Porto Cidade Quotes

We've searched our database for all the quotes and captions related to Porto Cidade. Here they are! All 7 of them:

Uma cidade corresponde sempre às impressões de um forasteiro. Os domiciliados já não conseguem ter impressão alguma.
Ilse Losa (Sob Céus Estranhos)
Mudanças, novos bairros onde circulo como um estrangeiro, renovando meu interesse pela cidade. Já faz algum tempo, Barracas, os velhos prédios da fábrica – por exemplo, a da Bagley –, tão abundante por aqui, junto com os armazéns próximos do porto velho, que dão nome ao bairro. Também fica perto o parque Lezama, que tem uma atmosfera serena, com alguns velhos bares e restaurantezinhos muito agradáveis. Sempre faço a experiência de ficar sem dinheiro e conhecer a cidade a pé, procurando locais baratos, viajando de ônibus, uma experiência mais direta, mais conflituosa, não mediada pela qualidade mágica do dinheiro que alivia todo desconhecimento da realidade, porque quando tudo pode ser comprado não há enigmas.
Ricardo Piglia (Anos de Formação: Os Diários de Emilio Renzi (Os Diários de Emilio Renzi, Livro 1))
— Me lembrei de uma coisa inventada por Salvador Dalí — A Coisa era um pão. Sairia no jornal com manchete assim: “O Inevitável Aconteceu — A Descoberta do Pão”. Um pão monumental, exatamente igual a um pão-francês comum. A diferença estaria no tamanho: mediria dois metros de comprimento. O pão era encontrado na rua, levariam para a polícia. Estará envenenado? Conterá explosivo? Propaganda política? Os comunistas, o pão-para-todos? Anúncio de padaria? Os jornais comentavam e discutiam o que fazer do pão. Era só o assunto ir esfriando, e um pão maior ainda, de cinco metros, amanhecia atravessado no Viaduto. Toda a cidade empolgada com o mistério, a polícia desorientada, o pão analisado nos laboratórios. E continuava o problema: que fazer com ele? Para despistar, um de nós escrevia um artigo sugerindo que fosse cortado em milhares de pedaços e doado à Casa do Pequeno Jornaleiro. No Rio, em São Paulo, Recife, Porto Alegre começavam a aparecer pães, cada vez maiores, nos lugares públicos. Eram os membros de uma sociedade secreta já fun- dada, a Sociedade do Pão, que começavam a trabalhar. E um dia surgiria outro pão gigantesco em Roma, outro em Londres, outro em Nova Iorque. A humanidade deixaria de se preocupar com seus problemas, as guerras seriam esquecidas, até que resolvessem o mistério do pão. Era a vitória pelo Terror. — Você já pensou no tamanho do forno para assar esse pão? — Isso não é problema para nós: a idéia é de Salvador Dali, que, aliás, é um vigarista. — É uma besta. — Falso terrorista. — Abaixo Dali
Fernando Sabino (O Encontro Marcado)
Isto é pra quando você vier e sentir o temor de continuar procurando, mesmo já tendo ido longe demais. Ele deve ter lhe falado dos portos que visitou, do que viu pelo mundo, sempre um pouco mais além numa busca sem fim e circular; e do que trouxe para casa, não os objetos que passaram a assombrar a mãe depois da sua morte, mas o que lhe marcou os olhos para sempre, deixando-lhe aquela expressão que ele tentava disfarçar em vão e que eu apreendi quando chegou a Carolina na distração do seu cansaço, os olhos que traziam o que ele tinha visto pelo mundo, a morte de um ladrão a chibatadas numa cidade da Arábia, o terror de um menino operado pelo próprio pai, a entrega dos que lhe pediam que os levasse com ele, para onde quer que fosse, como se dele esperassem a salvação. Ele me disse que ninguém pode imaginar a tristeza e o horror de ser tomado como salvação por quem prefere se entregar sem defesas ao primeiro que aparece, quem sabe um predador, a ter que continuar onde está. E eu imaginei. Ao contrário de você, a única coisa que ainda me pergunto é sobre o momento em que ele entendeu que estava perdido, quando passou a sentir que alguém pudesse ver nele a salvação, o momento em que entendeu que tudo podia ser ainda muito pior e que havia gente abaixo dele na sua escala de aviltamento. Porque talvez tenha sido esse o instante em que ele decidiu que desceria também, sempre um pouco mais, nem que fosse para lhes dar a mão. E quando precisou que eu lhe estendesse a minha, já não estava ao meu alcance. Penso em como são formadas as personalidades peculiares. Se são como as outras, se são como nós. O que pode ter passado um homem na infância para trazer uma cicatriz daquelas na barriga? Que espécie de sofrimento o pôs em sintonia com um mundo pior que o seu?
Bernardo Carvalho (Nine Nights)
Na última noite de lua cheia, tomamos a Brenantina, é esse o nome do nosso barco, e partimos da enseada de Brenan, no porto de Brenan, na cidade de Brenan I; cruzamos ao romper do dia o canal de Brenan; passamos junto ao terceiro rochedo de Brenan, para além do farol de Brenan, ao meio-dia avistamos o atol de Brenan, no meio do mar de Brenan. Em Brenan, tudo é Brenan!
Malba Tahan (A Caixa do Futuro)
Naquele tempo, à noite, Luanda inteira cheirava a jinguba (amendoim), pois era com óleo extraído das sementes desta planta que se iluminavam as ruas. Fradique dizia que as cidades, como as mulheres, se podiam distinguir pelo odor. Os portos da África ocidental francesa, dizia ele, cheiram fortemente a cebola frita em manteiga, mistura que os jovens friccionavam no corpo como se fosse um perfume; o Rio de Janeiro cheira a goiabas maduras, e Lisboa a sardinha, manjerico e deputados. Arcénio de Carpo pai lembrou que no Sul de Angola, entre os cuamatos, as mulheres untam os cabelos com esterco de vaca, e que esse cheiro representa para elas a mais delicada fragrância.
José Eduardo Agualusa (Nação Crioula)
A prece no sertão é sublime. Parece que Deus deve ser mais visível no espetáculo maravilhoso de criação. Crer-se-ia ali que cada folha, cada brisa, cada volátil murmura seu nome em místico segredar, cada gota espelha sua imensidade. Quantas vezes o homem, a sós, no regaço da floresta, não ouve ruídos indefiníveis, que ele não pode adunar no espírito a coisa alguma conhecida? Ora suave cicio como a nota de uma harpa eólia a lhe prurir a alma; ora um som profundo e misterioso a premar-lhe o anélito no lábio? Sempre como uma voz que faz vibrar-lhe as fibras do sensório, uma por uma, chamando-o a cogitações transcendentes sobre imaterial? Quem fala nas solidões? De onde vem o mistério que recolhe a alma nas mais recônditas dobras de sua essência? Por que essa espécie de respeito, melancolia e terror, que nos possui sob o pavilhão viridante das selvas? Não será a intuição do infinito? O mesmo fenômeno moral que observamos nos vastos plainos do mar, quando aos pés temos os abismos imperscrutáveis das águas, e sobre a fronte os abismos sem fim do firmamento? Por isso, cremos que não há templo onde a oração seja mais sincera e mais ouvida. Em nossas cidades, estábulos em que se embotam as santas Crenças e os ternos sentimentos, o lábio balbucia geralmente o que não sente o coração. Dos fiéis que enchem o recinto de uma igreja, poucos rezam com unção, os mais satisfazem as conveniências sociais, cumprindo automaticamente as fórmulas de uma etiqueta. O culto das cidades, nos tempos que vão, é uma mentira, uma profanação, conseqüentemente.
Apolinário Porto-Alegre (O Vaqueano)