Luzes Quotes

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Só vê as luzes que giram com ele e prendi em si a certeza que está num carrossel.
Jorge Amado (Capitães da Areia)
De mim, afinal, o que quereis? Porque eu, senhor poeta, de mim pretendo tudo.
Maria Teresa Horta (As Luzes de Leonor)
A teimar eu na liberdade e em privilegiar o pensamento e os versos, na tentativa de dominar e comandar o corpo que inutilmente me esforço por enganar nas suas exigências naturais, ao reconhecer o grande sossego que a frieza e a razão sempre trazem consigo, em detrimento do meu coração que na inquietude se esmera.
Maria Teresa Horta (As Luzes de Leonor)
Exigem-nos tudo o que nos dão. É preciso regá-los regularmente: é nos ombros deles que cai toda a água dos nossos olhos. Eles espevitam-nos o sentido de humor quando menos nos apetece. E depois ficam conosco quando as luzes se apagam e toda a gente se foi embora. Só aos amigos é dado o espectáculo da nossa miséria
Inês Pedrosa (A Instrução dos Amantes)
Ana Iris perguntou-me se eu o amava e eu falei-lhe das lâmpadas na minha antiga casa na capital, que estavam sempre a tremeluzir e uma pessoa nunca sabia se a luz se iria ou não abaixo. A gente interrompia o que estava a fazer e ficava à espera; não conseguíamos continuar enquanto as luzes não se decidissem. É assim que eu me sinto, disse-lhe eu.
Junot Díaz (This Is How You Lose Her)
Subitamente, porém, quando transpúnhamos o portão, tive o choque de um alarme. A casota do cão ficava a um canto do quintal, perto do alpendre onde se arrumavam os bois. Admiti bruscamente que o cão tivesse morrido. E, abandonando o grupo, fui sozinho até ao fundo do jardim. À luz da lua, espreitei para a casota, chamei o cão. Mondego não respondeu. Meti a mão dentro - o cão não estava. Presumi, absurdamente, que tivesse rebentado a corrente, se tivesse aninhado no alpendre. Fui para lá, mergulhei para um lado e outro no escuro, chamei: Mondego! Nada. Mas eis que, ao voltar-me para sair, eu vi o cão, enfim: suspenso de uma trave enforcado no arame, Mondego recortava-se contra o céu, iluminado de lua e de estrelas. Dominei-me, não gritei. E corri para o grupo, que voltava atrás a procurar-me. Desculpei-me como pude e segui para a igreja, chorando duramente: quando Cristo nascia entre cânticos e luzes, Mondego balançava de uma trave o seu corpo leproso, banhado de luar... No dia seguinte quiseram iludir-me: o cão teria aparecido morto à porta da casota. Não reagi. Levantei-me apenas e fui eu enterrar o animal, para que fosse amortalhado com ternura, para que a última voz da terra a falar-lhe fosse uma voz de aliança.
Vergílio Ferreira (Aparição)
Viver, naturalmente, nunca é fácil. Continuamos fazendo os gestos que a existência impõe por muitos motivos, o primeiro dos quais é o costume. Morrer por vontade própria supõe que se reconheceu, mesmo instintivamente, o caráter ridículo desse costume, a ausência de qualquer motivo profundo para viver, o caráter insensato da agitação cotidiana e a inutilidade do sofrimento. Qual é então o sentimento incalculável que priva o espírito do sono necessário para a vida? Um mundo que se pode explicar, mesmo com raciocínios errôneos, é um mundo familiar. Mas num universo repentinamente privado de ilusões e de luzes, pelo contrário, o homem se sente um estrangeiro. É um exílio sem solução, porque está privado das lembranças de uma pátria perdida ou da esperança de uma terra prometida. Esse divórcio entre o homem e sua vida, o ator e seu cenário é propriamente o sentimento do absurdo. E como todos os homens sadios já pensaram no seu próprio suicídio, pode-se reconhecer, sem maiores explicações, que há um laço direto entre tal sentimento e a aspiração ao nada.
Albert Camus (The Myth of Sisyphus)
Que vergonha, senhor meu Pai, para um país com tantas glórias como o nosso!
Maria Teresa Horta (As Luzes de Leonor)
É como acontece na maioria dos espetáculos: o público pode até se iludir, mas os atores sabem que a vida real está além das luzes da ribalta.
Edith Wharton (A Casa da Alegria)
As luzes da cidade embaçam o céu escondendo as estrelas.
Filipe Russo (Caro Jovem Adulto)
Eu é que ponho luz nas noites, meto medo na escuridão, invento pirilampos na cidade. (...) julgo ter sido poeta das luzes, escrevedor das velas, conhecedor das ceras escorridas, quer dizer, artífice das minúsculas luzes amarelas. (...) e eu, quem me acendeu sempr, enquanto acendi estrelas aqui na terra? (...) todos os dias me despeço dos últimos candeeiros que inda me acendem o coração.
Ondjaki (E Se Amanhã o Medo)
Nem eu, nem tu, nem ela, nem qualquer outra pessoa desta história poderia responder mais, tão certo é que o destino, como todos os dramaturgos, não anuncia as peripécias nem o desfecho. Eles chegam a seu tempo, até que o pano cai, apagam-se as luzes, e os espectadores vão dormir. Nesse gênero há porventura alguma coisa que reformar, e eu proporia, como ensaio, que as peças começassem pelo fim. 
Machado de Assis (Dom Casmurro)
Assim, mágicos os dois, miúdo e colchão ultrapassaram nuvens no que elas sabem de correiria, e se dirigiram, esvoaçantes, para as bandas de um outro mundo - repleto de luzes lentas, discretas, adequadas às funções de sonhar.
Ondjaki (E Se Amanhã o Medo)
Agora - mas desde sempre - não moro bem dentro do meu corpo, daí, acreditar em alma de outro mundo. Não sou o do espelho. Certa estranheza me incomoda. O desconforto solicita-me liquidar o imóvel. Sempre sou um outro morando em mim. Vivo em uma casa geminada. Intruso, pareço inquilino em vias de despejo. Não abro janelas ou destranco portas. Mantenho as luzes apagadas sem anunciar-me aos vizinhos. Pelas frestas pressinto sussurros. Meu espelho não me reflete.
Bartolomeu Campos de Queirós (Vermelho Amargo)
Verdadeiramente foi o princípio da minha vida; tudo o que sucedera antes foi como o pintar e vestir das pessoas que tinham de entrar em cena, o acender das luzes, o preparo das rabecas, a sinfonia... Agora é que eu ia começar a minha ópera.
Machado de Assis (Dom Casmurro)
De repente, senti como se a terra estivesse escorregando debaixo de mim e o céu estava expandindo e recuando. Algum momento depois eu experenciei uma força terrível que brotava da base do meu corpo como uma explosão atômica. Eu senti que eu estava vibrando muito rápido, as correntes de luzes eram terríveis. Eu experenciei a suprema bem aventurança, como o clímax do desejo de um homem, e isso continuou por longo tempo. Todo o meu corpo estava se contraindo, até que o sentimento de prazer tornou-se bastante insuportável e eu perdi completamente a consciência de meu corpo.
Satyananda Saraswati (Kundalini Tantra)
PÔR-DO-SOL EM ITATIAIA Nascente efêmeras Em clareiras súbitas Entre as luzes tardas Do imenso crapúsculo. Negros megalitos Em doce decúbito Sob o peso frágil Da pálida abóbada Calmo subjacente O vale infinito A estender-se múltiplo Inventando espaços Dilatando a angústia Criando o silêncio...
Vinicius de Moraes (Nova Antologia Poética)
Há algo a dizer sobe o céu noturno de São Paulo: é dos mais escuros possíveis. O brilho artificial da cidade oculta todas as estrelas do céu, enquanto a iluminação precária dos postes, suas luzes amareladas e caídas, dão a impressão de que, ao andar pelas ruas, você está procurando seu caminho por um mundo de sombras.
Antônio Xerxenesky (As Perguntas)
(...) mas se a noite vier cheia de luzes ilegíveis de véus de relógios parados - ergue as asas fere o ar que te sufoca e não te mexas para que eu fique a ver-te estilhaçar aquilo que penso e já não escrevo - aquilo que perdeu o nome e se bebe como cicuta junto ao precipício e à beleza do teu corpo (...)' - Outro dia
Al Berto
A quarta-feira amanhecia quando olhei pela janela. Nas pontes, as luzes cintilantes já haviam empalidecido. O sol nascente parecia um pântano de fogo no horizonte. O rio, ainda escuro e misterioso, cortado pelas pontes que tomavam uma coloração cinza e gélida, com um toque cálido do sol que ardia no céu. Ao percorrer com o olhar a multidão de telhados, com as torres e os campanários das igrejas que se elevavam sobre Londres em um céu invulgarmente claro, o sol nasceu e foi como se tivessem retirado um véu do rio, e milhões de fagulhas explodiram na superfície das águas. Também foi como se tivessem tirado o véu que me encobria, e me senti forte e bem-disposto.
Charles Dickens (Great Expectations)
Ultimamente, sonhar tem uma graça grande demais. Eu devia parar com isso.
Luisa Geisler (Luzes de emergência se acenderão automaticamente)
Eu sempre me pergunto se quando eu falo, eu não tô incomodando todo mundo por falar, daí eu presto o serviço de não falar com as pessoas.
Luisa Geisler (Luzes de emergência se acenderão automaticamente)
A gente não pode ficar se perguntando por que é que cada coisa é cada coisa, porque tudo tem um motivo. Tem que viver.
Luisa Geisler (Luzes de emergência se acenderão automaticamente)
Eu não falo de ninguém pra fazer piada, mas por um medo de que vou me tornar essas pessoas. Talvez eu já seja.
Luisa Geisler (Luzes de emergência se acenderão automaticamente)
Dizem que a gente namora a mesma pessoa e eu me pergunto se a gente acaba não cometendo os mesmos erros de novo e de novo.
Luisa Geisler (Luzes de emergência se acenderão automaticamente)
Às vezes as coisas mais importantes vão embora.
Luisa Geisler (Luzes de emergência se acenderão automaticamente)
​És um oprimido neste país, ó amor.
Maria Teresa Horta (As Luzes de Leonor)
Às vezes, as memórias vão embora com tanta força que é como se elas nunca tivessem estado lá. É como se alguma memória falsa substituísse tudo. Algum momento de outro momento, sei lá.
Luisa Geisler (Luzes de emergência se acenderão automaticamente)
Do patamar onde me encontro, ouço o som do relato do Portugal-Espanha e de uma vuvuzela que parece responder aos meus brados. Quando o mundo à minha volta se cala, percebo que Portugal só pode ter perdido o jogo e adormeço de costas para uma rocha. Acordo na madrugada de dia 30, sob o céu estrelado do Marão, uma lua muito branca a irromper entre a giesta e uma voz chamando-me no topo da parede de rocha do outro lado da montanha. No topo da fraga oposta, duas luzes irrompem como pequenos e frágeis faróis. Uma voz ecoa na garganta de pedra: “Senhor Nuno! Senhor Nuno, está bem?” Levanto-me e grito: “Estou aqui!” Cedo percebo que os escuto melhor do que eles a mim. “Está ferido?”, pergunta a mesma voz. “Não, estou bem”, respondi. “Tenha calma, nós vamos tirá-lo daí!”.
Nuno Ferreira (Portugal a pé)
Ali, sob as luzes fluorescentes de meu pequeno apartamento de um cômodo, não havia modo de escapar da verdade. Na vida real, eu não passava de um ermitão antissocial. Um recluso. Um geek pálido obcecado pela cultura pop. Um introvertido agorafóbico, sem amigos, família ou contato com pessoas. Eu era apenas mais uma alma triste, perdida e solitária, desperdiçando a vida em um videogame.
Ernest Cline (Ready Player One (Ready Player One, #1))
Li os poemas como espreitando para dentro da escuridão, onde ínfimas luzes procuravam sugerir caminho. (…) Por mais detidas que estivessem as palavras na impressão do livro, nada ali se permitiria capturar. Eu ia como à pressa, e mais sinuosas e inalcançáveis se tornavam as imagens, que podiam ser sempre outras, sempre outra expressão e outro sentido. Como se o poeta fosse outro poeta de que nem soubéssemos o nome.
Valter Hugo Mãe (Contra mim)
- Sim, é talvez tudo uma ilusão... E a Cidade a maior ilusão! Tão facilmente vitorioso redobrei de facúndia. Certamente, meu Príncipe, uma ilusão! E a mais amarga, porque o Homem pensa ter na Cidade a base de toda a sua grandeza e só nela tem a fonte de toda a sua miséria. (...) Na Cidade perdeu ele a força e beleza harmoniosa do corpo, e se tornou esse ser ressequido e escanifrado ou obeso e afogado em unto, de ossos moles como trapos, de nervos trémulos como arames, com cangalhas, com chinós, com dentaduras de chumbo, sem sangue, sem febra, sem viço, torto, corcunda - esse ser em que Deus, espantado, mal pode reconhecer o seu esbelto e rijo e nobre Adão! Na Cidade findou a sua liberdade moral: cada manhã ela lhe impõe uma necessidade, e cada necessidade o arremessa para uma dependência: pobre e subalterno, a sua vida é um constante solicitar, adular, vergar, rastejar, aturar; e rico e superior como um Jacinto, a Sociedade logo o enreda em tradições, preceitos, etiquetas, cerimónias, praxes, ritos, serviços mais disciplinares que os de um cárcere ou de um quartel... A sua tranquilidade (bem tão alto que Deus com ela recompensa os santos ) onde está, meu Jacinto? Sumida para sempre, nessa batalha desesperada pelo pão, ou pela fama, ou pelo poder, ou pelo gozo, ou pela fugidia rodela de ouro! Alegria como a haverá na Cidade para esses milhões de seres que tumultuam na arquejante ocupação de desejar - e que, nunca fartando o desejo, incessantemente padecem de desilusão, desesperança ou derrota? Os sentimentos mais genuinamente humanos logo na Cidade se desumanizam! Vê, meu Jacinto! São como luzes que o áspero vento do viver social não deixa arder com serenidade e limpidez; e aqui abala e faz tremer; e além brutamente apaga; e adiante obriga a flamejar com desnaturada violência. As amizades nunca passam de alianças que o interesse, na hora inquieta da defesa ou na hora sôfrega do assalto, ata apressadamente com um cordel apressado, e que estalam ao menor embate da rivalidade ou do orgulho. E o Amor, na Cidade, meu gentil Jacinto? Considera esses vastos armazéns com espelhos, onde a nobre carne de Eva se vende, tarifada ao arratel, como a de vaca! Contempla esse velho Deus do Himeneu, que circula trazendo em vez do ondeante facho da Paixão a apertada carteira do Dote! Espreita essa turba que foge dos largos caminhos assoalhados em que os Faunos amam as Ninfas na boa lei natural, e busca tristemente os recantos lôbregos de Sodoma ou de Lesbos!... Mas o que a cidade mais deteriora no homem é a Inteligência, porque ou lha arregimenta dentro da banalidade ou lha empurra para a extravagância. Nesta densa e pairante camada de Idéias e Fórmulas que constitui a atmosfera mental das Cidades, o homem que a respira, nela envolto, só pensa todos os pensamentos já pensados, só exprime todas as expressões já exprimidas: - ou então, para se destacar na pardacenta e chata rotina e trepar ao frágil andaime da gloríola, inventa num gemente esforço, inchando o crânio, uma novidade disforme que espante e que detenha a multidão como um monstrengo numa feira. Todos, intelectualmente, são carneiros, trilhando o mesmo trilho, balando o mesmo balido, com o focinho pendido para a poeira onde pisam, em fila, as pegadas pisadas; - e alguns são macacos, saltando no topo de mastros vistosos, com esgares e cabriolas. Assim, meu Jacinto, na Cidade, nesta criação tão antinatural onde o solo é de pau e feltro e alcatrão, e o carvão tapa o céu, e a gente vive acamada nos prédios como o paninho nas lojas, e a claridade vem pelos canos, e as mentiras se murmuram através de arames - o homem aparece como uma criatura anti-humana, sem beleza, sem força, sem liberdade, sem riso, sem sentimento, e trazendo em si um espírito que é passivo como um escravo ou impudente como um Histrião... E aqui tem o belo Jacinto o que é a bela Cidade! (...) -Sim, com efeito, a Cidade... É talvez uma ilusão perversa!
Eça de Queirós (A Cidade e as Serras)
Olhamos novamente para o homem e a natureza — com olhar mais desejoso: lembramo-nos, com sorriso melancólico, que agora sabemos coisas novas e diferentes em relação a eles, que um véu foi retirado — mas nos reanima ver novamente as luzes amortecidas da vida, e sair da claridade sóbria e terrível em que, como sofredores, víamos as coisas e através das coisas. Não nos aborrecemos quando os encantos da saúde recomeçam seu jogo — olhamos como que transformados, abrandados e ainda exaustos. Nesse estado não se pode ouvir música sem chorar.
Friedrich Nietzsche (Daybreak: Thoughts on the Prejudices of Morality)
Então me perguntei se, assim que ele começasse a gostar de mim, ele não se transformaria num sujeito comum aos meus olhos, e se quando começasse a me amar eu não acharia defeito atrás de defeito nele, do jeito que fiz com Buddy Willard e os outros garotos. Era sempre a mesma coisa: eu vislumbrava um homem sem defeitos à distância, mas assim que ele se aproximava eu percebia que não era bem assim. Essa é uma das razões por que nunca quis me casar. A última coisa que eu queria da vida era “segurança infinita” ou ser o “lugar de onde a flecha parte”. Eu queria mudança e agitação, queria ser uma flecha avançando em todas as direções, como as luzes coloridas de um rojão de Quatro de Julho.
Sylvia Plath (The Bell Jar)
Tenho necessidade de silêncio e, de vez em quando, afasto-me para organizar a cabeça. Quando o meu amigo André morreu, por três ou quatro vezes precisei me isolar para planejar o resto da vida. Sons muito intensos me incomodam. Nunca gostei da batida eletrônica que marcou as festas da minha geração. Com as mulheres, sempre preferi o isolamento. A literatura serve-me em grande parte para isso: adoro ficar remexendo a linguagem, medindo todas as possibilidades e tentando entender até onde posso ir, para no final pesar o resultado e refletir para saber se o texto realmente me expressa. É a maneira que tenho, silenciosa e discreta, de sair organizadamente da confusão que tantas vezes me assalta por dentro. Se mergulhar nos ruídos do mundo exterior, nos lugares cheios de luzes, música e gente encostando em mim, vou me machucar.
Ricardo Lísias (Divórcio)
Trago sempre nos olhos a imagem da minha primeira noite de voo na Argentina - uma noite escura onde apenas cintilavam, como estrelas, pequenas luzes perdidas na planície. Cada uma dessas luzes marcava, no oceano da escuridão, o milagre de uma consciência. Sob aquele teto alguém lia, ou meditava, ou fazia confidências. Naquela outra casa alguém sondava o espaço ou se consumia em cálculos sobre a nebulosa de Andrômeda, Mais além seria, talvez, a hora do amor. De longe brilhavam esses fogos no campo, como que pedindo sustento. Até os mais discretos: o do poeta, o do professor, o do carpinteiro. Mas entre essas estrelas vivas, tantas janelas fechadas, tantas estrelas extintas, tantos homens adormecidos. É preciso a gente tentar se reunir. É preciso a gente fazer um espaço para se comunicar com algumas dessas luzes que brilham, de longe em longe, ao longo da planura.
Antoine de Saint-Exupéry (Terre des hommes)
Vamos encarar: Estou apavorada e paralisada. Para começar, creio, temo por mim... o primeiro anseio ancestral pela sobrevivência. Chegou a tal ponto que vivo cada momento com terrível intensidade. Na noite passada, voltando de carro de Boston, deitei-me no banco de trás e deixei que as luzes coloridas viessem a mim, a música do rádio, o reflexo do rapaz que dirigia. Tudo isso fluía por mim com uma pontada de dor gritante... lembre-se, lembre-se, isto é o momento, este momento, este momento. Viva-o, sinta-o, agarre-se a ele. Quero tomar consciência profunda de tudo que considerava favas contadas. Quando a gente sente que aquilo pode ser o adeus, a pancada é mais intensa. Preciso ter algo. Quero parar tudo, a monumental farsa grotesca inteira, antes que seja tarde demais. Mas escrever poemas e cartas não parece facilitar muito as coisas. Os grande homens são todos surdos.
Sylvia Plath (The Journals of Sylvia Plath)
Conheci que Madalena era boa em demasia, mas não conheci tudo de uma vez. Ela se revelou pouco a pouco, e nunca se revelou inteiramente. A culpa foi minha, ou antes, a culpa foi desta vida agreste, que me deu uma alma agreste. E, falando assim, compreendo que perco o tempo. Com efeito, se me escapa o retrato moral de minha mulher, para que serve esta narrativa? Para nada, mas sou forçado a escrever. Quando os grilos cantam, sento-me aqui à mesa da sala de jantar, bebo café, acendo o cachimbo. Às vezes as idéias não vêm, ou vêm muito numerosas e a folha permanece meio escrita, como estava na véspera. Releio algumas linhas, que me desagradam. Não vale a pena tentar corrigi-las. Afasto o papel. Emoções indefiníveis me agitam inquietação terrível, desejo doido de voltar, tagarelar novamente com Madalena, como fazíamos todos os dias, a esta hora. Saudade? Não, não é isto: é desespero, raiva, um peso enorme no coração. Procuro recordar o que dizíamos. Impossível. As minhas palavras eram apenas palavras, reprodução imperfeita de fatos exteriores, e as dela tinham alguma coisa que não consigo exprimir. Para senti-las melhor, eu apagava as luzes, deixava que a sombra nos envolvesse até ficarmos dois vultos indistintos na escuridão.
Graciliano Ramos (São Bernardo)
As massas conservaram dele somente a imagem, nunca a Idéia. Elas jamais foram atingidas pela Idéia de Deus, que permaneceu um assunto de padres, nem pelas angústias do pecado e da salvação pessoal. O que elas conservaram foi o fascínio dos mártires e dos santos, do juízo final, da dança dos mortos, foi o sortilégio, foi o espetáculo e o cerimonial da Igreja, a imanência do ritual - contra a transcendência da Idéia. Foram pagãs e permaneceram pagãs à sua maneira, jamais freqüentadas pela Instância Suprema, mas vivendo das miudezas das imagens, da superstição e do diabo. Práticas degradadas em relação ao compromisso espiritual da fé? Pode ser. Esta é a sua maneira, através da banalidade dos rituais e dos simulacros profanos, de minar o imperativo categórico da moral e da fé, o imperativo sublime do sentido, que elas repeliram. Não porque não pudessem alcançar as luzes sublimes da religião: elas as ignoraram. Não recusam morrer por uma fé, por uma causa, por um ídolo. O que elas recusam é a transcendência, é a interdição, a diferença, a espera, a ascese, que produzem o sublime triunfo da religião. Para as massas, o Reino de Deus sempre esteve sobre a terra, na imanência pagã das imagens, no espetáculo que a Igreja lhes oferecia. Desvio fantástico do princípio religioso. As massas absorveram a religião na prática sortílega e espetacular que adotaram.
Jean Baudrillard (In the Shadow of the Silent Majorities)
Non capisco perché Liliana si opponesse così fermamente al piano di Miriam" disse Luz; "in quella circostanza, mi sembra che...". "Io invece lo capisco perfettamente. Lei,come tutti noi, era molto rigida in materia di morale. Per questo mi ha stupito che potesse confidarsi con una puttana. Noi disprezzavamo la liberalità della mentalità borghese che...". "Se eravate tanto rigidi," disse Luz sprezzante, "tanto puri, avreste potuto pensare che magari non eravate nelle condizioni di avere un figlio." "Lo desideravamo." "Non ti sembra che se eravate così impegnati a giocare alla rivoluzione avreste potuto chiedervi se avevate il diritto di esporre il figlio che desideravate a simili situazioni, a sparire, come è successo a voi, a farsi rubare la propria identità? Quei bambini non hanno avuto l'opportunità di scegliere in funzione di quale ideologia correre un simile rischio, come hanno fatto i loro genitori. Siete stati voi a imporglielo" e il rancore scintillò nello sguardo di Luz. "Questo rispondeva forse alla morale rivoluzionaria o piuttosto al più puro egoismo?" "Quando ti parlo di morale, Luz...e poi noi non potevamo immaginare, come potevamo immaginare..." "Fatto sta che uno di questi bambini" lo interruppe Luz, "oggi potrebbe dire: sono stati loro, gli assassini, a farmi sparire, ma i miei genitori per primi mi hanno esposto al terribile destino di essere un desaparecido...vivo.
Elsa Osorio (I vent'anni di Luz)
Instintivamente acaricia o velo de cedro penumbroso, bosque arruivado a ensombrar-lhe o cimo das coxas; curva-se de novo e, admirada, vai tão longe quanto pode na abordagem tímida dos lábios de anil da molhada boca do seu ventre. A separá-los: penetrando, afagando-os, a sentir os dedos numa humidade lenta, um orvalho dolente, uma resina turva. Ali, onde há sucos e gosto sem ferida. Ali, onde há fenda, há céu, há mar. Mato de se perder na busca da vertigem no assombro da ousadia do acto; gosto e travo a rosa insatisfeita, odor de chuva, de cardo, de almíscar. Perfume de nardo a desatar-lhe os nervos, enquanto persegue o improvável mapa do delírio: mais acima a mina, e logo abaixo o poço. Modorra de papoila a florescer no alto, a entumescer ao tacto. Prazer diverso e gozo que a muda, e ela transgride, voa, cresce. E tanto no clítoris como na vulva, o bordado a cheio vai-se enredando, matizando, demorando nas caprochosas cores, nos desenhos, nas misteriosas linhas de agulha onde se enleia. Veia que o fogo entorna, toma e incendeia. Na procura do êxtase. E Leonor ondeia. Rola enovelada em cima do leito onde se distende, roda e cede a galgar o parapeito de si própria, deixando a razão apagada à cabeceira. Rodopia. Resvala. Mãos descendo e subindo, indo e vindo, na descoberta dos desvãos, do topo, dos secretos recantos de segredo, em todos os lugares e tempos que o orgasmo guarda. Entorna. Derrama. Grita e explode. Gemendo sob o pulso que lhe amordaça a fala pelo próprio avesso. Assim leve, assim solta, assim livre. Leonor corre, voa, nada, desvenda. E finalmente foge. Consigo mesma.
Maria Teresa Horta (As Luzes de Leonor)
«Sabe, meu amor, que te amo. E que te amarei até morrer. É por isso que todo o resto me parece tão pouco, um nada imenso de nenhum valor. Sabe que te choro e te venero, e sobretudo que te espero. E sabe que te vejo, com olhos de quem vê, e que te conheço, como só conhece um livro quem o lê. Sabe que à amargura dos dias subtraí a doçura de te ter. Sim, o cintilar da vida, ao meu redor, por te ter. Por saber-te nunca muito longe, embora raramente aqui. por saber que, nos teus olhos - laivos de mel e coisas mais profundas, lucidez e racionalidade - leio que também me lês. Deslizemos agora para o silêncio, perfeição. Não vejo já necessidade de prender a tua mão, pois que sinto que te prendi. Ao teu olhar, que se enreda no meu. que estranhas asas povoam as minhas entranhas, murmuram a meus ouvidos. que grande és, que tola sou. Sabe, meu amor, que tenho plena consciência das nossas dimensões. Basta-me ter-te assim, como te tenho, para seguir pela vida a sorrir. Em mim não se apagarão mais luzes, em mim, à noite, acendem-se as estrelas. Fosse eu firmamento, e tu o cimento com que se constrói o mundo. Sem nós, nada. Reservatório de tudo. Conheço-te, milagre maior, e tenho-te, não podia ter-te melhor. Porque caminhas a meu lado, não acorrentado a mim. Porque me beijas a testa e porque te louvo as mãos. Homem honesto. Amor maior. Porque me guias na escuridão das ingenuidades - resquícios da infância - e porque não me apontas caminhos, descreves-me paisagens. Sim e não, talvez e também. Veremos o que dali vem. E eu, a teu lado, que tola sou, pequena e feliz, que feliz é quem amou assim um grande amor. Ecos de palavras, distantes. Que importa se não somos amantes? Se nunca o seremos? Sei que te amo e, nalguma linguagem, sei que me amas também. Se é na matemática dos racionais, se na pureza dos amigos, se no secretismo dos poetas, isso não sei. Sei que te carrego em mim e que, se fechar os olhos, me sorris. Estás comigo a todo o instante. Não te guardo em caixas, fotografias ou objectos. Caberias lá tu em caixas, mundo, permanecerias lá tu imóvel, como os objectos, vida. Quanto muito, vejo-te às vezes num livro cá por casa. Mas sei-te, e sei-te quase de cor. Não quero saber-te, na totalidade ou de cor. Não o poderia, é inalcançável. Tão grande és tu, que não acabas. Em mim nunca acabarás. A felicidade que a tua volta me trouxe. E sabe que vou chorar, «a cada ausência tua eu vou chorar». Mas não lágrimas; é paixão, fogo, urgência. Coisa física, átomos de energia em colisão. Ainda assim, ter-te-ei aqui, para seguir pela vida a sorrir. A cada vez que afastar os lençóis, pedir-te-ei que te chegues para lá. E ainda que a tua boca nunca sobre a minha pouse, e ainda que nunca venhas a sorrir enquanto te beijo, sabe, meu amor, que te amo, e que te amarei até morrer. Com a certeza de quem quer viver, de quem quer seguir, a vida inteira, com a alma enredada na tua. Que o teu chá seja fervido da minha chaleira, e que os teus livros disputem com os meus o espaço da prateleira. Meu amor, sabe que te amarei a vida inteira.»
Célia Correia Loureiro (Os Pássaros)
Conheci que Madalena era boa em demasia, mas não conheci tudo de uma vez. Ela se revelou pouco a pouco, e nunca se revelou inteiramente. A culpa foi minha, ou antes, a culpa foi desta vida agreste, que me deu uma alma agreste. E, falando assim, compreendo que perco o tempo. Com efeito, se me escapa o retrato moral de minha mulher, para que serve esta narrativa? Para nada, mas sou forçado a escrever. Quando os grilos cantam, sento-me aqui à mesa da sala de jantar, bebo café, acendo o cachimbo. Às vezes as idéias não vêm, ou vêm muito numerosas e a folha permanece meio escrita, como estava na véspera. Releio algumas linhas, que me desagradam. Não vale a pena tentar corrigi-las. Afasto o papel. Emoções indefiníveis me agitam inquietação terrível, desejo doido de voltar, tagarelar novamente com Madalena, como fazíamos todos os dias, a esta hora. Saudade? Não, não é isto: é desespero, raiva, um peso enorme no coração. Procuro recordar o que dizíamos. Impossível. As minhas palavras eram apenas palavras, reprodução imperfeita de fatos exteriores, e as dela tinham alguma coisa que não consigo exprimir. Para senti-las melhor, eu apagava as luzes, deixava que a sombra nos envolvesse até ficarmos dois vultos indistintos na escuridão. Lá fora os sapos arengavam, o vento gemia, as árvores do pomar tornavam-se massas negras. - Casimiro! (...) A figura de Casimiro Lopes aparece à janela, os sapos gritam, o vento sacode as árvores, apenas visíveis na treva. Maria das Dores entra e vai abrir o comutador. Detenho-a: não quero luz. O tique-taque do relógio diminui, os grilos começam a cantar. E Madalena surge no lado de lá da mesa. Digo baixinho: - Madalena! A voz dela me chega aos ouvidos. Não, não é aos ouvidos. Também já não a vejo com os olhos. Estou encostado à mesa, as mãos cruzadas. Os objetos fundiram-se, e não enxergo sequer a toalha branca. - Madalena... A voz de Madalena continua a acariciar-me. Que diz ela? Pede-me naturalmente que mande algum dinheiro a Mestre Caetano. Isto me irrita, mas a irritação é diferente das outras, é uma irritação antiga, que me deixa inteiramente calmo. Loucura estar uma pessoa ao mesmo tempo zangada e tranqüila. Mas estou assim. Irritado contra quem? Contra Mestre Caetano. Não obstante ele ter morrido, acho bom que vá trabalhar. Mandrião! A toalha reaparece, mas não sei se é esta toalha sobre que tenho as mãos cruzadas ou a que estava aqui há cinco anos. (...) Agitam-se em mim sentimentos inconciliáveis, colerizo-me e enterneço-me; bato na mesa e tenho vontade de chorar. Aparentemente estou sossegado: as mãos continuam cruzadas sobre a toalha e os dedos parecem de pedra. Entretanto ameaço Madalena com o punho. Esquisito. Distingo no ramerrão da fazenda as mais insignificantes minudências. Maria das Dores, na cozinha, dá lições ao papagaio. Tubarão rosna acolá no jardim. O gado muge no estábulo. O salão fica longe: para irmos lá temos de atravessar um corredor comprido. Apesar disso a palestra de Seu Ribeiro e Dona Glória é bastante clara. A dificuldade seria reproduzir o que eles dizem. É preciso admitir que estão conversando sem palavras. Padilha assobia no alpendre. Onde andará Padilha? Se eu convencesse Madalena de que ela não tem razão... Se lhe explicasse que é necessário vivermos em paz... Não me entende. Não nos entendemos. O que vai acontecer será muito diferente do que esperamos. Absurdo. Há um grande silêncio. Estamos em julho. O nordeste não sopra e os sapos dormem. (...) Repito que tudo isso continua a azucrinar-me. O que não percebo é o tique-taque do relógio. Que horas são? Não posso ver o mostrador assim às escuras. Quando me sentei aqui, ouviam-se as pancadas do pêndulo, ouviam-se muito bem. Seria conveniente dar corda ao relógio, mas não consigo mexer-me.
Graciliano Ramos (São Bernardo)
Pedacinho por pedacinho, desliguei-a. Vi luzes se apagando uma após a outra. Observei o espaço Cansino retroceder. Primeiro sumiram as galáxias, logo em seguida as estrelas, e então: trevas, somente o fundo das minhas pálpebras.
Justine Larbalestier (Magic's Child (Magic or Madness, #3))
É impossível reter o favor e o amor de Deus e manter comunhão com Ele, não sentindo responsabilidade pelas pessoas pelas quais Cristo morreu, que se acham em erro e trevas, perecendo em seus pecados. Se os que professam ser seguidores de Cristo deixam de brilhar como luzes no mundo, o poder vital retirar-se-á deles, e se tornarão frios e sem espírito cristão. Estará sobre eles a fascinação da indiferença, um torpor de alma semelhante ao da morte, que farão com que sejam corpos mortos, ao invés de vivos representantes de Jesus.
Anonymous
São letras as que de dor por vezes Traçamos, e entretanto: as sombras são silenciosas, que investem contra a parede dos sonhos. São gestos do tempo os que na estação das rosas suspeitávamos: longe do rosto, lá fora, crescem coisas a que sem saber nos destinamos. Ontem, ontem foi que fora do tempo adivinhávamos como as palavras se calam. Hoje distribuímos o gelo pelas caladas coisas, Como anteciando o que só a nossa noite inclina. Amanhã acendemos as luzes da terra, para que o ar saiba onde pode renascer.
Helena Carvalhão Buescu (Ardem as Trevas e Outros Lugares)
Prestávamos atenção às palavras para sabermos como eram ditas as coisas. Porque alguns livros pareciam perfumar a linguagem, outros sujavam-na e outros ignoravam-na. Os livros podiam ser atentos ou desatentos ao modo como contavam. Nós, inspeccionando muito rigorosamente, achávamos melhores aqueles que falavam como se inventassem modos de falar. Para percebermos melhor o que, afinal, era reconhecido mas nunca fora dito antes. Os melhores livros inauguravam expressões. Diziam-nas pela primeira vez como se as nascessem. Ideias que nasciam para caberem nos lugares obscuros da nossa existência. Andávamos como pessoas com luzes acesas dentro. As palavras como lâmpadas na boca. Iluminando tudo no interior da cabeça. (...) As palavras deixavam-nos mágicos.
Valter Hugo Mãe (A Desumanização)
Nem eu, nem tu, nem ela, nem qualquer outra pessoa dessa história poderia responder mais, tão certo é que o destino, como todos os dramaturgos, não anuncia as peripécias nem o desfecho. Eles chegam a seu tempo, até que o pano cai, apagam-se as luzes, e os espectadores vão dormir. Nesse gênero há porventura alguma coisa que reformar, e eu proporia, como ensaio, que as peças começassem pelo fim. Otelo mataria a si e a Desdêmona no primeiro ato, os três seguintes seriam dados à ação lenta e decrescente do ciúme, e o último ficaria só com cenas iniciais da ameaça aos turcos, as explicações de Otelo e Desdêmona, e o bom conselho do fino lago: "Mete dinheiro na bolsa". Desta maneira, o espectador, por um lado, acharia no teatro a charada habitual que os periódicos lhe dão, porque os últimos atos explicam o desfecho do primeiro, espécie de conceito, e, por outro lado, ia para a cama com uma boa impressão de ternura e de amor: Ela amou o que me afligira, Eu amei a piedade dela.
Machado de Assis (Dom Casmurro)
Numa manhã de abril, acordei meio fissurado. Fiquei ali deitado, observando as sombras no teto de estuque branco. Me lembrei de um tempo muito remoto, quando eu deitava ao lado da minha mãe e ficava olhando as luzes da rua deslizarem do teto pras paredes. Senti uma saudade aguda dos apitos de trem, do som de piano ecoando na rua, de folhas secas. Fissura de junk, quando moderada, sempre me traz de volta a magia da infância. “Nunca falha”, pensei. “É que nem um pico. Será que os outros junkies também curtem essa maravilha?” Fui ao banheiro tomar um pico. Há tempos andava espetando a mesma veia. A agulha entupiu duas vezes. O sangue escorria pelo meu braço. O junk se espalhou pelo meu corpo, uma injeção de morte. O sonho acabara. Fiquei olhando o sangue escorrer do cotovelo pro pulso. Senti uma súbita compaixão pelas veias e tecidos violados. Enxuguei com carinho o sangue do meu braço. — Vou cair fora disto — eu disse em voz alta.
Anonymous
...Ele acariciava-a nalguns cabelos enquanto ela brincava com o bordo dos bolsos das calças, a enfiar primeiro a ponta das unhas compridas, a seguir os dedos, e só depois o resto das mãos, a procurá-lo, a encontrá-lo? Onde estamos nós quando nos estão por dentro? Um punho vazio por lá, até ao fim da algibeira, uma aproximação mais intima que qualquer amor, uma compreensão, um entendimento sobre qualquer reacção, alguém verdadeiramente nos braços de alguém, confiantes, donos de si, entregues um ao outro - Toma, é para ti. Toda a gente a perder o sorriso à volta menos vocês os dois, indiferentes ao local onde se tocavam, como se estivessem dentro de uma casa feita com lençóis, duas crianças livres sem mais nada na vontade, só o que tinham em frente, a encostarem-se, a voarem alto sem chão para aterrar, planam baloiçando até ao cimo dos prédios, serenos, satisfeitos, a cidade inteira nos pés, as luzes acendem-se a anunciar a noite, se não largarem as mãos sabem sempre para onde ir, com uma aprovação sobre aquilo que sentem, quantos de nós a tem? A aflição de uma paixão sem dó, um beijo escorregadio, uma nudez para além do corpo, clara, impaciente, apertos marcados na nuca, cinco dedos a tocarem piano numa das pernas, a cantarem uma melodia baixinho, lentamente.
Ivan Vera Gomes
E se alguém me perguntasse por que eu tenho que viver ao invés de outra pessoa, eu não saberia o que dizer.
Luisa Geisler (Luzes de emergência se acenderão automaticamente)
No Banco Imobiliário da vida eu só caio na casa da Sorte ou Revés, só que sem as cartinhas da Sorte.
Luisa Geisler (Luzes de emergência se acenderão automaticamente)
A vida era esse eterno “vamos marcar de se ver”.
Luisa Geisler (Luzes de emergência se acenderão automaticamente)
Sempre pensei que o jeito que alguém reage ao clima diz muito sobre a pessoa.
Luisa Geisler (Luzes de emergência se acenderão automaticamente)
Somos todos estagiários fodidos nessa firma deficitária que se chama vida.
Luisa Geisler (Luzes de emergência se acenderão automaticamente)
É aquela história de não conseguir viver num universo pequeno quando tu já viu mais.
Luisa Geisler (Luzes de emergência se acenderão automaticamente)
Acho que minha meta de vida é não acordar um dia aos cinquenta anos num emprego que eu odeio porque me forçaram a estabelecer metas de vida quando eu era novo demais.
Luisa Geisler (Luzes de emergência se acenderão automaticamente)
Tenho a sensação de que eu vou ficar o resto da minha vida procurando o que é que eu quero fazer e tal e nunca vou saber exatamente.
Luisa Geisler (Luzes de emergência se acenderão automaticamente)
É triste quando as pessoas que te deram as melhores memórias se tornam memórias apenas.
Luisa Geisler (Luzes de emergência se acenderão automaticamente)
De uma certa forma, um relacionamento são duas pessoas que se recusam a desistir uma da outra.
Luisa Geisler (Luzes de emergência se acenderão automaticamente)
Um mundo que se pode explicar, mesmo com raciocínios errôneos, é um mundo familiar. Mas num universo repentinamente privado de ilusões e de luzes, pelo contrário, o homem se sente um estrangeiro. É um exílio sem solução, porque está privado de lembranças de uma pátria perdida ou da esperança de uma terra prometida.Esse divórcio entre o homem e sua vida, o ator e seu cenário é propriamente o sentimento do absurdo.E como todos os homens sadios já pensaram no seu próprio suicídio, pode-se reconhecer, sem maiores explicações, que há um laço direto entre tal sentimento e a aspiração ao nada.
Albert Camus (El Mito de Sisifo)
Todo mundo tem um pouco de Sol e Lua. Todo mundo tem um pouco de homem, mulher e animal. Escuridões e luzes. Todo mundo é parte conectada de um sistema cósmico. Parte terra e mar, vento e fogo, com um pouco de sal e pó nadando entre eles. Temos um universo dentro de nós mesmos que imita o universo lá fora. Nenhum de nós está apenas preto ou branco, ou nunca errado e sempre certo. Ninguém. Ninguém existe sem polaridades. Todo mundo tem forças boas e más trabalhando com eles, contra eles e dentro deles.
Suzy Kassem (Rise Up and Salute the Sun: The Writings of Suzy Kassem)
Nas noites da Bahia, numa praça de Itapagipe, as luzes do carrossel girariam loucamente movimentadas pelo Sem-Pernas. Era como num sonho, sonho muito diverso dos que o Sem-Pernas costumava ter nas suas noites angustiosas. E pela primeira vez seus olhos sentiram-se úmidos de lágrimas que não eram causadas pela dor ou pela raiva. E seus olhos úmidos miravam Nhozinho França como a um ídolo. Por ele até a garganta de um homem o Sem-Pernas abriria com a navalha que traz entre a calça e o velho colete preto que lhe serve de paletó.
Jorge Amado (Capitães da Areia)
Mas”, ele disse, “luzes de emergência se acendendo automaticamente podem ser úteis”. “Dá pra usar no cinema, em prédios, na rua, coisa e tal.” “Imagina essas luzes na nossa vida. Hein, tá dando alguma merda que te tira a noção, que deixa as coisas mais nebulosas. As luzes acendem.” “Deve ter pessoas assim, que são luzes.” “E quando tu é cego pras luzes, hein?” “Daí é uma emergência mesmo.
Luisa Geisler (Luzes de emergência se acenderão automaticamente)
E, não importa onde a gente esteja, ou que horas sejam, o mundo está no escuro e nós somos duas luzes piscando. Na mesma sintonia. Nenhuma das duas piscando sozinha.
Taylor Jenkins Reid
A escritura, o ato de escrever, minhas senhoras e meus senhores, o estranho e inexplicável desejo de dar forma e expressão à aventura do nosso viver, é uma sedução atraente, porém perigosa. Já que não podemos mesmo desvendar o segredo onírico de nossa vida, é melhor calarmo-nos humildemente e sair do caminho em silêncio. Ainda assim, algo nos impele para frente, para as luzes da ribalta da atenção pública, e, à maneira de um cabotino ávido, em retribuição, procuramos embolsar um pequeno agrado e alguma compreensão. Ora, o que isso muda naquilo que já aconteceu, ou que ainda tem de acontecer?
Imre Kertész
Num universo repentinamente privado de ilusões e de luzes, o homem se ente um estrangeiro. É um exílio sem solução, porque está privado das lembranças de uma pátria perdida ou da esperança de uma terra prometida
Albert Camus (O mito de Sísifo)
Num universo repentinamente privado de ilusões e de luzes, o homem se sente um estrangeiro. É um exílio sem solução, porque está privado das lembranças de uma pátria perdida ou da esperança de uma terra prometida
Albert Camus (O mito de Sísifo)
Quantas vezes esperamos as sombras da noite com mais fervor do que as luzes do dia? p. 64
Mathias Aires (Reflexions on men's vanity)
Quantas luzes se acenderam, não sei se dentro de mim, não sei se à volta de mim!
Sebastião da Gama (Cabo da Boa Esperança)
- Elentiya. - Nehemia parou para se voltar e a olhar. O vazio parecia estar a girar, engolindo-a pedaço a pedaço. - Ainda não vais compreender, mas...eu sabia qual seria o meu destino , e recebi-o de braços abertos. Corri para ele. Porque era a única forma de as coisas começarem a mudar para que certos acontecimentos se iniciassem. Mas, independentemente do que fiz, Elentiya, quero que saibas que, na escuridão dos últimos dez anos, tu foste para mim uma das luzes mais luminosas, Não deixes que essa luz se extinga.
Sarah J. Maas (Queen of Shadows (Throne of Glass, #4))
E se corria a oitenta quilômetros por hora em direção às luzes que cresciam pouco a pouco, sem que já se soubesse bem para que tanta pressa, por que essa correria na noite entre automóveis desconhecidos onde ninguém sabia nada sobre os outros, onde todos olhavam fixamente para a frente, exclusivamente para a frente.
Julio Cortázar
Reaparece aqui o realismo cristão, que não deita fora nada do que existe. A realidade, na sua misteriosa persistência e complexidade, é portadora dum sentido da existência com as suas luzes e sombras. É isto que leva o apóstolo Paulo a dizer: "Sabemos que tudo contribui para o bem daqueles que amam a Deus" (Rm 8, 28). E Santo Agostinho acrescenta: tudo, "incluindo aquilo que é chamado mal". Nesta perspectiva global, a fé dá significado a todos os acontecimentos, sejam eles felizes ou tristes.
Papa Francisco
Por mais que respirasse, as lesões em sua alma pareciam demasiadas profundas para que ela aguentasse muito mais. Desejou que aquela criança, antes de morrer, tivesse pedido ao Papai Noel que sobrevivessem.
Julie Pedrosa (Luzes de emergência)
É preciso frisar ainda uma vez para que bem gravado fique em todas as mentes, que a única finalidade da vida humana, outra não é senão a aquisição de maiores luzes e bênçãos para o Espírito de cada ser encarnado.
Diamantino Coelho Fernandes (ELUCIDÁRIO - Obra Ditada Pelo Espírito de Paulo de Tarso)
O progresso das Luzes e o da felicidade não andam no mesmo passo; a euforia da moda tem como complemento o abandono, a depressão, a perturbação existencial. Há mais estimulações de todo gênero, mas mais inquietude de viver; há mais autonomia privada, mas mais crises íntimas. Tal é a grandeza da moda, que remete sempre mais o indivíduo para si mesmo; tal é a miséria da moda, que nos torna cada vez mais problemáticos para nós mesmos e para os outros.
Gilles Lipovetsky (The Empire of Fashion by Gilles Lipovetsky (1994-10-03))
Quis elucidar, através do cinema, o sentimento de realidade que nos surge a partir de um imaginário, ele próprio se concretizando a partir de um jogo de sombras e de luzes. Quis compreender o processo de identificação e de projecção que nos faz viver a vida das personagens do filme, mesmo ficando sentados na nossa poltrona. Somos capazes de compreender e amar pessoas que nos repugnam na vida quotidiana. Por exemplo, amamos o vagabundo que nem sequer olhamos na rua, quando ele é interpretado por Charlie Chaplin.
Edgar Morin
Dama-da-noite tem perfume de lua cheia. É fantasmagórica e um pouco assustadora e é para quem ama o perigo. Só sai de noite com seu cheiro tonteador. Dama-da-noite é silente. E também da esquina deserta e em trevas e dos jardins de casas de luzes apagadas e janelas fechadas. É perigosíssima: é um assobio no escuro, o que ninguém aguenta.
Clarice Lispector (Água Viva)
A cidade está impregnada de vazio. Um carro atropela meus olhos com suas luzes. O condutor foge, pois é difícil me ver na escuridão.
Herta Müller (Dépressions)
A onipresença do PHI na Natureza – disse Langdon, apagando as luzes – claramente está além da coincidência, e assim os antigos presumiram que o número PHI deve ter sido predeterminado pelo Criador do universo.
Dan Brown (O código Da Vinci (Robert Langdon, #2))
Às vezes é preciso apagar todas as luzes para ver onde estão as pequenas chamas que bruxuleiam no escuro, que são capazes de iluminar o caminho.
Daniel Gruber (A Floresta (Portuguese Edition))
Chovia copiosamente quando o palhaço se deteve no início da zebra. Pouco habituado a que parassem, dava um passo de cada vez, alternando entre o branco e o negro com os dois enormes sapatos vermelhos abatatados, escondido pelo guarda-chuva verde gigante que mais parecia um chapéu de praia. Mas o carro fez sinal de luzes quatro vezes, enquanto fumegava dos faróis e batia o pára-brisas como um par de asas despidas. Insistiu parado que tinha tempo e continuou a acenar na direcção dos ramos de árvore reflectidos no vidro, para que o palhaço avançasse à vontade sem hesitar. Uma rapariga altíssima vestida de negro, de tez de oiro e cabelos em chamas, acercou-se da passadeira no lado oposto da rua, junto a uma carrinha branca onde um homem arredondado descarregava caixas de madeira. Ela pode ter sorrido, ou piscado o olho levemente, quem sabe soprou um beijo na direcção do condutor, que a seguiu com os olhos todos, a cabeça virada, o corpo erguido do assento, e o pé caiu tenso num pedal qualquer, sem ver a frente, sem sentir o balanço, a explosão do motor. Talvez guiado pela expressão grave que sobre ela se abateu, guinou o carro para a direita em último recurso, sem saber em que pedal carregou a fundo com os dois pés, enquanto o ocupante da zebra virava o chapéu verde para baixo, como se este fosse um escudo de ferro maciço. Assustado, o comerciante largou uma das caixas que carregava e fez rebolar diversas dúzias de laranjas pela estrada, em todas as direcções, como um bando de pássaros que ouve um tiro.Caprichosa, uma das peças de fruta desviou-se de uma poça demasiado funda e foi aninhar-se sorrateira debaixo do pé de apoio do homem. Incapaz de a chutar para canto, sem mãos livres para se agarrar, estatelou-se no chão molhado. Em aquaplaning e a patinar aos rodopios como uma ventoinha de tecto, o utilitário urbano metalizado de cinco portas passou por cima de ambas as pernas do palhaço, seguiu a fazer sumo de laranja aguado, para finalmente se deter num candeeiro grosso que piscou duas vezes e fundiu, antes de rasgar o toldo da mercearia, a caminho do comerciante inerte no alcatrão.
Rogério Gomes (o moralista)
O dedo duro aponta os cinco dedos, cada dedo acusa o que o dito cujo! Um sonho dentro de um sonho dentro de um sonho dentro de um sonho dentro, e no fundo do sonho dos sonhos, o Senhor das Luzes e das Sombras, Lúcifer, rex somniorum! Ouço música dentro da minha cabeça, gês gingando, rês pingando: o lixo da música, silêncio. Cai um som em cima do ronco; bater coisas em coisas é música e é coisa. Regime do solitário. Desconfio da flecha, Bardesanes. Parece saber dos nossos intentos. Saberá que Zenão atira mas não? Pouco curiosos em relação ao que sabemos, e como sabemos tão pouco, mal, demais, sobre tão pouco e um outro tanto! Onde estarão minhas flechas, já estão aí à porta, já ouço, si ego sibilinus sibilo crudeliter te excruciabo! Profecia. Essa flecha ia. Decreto. Seja lançada. Princípio. A flecha, de todos. Réplica. Os que atiram. Súplica. Não atire. Oração.Ó fecha de Zenão. Corrigenda. Disse senão? Reprimenda. Eu disse não. Flecha de quatro lados, lance de desenlace numa jogada! Flechas persas, intermediárias entre os gregos e o sol: incendiárias. Cadabrilho atrai trabalho, cada bicho troca de barulho. Constraço. Retrusco: traga. Trinca de quatro. Tome um trago, toque aqui. Um treco. Um taco, um tranco. Trinque o trunfo em três, tranque troco. Truque: repito o que digo e discuto com o eco. Morre ser, fica o signo: chinfrim de três em pipa, papo, pepo e pupo!
Paulo Leminski (Catatau (Portuguese Edition))
Ignorância virtuosa” é um termo que já foi usado para descrever a recusa de se pesquisar sobre armas nucleares, por exemplo, ou pelo menos de se divulgar publicamente os resultados. Outras características positivas de diferentes tipos de ignorância têm sido enfatizadas por sociólogos e antropólogos, que escreveram sobre suas diversas “funções sociais” ou “regimes”. Os sacerdotes, por exemplo, são obrigados a guardar os segredos do confessionário, enquanto os médicos juram respeitar a privacidade de seus pacientes. A democracia é protegida no sigilo das cédulas de votação. É o anonimato que permite aos examinadores avaliar trabalhos sem preconceitos e aos participantes da revisão por pares dizer exatamente o que pensam sobre o trabalho de seus colegas. As negociações secretas permitem que os governos façam concessões ao outro lado que seriam impossíveis sob as luzes da publicidade. A informação produz não apenas benefícios, mas também perigos.
Peter Burke (Ignorância: Uma história global (Portuguese Edition))
Lá estava o Deus-menino de braços abertos. Nu, pobre, vazio e friorento como ele. Nem as luzes da loja, nem as falsas estrelas conseguiam esconder a sua pobreza e solidão.
Conceição Evaristo (Olhos d'Água)