Tudo Passa Quotes

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Quando se ama não é preciso entender o que se passa lá fora, pois tudo passa a acontecer dentro de nós
Paulo Coelho (The Alchemist)
Mas e o amor? O que é senão um monte de gostar? Gostar de falar, gostar de tocar, gostar de cheirar, gostar de ouvir, gostar de olhar. Gostar de se abandonar no outro. O amor não passa de um gostar de muitos verbos ao mesmo tempo.
Carla Madeira (Tudo é rio)
Nada te turbe, nada te espante. Tudo passa; Deus não muda. A paciência tudo alcança. Quem a Deus tem, nada lhe falta. Só Deus basta.
Teresa de Ávila
A gente passa a vida pelejando com o dilema de existir ou desistir, com o que é bom e o que é ruim, o certo e o errado, a morte e a vida. Essas coisas não se separam. O lugar que dói é o mesmo que sente arrepios. É no corpo, no amor e na liberdade de escolher as coisas que a gente fica inteiro ou despedaçado. Então, pede para a parte boa dar conta da parte ruim.
Carla Madeira (Tudo é Rio)
Ouça, querida”, disse Otávia certa vez, “não fique assim com essa mentalidade de donzela folhetinesca, não separe com tanta precisão os heróis dos vilões, cada qual de um lado, tudo muito bonitinho como nas experiências de química. Não há gente completamente boa nem gente completamente má, está tudo misturado e a separação é impossível. O mal está no próprio gênero humano, ninguém presta. Às vezes a gente melhora. Mas passa.
Lygia Fagundes Telles (Ciranda de Pedra)
Esse é um dos paradoxos mais tristes da minha vida: quase tudo o que tenho escrito, foi escrito para alguém que não me pode ler, e mesmo este livro não passa de uma carta para uma sombra [22].
Héctor Abad Faciolince (El olvido que seremos)
O principal é não mentir. Quem mente para si mesmo e dá ouvido à sua própria mentira chega a tal extremo que não consegue ver nenhuma verdade em si ou naqueles que o rodeiam e, por conseguinte, perde completamente o respeito por si e pelos outros. (...) Quem mente a si próprio pode ser o primeiro a ofender-se. Às vezes, é tão agradável uma pessoa se ofender, não é verdade? O indivíduo sabe que ninguém o injuriou, que tudo não passa de simples invenção, que ele próprio mentiu e exagerou apenas para criar um quadro, para fazer de um grão uma montanha - sabe tudo e, no entanto, se ofende. Ofende-se a ponto se sentir prazer na ofensa e, desse modo, atinge o verdadeiro ódio...
Fyodor Dostoevsky
A vida não passa de uma longa perda de tudo o que amamos.
Victor Hugo
Privatize-se tudo, privatize-se o mar e o céu, privatize-se a água e o ar, privatize-se a justiça e a lei, privatize-se a nuvem que passa, privatize-se o sonho, sobretudo se for diurno e de olhos abertos. E finalmente, para florão e remate de tanto privatizar, privatizem-se os Estados, entregue-se por uma vez a exploração deles a empresas privadas, mediante concurso internacional. Aí se encontra a salvação do mundo... e, já agora, privatize-se também a puta que os pariu a todos." José Saramago, in Cadernos de Lanzarote - Diário III, pag. 148
José Saramago
Diz-se que o tempo cura tudo. Quem inventou o ditado esperava seguramente ser perdoado de muita coisa, e mesmo havendo séculos que a frase passa de boca em boca, nem por isso se tornou menos estúpida e falsa. O tempo é como um tempero. Um tempero perfeito que aprimora o sabor do que é bom e transforma o que é mau em algo do Demo. Só quem nunca odiou ou foi odiado não sabe como o tempo é uma salgadeira que leveda dias após dia.
Luísa Castel-Branco, "Em Nome do Filho"
O sofrimento é certo como a morte e tão inegociável quanto. Vem às vezes de um jeito bruto demais, tem gente que passa por coisas insuportáveis uma atrás da outra, o sofrimento muitas vezes vem injusto na falta de justiça do homem, na falta das coisas, na falta de entendimento e vem intolerável na violência de perder um filho.
Carla Madeira (Tudo é Rio)
Já gastámos as palavras pela rua, meu amor, e o que nos ficou não chega para afastar o frio de quatro paredes. Gastámos tudo menos o silêncio. Gastámos os olhos com o sal das lágrimas, gastámos as mãos à força de as apertarmos, gastámos o relógio e as pedras das esquinas em esperas inúteis. Meto as mãos nas algibeiras e não encontro nada. Antigamente tínhamos tanto para dar um ao outro; era como se todas as coisas fossem minhas: quanto mais te dava mais tinha para te dar. Às vezes tu dizias: os teus olhos são peixes verdes. E eu acreditava. Acreditava, porque ao teu lado todas as coisas eram possíveis. Mas isso era no tempo dos segredos, era no tempo em que o teu corpo era um aquário, era no tempo em que os meus olhos eram realmente peixes verdes. Hoje são apenas os meus olhos. É pouco, mas é verdade, uns olhos como todos os outros. Já gastámos as palavras. Quando agora digo: meu amor, já se não passa absolutamente nada. E no entanto, antes das palavras gastas, tenho a certeza que todas as coisas estremeciam só de murmurar o teu nome no silêncio do meu coração. Não temos já nada para dar. Dentro de ti não há nada que me peça água. O passado é inútil como um trapo. E já te disse: as palavras estão gastas. Adeus.
Eugénio de Andrade
Ei! Sorria... Mas não se esconda atrás desse sorriso... Mostre aquilo que você é, sem medo. Existem pessoas que sonham com o seu sorriso, assim como eu. Viva! Tente! A vida não passa de uma tentativa. Ei! Ame acima de tudo, ame a tudo e a todos. Não feche os olhos para a sujeira do mundo, não ignore a fome! Esqueça a bomba, mas antes, faça algo para combatê-la, mesmo que se sinta incapaz. Procure o que há de bom em tudo e em todos. Não faça dos defeitos uma distancia, e sim, uma aproximação. Aceite! A vida, as pessoas, faça delas a sua razão de viver. Entenda! Entenda as pessoas que pensam diferente de você, não as reprove. Ei! Olhe... Olhe a sua volta, quantos amigos... Você já tornou alguém feliz hoje? Ou fez alguém sofrer com o seu egoísmo? Ei! Não corra. Para que tanta pressa? Corra apenas para dentro de você. Sonhe! Mas não prejudique ninguém e não transforme seu sonho em fuga. Acredite! Espere! Sempre haverá uma saída, sempre brilhará uma estrela. Chore! Lute! Faça aquilo que gosta, sinta o que há dentro de você. Ei! Ouça... Escute o que as outras pessoas têm a dizer, é importante. Suba... faça dos obstáculos degraus para aquilo que você acha supremo, Mas não esqueça daqueles que não conseguem subir a escada da vida. Ei! Descubra! Descubra aquilo que há de bom dentro de você. Procure acima de tudo ser gente, eu também vou tentar. Ei! Você... não vá embora. Eu preciso dizer-lhe que... te adoro, simplesmente porque você existe.
Charlie Chaplin
Tudo o que vemos ou parecemos / não passa de um sonho dentro de um sonho.
Edgar Allan Poe
O meu avô passa muito tempo no parque. Diz que o problema de envelhecer não é esquecermo-nos das coisas, é que tudo se esqueça de nós.
Afonso Cruz (O Livro Do Ano)
Chorar é só o que dá para fazer nesta escuridão asfixiante (...) quando você percebe que tudo o que já fez não passa de lixo.
Chuck Palahniuk (Fight Club)
No avesso de tudo que acreditamos identificar perfeitamente, esconde-se uma quantidade igual do desconhecido. O entendimento não passa da soma de nossos mal-entendidos.
Haruki Murakami (Sputnik Sweetheart)
Sempre que uma mulher chega a se arrepender de suas fraquezas, passa uma esponja sobre a sua vida, a fim de tudo apagar.
Honoré de Balzac (Ilusões Perdidas Volume 1)
otimismo não passa da “obstinação de afirmar que tudo está bem quando tudo está mal”.
Voltaire (Cândido, ou o Otimismo (Portuguese Edition))
Eu sei que provoquei tudo isso. Sei que mereço. Eu tento de tudo para não ser assim. Faço de tudo para agradar a todos. E não tenho de ver meu psiquiatra, que me explique sobre ser "agressivo-passivo". E não tenho de tomar o remédio que ele me passa, que é caro demais para meu pai. E não tenho de falar de minhas lembranças com ele. Ou ser nostálgico com coisas ruins.
Stephen Chbosky (The Perks of Being a Wallflower)
Vendo bem, a pessoa que eu era, tinha sido fabricada algures, numa outra parte. E tudo vinha de outra parte e regressava a outra parte. Eu não sou mais do que um simples caminho por onde passa o homem que sou.
Haruki Murakami (The Wind-Up Bird Chronicle)
De que modo estranho e incompreensível o destino brinca connosco! Será que alguma vez alcançamos aquilo que almejamos? Será que conseguimos aquilo que, parece, as nossas forças foram expressamente preparadas? Tudo se passa ao contrário.
Nikolai Gogol
Mas quem pode se lembrar da dor, uma vez que passa? Tudo o que dela resta é uma sombra, não na mente nem isso sequer, na carne. A dor marca você, mas de maneira profunda demais para que se possa ver. Longe dos olhos, longe do pensamento.
Margaret Atwood (The Handmaid’s Tale (The Handmaid's Tale, #1))
Hoje me dei conta de que as pessoas vivem a esperar por algo E quando surge uma oportunidade Se dizem confusas e despreparadas Sentem que não merecem Que o tempo certo ainda não chegou E a vida passa E os momentos se acumulam como papéis sobre uma mesa Estamos nos preparando para qualquer coisa Mas ainda não aprendemos a viver A arriscar por aquilo que queremos A sentir aquilo que sonhamos E assim adiamos nossas vidas por tempo indeterminado Até que a vida se encarregue de decidir por nós mesmos E percebemos o quanto perdemos E o tanto que poderíamos ter evitado Como somos tolos em nossos pensamentos limitados Em nossas emoções contidas Em nossas ações determinadas O ser humano se prende em si mesmo Por medo e desconfiança Vive como coisa Num mundo de coisas O tempo esperado é o agora Sua consciência lhe direciona Seus sentidos lhe alertam E suas emoções não mais são desprezadas Antes que tudo acabe É preciso fazer iniciar Mesmo com dor e sofrimento Antes arriscar do que apenas sonhar.
Cecília Meireles
Tudo o que tinha sido a sua vida desapareceu, incluindo o nome; deixou de ser Jean Valjean, para ser apenas o número 24601. O que aconteceu à sua irmã? O que aconteceu às sete crianças? Quem se preocupa com isso? O que é que acontece a um punhado de folhas de um arbusto esmagado pelos pés de quem passa?
Victor Hugo (Les Misérables)
Era o último dia do ano e para muitos, o único que realmente importava. Tudo o que não fora feito durante o ano, transformar-se -ia num novo desejo, quando a meia-noite fosse anunciada e as passas consumidas de forma pensativa. Brindavam ao ano e à vida que deixavam para trás, dando as boas novas a um ano diferente, com novos conhecimentos, novos projectos e novas aventuras. E por um motivo que ainda não sabia descodificar, ninguém queria estar sozinho na última noite do ano. Era um dia como tantos outros, apenas com a diferença de um número no final do calendário, mas estar sozinho naquela noite era como um mau presságio para o ano que se avizinhava.
Carina Rosa (As Gotas de um Beijo)
No fim destes dias encontrar você que me sorri, que me abre os braços, que me abençoa e passa a mão na minha cara marcada, na minha cabeça confusa, que me olha no olho e me permite mergulhar no fundo quente da curva do teu ombro. Mergulho no cheiro que não defino, você me embala dentro dos seus braços e você me beija e você me aperta e você me aquieta repetindo que está tudo bem, tudo, tudo bem.
Caio Fernando Abreu
Você já passou por algum momento decisivo? (...) Nossa vida é feita de inúmeros momentos decisivos. E, quando passamos por eles, saímos com algum aprendizado. Momentos assim nos mudam em alguma coisa. Alguns são meio aterrorizantes, mas quando você finalmente passa por eles, você se dá conta do quão idiota foi ter se preocupado tanto. Em outros, você acha que vai tirar de letra e tudo termina em um completo desastre.
Elayne Baeta (O Amor Não é Óbvio (Duologia Laranja-Forte, #1))
O amor tem nome, mas não é nada que a gente possa reconhecer só de olhar. A dor a gente sabe o que é, tem lugar e intensidades que cabem na ciência. A raiva, o medo, o ódio entortam a cara com um jeito provável de se manifestar. Mas e o amor? O que é senão um monte de gostar? Gostar de falar, gostar de tocar, gostar de cheirar, gostar de ouvir, gostar de olhar. Gostar de se abandonar no outro. O amor não passa de um gostar de muitos verbos ao mesmo tempo.
Carla Madeira (Tudo é Rio)
Cada vez que um acontecimento numinoso faz vibrar fortemente a alma, há o perigo de que se rompa o fio em que estamos suspensos. Então o ser humano pode cair num 'sim' absoluto ou num 'não', que também o é! 'Nirdvandva' - livre dos dois - diz o Oriente. Não esqueci tal coisa. O pêndulo do espírito oscila entre sentido e não sentido e não entre verdadeiro e falso. O perigo do numinoso é que ele impele aos extremos e então uma verdade modesta é tomada pela Verdade e um erro mínimo por uma grande aberração fatal. Tudo passa: o que ontem era verdade, hoje é erro, e o que antes de ontem era considerado erro será talvez uma revelação amanhã... E isto é ainda mais válido na dimensão psicológica, acerca da qual, na realidade sabemos pouquíssimo. Muitas vezes negligenciamos isto e estamos longe de levá-lo em conta: que nada, absolutamente nada existe, enquanto uma consciência, por restrita que seja - luz efêmera - não o advirta.
C.G. Jung
E agora que tudo se consumou, passados tantos e tantos anos, não sei sequer o que nos resta do destino, nem posso adivinhá-lo. Receio mesmo que me seja impossível trazer à vossa presença outra qualquer notícia acerca do nosso futuro. Como o havia eu de escrever, se a falta de luz me castigou tanto os olhos e não me permite sequer ver o que se passa do outro lado da rua? Além disso, há o problema de tudo: os sons, as sílabas, os sustenidos da própria fala. E também as palavras já não são nada do que eram.
João de Melo (Entre Pássaro e Anjo)
-- Não brinco, não. Digo apenas o que percebi. Os conhecimentos podem ser transmitidos, mas nunca a sabedoria. Podemos achá-la; podemos vivê-la; podemos consentir em que ela nos norteie; podemos fazer milagres através dela. Mas não nos é dado pronunciá-la e ensiná-la. (...) Uma percepção me veio, ó Govinda, que talvez te afigure novamente como uma brincadeira ou uma bobagem. Reza ela: "O oposto de cada verdade é igualmente verdade". Isso significa: uma verdade só poderá ser comunicada e formulada por meio de palavras, quando for unilateral. Ora, unilateral é tudo quanto possamos apanhar pelo pensamento e exprimir pela palavra. Tudo aquilo é apenas um lado das coisas, não passa de parte, carece de totalidade, está incompleto, não tem unidade. Sempre que o augusto Gautama nas suas aulas nos falava do mundo, era preciso que o subdividisse em Sansara e Nirvana, em ilusão e verdade, em sofrimento e redenção. Não se pode proceder de outra forma. Não há outro caminho para quem quiser ensinar. Mas o próprio mundo, o ser que nos rodeia e existe no nosso íntimo, não é nunca unilateral. Nenhuma criatura humana, nenhuma ação é inteiramente Sansara nem inteiramente Nirvana. Homem algum é totalmente santo ou totalmente pecador. Uma vez que facilmente nos equivocamos, temos a impressão de que o tempo seja algo real. Não, Govinda, o tempo não é real, como verifiquei em muitas ocasiões. E se o tempo não é real, não passa tampouco de ilusão aquele lapso que nos parece estender-se entre o mundo e a eternidade, entre o tormento e a bem-aventurança, entre o Bem e o Mal.
Hermann Hesse (Siddhartha)
Quando estoura uma guerra, as pessoas dizem: ”Não vai durar muito, seria idiota”. E sem dúvida uma guerra é uma tolice, o que não a impede de durar. A tolice insiste sempre, e compreendê-la-íamos se não pensássemos sempre em nós. Nossos concidadãos, a esse respeito, eram como todo mundo: pensavam em si próprios. Em outras palavras, eram humanistas: não acreditavam nos flagelos. O flagelo não está à altura do homem; diz-se então que o flagelo é irreal, que é um sonho mau que vai passar. Mas nem sempre ele passa e, de sonho mau em sonho mau, são os homens que passam, e os humanistas em primeiro lugar, pois não tomaram suas precauções. Nossos concidadãos não eram mais culpados que os outros. Apenas se esqueciam de ser modestos e pensavam que tudo ainda era possível para eles, o que pressupunha que os flagelos eram impossíveis. Continuavam a fazer negócios, preparavam viagens e tinham opiniões. Como poderiam ter pensado na peste, que suprime o futuro, os deslocamentos e as discussões? Julgavam-se livres, e nunca alguém será livre enquanto houver flagelos.
Albert Camus (The Plague)
A avaliação inicial feita por Connell a respeito da leitura não foi refutada. Era cultura como representação de classe, literatura fetichizada por sua capacidade de levar pessoas instruídas em falsas jornadas emocionais para que depois se sintam superiores a pessoas sem instrução cujas jornadas emocionais gostaram de ler. Ainda que o escritor fosse uma boa pessoa, e embora seu livro fosse realmente perspicaz, todos os livros eram, no final das contas, vendidos como símbolos de status, e todos os escritores participavam em alguma medida desse marketing. Supunha-se que era assim que a indústria ganhava dinheiro. A literatura, como aparecia nessas leituras públicas, não tinha potencial como forma de resistência nem nada disso. Porém, Connell foi para casa naquela noite e releu algumas anotações que andava fazendo para um novo conto, e sentiu a velha batida de prazer dentro do corpo, como assistir a um gol perfeito, como o movimento rumorejante da luz através das folhagens, um fraseado musical da janela de um carro que passa. A vida propicia esses momentos de alegria, apesar de tudo.
Sally Rooney (Normal People)
– O que viver no presente significa para você? – pergunto. – Apenas que ficar se prendendo e planejando é besteira – ele diz. – Se você fica se prendendo no passado, não consegue seguir em frente. Se passa muito tempo planejando o futuro, você se empurra pra trás ou fica estagnada no mesmo lugar a vida toda. – Seus olhos encontram os meus. – Viva o momento – ele diz, como se estivesse dizendo algo sério – aqui, onde tudo está certo, vá com calma e limite suas más lembranças e você chegará ao seu destino, seja qual for, muito mais rápido e com menos acidentes de percurso.
J.A. Redmerski (The Edge of Never (The Edge of Never, #1))
Ele se abriu para minha alma como uma cortina, e o palco da vida infinita transforma-se diante de mim no abismo da sepultura eternamente aberta. Pode dizer “isto é assim!”, considerando que tudo vai passar? Que tudo passa rolando como as águas da tempestade, tão raramente perdurando toda a força de sua existência, ah… já que tudo será arrastado pela correnteza, afundado e estilhaçado na rocha? Não há momento que não consuma você e os seus à sua volta, não há momento em que não seja um destruidor, em que precise sê-lo; o mais inocente dos passeios custa a vida de milhares de pobres vermes, uma pisada destrói as construções trabalhosas das formigas e prensa um pequeno mundo em uma sepultura injuriosa. Ah! Não é essa miséria grande e rara do mundo, nem são essas águas que arrastam seus vilarejos, nem os terremotos que engolem suas cidades que me tocam; o que mina o coração é a força consumidora que se esconde no todo da natureza, que não criou nada e que não destrói o seu vizinho ou a si próprio. E assim, ando cambaleante e atemorizado. À minha volta, céu e terra e suas forças tecelãs: nada vejo além de um monstro que devora eternamente e regurgita eternamente.
Johann Wolfgang von Goethe (The Sorrows of Young Werther)
É uma chatice mas a verdade é que as coisas boas só nos acontecem se formos bons. Bons? É mais se formos honestos, não uma honestidade de cumprir a lei... - eu cá era capaz de profanar uma campa e de roubar os dois olhos de um morto se achasse que isso me dava gozo por um dia -, mas uma honestidade para connosco. Tudo menos ser-se cobarde, fingido, um bandido emocional, uma puta: preferia ter cancro a um coração falso. O que não tem nada de beato, é uma questão muito prática. O cancro pode matar, mas a alternativa de certeza que mata. Oh, que se lixe, passa-me a guitarra que eu canto-te um fado num português impecável.
Truman Capote
Os amigos cada vez mais se vêem menos. Parece que era só quando éramos novos, trabalhávamos e bebíamos juntos que nos víamos as vezes que queríamos, sempre diariamente. E, no maior luxo de todos, há muito perdido: porque não tínhamos mais nada para fazer. Nesta semana, tenho almoçado com amigos meus grandes, que, pela primeira vez nas nossas vidas, não vejo há muitos anos. Cada um começa a falar comigo como se não tivéssemos passado um único dia sem nos vermos. Nada falha. Tudo dispara como se nos estivera – e está – na massa do sangue: a excitação de contar coisas e partilhar ninharias; as risotas por piadas de há muito repetidas; as promessas de esperanças que estão há que décadas por realizar. Há grandes amigos que tenho a sorte de ter que insistem na importância da Presença com letra grande. Até agora nunca concordei, achando que a saudade faz pouco do tempo e que o coração é mais sensível à lembrança do que à repetição. Enganei-me. O melhor que os amigos e as amigas têm a fazer é verem-se cada vez que podem. É verdade que, mesmo tendo passado dez anos, sente-se o prazer inencontrável de reencontrar quem se pensava nunca mais encontrar. O tempo não passa pela amizade. Mas a amizade passa pelo tempo. É preciso segurá-la enquanto ela há. Somos amigos para sempre mas entre o dia de ficarmos amigos e o dia de morrermos vai uma distância tão grande como a vida. Miguel Esteves Cardoso, in 'Jornal Público
Miguel Esteves Cardoso
- Por Deus, eu sei o perigo de colocar as culpa tudo em outra pessoa pelas besteira que ocê faz com a própria vida. Eu mesmo caí nessa armadilha! E eu tenho a tendência a acreditar que é desse jeito que os branco consegue te corromper mesmo quando cê nunca fez nada. Porque quando eles te convence que são os culpado por tudo, te convence a achar que são uma espécie de deus! Ocê não pode fazer nada de errado sem eles estar por trás. Ocê passa a ser fraco que nem água, sem ter a sensação de fazer nada por sua própria conta. E aí começa a pensar em maldade e começa a destruir todo mundo redor docê, e coloca a culpa nos branquelo tudo. Merda! Ninguém é tão poderoso quanto nós acha que é. Nós é dono da nossa própria alma, não é?
Alice Walker (The Third Life Of Grange Copeland)
Se eu tenho fé? Somos todos livres de acreditar no que quisermos e é da minha opinião que a explicação mais simples é: Deus não existe. Ninguém criou o universo e ninguém é dono do nosso destino. Isto leva-me a uma profunda tomada de consciência: provavelmente não existe paraíso nem vida depois da morte. Creio que acreditar na vida depois da morte não passa de uma ilusão. Não existem provas fiáveis de que exista e a ideia desvanece-se perante tudo o que sabemos em ciência. Acho que, quando morremos, regressamos ao pó. Mas podemos continuar vivos num certo sentido, através da nossa influência e dos genes que transmitimos aos nossos filhos. Temos apenas esta vida para valorizar o grande desígnio do universo, e por isso estou extremamente grato.
Stephen Hawking (Brief Answers to the Big Questions)
A tranquilidade tomou conta dela, a paz, o contentamento, enquanto a agulha, puxando devagar a seda até a suave pausa, juntava as dobras verdes e as prendia, delicadamente, à cintura. Tal como em um dia de verão, as onda se formam, se desequilibram e arrebentam; se formam e arrebentam; e o mundo todo parece estar dizendo "isso é tudo", de modo cada vez mais grave, até que mesmo o coração pulsando no corpo estendido na praia sob o sol também diz, isso é tudo. Não temas mais, diz o coração, Não temas mais, diz o coração, lançando seu fardo em algum mar, que suspira coletivamente por todas as mágoas, e renova, retoma, recolhe, deixa tombar. E unicamente o corpo ouve a abelha que passa; a onda que arrebenta; o cão que late ao longe, late sem parar.
Virginia Woolf (Mrs. Dalloway)
Eu sei o que estão a pensar: como é que posso não saber o que está a acontecer se passo o dia inteiro, todos os dias, a ouvir todos os pensamentos dos dois homens que cuidam desta casa? Mas a questão é mesmo essa: o Ruído é apenas isso, ruído. É um zumbido, uma interferência e, a maior parte do tempo, uma grande confusão de sons, pensamentos e imagens, tão grande que não conseguimos entender nada. A mente dos homens é um lugar confuso e o Ruído é como se fosse o rosto vivo dessa confusão. No Ruído existe a verdade, mas também existem as fantasias dos homens e o que eles imaginam. O Ruído pode dizer uma coisa e o completo oposto ao mesmo tempo. A verdade está sempre ali, isso é certo, mas como podemos distinguir o que é verdade e o que não é quando vemos tudo? O Ruído é o homem sem filtro e, sem filtro, o homem não passa de caos em movimento.
Patrick Ness (The Knife of Never Letting Go (Chaos Walking, #1))
— Ótimo. — Kemmer se sentou. Um processo trabalhoso e doloroso, mas, quando Dan se mexeu para ajudar, Kemmer o dispensou com um gesto. — O que você chama de sonho duplo é bem conhecido para os psiquiatras e mereceu o interesse especial dos junguianos, que chamam de falso despertar. O primeiro sonho geralmente é lúcido, o que significa que o sonhador sabe que está sonhando... — Sim! — gritou Dan. — Mas o segundo... — O sonhador acredita estar acordado — disse Kemmer. — Jung deu grande importância a isso, chegando até a imputar poderes pré-cognitivos a esses sonhos... mas é claro que a gente é mais esperto que isso, não é, Dan? — Claro — concordou Dan. — O poeta Edgard Allan Poe descreveu o fenômeno do falso despertar muito antes de Carl Jung ter nascido. Escreveu: “Tudo o que vemos ou parecemos não passa de um sonho dentro de um sonho.” Será que respondi à sua pergunta? — Acho que sim. Obrigado. — Não tem de quê. Agora quero um pouco de suco. De maçã, por favor.
Stephen King (Doutor Sono (O Iluminado, #2))
Isto: contemplando os astros, ele habituou-se a considerar-se como um ponto anónimo e incorpóreo, quase se esquecendo de que existe; agora, para lidar com os seres humanos, não pode deixar de se pôr em causa a si próprio, e o seu si próprio já ele não sabe onde se encontra. Face a cada pessoa, dever-se-ia saber como se situar em relação a ela, estar-se seguro da reacção que inspira em nós a presença do outro aversão ou atracção, ascendente recebido ou imposto, curiosidade ou indiferença, domínio ou sujeição, atitude de discípulo ou de mestre, espectáculo como actor ou como espectador - e, na base destas reacções e das contra-reacções do outro, estabelecer as regras que se devem aplicar no jogo, os movimentos e contramovimentos a fazer. Por tudo isto, antes mesmo de nos pormos a observar os outros, deveríamos saber bem quem somos nós. O conhecimento do próximo implica esta especificidade: passa necessariamente através do conhecimento de nos próprios; e é exactamente isto que falta a Palomar.
Italo Calvino (Palomar)
Compreendi que viver é ser livre… Que ter amigos é necessário… Que lutar é manter-se vivo… Que pra ser feliz basta querer… Aprendi que o tempo cura… Que magoa passa… Que decepção não mata… Que hoje é reflexo de ontem… Compreendi que podemos chorar sem derramar lagrimas… Que os verdadeiros amigos permanecem… Que dor fortalece… Que vencer engrandece… Aprendi que sonhar não é fantasiar… Que pra sorrir tem que fazer alguém sorrir…Que a beleza não está no que vemos, e sim no que sentimos… Que o valor está na força da conquista… Compreendi que as palavras tem força… Que fazer é melhor que falar… Que o olhar não mente… Que viver é aprender com os erros… Aprendi que tudo depende da vontade… Que o melhor é ser nós mesmos… Que o SEGREDO da vida é VIVER !!!” “E umas das coisas que aprendi é que se deve viver apesar de. Apesar de, se deve comer. Apesar de, se deve amar. Apesar de, se deve morrer. Inclusive muitas vezes é o próprio apesar de que nos empurra para frente. Foi o apesar de que me deu uma angústia que insatisfeita foi criadora de minha própria vida.
Pedro Bial
Les conhecia todas as histórias sobre as coisas que podiam acontecer na primeira vez, e agora ele está lá e não sente nada. Nada acontece. Todo mundo está lhe dizendo que vai ser bom, você vai conseguir segurar a barra, cada vez que você voltar vai ser um pouco melhor, até que um dia a gente leva você a Washington e você passa um lápis sobre um papel em cima do nome de Kenny, e isso vai ser realmente a cura espiritual — depois de tanta preparação, nada acontece. Nada. Swift ouviu o Muro chorar. Les não ouve nada. Não sente nada, não ouve nada, nem mesmo relembra nada. É como o dia em que ele viu os dois filhos mortos. Tanta expectativa, e nada. Ele, que tinha tanto medo de se emocionar demais, agora não sente nada, e isso é pior. Prova que apesar de tudo, apesar de Louie e das idas ao restaurante chinês, dos médicos, de ele ter largado a bebida, Les tinha razão desde o começo: ele já morreu. No restaurante chegou a sentir alguma coisa, e isso o enganou por um tempo. Mas agora ele não tem mais dúvida de que está morto, porque não consegue nem mesmo evocar a lembrança de Kenny. Antes essa lembrança o torturava, agora ele não consegue se ligar a ela de jeito nenhum.
Philip Roth (The Human Stain (The American Trilogy, #3))
Amava Aida desde sempre, o nosso encontro aconteceu na eternidade. Só assim eu entendo que não saiba contar bem como tudo começou. Porque os factos não são indício de nada e o verdadeiro indício está antes e depois de todos os indícios. Há a minha infância, há a morte da minha mãe, mas no que se passa em mim estou só eu. E é dessa solidão absoluta que o absurdo nasceu. Rapidamente ultrapassei os limites da plenitude de um encontro que se basta, de duas mãos que se prendem, de dois olhares que se fitam. Rapidamente me interroguei sobre quem estava atrás desse olhar e dessas mãos e quis chegar até lá... É tão difícil explicar. É tão difícil e tão alto e tão fora da nossa medida, que estremeço de loucura e as minhas palavras se atropelam. Mas isto existe, como é possível que seja um erro? Há um além para lá de ti, da pessoa que vejo e está aqui e que é a pessoa que és. Trago em mim o apelo absoluto da identidade absoluta, a exigência da comunhão verdadeira. Porque eu sou de mais para mim - e tu. Jamais te saberei? Jamais tocarei com as minhas mãos a chama que arde em ti? Estamos cheios de prodígio, não é estúpido que o ignoremos? Para lá de todas as portas há uma porta ainda, e essa é que é a porta da nossa morada...
Vergílio Ferreira (Estrela Polar)
Durante as épocas “boas”, a busca pela verdade torna-se desconfortável porque revela fatos inconvenientes. É melhor pensar sobre coisas mais fáceis e mais agradáveis. A eliminação inconsciente de informações que são, ou aparentam ser, não recomendáveis, torna-se gradualmente um hábito, e a seguir transforma-se em um costume aceito pela sociedade em larga escala. O problema é que qualquer processo de pensamento baseado em informações truncadas, possivelmente não gerará conclusões corretas; ele leva, além disso, a uma substituição subconsciente de premissas inconvenientes por outras mais cômodas, aproximando-se dos limites da psicopatologia. Tais períodos de satisfação para um determinado grupo de pessoas – freqüentemente com raízes em alguma injustiça para outras pessoas ou nações – passa a estrangular a capacidade de consciência individual e da sociedade; fatores subconscientes acabam assumindo um papel decisivo na vida. Tal sociedade, já infectada pelo estado de histeria,[ 21 ] considera qualquer percepção de uma verdade desconfortável como um sinal de grosseria ou falta de educação. O iceberg de J. G. Herder[ 22 ] é mergulhado em um mar de informações inconscientes falsificadas; somente a ponta do iceberg é visível sobre as ondas da vida. A catástrofe fica à espera. Em momentos como esses, a capacidade para o pensamento lógico e disciplinado, nascido durante os tempos difíceis, começa a esvanecer. Quando as comunidades perdem sua capacidade psicológica da razão e de análise moral, os processos de geração do mal são intensificados em todas as escalas sociais, sejam elas individuais ou macrossociais, até que tudo se converta em épocas “ruins”.
Andrew M. Lobaczewski (Ponerologia: Psicopatas no Poder)
30 de Janeiro Os troncos afundam-se na escadaria no declive sumptuoso da superfície branca. São fantasmas, de costas geladas, vejo o lugar inteiro recolhendo os passos vagarosos da neve. A neve traz sucessivos dedos, figuras maiores como amantes fluídos que se concentram, se metem a caminho, para encontrarem fora dos astros a origem da fábula, da paródia, da tragédia do vaudeville. A neve escuta, e olha, regressa das cadeias abstractas onde também havia corações e noites de Agosto e a infância dos nomes em transformação. Na senda reclusa, o pinheiro argênteo feneceu. Dois homens hão-de chegar para cortá-lo. Desistiu, pensei. Cansou, atalhei remediando. Seria nas primeiras névoas de Novembro, foi nas branduras de Outubro. O pinheiro tornou-se num ramo de cabelos sem odor, irrompido de intrépida mudez. Mas agora, tão cândido por entre a cerração, grito de alvura, à despedida, sem nada já saber do apelo e da velocidade dos minutos, ainda os membros rendidos para o carambelo, asas púrpura de um cardeal a entrarem-lhe no corpo, ainda um pintarroxo a ver-se nos seus galhos, como em alcácer, como obra-prima no sítio de nascer. É meio-dia, bateu meio-dia no velho relógio sobre o jardim dos Prosoros. À distância, o sonho, com Moscow e a estonteada floresta passam, passa o limite lôbrego do rio. Abalada e giratória a luz vinda de todos os lados, a luz acordará Nicolai Lvovitch Tusenbach: «Uma árvore secou, mas eis que balança, a par das outras, tocadas pela brisa. Isto me diz que farei parte da vida mesmo depois de morrer»[1]. O tempo caminhando, a flecha do tempo a consumar o fogo e a rebentar as trevas, tudo é terrível de ambíguo enojo, vamos decerto arder depois de florirmos íngremes de mensagens, voar na planície ignota, mas não seremos esquecidos, Olga Prosorov, o pintarroxo além, como em alcácer, a nossa ressurreição, vê.
Olga Gonçalves (O livro de Olotolilisobi)
Os animais foram imperfeitos, compridos de rabo, tristes de cabeça. Pouco a pouco foram se compondo, fazendo-se paisagem, adquirindo manchas, graça, voo. O gato só gato apareceu completo e orgulhoso nasceu completamente terminado, caminha sozinho e sabe o que quer. O homem quer ser peixe e pássaro, a serpente queria ter asas, o cachorro é um leão desorientado, o engenheiro quer ser poeta, a mosca estuda para ser andorinha, o poeta tenta imitar a mosca, mas o gato só quer ser gato e todo gato é gato do bigode até o rabo, do pressentimento ao rato vivo, da noite até seus olhos de ouro. Não existe unidade como ele, nem têm a lua nem a flor tal contextura: é uma coisa só como o sol ou o topázio, e a elástica linhade seu contorno firme e sutil é como a linha da proa de uma nave. Seus olhos amarelos deixaram uma só ranhura para pôr as moedas da noite. Ó pequeno imperador sem orbe, conquistador sem pátria, mínimo tigre de salão, nupcial sultão do céu das telhas eróticas, o vento do amor na intempérie reclamas quando passas e pousas quatro pés delicados no solo, farejando, desconfiado de tudo que é terrestre, porque tudo é imundo para o imaculado pé do gato. Ó fera independente da casa, arrogante vestígio da noite, preguiçoso, ginástico, e alheio, profundíssimo gato, polícia secreta das moradas, talvez não sejas mistério, todo mundo sabe-te e pertences ao habitante menos misterioso, talvez todos o creiam, todos se creiam donos, proprietários, tios de gatos, companheiros, colegas, discípulos ou amigos de seu gato. Eu não. Eu não concordo. Eu não conheço o gato. Tudo sei, a vida e seu arquipélago, o mar e a cidade incalculável, a botânica, o gineceu com seus extravios, o mais e o menos da matemática, os funis vilcânicos do mundo, a casca irreal do crocodilo, a bondade ignorada do bombeiro, o atavismo azul do sacerdote, mas não posso decifrar um gato. Minha razão resvalou em sua indiferença, seus olhos têm números de ouro.
Pablo Neruda (Navegaciones y Regresos (Spanish Edition))
O Édipo não serve estritamente para nada, a não ser para apertar o inconsciente dos dois lados. Veremos em que sentido é que o Édipo é estritamente "indecidível», como dizem os matemáticos. Estamos fartos dessas histórias em que se está bem de saúde graças ao Édipo, doente do Édipo, e em que há várias doenças dentro do Édipo. Pode até acontecer que um analista se farte desse mito que é a gamela e a cova da psicanálise e que retorne às origens: «Freud nunca chegou a sair nemdo mundo do pai, nem da culpabilidade ... Mas foi o primeiro que, ao criar a possibilidade de construir uma lógica de relação com o pai, abriu o caminho para o homem se libertar do domínio do pai. A possibilidade de viver para!d da lei do pai, para lá de qualquer lei, talvez seja a possibilidade mais essencial que a psicanálise freudiana criou. Mas, paradoxalmente, e talvez por causa do próprio Freud, tudo leva a crer que essa libertação que a psicanálise permite se fará - se faz já - fora dela,>.Todavia, não podemos partilhar nem deste pessimismo nem deste optimismo. Porque é preciso muito optimismo para pensar que, psicanálise permite uma verdadeira solução do Édipo: o Édipo é como Deus; o pai é como Deus; só se resolve o problema quando se suprimir tanto o problema (orno a solução. A esquizo-análise não se propõe resolver o Édipo, não pretende resolvê-Io melhor que a psicanálise edipiana. Propõe-se desedipianizar o inconsciente para poder chegar aos verdadeiros problemas. Propóe-se atingir essas regiões do inconsciente órfão «(para lá de todas as leis», em que o problema deixa de poder ser posto. E por consequência, também não partilhamos do pessimismo de pensar que essa mudança, essa libertação só se pode fazer fora da psicanálise. Pensamos, pelo contrário, que é possível dar-se uma reversão interna que.transforme a máquina analítica numa peça indispensável do aparelho revolucionário. Mais: já há mesmo condições objectivas para isso. Tudo se passa, pois, como se o Édipo tivesse dois pólos: um pólo de figuras Imaginárias de identificação e um pólo de funçóes simbólicas diferenciantes. Mas seja como for estamos edipianizados: se não temos o Édipo como crise, temo-lo como estrutura. Então transmitimos a crise a OUtrOS, e tudo volta a começar. E é esta a disjunção edipiana, o movimento de pêndulo, a razão inversa exclusiva. E é por isso que quando nos convidam a superar uma concepção simplista do Édipo fundada em imagens paternas, por uma concepção em que se definem funções simbólicas numa estrutura, e se substitui o papá-mamá tradicional por uma função-mãe e uma função-pai, não vemos o que é que se ganha com isso, a não ser o fundar a universalidade do Édipo para além da variabilidade das imagens, soldar ainda melhor o desejo à lei e ao interdito, e levar a cabo o processo de edipianização do inconsciente. Estes são os dois extremos do Édipo, o seu mínimo e o seu máximo, consoante o consideremos como tendente para o valor indiferenciado das suas imagens variáveis, ou para a capacidade de diferenciação das suas funções simbólicas. «Quando nos aproximamos da imaginação material, função diferencial diminui e tende-se para equivalências; quando nos aproximamos dos elementos formadores, a função diferencial aumenta e tende-se para valências distintivas ». Depois disto, não nos espantava nada ouvir dizer que o Édipo como estrutura é a trindade cristã, enquanto que o Édipo como crise é a trindade familiar, insuficientemente estruturada pela fé; sempre os dois pólos em razão inversa, Édipo for ever.' Quantas interpretações do lacanismo, oculta ou abertamente piedosas, invocaram um Édipo estrutural para formar e fechar o duplo impasse, para nos reconduzirem à questão do pai, para conseguirem edipianizar o esquizo, e mostrar que uma lacuna no simbólico nos remete para o imaginário e que, inversamente, as insuficiências ou confusões imaginárias nos remetem para a estrutura. Como um célebre precursor dizia aos seus animais: chega de lengalenga...
Gilles Deleuze (Anti-Oedipus: Capitalism and Schizophrenia)
Se a vida, que é tudo, passa por fim, como não hão-de passar o amor e a dor, e todas as mais coisas, que não são mais que partes da vida?
Fernando Pessoa (Cartas de Amor)
— Assim mais assim, com os erros todos e muita demora, até há uns dois anos atrás eu ainda era homem para pôr algum bilhete no papel... — Pois eu não. Nunca estive em escola, sentado não aprendi nada desta vida. Você sabe que eu não sei. Mas, cada ano que passa, eu vou ganhando mais dinheiro, comprando mais terras, pondo mais bois nas invernadas. Não sei fazer conta de tabuada, tenho até enjoo disso... Nunca assentei o que eu ganho ou o que eu gasto. O dinheiro passa como água no córrego, mas deixa poços cheios, nas beiras. Gosto de caminhar no escuro, João Manico, meu irmão! — Em Deus estando ajudando, é bom, meu compadre seô Major. — Também não tomo a reza dos outros, não desfaço na valia deles... — De nenhum jeito, e eu posso ir junto!... Todo o mundo, aqui, trabalha sem arrocho... Só no falar de obedecer é que todos têm medo do senhor... — Capaz que seja, Manicão? Será? — Isso. Uns acham que é porque o seô Major espera boi bravo, a-pé, sem ter vara, só de chicote na mão e soprando no focinho do que vem... — Mas eu gosto dos bois, Manico, ponho amor neles... — A’ pois. Eu sei, de mim que será por causa de nunca se ter certeza do que é que o meu compadre está pensando ou vai falar, que sai sempre o diverso do que a gente esperou... Só vejo que esse povo vaqueiro todo tem mais medo de um pito do senhor do que da chifrada de um garrote, comparando sem quebrar seu respeito, meu compadre seô Major. — Escuta, Manico: é bom a gente ver tudo de longe. Assim como aqui nós dois vamos indo... Pelo rastro, no chão, a gente sabe de muita coisa que com a boiada vai acontecendo. Você também é bom rastreador, eu sei. Olha, o que eu entendo das pessoas, foi com o traquejo dos bois que eu aprendi...
João Guimarães Rosa (O Burrinho Pedrês)
O amor é um sentimento discreto, cauteloso, porém duradouro. Já a paixão é escandalosa, alvoraçada em tudo o que faz, anda de mãos dadas com a loucura. Na mesma intensidade que vem, vai em questão de minutos, fazendo um estrago por onde passa, muitas das vezes usando provas de amor descabidas e um monte de palavras bonitas jogadas ao vento, afinal, quem muito se declara, pouco sente.
Mari Sillva (Blade: Os vilões também amam. (Versão português) (Duologia Criminosos Livro 1))
Se o Sol é doador de vida, simbolicamente vinculado com a dimensão espiritual, a Lua se relaciona com a manifestação do espírito. Em tudo ela está ligada à expressão prática de assuntos mundanos [...]. A Lua passa por todos os signos e toca cada aspecto em todo mapa uma vez por mês. Hoje, pode-se dizer, ela representa, em termos psicológicos, nossa 'tarefa de casa' psíquica, aprender e aplicar.
Alice O. Howell (Jungian Symbolism in Astrology)
À medida que perspectiva do mundo se amplia, não diminui apenas a dor que ela causa, mas também o significado que tem. Compreender o mundo exige que se mantenha uma certa distância dele. Ampliamos coisas que são demasiado pequenas para serem vistas a olho nu, como moléculas e átomos. Reduzimos coisas que são demasiados grandes, como nuvens, deltas de rios e constelações. Só fixamos o mundo quando o temos ao alcance dos nossos sentidos. A essa fixação chamamos conhecimento. Durante a nossa infância e juventude lutamos para manter a distância correta das coisas e dos fenómenos. Lemos aprendemos, experimentamos, corrigimos. Então, um dia, chegamos ao ponto em que todas as distâncias necessárias foram determinadas, todos os sistemas necessários foram estabelecidos. É aí que o tempo começa a acelerar. Já não encontra qualquer obstáculo, está tudo determinado, o tempo passa rapidamente pelas nossas vidas, os dias sucedem-se num piscar de olhos, e , antes que nos apercebamos do que está a acontecer, temos quarenta, cinquenta, sessenta anos... O sentido requer conteúdo, o conteúdo requer tempo, o tempo requer resistência. O conhecimento é distância, o conhecimento é estagnação e inimigo do sentido.
Karl Ove Knausgård (Min kamp 1 (Min kamp, #1))
Vem, Noite antiquíssima e idêntica, Noite Rainha nascida destronada, Noite igual por dentro ao silêncio. Noite Com as estrelas lantejoulas rápidas No teu vestido franjado de Infinito. Vem, vagamente, Vem, levemente, Vem sozinha, solene, com as mãos caídas Ao teu lado, vem E traz os montes longínquos para o pé das árvores próximas. Funde num campo teu todos os campos que vejo, Faze da montanha um bloco só do teu corpo, Apaga-lhe todas as diferenças que de longe vejo. Todas as estradas que a sobem, Todas as várias árvores que a fazem verde-escuro ao longe. Todas as casas brancas e com fumo entre as árvores, E deixa só uma luz e outra luz e mais outra, Na distância imprecisa e vagamente perturbadora. Na distância subitamente impossível de percorrer. Nossa Senhora Das coisas impossíveis que procuramos em vão, Dos sonhos que vêm ter connosco ao crepúsculo, à janela. Dos propósitos que nos acariciam Nos grandes terraços dos hotéis cosmopolitas Ao som europeu das músicas e das vozes longe e perto. E que doem por sabermos que nunca os realizaremos... Vem, e embala-nos, Vem e afaga-nos. Beija-nos silenciosamente na fronte, Tão levemente na fronte que não saibamos que nos beijam Senão por uma diferença na alma. E um vago soluço partindo melodiosamente Do antiquíssimo de nós Onde têm raiz todas essas árvores de maravilha Cujos frutos são os sonhos que afagamos e amamos Porque os sabemos fora de relação com o que há na vida. Vem soleníssima, Soleníssima e cheia De uma oculta vontade de soluçar, Talvez porque a alma é grande e a vida pequena. E todos os gestos não saem do nosso corpo E só alcançamos onde o nosso braço chega, E só vemos até onde chega o nosso olhar. Vem, dolorosa, Mater-Dolorosa das Angústias dos Tímidos, Turris-Eburnea das Tristezas dos Desprezados, Mão fresca sobre a testa em febre dos humildes. Sabor de água sobre os lábios secos dos Cansados. Vem, lá do fundo Do horizonte lívido, Vem e arranca-me Do solo de angústia e de inutilidade Onde vicejo. Apanha-me do meu solo, malmequer esquecido, Folha a folha lê em mim não sei que sina E desfolha-me para teu agrado, Para teu agrado silencioso e fresco. Uma folha de mim lança para o Norte, Onde estão as cidades de Hoje que eu tanto amei; Outra folha de mim lança para o Sul, Onde estão os mares que os Navegadores abriram; Outra folha minha atira ao Ocidente, Onde arde ao rubro tudo o que talvez seja o Futuro, Que eu sem conhecer adoro; E a outra, as outras, o resto de mim Atira ao Oriente, Ao Oriente donde vem tudo, o dia e a fé, Ao Oriente pomposo e fanático e quente, Ao Oriente excessivo que eu nunca verei, Ao Oriente budista, bramânico, sintoísta, Ao Oriente que tudo o que nós não temos. Que tudo o que nós não somos, Ao Oriente onde — quem sabe? — Cristo talvez ainda hoje viva, Onde Deus talvez exista realmente e mandando tudo... Vem sobre os mares, Sobre os mares maiores, Sobre os mares sem horizontes precisos, Vem e passa a mão pelo dorso da fera, E acalma-o misteriosamente, Ó domadora hipnótica das coisas que se agitam muito! Vem, cuidadosa, Vem, maternal, Pé antepé enfermeira antiquíssima, que te sentaste À cabeceira dos deuses das fés já perdidas, E que viste nascer Jeová e Júpiter, E sorriste porque tudo te é falso e inútil. Vem, Noite silenciosa e extática, Vem envolver na noite manto branco O meu coração... Serenamente como uma brisa na tarde leve, Tranquilamente com um gesto materno afagando. Com as estrelas luzindo nas tuas mãos E a lua máscara misteriosa sobre a tua face. Todos os sons soam de outra maneira Quando tu vens. Quando tu entras baixam todas as vozes, Ninguém te vê entrar. Ninguém sabe quando entraste, Senão de repente, vendo que tudo se recolhe, Que tudo perde as arestas e as cores, E que no alto céu ainda claramente azul Já crescente nítido, ou círculo branco, ou mera luz nova que vem, A lua começa a ser real.
Fernando Pessoa (Poemas de Álvaro de Campos (Obra Poética IV))
O empreendedorismo é a grande mágica do capitalismo, Marques. Funciona assim: junta um bom dinheiro, compra uns maquinário, chama alguns trabalhador, cobre tudo com um pano negro, diz as palavra mágica e, depois dum tempo, tira o pano, e tá lá: os trabalhador tão mais abatido, mais cansado, mais revoltado, mais infeliz; só que o teu dinheiro, ah!, o teu dinheiro se multiplicou dez vez, quinze vez, vinte vez, sem que tu tenha precisado mover uma palha! Bonito, né? — Pedro deu um riso seco. — Não, mano. Não é nada bonito. O que acontece por baixo do pano negro, a gente sabe melhor do que ninguém. E não é nada bonito. É medonho, isto sim. É desesperador. É terrível. É ou não é? Caralho, tu é um trabalhador: tu sabe muito bem do que eu tô falando. Por acaso eu tô dizendo alguma bobagem? A gente não se mata de tanto trabalhar? E pra quê? O que tu acha disso que a gente passa? O que tu acha desse derramamento de suor, lágrima e às vez até sangue, que a gente já conhece faz tempo, que os nossos coroa já conhecia antes de nós, que os coroa deles já conhecia antes deles e que só serve pra fazer crescer a fortuna dessa gente nojenta que passa metade do ano em Torres e metade em Gramado, sem preocupação nenhuma com nada, enquanto a gente fica aqui, desperdiçando a vida nesse vaivém entre a casa e o trabalho?
José Falero (Os supridores (Portuguese Edition))
A mente absorta, sob a forma de mente divagante, poderá ser a maior fonte de desperdício da atenção no local de trabalho. O foco da nossa experiência no aqui e agora – como a tarefa em mãos, a conversa que estamos a ter, ou chegar a consenso numa reunião – exige que desliguemos a lógica do «tudo a meu respeito» de coisas mentais irrelevantes para aquilo que se passa no presente.
Daniel Goleman (Focus: The Hidden Driver of Excellence)
a repreensão contínua passa por essa esperança imbecil de que amanhã estejamos mais espertos quando, pelas leis mais definidoras da vida, devemos só perder capacidades. a esperança que se deposita na criança tem de ser inversa à que se nos dirige. e quando eu fico bloqueado, tão irritado com isso sem dúvida, não é por estar imaturo e esperar vir a ser melhor, é por estar maduro de mais e ir como que apodrecendo, igual aos frutos. nós sabemos que erramos e sabemos que, na distracção cada vez maior, na perda de reflexos e de agilidade mental, fazemos coisas sem saber e não as fazemos por estupidez. fazemos por descoordenação entre o que está certo e o que nos parece certo e até sabemos que isso de certo ou errado é muito relativo. é tudo mais forte do que nós.
Valter Hugo Mãe (A máquina de fazer espanhóis)
Vigia, atalaia, dia e noite, vigia Que a vida passa como o perfume das rosas Murmurar, de que serviria? Atalaia, abre os olhos, vigia Que a morte é a calamidade, Perde-se tudo, riqueza e alegria Atalaia, acorda e vigia Que para o lado de lá não se leva tesouro Só virtude e sabedoria Atalaia, levanta, é hora Não tema agora que acaba a vigia A alma é um abismo insondável Só a morte a repatria
S. Zuppardi (O Rubor da Flor (Portuguese Edition))
Afinal, quando fazemos o que gostamos, nossa alma se encanta, produz uma energia positiva ao nosso redor e tudo passa a dar certo.
Marcelo Cesar (O que Importa é o Amor (Portuguese Edition))
As pessoas veem um bife e sabem que vem de uma vaca, mas sabem-no apenas como uma simples informação abstrata que consta dos livros, pois nunca viram sequer uma vaca ser morta. Nem querem ver. Sabem, mas não querem saber. Sabem que os matadouros existem, mas não sabem o que se passa lá dentro. Não sabem porque os matadouros foram concebidos para não serem vistos, é certo, mas também porque as próprias pessoas fazem questão de não os ver nem saber o que se passa lá dentro. Mesmo que as paredes dos matadouros fossem de vidro e tudo se pudesse ver, desviariam o olhar. Não querem saber. São capazes de protestar veementemente contra uma subida do preço do café, mas ficam em silêncio absoluto perante a matança de milhares de milhões de animais todos os anos nas condições mais cruéis. Não sabem, sabendo. Os matadouros estão por toda a parte e no entanto permanecem invisíveis. Os matadouros encontram-se à vista de todos, mas todos se esforçam por não os ver. Invisíveis apesar de estarem à vista.
José Rodrigues dos Santos (O Jardim dos Animais com Alma)
Que espera, Mariam. Uma longa espera que fez de você apenas uma passagem! Que espera! Seus passos batem na parede durante a noite, passam sobre você no caminho de... E no caminho para... Batem. Batem. Batem. Escapam entre os dedos como areia, enquanto sua longa viagem termina em algo tão insignificante como isso. Uma passagem. Tudo o que você havia desejado ter e nunca terá passa por cima de você.
Ghassan Kanafani (ما تبقى لكم)
Com as grandes artes também assim acontece; há que as ir roendo a pouco e pouco com os pequenos maxilares, até que se desfaçam e dispensem assim a explicação; passa-se aqui, ainda que em escala miniatural, o mesmo que um milagre. As artes e os milagres não podem permanecer na vida; tornar-se-iam insuportáveis e seriam por fim uma mancha coagulada de um outro mundo nesse mundo, que tudo sufocaria.
Heimito von Doderer (A Flagelação das Bolsinhas de Camurça seguido de Um Outro Kratki-Boschik)
Mãe! passa a tua mão pela minha cabeça! Quando passas a tua mão na minha cabeça é tudo tão verdade!
José de Almada Negreiros
Como não sentir o parentesco profundo desses espíritos? Como não ver que eles se reúnem em torno de um lugar privilegiado e amargo em que a esperança não tem vez? Quero que tudo me seja explicado, ou nada. E a razão é impotente diante do grito do coração. O espírito incitado por essa exigência procura e só encontra contradições ou despropósitos. O que não compreendo não tem razão. O mundo está todo ocupado por esses irracionais. Ele próprio, cuja significação não compreendo, não passa de um imenso irracional. Poder dizer uma só vez: “isso é claro”, e tudo estaria salvo. Mas esses homens insistentemente proclamam que não está nada claro, que tudo é caos, que o homem só conserva sua percepção e conhecimento preciso dos muros que o rodeiam.
Albert Camus (The Myth of Sisyphus and Other Essays)
Um bom jogador de xadrez está sinceramente convencido de que sua derrota decorre de um erro seu e então procura esse erro no início do jogo, mas esquece que a cada etapa, ao longo de toda partida, houve erros semelhantes e que nehum dos seus lances foi perfeito. O erro ao qual o jogador dirige sua atenção só lhe parece mais saliente porque o adversário tirou proveito dele. Bem mais complexo que isso é o jogo da guerra, que se passa em condições de tempo determinadas e onde não há uma vontade única que governa mecanismos inanimados, mas, ao contrário, tudo decorre de um conflito incalculável de vontades distintas.
Leo Tolstoy (War and Peace)
O principal é não mentir para si mesmo. Quem mente para si mesmo e dá ouvidos à própria mentira chega a um ponto em que não distingue nenhuma verdade nem em si, nem nos outros e, portanto, passa a desrespeitar a si mesmo e aos demais. Sem respeitar ninguém, deixa de amar e, sem ter amor, para se ocupar e se distrair entrega-se a paixões e a prazeres grosseiros e acaba na total bestialidade em seus vícios, e tudo isso movido pela contínua mentira para os outros e para si mesmo.
Fyodor Dostoevsky
Olho ao redor e vejo que muitos — não todos, mas muitos — problemas que temos poderiam ser sanados, se nossa cultura simplesmente fomentasse o hábito da leitura. Ler livros de ciência, filosofia, história. Ler literatura de qualidade, do tipo que nos toque por uma razão mais profunda, como, por exemplo, por ter algo a dizer para além das futilidades e miudezas da vida, mesmo quando retrata o ordinário da vida, ao mesmo tempo em que o diz com estilo, de um modo ímpar, admirável. Original. Porém, não somos um país de leitores. Somos o país do futebol transformado em culto, da malandragem elevada a virtude cardinal, do Carnaval tipo exportação. Um país onde há mais letras formando siglas partidárias do que em tudo o que muitos de nossos políticos já escreveram na vida. Um país onde ética se tornou mote para piadas. Onde a democracia não passa de um ridículo teatro de fantoches. Sim. Olho a meu redor e vejo que muitos problemas que temos poderiam ser sanados, tivéssemos o hábito da leitura. Mas nem sei se alguém está lendo estas palavras.
Camilo Gomes Jr.
NADA FAZ SENTIDO. Não procure sentido nas coisas. Eles não estão lá. É você que os atribui àquilo de que toma conhecimento ou que vivencia. Uma derrota ou uma conquista não são um recado dos deuses ou um ardil do destino. Não querem dizer coisa alguma — e, se parecem dizer, isso não passa de uma interpretação que você mesmo lhes dá —, já que, em si, as coisas são apenas indiferença e silêncio. Não perca, pois, seu tempo precioso à procura de sinais em tudo a seu redor. Busque interpretar os acontecimentos, aqueles que sangram e os que fazem sorrir, como experiências amadurecedoras. Ah, sim! E o mais importante: viva!
Camilo Gomes Jr.
-Você avança com a cabeça voltada para trás? - ou então: - O que você vê está sempre às suas costas? - ou melhor: - A sua viagem só se dá no passado? Tudo isso para que Marco Polo pudesse explicar ou imaginar explicar ou ser imaginado explicando ou finalmente conseguir explicar a si mesmo que aquilo que ele procurava estava diante de si, e, mesmo que se tratasse do passado, era um passado que mudava à medida que ele prosseguia a sua viagem, porque o passado do viajante muda de acordo com o itinerário realizado, não o passado recente ao qual cada dia que passa acrescenta um dia, mas um passado mais remoto. Ao chegar a uma nova cidade, o viajante reencontra um passado que não lembrava existir: a surpresa daquilo que você deixou de ser ou deixou de possuir revela-se nos lugares estranhos, não nos conhecidos. Marco entra numa cidade; vê alguém numa praça que vive uma vida ou um instante que poderiam ser seus; ele podia estar no lugar daquele homem se tivesse parado no tempo tanto tempo atrás, ou então se tanto tempo atrás numa encruzilhada tivesse tomado uma estrada em vez de outra e depois de uma longa viagem se encontrasse no lugar daquele homem e naquela praça. Agora, desse passado real ou hipotético, ele está excluído; não pode parar; deve prosseguir até uma outra cidade em que outro passado aguarda por ele, ou algo que talvez fosse um possível futuro e que agora é o presente de outra pessoa. Os futuros não realizados são apenas ramos do passado: ramos secos. - Você viaja para reviver o seu passado? - era, a esta altura, a pergunta do Khan, que podia ser formulada da seguinte maneira: - você viaja para reencontrar o seu futuro? E a resposta de Marco: - Os outros lugares são espelhos em negativo. O viajante reconhece o pouco que é seu descobrindo o muito que não teve e o que não terá. (p. 31-32)
Italo Calvino (Invisible Cities)
Tudo passa, passa para além do que se consegue viver; mas também há o que volta e aí reside minha preocupação.
Filipe Russo (Asfixia)
Quando uma pessoa leva a vida inteira à espera de uma coisa e depois a encontra, é como se tivesse havido um milagre. Todas as partes de nós ficam à espera, abrem-se e começam a voar. Antes podia-se estar bem, podia ser bom. Tinha-se um objetivo e um rumo e estava tudo bem. Mas depois passa a ser mais do que isso. E a pessoa não consegue explicar o que mudou, mas sabe que, se o perder, nunca mais conseguirá preencher da mesma maneira os espaços que ficaram vazios.
Nora Roberts (Key of Light (Key Trilogy, #1))
Se um turista chega a um mundo estranho, onde nem o aspecto exterior, nem a língua, nem os costumes lhe conseguem despertar reminiscências, esse mundo exerce sobre ele um encanto delicioso. Não surge tudo isso que se oferece nos seus olhos - paisagem, costumes e fala - para o seu particular deleite? Não se lhe oferecem todas as características pitorescas para que ele se divirta e tire fotografias? Mas se o mesmo turista se vê, de repente, forçado a permanecer nesse mundo estranho para ganhar o seu pão, o pitoresco torna-se-lhe ambiente quotidiano, os habitantes passam a ser os seus vizinhos, amigos e inimigos e o caso muda inteiramente de figura. O que lhe parecera insólito e exótico ergue-se qual muro espesso entre ele e tudo o que constitui a sua vida, e por muito tempo não passa dum homem à parte, um observador sempre prestes a comparar com este mundo o seu de outrora: um comparsa que, não chegando a pisar o palco, permanece nos bastidores. Por isso o turista é para o estrangeiro domiciliado o que o campista é para um homem que se instalou, de vez, numa cabana.
Ilse Losa (Sob Céus Estranhos)
O tempo resolve tudo, porque o tempo não resolve nada. Ele passa e mostra que os problemas só mudam de origem, de endereço ou de dono, mas perduram, resistem, continuam por aí. Em meio a isso, se as pessoas passaram e ainda passam tanto tempo de suas vidas temendo ou cultuando o Mal, como fosse uma coisa real, de fato existente, é apenas porque é verdade. É preciso entender. Resignar-se. O Mal existe. Existe e persiste. Imutável, invencível, eterno enquanto dura — e nisto nunca haverá poesia, pois não há alternativa, e os versos são sempre o caminho outro. O equívoco (pois há sim um grande equívoco) está só em pensar que o Mal exista fora de nós. Pois ali fora, quando o avistamos, ele não passa de reflexo de nossas entranhas projetado no mundo.
Camilo Gomes Jr. (Sombra)
Você não grita nem acorda. Não há terror, mesmo sendo aterrorizante: é assim que é. E pior ainda, não se trata de um sonho. Começa a amanhecer. Ou a anoitecer. Ninguém sabe quando passa o trem. Nem para onde vai. E não se leva nada. Isso é tudo que sabemos.
Caio Fernando Abreu (Pequenas Epifanias)
Não se anima a tocá-la, nem a dizer-lhe nada. Os corpos nus nem ao menos se roçam. A cada pequeno movimento, a cama protesta, range, geme. De qualquer maneira, se ela conhecesse a verdadeira história ou a loucura dos protestos, as coisas mudariam? Como? Já não há tempo para nada. Poderia dizer-lhe: 'Não é uma vingança pessoal, entende? Esta raiva coincide com a necessidade de vingança de milhões de homens, embora essa vingança não tenha ainda despertado. Entende?'. Poderia explicar-lhe que os companheiros caídos aparecem na sua frente o tempo todo. Poderia dizer-lhe que é preciso nadar para não se afogar, e que não existe outra maneira de fazê-lo nem de explicá-lo. Volto a lutar contra a corrente, poderia dizer isso, embora não veja ainda a costa. Embora nunca, nunca veja a costa. Há anos estou nisso, e devo a isso todos os anos que tenho pela frente. (...) Não vale a pena. Nem pedir a você que me espere, embora morra de vontade de pedir, voltarei para buscar você, não deixe de me esperar, nunca, logo, quando: voltarei e... chegarão outros homens, ela os amará: esta certeza passa por sua cabeça como uma sombra de asa de pássaro gigante, o mesmo com o qual havia sonhado. Passa por sua cabeça e dói. Calhorda - se acusa. Sente-se inútil. Tudo se faz tão difícil. Ir embora, é um dever ou um furto? Pensa: será difícil partir e duro viver sem você: matar você na memória, para que não doa. Poderei? E ela, como se tivesse escutado, pensa que sente ódio dele porque ele poderá.
Eduardo Galeano (Vagamundo)
Se você começar a estalar os dedos agora e estalá-los 98.463.077 vezes sem parar, o sol irá subir e se por, e o céu ficará escuro e a noite vai avançar, e todos estarão dormindo enquanto você continuar estalando os dedos até que, finalmente, um pouco depois do amanhecer, depois de contar o seu 98.463.077º estalar de dedos, você vai experimentar a sensação verdadeiramente íntima de estar consciente e saber exatamente como passou cada momento de um dia de sua vida.' [...] O experimento hipotético que havia proposto era extravagante, mas a premissa era simples. Tudo no universo está em constante mudança, nada fica igual, e nós precisamos compreender a rapidez com que o tempo passa se quisermos despertar e começar a viver realmente as nossas vidas. 'É isso que significa ser um ser-tempo', a velha Jiko me disse, e depois estalou mais uma vez os dedos tortos. 'Até que isso basta e você morre.
Ruth Ozeki (A Tale for the Time Being)
Vamos ser honesto, não existe e nem vai existir uma teoria científica competível com as teorias da religião. Imagine, uma teoria que explica tudo que você aprende com 12 anos de idade, e usa pelo resto da vida. Einstein dizia que uma boa teoria é aquela que explica para sua vó. Nenhum cientista conseguiu fazer isso, e nem vai. A teoria mestre ocupa a mente de cientistas brilhantes e nada de achar a solução da equação de Deus. Não temos como competir com religião, e pronto. Nossas teorias demandam tempo para criar, e tempo para entender. Cada teoria passa por muitas mãos, e um único cientista não consegue entender todas as teorias. Dependemos um do outro, e estamos sempre melhorando. O trabalho do anterior forma o trabalho do novo, e confiamos nos nossos predecessores. Nossas teorias ficam mais complicadas, e precisamos de computadores e muitas cientistas para resolver e entender. Nenhuma teoria compete com o criacionismo, nenhuma teoria científica é entendível por uma pessoa de 12 anos, a não ser que tenha um QI de 200. Para nós mortais, cada teoria é uma vida de estudos
Jorge Guerra Pires
O que peço a Deus com fervor é para dar conta. Pede também, filha. Pede para dar conta. A gente passa a vida pelejando com o dilema de existir ou desistir, com o que é bom e o que é ruim, certo ou errado, a morte e a vida. Essas coisas não se separam. O lugar que dói é o mesmo que sente arrepios. É no corpo, no amor e na liberdade de escolher as coisas que a gente fica inteiro ou despedaçado. Então, pede para a parte boa dar conta da parte ruim.
Carla Madeira (Tudo é Rio)
O amor tem nome, mas não é nada que a gente possa reconhecer só de olhar. [...]. Mas e o amor? O que é senão um monte de gostar? Gostar de falar, gostar de tocar, gostar de cheirar, gostar de ouvir, gostar de olhar. Gostar de se abandonar no outro. O amor não passa de um gostar de muitos verbos ao mesmo tempo.
Carla Madeira (Tudo é Rio)
Não tenho nada contra a sua religião, e menos ainda com seu posicionamento político. Você é livre para acreditar no que quiser, desde papai noel até políticos honestos. Contudo, não me veia esbravejando suas ideias distorcidas, perdendo a paciência quando me recurso a aceitar suas ideias sem pé nem cabeça. O mundo não se importa com suas ideias, as leis da física foram aprovadas muito antes mesmo dos seus berros, e ela não se assusta. Seus berros somente existem porque existem as leis da física, sua voz somente alcança seus seguidores porque temos as leis da física. Quando passa a multidão, eufórica, o terreno vira esterco, e nova vida surge. Sua religião não implica em impor nos demais seu Deus, seu posicionalmente político não implica em alinhamento de todos. Não me venha dizer que é tudo relativo, que não. Nosso universo possui leis, que não são relativas. Não me venha dizer que é tudo ponto de vista individual, que não. Fatos não dependem da sua opinião. Proponho uma reflexão, proponho um espaço entre uma esbravejada, e sua opinião sobre algo. ” O choro da razão
Jorge Guerra Pires (Ciência para não cientistas: como ser mais racional em um mundo cada vez mais irracional, vol. 1 (Bolsonarismo) (Inteligência Artificial, Democracia, e Pensamento Crítico) (Portuguese Edition))
Se soubesse que tudo que se passa em meus pensamentos, essa procissão de lembranças enquanto meu cabelo vai se tornando branco, serviria de coisa valiosa para quem quer que fosse, teria me empenhado em escrever da melhor forma que pudesse
Itamar Vieira Junior (Torto Arado)
Até então ele passara pela despreocupada idade da primeira juventude, uma estrada que na meninice parece infinita, onde os anos escoam lentos e com passo leve, tanto que ninguém nota a sua passagem. Caminha-se placidamente, olhando com curiosidade ao redor, não há necessidade de se apressar, ninguém empurra por trás e ninguém espera, também os companheiros procedem sem preocupações, detendo-se frequentemente para brincar. Das casas, a porta, a gente grande cumprimenta-se benigna e aponta para o horizonte com sorrisos de cumplicidade; assim o coração começa a bater por heroicos e suaves desejos, saboreia-se a véspera das coisas maravilhosas que aguardam mais adiante; ainda não se veem, não, mas é certo, absolutamente certo, que um dia chegaremos a elas. Falta muito? Não, basta atravessar aquele rio lá longe, no fundo, ultrapassar aquelas verdes colinas. Ou já não se chegou, por acaso? Não são talvez estas árvores, estes prados, esta casa branca o que procurávamos? Por alguns instantes tem-se a impressão que sim, e quer-se parar ali. Depois ouve-se dizer que o melhor está mais adiante, e retoma-se despreocupadamente a estrada. Assim, continua-se o caminho numa espera confiante, e os dias são longos e tranquilos, o sol brilha alto no céu e parece não ter mais vontade de desaparecer no poente. Mas a uma certa altura, quase instintivamente, vira-se para trás e vê-se que uma porta foi trancada às nossas costas, fechando o caminho de volta. Então sente-se que alguma coisa mudou, o sol não parece mais imóvel, desloca-se rápido, infelizmente, não dá tempo de olhá-lo, pois já se precipita nos confins do horizonte, percebe-se que as nuvens não estão mais estagnadas nos golfos azuis do céu, fogem, amontoando-se umas sobre as outras, tamanha é sua afoiteza; compreende-se que o tempo passa e que a estrada, um dia, deverá inevitavelmente acabar. A um certo momento batem às nossas costas um pesado portão, fecham-no a uma velocidade fulminante, e não há tempo de voltar. Será então como um despertar. Olhará à sua volta, incrédulo; depois ouvirá um barulho de passos vindo de trás, verá as pessoas, despertadas antes dele, que correm afoitas e o ultrapassam para chegar primeiro. Ouvirá a batida do tempo escandir avidamente a vida. Nas janelas não mais aparecerão figuras risonhas, mas rostos imóveis e indiferentes. E se perguntar quanto falta do caminho, ainda lhe apontarão o horizonte, mas sem nenhuma bondade ou alegria. Entretanto, os companheiros se perderão de vista, um porque ficou para trás, esgotado, outro porque desapareceu antes e já não passa de um minúsculo ponto no horizonte. Além daquele rio — dirão as pessoas —, mais dez quilômetros, e terá chegado. Ao contrário, não termina nunca, os dias se tornam cada vez mais curtos, os companheiros de viagem, mais raros, nas janelas estão apáticas figuras pálidas que balançam a cabeça. Então já estará cansado, as casas, ao longo da rua, terão quase todas as janelas fechadas, e as raras pessoas visíveis lhe responderão com um gesto desconsolado: o que era bom ficou para trás, muito para trás, e ele passou adiante, sem dar por isso. Ah, é demasiado tarde para voltar, atrás dele aumenta o fragor da multidão que o segue, impelida pela mesma ilusão, mas ainda invisível, na branca estrada deserta. Ai, se pudesse ver a si mesmo, como estará um dia, lá onde a estrada termina, parado na praia do mar de chumbo, sob um céu cinzento e uniforme, sem nenhuma casa ao redor, nenhum homem, nenhuma árvore, nem mesmo um fio de erva, tudo assim desde um tempo imemorável.
Dino Buzzati (Il Deserto dei Tartari e Dodici Racconti)
Lemos livros que nos divertem, mas têm pouca relevância para nossas vidas diárias. Temos ideais sublimes que não colocamos em prática. Temos experiências tão ricas que não analisamos o suficiente, que não nos inspiram ideias, cujas lições ignoramos. E estratégia requer um contato constante entre os dois reinos. É conhecimento prático em sua forma mais elevada. Os acontecimentos na vida nada significam como você vive. Na estratégia, tudo na vida é um jogo que você está jogando. Este jogo é excitante, mas também exige profunda e séria atenção. As apostas são altas. O que você sabe precisa ser traduzido em ação, e ação precisa ser traduzida em conhecimento. Deste modo, a estratégia passa a ser um desafio para a vida inteira e fonte de constante prazer na superação de dificuldades e solução de problemas.
Robert Greene (33 estratégias de guerra: Aprenda com as batalhas da história e vença os desafios cotidianos (Portuguese Edition))
A gente passa a adolescência inteira enclausurado no armário e, quando finalmente consegue se assumir, quer viver tudo o que era impossível nos anos de escola.
Vitor Martins (Escrito em algum lugar)
Muita coisa acontece no nosso diminuto dia a dia, tudo sempre obedecendo à mesma rotina. [...] E, a cada dia que passa, aumenta o desejo pelo momento em que a vida chegará ao topo, o momento em que as comportas se abrem e ela enfim toma seu rumo.
Karl Ove Knausgård (Min kamp 1 (Min kamp, #1))
Tudo o que amamos, tudo o que é belo, passa.
Rubem Alves (Se eu pudesse viver minha vida novamente (Portuguese Edition))
Sabe, minha filha, Deus não criou ninguém menos. Embora existam diferentes níveis de evolução e alguns estejam mais conscientes do que outros, a essência divina está em todas as pessoas. As leis dos homens podem ser falhas, mas as leis universais funcionam igualmente para todos. Você tem tanto poder quanto aqueles que têm sorte. Depende da maneira como enxerga a vida. — Não consigo enxergá-la de maneira positiva. Depois do acidente, fiquei traumatizada. — Você ficou parada em um momento que, por mais doloroso que tenha sido, passou. Tudo passa, minha filha, seja sofrimento ou alegria. O interessante é que o sofrimento passa e deixa tristeza em nossa alma. A alegria passa, mas deixa um rastro de força, de revigoramento, de certeza de que fomos criados para a felicidade.
Marcelo Cesar (O que Importa é o Amor (Portuguese Edition))
Oh, sim, uma pessoa nunca é o que é - não de todo, não exactamente quando está só e vive no estrangeiro e fala sem cessar uma língua que não é a a sua ou aquela com que começou a falar. Por muito que o tempo de ausência se prolongue e não se vislumbre o seu termo porque não foi fixado desde o início ou se diluiu e não está já previsto, e além disso não haja razões para pensar que um dia possa haver ou divisar-se esse termo e o consequente regresso (o regresso ao antes que não terá esperado), e assim a palavra «ausência» perca sentido e enraizamento e força a cada hora que passa e que se passa longe e então também esta mesma outra palavra, «longe», os perde, esse tempo da nossa ausência vai-se-nos acumulando como um estranho parênteses que no fundo não conta nem nos alberga a não ser como fantasmas comutáveis sem marca, e do qual portanto tão-pouco temos de prestar contas a alguém, nem sequer a nós (ou pelo menos não pormenorizadas, nunca completas). Uma pessoa sente-se até certo ponto irresponsável pelo que faz ou presencia, como se tudo pertencesse a uma existência provisória, paralela, alheia ou emprestada, fictícia ou quase sonhada - ou talvez seja teórica como toda a minha vida, segundo a informação sem assinatura do velho ficheiro que me dizia respeito; como se tudo pudesse ser relegado para a esfera do apenas imaginado e nunca ocorrido, e decerto do involuntário; tudo metido no saco das figurações e das suspeitas e hipóteses, e até no dos meros e desatinados sonhos, acerca dos quais houve um insólito e quase permanente e universal consenso ao longo de todos os séculos de que há memória, conjecturada ou histórica, fabulada ou certa: não dependem da intenção daquele que sonha e este nunca é culpado do seu conteúdo. (...) A ideia que surgiu do onírico fica amiúde descartada ou invalidada por isso mesmo, pela sua proveniência titubeante e obscura, pela sua nublada origem nos fumos, mas nem sempre desaparece quando a consciência regressa, pelo contrário esta recolhe-a e por vezes até a nutre, e assim também convive com aquilo que não foi ela a gerar; admite-o no seu seio e nele cria-o, dá-lhe figura e até nome, e integra-o no seu mundo controlado e diurno mesmo rebaixando-o de categoria, atribuindo-lhe um carácter venial e encarando-o com paternalismo, como se todo o sonho sobrevivente na luz tivesse por força de ser acompanhado pelo comentário irónico de Sir Peter Wheeler quando se retirou por fim, escadas acima e para a esquerda, na noite de sábado do seu jantar buffet: «Que disparate» (...) Mas com toda essa condescendência em relação aos disparates, aprendi a temer não só tudo o que ocorre ao pensamento como o que o pensamento ainda ignora, porque vi quase sempre que tudo já estava ali, num sítio qualquer, antes de chegar a este ou cruzá-lo. Aprendi a temer, portanto, não só o que se concebe, a ideia, como o que a antecede ou lhe é prévio. De um modo semelhante aos simulacros e sonhos, percebemos e vivemos esse tempo entre parênteses da nossa ausência e tudo quanto nele está envolvido: as nossas façanhas ou crimes e todos os actos próprios e alheios; não só os que cometemos ou sofremos, também os que presenciamos ou provocamos, sem querer ou querendo; e nele nunca nada é demasiado sério, é o que pensamos.
Javier Marías (Dance and Dream (Your Face Tomorrow, #2))
Existe uma corrente que passa através de tudo. Ela é a base do Universo, existe em todo o seu mundo físico. Alguns têm conhecimento dessa Energia, mas a maioria dos seres humanos a desconhece. No entanto, todos são afetados por ela.
Esther Hicks (Peça e será atendido: Aprendendo a manifestar seus desejos)
A morte é um encontro consigo. Deitada, morta, era tão grande como um cavalo morto. O melhor negócio é ainda o seguinte: não morrer, pois morrer é insuficiente, não me completa, eu que tanto preciso. Macabéa me matou. Ela estava enfim livre de si e de nós. Não vos assusteis, morrer é um instante, passa logo, eu sei porque acabo de morrer com a moça. Desculpai-me esta morte. É que não pude evitá-la, a gente aceita tudo porque já beijou a parede. Mas eis que de repente sinto o meu último esgar de revolta e uivo: o morticínio dos pombos!!! Viver é luxo. Pronto, passou
Clarice Lispector
A dor a gente sabe o que é, tem lugar e intensidade que cabem na ciência. A raiva, o medo, o ódio entortam a cara com um jeito provável de se manifestar. Mas e o amor? O que é senão um monte de gostar? Gostar de falar, gostar de tocar, gostar de cheirar, gostar de ouvir, gostar de olhar. Gostar de se abandonar no outro. O amor não passa de um gostar de muitos verbos ao mesmo tempo.
Carla Madeira (Tudo é Rio)
e o amor? O que é senão um monte de gostar? Gostar de falar, gostar de tocar, gostar de cheirar, gostar de ouvir, gostar de olhar. Gostar de se abandonar no outro. O amor não passa de um gostar de muitos verbos ao mesmo tempo. No
Carla Madeira (Tudo é Rio)
(...) e este era um terrível facto da vida: o tempo passa, tudo passa. Até a dor passa. Depois de nos devorar as entranhas, de destruir uma parte da nossa alma, faz as malas e parte para outras paragens.
Helena Magalhães (Raparigas como nós (Portuguese Edition))
Fiquei a olhar durante algum tempo para a cabra e para os amantes absortos, e depois fui até ao cais, onde um velho marinheiro idiota, de barba branca, estava sentado com os pés dentro de água. O seu olhar fixo num Argos distante era o de um homem que esperava avistar o velo de ouro. Na sua solidão, no seu sonho de amor ou de ausência de amor, os que se perdem vão sempre ter à beira de água. Na imensa deriva da noite, o estertor da agonia dos aflitos é abafado pelo rumor da mais pequena ondulação. O espírito, vazio de tudo, excepto do rumor das ondas, serena. Rolando com as águas, a alma até então atormentada desdobra as asas. As águas da terra! Que nivelam, sustentam, reconfortam! Águas baptismais! A seguir à luz, são elas o elemento mais misterioso da criação. Tudo passa com o tempo. As águas ficam.
Henry Miller
As faíscas vêm diretamente da fonte de luz e são feitas de uma pura claridade, é o que dizem as lendas mais antigas. Quando um ser humano está para nascer, a faísca começa a cair. Primeiro passa pela escuridão do espaço sideral, depois pelas galáxias e enfim, antes de cair aqui, na Terra, é rebatida, coitada, pelas órbitas dos planetas. Cada um deles contamina a faísca com alguns atributos, e ela escurece e vai se apagando. Primeiro, Plutão traça os marcos dessa experiência cósmica e revela suas regras básicas — a vida é um acontecimento instantâneo, seguido pela morte, que um dia permitirá que a faísca se liberte da armadilha; não há outra saída. A vida é uma espécie de campo de manobras experimentais muito exigente. A partir desse momento, tudo o que você fizer contará, cada pensamento e cada ato. No entanto, eles não servirão para te castigar ou premiar depois, mas porque constituirão seu mundo. Assim funciona essa máquina. Mais tarde, ao cair, a faísca atravessa a faixa de Netuno e se perde em seus vapores nebulosos. Netuno lhe dá, como uma espécie de consolação, todas as ilusões, a sonâmbula memória da saída, sonhos de voar, fantasias, narcóticos e livros. Urano dota da capacidade de se rebelar, e a partir de então será a prova da memória das origens da faísca. Quando ela passa pelos anéis de Saturno, se torna claro que, no fundo, a prisão espera por ela. Um campo de trabalho, hospital, regras e formulários, um corpo doente, uma doença letal, a morte de uma pessoa querida. No entanto, Júpiter lhe oferece consolo, dignidade e otimismo, um belo presente: tudo-dará-certo. Marte acrescenta força e agressividade, que certamente serão úteis. Passando junto do Sol, fica ofuscada, de sua vasta e antiga consciência, resta apenas um pequeno e minúsculo Eu, separado de tudo. E assim será a partir de então. Imagino isso da seguinte maneira: um pequeno dorso, um ser aleijado com as asas arrancadas, uma mosca atormentada por crianças cruéis; quem sabe como ela sobreviverá nas trevas. Glória às deusas, graças a elas agora Vênus barra o caminho da queda. A faísca recebe dela o dom do amor, de uma pura compaixão, a única coisa que pode salvar a ela mesma e às outras faíscas; graças aos dons de Vênus poderão se apoiar e se unir. Um pouco antes da queda, passa ainda por um planeta estranho e pequeno que lembra um coelho hipnotizado, que não gira em torno de seu próprio eixo, mas se move velozmente, encarando o Sol — é Mercúrio. Ele lhe dá a língua, a capacidade de se comunicar. Passando pela Lua, recebe dela algo tão intangível como a alma. Só então é que cai na Terra e imediatamente se reveste de um corpo. Humano, animal ou vegetal. É assim que as coisas funcionam.
Olga Tokarczuk (Drive Your Plow Over the Bones of the Dead)
Mas que nos importava que aquele astro além se chamasse Sírio e aquele outro Aldebarã? Que lhes importava a eles que um de nós fosse Jacinto, outro Zé? Eles tão imensos, nós tão pequeninos, somos a obra da mesma Vontade. E todos, Uranos ou Lorenas de Noronha e Sande, constituímos modos diversos de um Ser único, e as nossas diversidades esparsas somam na mesma compacta Unidade. Moléculas do mesmo Todo, governadas pela mesma Lei, rolando para o mesmo Fim... Do astro ao homem, do homem à flor do trevo, da flor do trevo ao mar sonoro - tudo é o mesmo Corpo, onde circula, como um sangue, o mesmo Deus. E nenhum frémito de vida, por menor, passa numa fibra desse sublime Corpo, que não se repercuta em todas, até as mais humildes, até as que parecem inertes e invitais. Quando um sol que não avisto, nunca avistarei, morre de inanição nas profundezas, esse esguio galho de limoeiro, em baixo na horta, sente um secreto arrepio de morte - e, quando eu bato uma patada no soalho de Tormes, além o monstruoso Saturno estremece, e esse estremecimento percorre o inteiro Universo! Jacinto bateu rijamente a mão no rebordo da janela. Eu gritei: - Acredita!... O Sol tremeu.
Eça de Queirós
Deixe para trás o que já se passou. Desapegue-se de tudo o que se passa neste dia. Abandone o anseio pelo que ainda está por vir. É assim que se pode atravessar até a outra margem da existência. Com a sua mente enfim liberta, você já não terá a necessidade de voltar a mergulhar no rio revolto do mundo.
Anonymous (Dhammapada: O Caminho do Darma)