“
- Falhamos a vida, menino!
- Creio que sim... Mas todo o mundo mais ou menos a falha. Isto é, falha-se sempre na realidade aquela vida que se planeou com a imaginação. Diz-se: «vou ser assim, porque a beleza está em ser assim». E nunca se é assim, é-se invariavelmente assado, como dizia o pobre marquês. Ás vezes melhor, mas sempre diferente.
”
”
Eça de Queirós (Os Maias)
“
Nada desejar e nada recear... Não se abandonar a uma esperança - nem a um desapontamento. Tudo aceitar o que vem e o que foge, com a tranquilidade com que se acolhem as naturais mudanças de dias agrestes e de dias suaves.
”
”
Eça de Queirós (Os Maias)
“
Aos políticos: «menos liberalismo e mais carácter»; aos homens de letras: «menos eloquência e mais ideia»; aos cidadãos em geral: «menos progresso e mais moral».
”
”
Eça de Queirós (Os Maias)
“
É extraordinário! Neste abençoado país todos os políticos têm «imenso talento». A oposição confessa sempre que os ministros, que ela cobre de injúrias, tem, à parte os disparates que fazem, um «talento de primeira ordem»! Por outro lado a maioria admite que a oposição, a quem ela contantemente recrimina pelos disparates que fez, está cheia de «robustíssimos talentos»! De resto todo o mundo concorda que o país é uma choldra. E resulta portanto este facto supracómico: um país governado «com imenso talento», que é de todos na Europa, segundo o consenso unânime, o mais estùpidamente governado! Eu proponho isto, a ver: que, como os talentos sempre falham, se experimentem uma vez os imbecis!
”
”
Eça de Queirós (Os Maias)
“
Assim acontece com as estrelas de acaso! Elas não são de uma essência diferente, nem contêm mais luz que as outras: mas, por isso mesmo que passam fugitivamente e se esvaem, parecem despedir um fulgor mais divino, e o deslumbramento que deixam nos olhos é mais perturbador e mais longo...
”
”
Eça de Queirós (Os Maias)
“
- Com mil raios! - exclamou de repente o Cruges, saltando de dentro da manta, com um berro que emudeceu o poeta, fez voltar Carlos na almofada, assustou o trintanário.
O break parara, todos o olhavam suspensos; e, no vasto silêncio da charneca, sob a paz do luar, Cruges, sucumbindo, exclamou:
- Esqueceram-me as queijadas!
”
”
Eça de Queirós (Os Maias)
“
O português nunca pode ser homem de ideias, por causa da paixão da forma. A sua mania é fazer belas frases, ver-lhes o brilho, sentir-lhes a música. Se for necessário falsear a ideia, deixa-la incompleta, exagera-la, para a frase ganhar em beleza, o desgraçado não hesita... Vá-se pela água abaixo o pensamento, mas salve-se a bela frase.
”
”
Eça de Queirós (Os Maias)
“
- Sintra não são pedras velhas, nem coisas góticas... Sintra é isto, uma pouca de água, um bocado de musgo... Isto é um paraíso!...
”
”
Eça de Queirós (Os Maias)
“
Se não aparecerem mulheres, importam-se, que é em Portugal para tudo o recurso natural. Aqui importa-se tudo. Leis, ideias, filosofias, teorias, assuntos, estéticas, ciências, estilos, indústrias, modas, maneiras, pilhérias, tudo nos vem em caixotes pelo paquete. A civilização custa-nos caríssima, com os direitos de alfândega:e é tudo em segunda mão, não foi feita para nós, fica-nos curta nas mangas...
”
”
Eça de Queirós (Os Maias)
“
- O quê!? Se tinha intenção de ofender o Dâmaso quando o ameacei de lhe arrancar as orelhas? De modo nenhum: tinha só intenção de lhe arrancar as orelhas!
”
”
Eça de Queirós (Os Maias)
“
colava o seu belo seio contra o peito dele; as suas mãos corriam-lhe os braços numa carícia lenta e quente, dos pulsos aos ombros; depois, com um lindo olhar, estendia-lhe os lábios. Pedro colhia neles um longo beijo, e ficava consolado de tudo
”
”
Eça de Queirós (Os Maias)
“
- Carlinhos da minha alma, é inútil que ninguém ande à busca da «sua mulher», e necessariamente tem de a encontrar. Tu estás aqui, na Cruz dos Quatro Caminhos, ela está talvez em Pequim: mas tu, aí a raspar o meu repes com o verniz dos sapatos, e ela a orar no templo de Confúcio, estais ambos insensivelmente, irresistivelmente, fatalmente, marchando um para o outro!...
”
”
Eça de Queirós (Os Maias)
“
Eu, palavra, gosto do Ega! Lá essas coisas de realismo e romantismo, histórias... Um lírio é tão natural como um percevejo... Uns preferem fedor de sargeta; perfeitamente, destape-se o cano publico... Eu prefiro pós de marechala num seio branco; a mim o seio, e, lá vai à vossa. O que se quer, é coração. E o Ega tem-no. E tem faisca, tem rasgo, tem estilo... Pois, assim é que eles se querem, e, lá vai à saúde do Ega!
”
”
Eça de Queirós (Os Maias)
“
Meninos, nada regenera uma nação como uma medonha tareia...
”
”
Eça de Queirós (Os Maias)
“
- Distingamos! Chafurdo por necessidade, como político: e troço por gosto, como artista!
”
”
Eça de Queirós (Os Maias)
“
- Diabo levem as mulheres, e a vida, e tudo!...
”
”
Eça de Queirós (Os Maias)
“
a renda que pediu o velho Vilaça, procurador dos Maias, pareceu tão exagerada a Monsenhor, que lhe perguntou sorrindo se ainda julgava a Igreja nos tempos de Leão X. Vilaça respondeu - que também a nobreza não estava nos tempos do Sr. D. João V.
”
”
Eça de Queirós (Os Maias)
“
Ainda têm um pedaço de pão e manteiga para lhe barrar por cima
”
”
Eça de Queirós (Os Maias)
“
Então Palma aconselhou um grande passo.
- Vá você lá dentro, Silveira, entre pelo quarto, e assim sem mais nem menos, chegue-se ao pé dela...
- E tapona? - perguntou Cruges, muito seriamente...
”
”
Eça de Queirós (Os Maias)
“
Ser ilhéu era isso mesmo: poder voar sem ter asas, só por vislumbrar o oceano; poder respirar fundo sem esforço, só por sentir o cheiro das criptomérias por perto. Mas ser ilhéu naquelas ínsulas dos Açores era bem mais que isso. Era também poder pisar a areia fina e cinzenta das praias e abrir os braços para as montanhas que a cuspiram, virar-lhes as costas e agora abraçar o mar imenso, bom e mau, calmo e tempestuoso, límpido e espumoso, dependendo da sua fúria ou da sua serenidade, dependendo do que a Mãe – aquela Natureza – lhe fazia sentir, tal qual um ser vivo, com o mesmo sentir de um animal. Tudo é vivo, tudo respira!
”
”
Pedro Almeida Maia (Bom Tempo no Canal: A Conspiração da Energia (John Mello, #1))
“
Enfim, exclamou o Ega, se não aparecerem mulheres, importam-se, que é em Portugal para tudo o recurso natural. Aqui importa-se tudo. Leis, ideias, filosofias, teorias, assuntos, estéticas, ciências, estilo, indústrias, modas, maneiras, pilhérias, tudo nos vem em caixotes pelo paquete. A civilização custa-nos caríssima com os direitos da alfândega: e é em segunda mão, não foi feita para nós, fica-nos curta nas mangas...
”
”
Eça de Queirós (Os Maias)
“
-Falhamos a vida, menino!
- Creio que sim...Mas todo o mundo mais ou menos a falha. Isto é, falha-se sempre na realidade aquela vida que se planeou com a imaginação. [...] E nunca se é assim [...] Às vezes melhor, mas sempre diferente.
”
”
Eça de Queirós (Os Maias)
“
- Falhámos a vida, menino! - Creio que sim... Mas todo o mundo mais ou menos a falha. Isto é falha-se sempre na realidade aquela vida que se planeou com a imaginação. Diz-se: «vou ser assim, porque a beleza está em ser assim». E nunca se é assim, é-se invariavelmente assado, como dizia o pobre marquês. Ás vezes melhor, mas sempre diferente.
”
”
Eça de Queirós (Os Maias)
“
- Então que lhe ensinava você, abade, se eu lhe entregasse o rapaz? Que se não deve roubar o dinheiro das algibeiras, nem mentir, nem maltratar os inferiores, por que isso é contra os mandamentos da lei de Deus, e leva ao inferno, hein? É isso?... - Há mais alguma coisa... - Bem sei. Mas tudo isso que você lhe ensinaria que se não deve fazer, por ser um pecado que ofende a Deus, já ele sabe que se não deve praticar, por que é indigno dum cavalheiro e dum homem de bem... - Mas, meu senhor... - Ouça abade. Toda a diferença é essa. Eu quero que o rapaz seja virtuoso por amor da virtude e honrado por amor da honra; mas não por medo ás caldeiras de Pero Botelho, nem com o engodo de ir para o reino do céu...
”
”
Eça de Queirós (Os Maias)
“
Qual clássicos! O primeiro dever do homem é viver. E para isso é necessário ser são, e ser forte. Toda a educação sensata consiste nisto: criar a saúde, a força e os seus hábitos, desenvolver exclusivamente o animal, armá-lo duma grande superioridade física. Tal qual como se não tivesse alma. A alma vem depois... A alma é outro luxo. É um luxo de gente grande...
”
”
Eça de Queirós (Os Maias)
“
E não era a primeira vez que tinha destes falsos arranques de amor, ameaçando absorver, pelo menos por algum tempo, todo o seu ser e resolvendo-se em tédio, em "seca". Eram como os fogachos de pólvora sobre uma pedra; uma fagulha ateia-os, num momento tornam-se chama veemente que parece que vai consumir o Universo, e por fim fazem apenas um rastro negro que suja a pedra. Seria o seu um desses corações de fraco, moles e flácidos, que não podem conservar um sentimento, o deixam fugir, escoar-se pelas malhas de um tecido reles?
”
”
Eça de Queirós (Os Maias)
“
- Que pena que isto não pertença a um artista! murmurou o maestro. Só um artista saberia amar estas flores, estas árvores, estes rumores... Carlos sorriu. Os artistas, dizia ele, só amam na natureza os efeitos de linha e cor; para se interessar pelo bem-estar de uma tulipa, para cuidar de que um craveiro não sofra sede, para sentir magoa de que a geada tenha queimado os primeiros rebentões das acácias - para isso só o burguês, o burguês que todas as manhãs desce ao seu quintal com um chapéu velho e um regador, e vê nas árvores e nas plantas uma outra família muda, por que ele é também responsável...
”
”
Eça de Queirós (Os Maias)
“
Depois Carlos, outra vez sério, deu a sua teoria da vida, a teoria definitiva que ele deduzira da experiência e que agora o governava. Era o fatalismo muçulmano. Nada desejar e nada recear... Não se abandonar a uma esperança – nem a um desapontamento. Tudo aceitar, o que vem e o que foge, com a tranquilidade com que se acolhem as naturais mudanças de dias agrestes e de dias suaves. E, nesta placidez, deixar esse pedaço de matéria organizada que se chama o Eu ir-se deteriorando e decompondo até reentrar e se perder no infinito Universo... Sobretudo não ter apetites. E, mais que tudo, não ter contrariedades.
”
”
Eça de Queirós (Os Maias)
“
- Então, Cohen, diga-nos você, conte-nos cá... O empréstimo faz-se ou não se faz? E acirrou a curiosidade, dizendo para os lados, que aquela questão do empréstimo era grave. Uma operação tremenda, um verdadeiro episódio histórico!... O Cohen colocou uma pitada de sal à beira do prato, e respondeu, com autoridade, que o empréstimo tinha de se realizar absolutamente. Os emprestamos em Portugal constituíam hoje uma das fontes de receita, tão regular, tão indispensável, tão sabida como o imposto. A única ocupação mesmo dos ministérios era esta - cobrar o imposto e fazer o empréstimo. E assim se havia de continuar... Carlos não entendia de finanças: mas parecia-lhe que, desse modo, o país ia alegremente e lindamente para a banca-rota.
”
”
Eça de Queirós (Os Maias)
“
Pedro da Maia amava! Era um amor à Romeu, vindo de repente numa troca de olhares fatal e deslumbradora, uma dessas paixões que assaltam uma existência, a assolam como um furacão, arrancando a vontade, a razão, os respeitos humanos e empurrando-os de roldão aos abismos.
”
”
Eça de Queirós (Os Maias)
“
Tinha-se troçado muito a sua ideia, apresentada na Gazeta Medica, a prevenção das epidemias pela inoculação dos vírus. Consideravam-no um fantasista. E
”
”
Eça de Queirós (Os Maias)
“
Encurvados aos pés de um Cristo irado cheio de juízo e de fúria, eles apontam suas Bíblias como quem aponta uma pistola. Falam de almas perdidas, mas desejam o sangue e as vísceras. Revestem-se de uma autoridade divina que insistem ter recebido de Deus e falam em línguas estranhas, uma espécie de idioma sobrenatural que somente os escolhidos podem compreender. Tudo o que não está debaixo desse manto divino é maldito e condenado nos séculos vindouros a um inferno setorizado.
”
”
Ana Paula Maia (Enterre seus mortos)
“
Os Açores não são quatro estações num dia, são nove, todo o ano.
”
”
Pedro Almeida Maia (Nove Estações)
“
Aperaltou-se e desceu para um petit-déjeuner que libertasse o estômago da insuficiência matinal. Encheu dois pratos com pão caseiro, bolos lêvedos e torras de milho, para depois barrar com manteiga, doce de capucho e queijo fresco. Atestou a chávena com thé da Gorreana e misturou açúcar de beterraba. No fim do banquete, fechou os olhos para morder uma Queijada da Vila, quando a surpresa sentou-se à mesa.
”
”
Pedro Almeida Maia (Nove Estações)
“
Também conhecida por Ilha do Sol, a primeira ilha a ser oficialmente descoberta pelos navegadores portugueses brindava-os com uma estação mesclada, uma espécie de Primavera outonada. O ar morno e húmido bafejava debaixo de um engarrafamento de nuvens indecisas.
”
”
Pedro Almeida Maia (Nove Estações)
“
Dizem que a Terceira é a Ilha Lilás por culpa dos lilases. Os entendidos dizem Syringa vulgaris, mas os terceirenses consideram-na uma flor muito longe do vulgar.
”
”
Pedro Almeida Maia (Nove Estações)
“
Os sonhos são a nossa estrada. Infeliz daquele que não os tem.
”
”
Pedro Almeida Maia (Nove Estações)
“
Deixaram-se enamorar pelas ruas de Angra, as artérias palpitantes de vida e de amor. Cruzaram a Rua da Sé e viraram na Carreira dos Cavalos até à Rua da Rocha. Desceram ao areal cinzento e deixaram os pés descalços sentirem os grãos arrefecidos da Prainha. A ondulação macia oferecia-lhes a banda sonora mais ténue e compassada que pudesse orquestrar um luar iluminado.
”
”
Pedro Almeida Maia (Nove Estações)
“
Mas deviam atravessar ainda a memória mais triste, o escritório de Afonso da Maia. A fechadura estava perra. No esforço de abrir, a mão de Carlos tremia. E Ega, comovido também, revia toda a sala tal como outrora, com os seus candeeiros Carcel, dando um tom cor-de-rosa, o lume e crepitando, o reverendo Bonifácio sobre a pele de urso, e Afonso na sua velha poltrona, de casaco de veludo, sacudindo a cinza do cachimbo contra a palma da mão. A porta cedeu; e toda a emoção de repente findou, na grotesca, absurda surpresa de romperem ambos a espirrar, desesperadamente, sufocados pelo cheiro acre dum pó que lhes picava os olhos, os estonteava. Fora Vilaça, que, seguindo uma receita de almanaque, fizera espalhar às mãos-cheias, sobre os móveis, sobre os lençóis que os resguardavam, camadas espessas de pimenta branca! E estrangulados, sem ver, sob uma névoa de lágrimas, os dois continuavam, um defronte do outro, em espirros aflitivos que os desengonçavam.
”
”
Eça de Queirós (Os Maias)
“
As águas barrentas da Caldeira Velha. Os corpos que se namoram, alagados naquela sopa terapêutica, assistem a um espectáculo de ceifar a respiração, como se um pedaço do inferno tivesse sido plantado no céu!
”
”
Pedro Almeida Maia (Bom Tempo no Canal: A Conspiração da Energia (John Mello, #1))
“
Não vale a pena viver.
”
”
Eça de Queirós (Os Maias)
“
- Sou um ressequido! - disse ele sorrindo. - Sou um impotente de sentimento, como Satanás... Segundo os padres da Igreja, a grande tortura de Satanás é que não pode amar.
”
”
Eça de Queirós (Os Maias)
“
Dizia-se que tinha litteratura, e fazia phrases. O
”
”
Eça de Queirós (Os Maias, Episódios da Vida Romântica)
“
Se com efeito", escrevera ele ao Ega, "ela desceu de ti até ao Dâmaso , tens só a fazer como se fosse um charuto que te caísse à lama.
”
”
Eça de Queirós (Os Maias)
“
Portugal decidira arranjar-se à moderna: mas sem originalidade, sem força, sem carácter para criar um feitio seu, um feitio próprio, manda vir modelos do estrangeiro - modelos de ideias, de calças, de costumes, de leis, de arte, de cozinha... Somente, como lhe falta o sentimento da proporção, e ao mesmo tempo o domina a impaciência de parecer muito moderno e muito civilizado - exagera o modelo, deforma-o, estraga-o até à caricatura.
”
”
Eça de Queirós (Os Maias)
“
— Que sujeito mais idiota... quem cria uma enguia elétrica? — murmura Helmuth. — Será que foi preso? Bem, ele não fez de propósito, é um doido. Deve ter sido solto...
Edgar Wilson permanece calado como se não ouvisse nada. Helmuth o chama pelo nome e o sacode. Percebe que Edgar está coberto de fibras, pelos e sangue.
— Elas se ajoelham e choram — diz Edgar com a voz baixa, sonolento.
— Do que você está falando?
— As ovelhas. Elas te olham, se ajoelham e choram antes de morrer.
Edgar Wilson dá uma longa tragada no cigarro. Enche os pulmões de fumaça e solta pelo nariz lentamente.
— Quase não consegui. Tive que quebrar o pescoço de algumas primeiro, aí eu cobria os olhos delas e as degolava — conclui Edgar.
— Você precisa de um banho — diz Helmuth.
”
”
Ana Paula Maia (De Gados e Homens)
“
Mas um dia, excessos e crises findaram. Pedro da Maia amava! Era um amor à Romeu, vindo de repente numa troca de olhares fatal e deslumbradora, uma dessas paixões que assaltam uma existência, a assolam como um furacão, arrancando a vontade, a razão, os respeitos humanos e empurrando-os de roldão aos abismos.
”
”
Eça de Queiroz
“
Os dois amigos lançaram o passo, largamente. E Carlos, que arrojára o charuto, ia dizendo na aragem fina e fria que lhes cortava a face:
—Que raiva ter esquecido o paiosinho! Emfim, acabou-se. Ao menos assentamos a theoria definitiva da existencia. Com effeito, não vale a pena fazer um esforço, correr com ancia para coisa alguma...
Ega, ao lado, ajuntava, offegante, atirando as pernas magras:
—Nem para o amor, nem para a gloria, nem para o dinheiro, nem para o poder...
A lanterna vermelha do «americano», ao longe, no escuro, parára. E foi em Carlos e em João da Ega uma esperança, outro esforço:
—Ainda o apanhamos!
—Ainda o apanhamos!
De novo a lanterna deslisou e fugiu. Então, para apanhar o «americano», os dois amigos romperam a correr desesperadamente pela rampa de Santos e pelo Aterro, sob a primeira claridade do luar que subia.
”
”
Eça de Queirós (Os Maias - Volume II)
“
Se os Açores são ilhas vulcânicas, os açorianos são as suas cinzas espalhadas pelo mundo.
”
”
Pedro Almeida Maia (A Escrava Açoriana)
“
Caramba, rapazes, só a ideia dessas coisas me põe o coração negro! E como vocês podem falar nisso, a rir, quando se trata do país, desta terra onde nascemos, que diabo! Talvez seja má, de acordo, mas, caramba! é a única que temos, não temos outra! É aqui que vivemos, é aqui que rebentamos...
”
”
Eça de Queirós (Os Maias)
“
Ega triunfou, pulou de gosto na cadeira. Eis ali, no lábio sintético de Dâmaso, o grito espontâneo e genuíno do brio português! Raspar-se, pirar-se!... Era assim que de alto a baixo pensava a sociedade de Lisboa, a malta constitucional, desde El-Rei nosso Senhor até aos cretinos de secretaria!... - Meninos, ao primeiro soldado espanhol que apareça à fronteira, o país em massa foge como uma lebre! Vai ser uma debandada única na história!
”
”
Eça de Queirós (Os Maias)
“
Era ele que devia primeiro mandar padrinhos, lavar a sua honra. Havia pessoas na sala, quando o outro o insultou. Havia um urso, e uma tirolesa...
”
”
Eça de Queirós (Os Maias)
“
E enquanto a deixar-se varar por uma bala, não! Tinha mais direito a viver que o Cohen, que era um burguês, e um agiota... E ele era um homem de estudo e de arte! Tinha na cabeça livros, ideias, coisas grandes. Devia-se ao país, à civilização!... Se fosse ao campo, era para fazer a sua pontaria, e abater o Cohen, ali, como uma besta imunda...
”
”
Eça de Queirós (Os Maias)
“
Em que mosteiro queria ele entrar? Nenhum era congenere com o Ega! Para dominicano era muito magro, para trapista muito lascivo, muito palrador para jesuíta, e para benedictino muito ignorante... Era necessário criar uma ordem para ele! Craft lembrou a Santa Blague!
”
”
Eça de Queirós (Os Maias)
“
Ega protestou, com calor. Uma mulher com prendas, sobretudo com prendas literárias, sabendo dizer coisas sobre o Sr. Tiers, ou sobre o Sr. Zola, é um monstro, um fenómeno que cumpria recolher a uma companhia de cavalinhos, como se soubesse trabalhar nas argolas. A mulher só devia ter duas prendas: cozinhar bem e amar bem.
”
”
Eça de Queirós (Os Maias)
“
E de resto se não pudessem habitar, conjuntas na mesma cidade, as pessoas entre as quais tivesse havido atritos desagradáveis, as sociedades humanas tinham de se desfazer...
”
”
Eça de Queirós (Os Maias)
“
- Essa é outra! gritou Ega atirando os braços ao ar. É extraordinário! Neste abençoado país todos os políticos têm imenso talento. A oposição confessa sempre que os ministros, que ela cobre de injurias, têm, à parte os disparates que fazem, um talento de primeira ordem! Por outro lado a maioria admite que a oposição, a quem ela constantemente recrimina pelos disparates que fez, está cheia de robustíssimos talentos! De resto todo o mundo concorda que o país é uma choldra. E resulta portanto este facto supra-cómico: um país governado com imenso talento, que é de todos na Europa, segundo o consenso unânime, o mais estupidamente governado! Eu proponho isto, a ver: que como os talentos sempre falham, se experimentem uma vez os imbecis!
”
”
Eça de Queirós (Os Maias)
“
Nem Carlos nem ele queriam que o Dâmaso numa carta (que se podia tornar publica) declarasse «que caluniara por ser caluniador». Era necessário, pois, dar à calunia uma dessas causas fortuitas e ingovernáveis que tiram a responsabilidade ás acções. E que melhor, tratando-se dum rapaz mundano e femeeiro, do que estar bêbedo?... Não era vergonha para ninguém embebedar-se... O próprio Carlos, todos eles ali, homens de gosto e de honra, se tinham embebedado. Sem remontar aos romanos, onde isso era uma higiene e um luxo, muitos grandes homens na História bebiam de mais. Em Inglaterra era tão chic, que Pit, Fox e outros nunca falavam na Câmara dos comuns senão aos bordos. Musset, por exemplo, que bêbedo! Enfim a História, a Literatura, a Política, tudo fervilhava de piteiras... Ora, desde que o Dâmaso se declarava borracho, a sua honra ficava salva. Era um homem de bem que apanhara uma carraspana e que cometera uma indiscrição... Nada mais!
”
”
Eça de Queirós (Os Maias)
“
Por fim, em que consistia a diplomacia portuguesa? Numa outra forma da ociosidade, passada no estrangeiro, com o sentimento constante da própria insignificância. Antes o Chiado!
”
”
Eça de Queirós (Os Maias)
“
Ega, em suma, concordava. Do que ele principalmente se convencera, nesses estreitos anos de vida, era da inutilidade do todo o esforço. Não valia a pena dar um passo para alcançar coisa alguma na terra - porque tudo se resolve, como já ensinara o sábio do Eclesiastes, em desilusão e poeira.
”
”
Eça de Queirós (Os Maias)
“
Ora essa! exclamou Afonso. E porque não há de ser médico a sério? Se escolhe uma profissão é para a exercer com sinceridade e com ambição, como os outros. Eu não o educo para vadio, muito menos para amador; educo-o para ser útil ao seu país...
”
”
Eça de Queirós (Os Maias)
“
Para a maioria das pessoas, não perceber a presença do mal é um sinal de que tudo está bem. Para Edgar Wilson, é justamente o contrário. Não pressentir o mal não é sinônimo de que ele não existe ou desapareceu. São os opostos devidamente dosados que mantêm o sistema equilibrado e, assim, se o mal se ausentou, é provável que o bem também o tenha feito.
”
”
Ana Paula Maia (Enterre seus mortos)
“
Desde que os recolheu, tornou-se responsável por eles. De certa forma isso o faz se sentir menos miserável, porém não mais feliz.
”
”
Ana Paula Maia (Enterre seus mortos)
“
Era um peixe pequeno, um peixinho, com o comprimento de meio dedo, com escamas prateadas e nadadeiras delicadas, branquiadas, espelhadas e trêmulas. Um olho de peixe redondo e arregalado ao máximo mirou os dois por um instante como se sugerisse a Maia e Mati que todos nós, todos os seres vivos sobre este planeta, pessoas e animais, aves, répteis, larvas e peixes, na realidade nós estamos bem próximos uns dos outros, apesar de todas as muitas diferenças entre nós: pois quase todos nós temos olhos para ver formas, movimentos e cores, e quase todos nós ouvimos vozes e ecos, ou pelo menos sentimos a passagem da luz e da escuridão através da nossa pele. E todos nós captamos, sem parar, cheiros, gostos e sensações.
Isso e mais: todos nós sem exceção nos assustamos às vezes e até mesmo ficamos apavorados, e às vezes todos ficamos cansados, ou com fome, e cada um de nós gosta de certas coisas e detesta outras, que nos inspiram temor ou aversão. Além disso, todos nós, pessoas répteis insetos e peixes, todos nós nos empenhamos muito para que fique tudo bem para nós, não muito quente nem frio, todos nós sem exceção tentamos a maior parte do tempo nos preservar e nos guardar de tudo que corta, morde e fura. Pois cada um de nós pode ser amassado com facilidade. E todos nós, pássaro e minhoca, gato menino e lobo, todos nós nos esforçamos a maior parte do tempo em tomar o máximo cuidado possível contra a dor e o perigo, e apesar disso nós nos arriscamos muito sempre que saímos para correr atrás de comida, atrás de uma brincadeira e também atrás de aventuras emocionantes.
”
”
Amos Oz (Suddenly in the Depths of the Forest)
“
Deus não habita na razão, tampouco na fantasia. Ele habita na verdade. Nem sempre é fácil lidar com ela, mas sempre será libertador.
”
”
KARINA MAIA (TODAS AS VEZES EM QUE DEUS FALOU COMIGO: Um livro para entender os sinais que recebemos o tempo todo (Portuguese Edition))