender, o confiar com palavras ou o transmitir, o narrar. Na forma reflexiva, tradere, o verbo significa abandonar-se a alguém, dedicar-se a uma atividade. O substantivo correspondente, traditio, significa “entrega”, “ensinamento”, “narração”, “transmissão de narrações”, “tradição”. Note-se que o “nomem agentis” (nome do agente) traditor significa tanto “traidor” como “quem ensina”. É bom lembrar esse duplo sentido porque provavelmente tenha algo a ensinar talvez unicamente aquele que traiu com plena e total consciência.
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Aldo Carotenuto (Amar Traicionar: Casi una Apología de la Traición [To Love, To Betray: Life as Betrayal])
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A maioria das pessoas, seja o que for que essas pessoas possam pensar e dizer de seu “egoísmo”, nada fazem durante sua vida por seu ego, mas somente pelo fantasma de ego que se formou com eles no espírito de seu meio antes de se comunicar a eles; — por conseguinte, vivem numa névoa de opiniões impessoais, de apreciações fortuitas e fictícias, um a respeito do outro, e assim em seqüência, um sempre no espírito do outro. Estranho mundo de fantasmas que sabe dar-se uma aparência tão razoável! Esse nevoeiro de opiniões e de hábitos cresce e vive quase independentemente dos homens que envolve; dele depende prodigiosa influencia dos juízos de ordem geral sobre “o homem”— todos esses homens que não se conhecem uns aos outros
acreditam nessa coisa abstrata que se chama “homem”, isto é, numa ficção...
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Friedrich Nietzsche
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No había piedad en ellos, ni siquiera esos ápices de humanidad que a veces uno vislumbra incluso en los más desalmados. Frailes, juez, escribano y verdugos se comportaban con una frialdad y un distanciamiento tan rigurosos que era precisamente lo que más pavor producía; más, incluso, que el sufrimiento que eran capaces de infligir: la helada determinación de quien se sabe respaldado por leyes divinas y humanas, y en ningún momento pone en duda la licitud de lo que hace. Después, con el tiempo, aprendí que, aunque todos los hombres somos capaces de lo bueno y de lo malo, los peores siempre son aquellos que, cuando administran el mal, lo hacen amparándose en la autoridad de otros, en la subordinación o en el pretexto de las órdenes recibidas. Y si terribles son quienes dicen actuar en nombre de una autoridad, una jerarquía o una patria, mucho peores son quienes se estiman justificados por cualquier dios. Puestos a elegir con quien habérselas a la hora, a veces insoslayable, de tratar con gente que hace el mal, preferí siempre a aquellos capaces de no acogerse más que a su propia responsabilidad. Porque en las cárceles secretas de Toledo pude aprender, casi a costa de mi vida, que nada hay más despreciable, ni peligroso, que un malvado que cada noche se va a dormir con la conciencia tranquila. Muy malo es eso. En especial, cuando viene parejo con la ignorancia, la superstición, la estupidez o el poder; que a menudo se dan juntos. Y aún resulta peor cuando se actúa como exégeta de una sola palabra, sea del Talmud, la Biblia, el Alcorán o cualquier otro escrito o por escribir. No soy amigo de dar consejos –a nadie lo acuchillan en cabeza ajena-, mas ahí va uno de barato: desconfíen siempre vuestras mercedes de quien es lector de un solo libro.
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Arturo Pérez-Reverte (Purity of Blood (Adventures of Captain Alatriste, #2))
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Já repeti o antigo encantamento,
E a grande Deusa aos olhos se negou.
Já repeti, nas pausas do amplo vento,
As orações cuja alma é um ser fecundo.
Nada me o abismo deu ou o céu mostrou.
Só o vento volta onde estou toda e só,
E tudo dorme no confuso mundo.
"Outrora meu condão fadava, as sarças
E a minha evocação do solo erguia
Presenças concentradas das que esparsas
Dormem nas formas naturais das coisas.
Outrora a minha voz acontecia.
Fadas e elfos, se eu chamasse, via.
E as folhas da floresta eram lustrosas.
"Minha varinha, com que da vontade
Falava às existências essenciais,
Já não conhece a minha realidade.
Já, se o círculo traço, não há nada.
Murmura o vento alheio extintos ais,
E ao luar que sobe além dos matagais
Não sou mais do que os bosques ou a estrada.
"Já me falece o dom com que me amavam.
Já me não torno a forma e o fim da vida
A quantos que, buscando-os, me buscavam.
Já, praia, o mar dos braços não me inunda.
Nem já me vejo ao sol saudado ergUida,
Ou, em êxtase mágico perdida,
Ao luar, à boca da caverna funda.
"Já as sacras potências infernais,
Que, dormentes sem deuses nem destino,
À substância das coisas são iguais,
Não ouvem minha voz ou os nomes seus.
A música partiu-se do meu hino.
Já meu furor astral não é divino
Nem meu corpo pensado é já um deus.
"E as longínquas deidades do atro poço,
Que tantas vezes, pálida, evoquei
Com a raiva de amar em alvoroço,
lnevocadas hoje ante mim estão.
Como, sem que as amasse, eu as chamei,
Agora, que não amo, as tenho, e sei
Que meu vendido ser consumirão.
"Tu, porém, Sol, cujo ouro me foi presa,
Tu, Lua, cuja prata converti,
Se já não podeis dar-me essa beleza
Que tantas vezes tive por querer,
Ao menos meu ser findo dividi
Meu ser essencial se perca em si,
Só meu corpo sem mim fique alma e ser!
"Converta-me a minha última magia
Numa estátua de mim em corpo vivo!
Morra quem sou, mas quem me fiz e havia,
Anônima presença que se beija,
Carne do meu abstrato amor cativo,
Seja a morte de mim em que revivo;
E tal qual fui, não sendo nada, eu seja!
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Fernando Pessoa
“
Ao cabo de séculos de «escravidão» a mulher quis pois ser livre, ser ela própria. Mas o «femininismo» não soube conceber para a mulher uma personalidade que não fosse uma imitação da masculina, de maneira que as suas «reivindicações» ocultam uma desconfiança fundamental da mulher nova em relação a si mesma, a impotência desta para ser o que é e a contar pelo que ela é: como mulher e não como homem. Devido a esta fatal incompreensão, a mulher moderna experimentou o sentimento de uma inferioridade absolutamente imaginária por ser apenas mulher e sente quase como ofensa o ser tratada «só como mulher». Foi esta a origem de uma falsa vocação frustrada: e é precisamente por isso que a mulher quis tirar uma desforra, reivindicar a sua «dignidade», mostrar o seu «valor» - passando a medir--se com o homem. Todavia, não se tratava de maneira nenhuma do homem verdadeiro, mas sim do homem-construção, do homem-fantoche de uma civilização standardizada, racionalizada, não implicando quase mais nada de diferenciado e qualitativo. Numa civilização como esta, evidentemente, já não se pode tratar de um privilégio legítimo qualquer, e as mulheres incapazes de reconhecer a sua vocação natural e de defendê-la, a não ser pelo plano mais baixo (pois nenhuma mulher sexualmente feliz sentiu alguma vez a necessidade de imitar e de invejar o homem), conseguiram facilmente demonstrar que também elas possuíam virtualmente as faculdades e as habilitações - materiais e intelectuais - que se encontram no outro sexo e que, em geral, se exigem e se apreciam numa sociedade de tipo moderno. O homem, de resto, deixou andar as coisas como um verdadeiro irresponsável, e até ajudou e impeliu a mulher para as ruas, para os escritórios, para as escolas, para as fábricas e para todas as encruzilhadas contaminantes da sociedade e da cultura modernas. Foi assim que se deu o último empurrão nivelador. (...) A mulher tradicional, a mulher absoluta, ao dar-se, ao não viver para si, ao querer ser toda para outro ser com simplicidade e pureza, realizava-se, pertencia-se a si mesma, tinha um heroísmo muito seu - e, no fundo, tornava-se superior ao homem comum. A mulher moderna ao querer ser por si mesma destruiu-se. A tão aspirada «personalidade» está a tirar-lhe toda a personalidade.
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Julius Evola (Revolt Against the Modern World)
“
Há um morcego de papel da festa das bruxas pendurado num cordão acima de sua cabeça; ele levanta o braço e dá um piparote no morcego, que começa a girar.
- Dia de outono bem agradável - continua ele.
Fala um pouco do jeito como papai costumava falar, voz alta, selvagem mesmo, mas não se parece com papai; papai era um índio puro de Columbia - um chefe - e duro e brilhante como uma coronha de arma. Esse cara é ruivo, com longas costeletas vermelhas, e um emaranhado de cachos saindo por baixo do boné, está precisando de dar um corte no cabelo há muito tempo, e é tão robusto quanto papai era alto, queixo, ombros e peitos largos, um largo sorriso diabólico, muito branco e é duro de uma maneira diferente do que papai era, mais ou menos do jeito que uma bola de beisebol é dura sob o couro gasto. Uma cicatriz lhe atravessa o nariz e uma das maçãs do rosto, o luga em que alguém o acertou numa briga, e os pontos ainda estão no corte. Ele fica de pé ali, esperando, e, quando ninguém toma a iniciativa de lhe responder alguma coisa, começa a rir. Ninguém é capaz de dizer exatamente por que ele ri; não há nada de engraçado acontecendo. Mas não é da maneira como aquele Relações Públicas ri, é um riso livre e alto que sai da sua larga boca e se espalha em ondas cada vez maiores até ir de encontro às paredes por toda a ala. Não como aquele riso do gordo Relações Públicas . Este som é verdadeiro. Eu me dou conta de repente de que é a primeira gargalhada que ouço há anos.
Ele fica de pé, olhando para nós, balançando-se para trás nas botas , e ri e ri. Cruza os dedos sobre a barriga sem tirar os polegares dos bolsos. Vejo como suas mãos são grandes e grossas. Todo mundo na ala, pacientes, pessoal e o resto, está pasmo e abobalhado diante dele e da sua risada. Não há qualquer movimento para faze-lo parar, nenhuma iniciativa para dizer alguma coisa. Ele então interrompe a risada, por algum tempo, e vem andando, entrando na enfermaria. Mesmo quando não está rindo, aquele ressoar do seu riso paira a sua volta, da mesma maneira com o som paira em torno de um grande sino que acabou de ser tocado - está em seus olhos, na maneira como sorri, na maneira como fala. [1]
- Meu nome é McMurphy, companheiros, R. P. McMurphy, e sou um jogador idiota. - Ele pisca o olho e canta um pedacinho de uma canção : - .... " e sempre eu ponho ... meu dinheiro ... na mesa " - e ri de novo.
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Ken Kesey (One Flew Over the Cuckoo’s Nest)
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Anahata chakra desperta no cérebro refinando as emoções e seu despertar é caracterizado por um sentimento universal de amor ilimitado por todos os seres. Claro que existem muitas pessoas no mundo que praticam bondade e caridade, mas eles têm egoísmo. Sua caridade não é uma expressão espiritual e de compaixão do Anahata chakra, ele é compaixão humana.
Quando você tem compaixão humana você abrir hospitais e centros de alimentação ou então, dar roupas, dinheiro e medicina por caridade, mas é caridade humana. Como podemos ver a diferença entre caridade humana e caridade espiritual? Na caridade humana, há sempre um elemento de egoísmo. Se eu quiser fazer-te um hindu dando-lhe coisas, esta é uma manifestação da caridade humana. Ou se eu quiser fazer-te meus seguidores eu posso mostrar-lhe uma grande bondade, mas a bondade humana. No entanto, quando Anahata desperta todas as suas ações são controladas e governadas por altruísmo e você desenvolve compaixão espiritual. Você entende que o amor não envolve negociação, é livre de expectativa.
Toda forma de amor é contaminada pelo egoísmo, mesmo o amor que você tem com Deus, porque você está esperando alguma coisa Dele. Talvez, neste mundo, o amor com um mínimo de egoísmo é um amor de mãe. Claro que não é totalmente altruísta, mas porque o sacrifício de uma mãe é tão grande, seu amor tem um mínimo de egoísmo.
...
Uma vez um santo tinha quase concluído esta peregrinação, e estava carregando uma vasilha cheia de água do Ganges. No momento em que ele entrou no recinto do templo, onde foi para o banho Shivalingam , encontrou um burro que estava desesperadamente precisando de água. Imediatamente ele abriu o seu recipiente e deu água para o burro. Seus companheiros de viagem gritaram, "Ei, o que você está fazendo? Você trouxe essa água de tão longe para dar banho ao Senhor Shiva e quando chega aqui você o dá a um animal ordinário!" Mas o santo não viu dessa forma. Sua mente estava trabalhando em uma freqüência diferente e mais elevada.
Aqui está outro exemplo: uma vez Senhor Buda estava indo para um passeio à noite. Ele deparou-se com um homem velho e ficou muito comovido pelo sofrimento da velhice. Em seguida ele viu uma pessoa morta, e novamente ele ficou muito comovido. Quantas vezes é que vamos ver homens velhos? Será que ficaremos comovidos como ele ficou? Não, porque as nossas mentes são diferentes. O despertar de um chakra altera a freqüência da mente e imediatamente influencia o nossos relacionamentos com as pessoas no dia-a-dia e o nosso ambiente.
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Satyananda Saraswati (Kundalini Tantra)
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O tempo que nos resta
"De súbito sabemos que é já tarde.
Quando a luz se faz outra, quando os ramos da árvore que somos soltam folhas
e o sangue que tínhamos não arde como ardia, sabemos que viemos e que vamos.
Que não será aqui a nossa festa.
De súbito chegamos a saber que andávamos sozinhos.
De súbito vemos sem sombra alguma que não existe aquilo em que nos apoiávamos.
A solidão deixou de ser um nome apenas.
Tocamo-la, empurra-nos e agride-nos. Dói.
Dói tanto!
E parece-nos que há um mundo inteiro a gritar de dor,
e que à nossa volta quase todos sofrem e são sós.
Temos de ter, necessariamente, uma alma.
Se não, onde se alojaria este frio que não está no corpo?
Rimos e sabemos que não é verdade.
Falamos e sabemos que não somos nós quem fala.
Já não acreditamos naquilo que todos dizem.
Os jornais caem-nos das mãos.
Sabemos que aquilo que todos fazem conduz ao vazio que todos têm.
Poderíamos continuar adormecidos, distraídos, entretidos.
Como os outros.
Mas naquele momento vemos com clareza que tudo terá de ser diferente.
Que teremos de fazer qualquer coisa semelhante a levantarmo-nos de um charco.
Qualquer coisa como empreender uma viagem até ao castelo distante
onde temos uma herança de nobreza a receber.
O tempo que nos resta é de aventura. E temos de andar depressa.
Não sabemos se esse tempo que ainda temos é bastante.
E de súbito descobrimos que temos de escolher aquilo que antes havíamos desprezado.
Há uma imensa fome de verdade a gritar sem ruído,
uma vontade grande de não mais ter medo,
o reconhecimento de que é preciso baixar a fronte e pedir ajuda.
E perguntar o caminho.
Ficamos a saber que pouco se aproveita de tudo o que fizemos,
de tudo o que nos deram, de tudo o que conseguimos.
E há um poema, que devíamos ter dito e não dissemos, a morder a recordação dos nossos gestos.
As mãos, vazias, tristemente caídas ao longo do corpo.
Mãos talvez sujas. Sujas talvez de dores alheias.
E o fundo de nós vomita para diante do nosso olhar aquelas coisas
que fizemos e tínhamos tentado esquecer.
São, algumas delas, figuras monstruosas, muito negras,
que se agitam numa dança animalesca.
Não as queremos, mas estão cá dentro.
São obra nossa.
Detestarmo-nos a nós mesmos é bastante mais fácil do que parece,
mas sabemos que também isso é um ponto da viagem
e que não nos podemos deter aí.
Agora o tempo que nos resta deve ser povoado de espingardas.
Lutar contra nós mesmos era o que devíamos ter aprendido desde o início.
Todo o tempo deve ser agora de coragem. De combate.
Os nossos direitos, o conforto e a segurança? Deixem-nos rir...
Já não caímos nisso! Doravante o tempo é de buscar deveres dos bons.
De complicar a vida.
De dar até que comece a doer-nos.
E, depois, continuar até que doa mais.
Até que doa tudo.
Não queremos perder nem mais uma gota de alegria,
nem mais um fio de sol na alma,
nem mais um instante do tempo que nos resta."
Miguel Gonçalves
”
”
eu
“
¿a quién debe ser dirigida la propaganda, a los intelectuales o a la masa menos culta? ¡La propaganda siempre deberá dirigirse a la masa! Para los intelectuales, o para aquellos que hoy, lamentablemente, así se consideran, no se debe hablar de propaganda y sí de instrucción científica. Semejantes son las condiciones con las que hoy designamos la palabra propaganda. El fin de la propaganda no es la educación científica de cada cual, y sí llamar la atención de la masa sobre determinados hechos, necesidades, etcétera, cuya importancia sólo de esta forma entra en el círculo visual de la masa. El arte está exclusivamente en hacer esto de una manera tan perfecta que provoque la convicción de la realidad de un hecho, de la necesidad de un procedimiento, y de la justicia de algo necesario. La propaganda no es y no puede ser una necesidad en sí misma, ni una finalidad. De la misma manera como en el supuesto del cartel, su misión es la de llamar la atención de la masa y no enseñar a los cultos o a aquellos que procuran cultivar su espíritu; su acción debe estar cada vez más dirigida al sentimiento y sólo muy condicionalmente a la llamada razón. Toda acción de propaganda tiene que ser necesariamente popular y adaptar su nivel intelectual a la capacidad receptiva del más limitado de aquellos a los cuales está destinada. De ahí que su grado netamente intelectual deberá regularse tanto más hacia abajo, y cuanto más grande sea el conjunto de la masa humana que ha de abarcarse. Mas, cuando se trata de atraer hacia el radio de influencia de la propaganda a toda una Nación, como exigen las circunstancias en el caso del sostenimiento de una guerra, nunca se podrá ser lo suficientemente prudente en lo que concierne a cuidar que las formas intelectuales de la propaganda sean simples en lo posible. Cuanto más modesta sea su carga científica y cuanto más tenga en consideración el sentimiento de la masa, tanto mayor será su éxito. Esto, sin embargo, es la mejor prueba de lo acertado o erróneo de una propaganda, y no la satisfacción de las exigencias de algunos sabios o jóvenes estetas. El arte de la propaganda reside justamente en la comprensión de la mentalidad y de los sentimientos de la gran masa. Ella encuentra, por la forma psicológicamente adecuada, el camino para la atención y para el corazón del pueblo. Que nuestros sabios no comprendan esto, la causa reside en su pereza mental o en su orgullo. Comprendiéndose la necesidad de la conquista de la gran masa, por medio de la propaganda, se saca la siguiente conclusión: es errado querer dar a la propaganda la variedad, por ejemplo, de la enseñanza científica. La capacidad receptiva de la gran masa es sumamente limitada y no menos pequeña su facultad de comprensión; en cambio, es enorme su falta de memoria. Teniendo en cuenta estos antecedentes, toda propaganda eficaz debe concretarse sólo a muy pocos puntos y saberlos explotar como apotegmas hasta que el último hijo del pueblo pueda formarse una idea de aquello que se persigue. En el momento en que la propaganda sacrifique ese principio o quiera hacerse múltiple, quedará debilitada su eficacia por la sencilla razón de que la masa no es capaz de retener ni asimilar todo lo que se le ofrece. Y con esto sufre detrimento el resultado, para acabar a la larga por ser completamente nulo. Cuanto más importante sea el objetivo a alcanzar, tanto más cierta, psicológicamente, debe ser la táctica a emplear.
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Adolf Hitler (Mi Lucha)
“
Conheci que Madalena era boa em demasia, mas não conheci tudo de uma vez. Ela se revelou pouco a pouco, e nunca se revelou inteiramente. A culpa foi minha, ou antes, a culpa foi desta vida agreste, que me deu uma alma agreste. E, falando assim, compreendo que perco o tempo. Com efeito, se me escapa o retrato moral de minha mulher, para que serve esta narrativa? Para nada, mas sou forçado a escrever.
Quando os grilos cantam, sento-me aqui à mesa da sala de jantar, bebo café, acendo o cachimbo. Às vezes as idéias não vêm, ou vêm muito numerosas e a folha permanece meio escrita, como estava na véspera. Releio algumas linhas, que me desagradam. Não vale a pena tentar corrigi-las. Afasto o papel.
Emoções indefiníveis me agitam inquietação terrível, desejo doido de voltar, tagarelar novamente com Madalena, como fazíamos todos os dias, a esta hora. Saudade? Não, não é isto: é desespero, raiva, um peso enorme no coração.
Procuro recordar o que dizíamos. Impossível. As minhas palavras eram apenas palavras, reprodução imperfeita de fatos exteriores, e as dela tinham alguma coisa que não consigo exprimir. Para senti-las melhor, eu apagava as luzes, deixava que a sombra nos envolvesse até ficarmos dois vultos indistintos na escuridão.
Lá fora os sapos arengavam, o vento gemia, as árvores do pomar tornavam-se massas negras.
- Casimiro!
(...) A figura de Casimiro Lopes aparece à janela, os sapos gritam, o vento sacode as árvores, apenas visíveis na treva. Maria das Dores entra e vai abrir o comutador.
Detenho-a: não quero luz.
O tique-taque do relógio diminui, os grilos começam a cantar. E Madalena surge no lado de lá da mesa. Digo baixinho:
- Madalena!
A voz dela me chega aos ouvidos. Não, não é aos ouvidos. Também já não a vejo com os olhos. Estou encostado à mesa, as mãos cruzadas. Os objetos fundiram-se, e não enxergo sequer a toalha branca.
- Madalena...
A voz de Madalena continua a acariciar-me. Que diz ela? Pede-me naturalmente que mande algum dinheiro a Mestre Caetano. Isto me irrita, mas a irritação é diferente das outras, é uma irritação antiga, que me deixa inteiramente calmo. Loucura estar uma pessoa ao mesmo tempo zangada e tranqüila. Mas estou assim. Irritado contra quem? Contra Mestre Caetano. Não obstante ele ter morrido, acho bom que vá trabalhar. Mandrião!
A toalha reaparece, mas não sei se é esta toalha sobre que tenho as mãos cruzadas ou a que estava aqui há cinco anos.
(...) Agitam-se em mim sentimentos inconciliáveis, colerizo-me e enterneço-me; bato na mesa e tenho vontade de chorar. Aparentemente estou sossegado: as mãos continuam cruzadas sobre a toalha e os dedos parecem de pedra. Entretanto ameaço Madalena com o punho. Esquisito.
Distingo no ramerrão da fazenda as mais insignificantes minudências. Maria das Dores, na cozinha, dá lições ao papagaio. Tubarão rosna acolá no jardim. O gado muge no estábulo. O salão fica longe: para irmos lá temos de atravessar um corredor comprido. Apesar disso a palestra de Seu Ribeiro e Dona Glória é bastante clara. A dificuldade seria reproduzir o que eles dizem. É preciso admitir que estão conversando sem palavras.
Padilha assobia no alpendre. Onde andará Padilha? Se eu convencesse Madalena de que ela não tem razão... Se lhe explicasse que é necessário vivermos em paz... Não me entende. Não nos entendemos. O que vai acontecer será muito diferente do que esperamos. Absurdo.
Há um grande silêncio. Estamos em julho. O nordeste não sopra e os sapos dormem.
(...)
Repito que tudo isso continua a azucrinar-me. O que não percebo é o tique-taque do relógio. Que horas são? Não posso ver o mostrador assim às escuras. Quando me sentei aqui, ouviam-se as pancadas do pêndulo, ouviam-se muito bem. Seria conveniente dar corda ao relógio, mas não consigo mexer-me.
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Graciliano Ramos (São Bernardo)
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O Édipo não serve estritamente para nada, a não ser para apertar o inconsciente dos dois lados. Veremos em que sentido é que o Édipo é estritamente "indecidível», como dizem os matemáticos. Estamos fartos dessas histórias em que se está bem de saúde graças ao Édipo, doente do Édipo, e em que há várias doenças dentro do Édipo. Pode até acontecer que um analista se farte desse mito que é a gamela e a cova da psicanálise e que retorne às origens: «Freud nunca chegou a sair nemdo mundo do pai, nem da culpabilidade ... Mas foi o primeiro que, ao criar a possibilidade de construir uma lógica de relação com o pai, abriu o caminho para o homem se libertar do domínio do pai. A possibilidade de viver para!d da lei do pai, para lá de qualquer lei, talvez seja a possibilidade mais essencial que a psicanálise freudiana criou. Mas, paradoxalmente, e talvez por causa do próprio Freud, tudo leva a crer que essa libertação que a psicanálise permite se fará - se faz já - fora dela,>.Todavia, não podemos partilhar nem deste pessimismo nem deste optimismo. Porque é preciso muito optimismo para pensar que, psicanálise permite uma verdadeira solução do Édipo: o Édipo é como Deus; o pai é como Deus; só se resolve o problema quando se suprimir tanto o problema (orno a solução. A esquizo-análise não se propõe resolver o Édipo, não pretende resolvê-Io melhor que a psicanálise edipiana. Propõe-se desedipianizar o inconsciente para poder chegar aos verdadeiros problemas. Propóe-se atingir essas regiões do inconsciente órfão «(para lá de todas as leis», em que o problema deixa de poder ser posto. E por consequência, também não partilhamos do pessimismo de pensar que essa mudança, essa libertação só se pode fazer fora da psicanálise. Pensamos, pelo contrário, que é possível dar-se uma reversão interna que.transforme a máquina analítica numa peça indispensável do aparelho revolucionário. Mais: já há mesmo condições objectivas para isso.
Tudo se passa, pois, como se o Édipo tivesse dois pólos: um pólo de figuras Imaginárias de identificação e um pólo de funçóes simbólicas diferenciantes. Mas seja como for estamos edipianizados: se não temos o Édipo como crise, temo-lo como estrutura. Então transmitimos a crise a OUtrOS, e tudo volta a começar. E é esta a disjunção edipiana, o movimento de pêndulo, a razão inversa exclusiva. E é por isso que quando nos convidam a superar uma concepção simplista do Édipo fundada em imagens paternas, por uma concepção em que se definem funções simbólicas numa estrutura, e se substitui o papá-mamá tradicional por uma função-mãe e uma função-pai, não vemos o que é que se ganha com isso, a não ser o fundar a universalidade do Édipo para além da variabilidade das imagens, soldar ainda melhor o desejo à lei e ao interdito, e levar a cabo o processo de edipianização do inconsciente. Estes são os dois extremos do Édipo, o seu mínimo e o seu máximo, consoante o consideremos como tendente para o valor indiferenciado das suas imagens variáveis, ou para a capacidade de diferenciação das suas funções simbólicas. «Quando nos aproximamos da imaginação material, função diferencial
diminui e tende-se para equivalências; quando nos aproximamos dos elementos
formadores, a função diferencial aumenta e tende-se para valências distintivas ». Depois disto, não nos espantava nada ouvir dizer que o Édipo como estrutura é a trindade cristã, enquanto que o Édipo como crise é a trindade familiar, insuficientemente estruturada pela fé; sempre os dois pólos em razão inversa, Édipo for ever.' Quantas interpretações do lacanismo, oculta ou abertamente piedosas, invocaram um Édipo estrutural para formar e fechar o duplo impasse, para nos reconduzirem à questão do pai, para conseguirem edipianizar o esquizo, e mostrar que uma lacuna no simbólico nos remete para o imaginário e que, inversamente, as insuficiências ou confusões imaginárias nos remetem para a estrutura. Como um célebre precursor dizia aos seus animais: chega de lengalenga...
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Gilles Deleuze (Anti-Oedipus: Capitalism and Schizophrenia)