Lima Barreto Quotes

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Em nome da religião têm-se praticado muitos crimes; em nome da arte têm-se justificado muitas sem-vergonhices; mas, atualmente, é a ciência que justifica crimes e também assaltos aos minguados orçamentos do país.
Lima Barreto (Lima Barreto: Cronista do Rio (Portuguese Edition))
E ela pensava como esta nossa vida é variada e diversa, como ela é mais rica de aspectos tristes que de alegres, e como na variedade da vida a tristeza pode mais variar que a alegria e como que dá o próprio movimento da vida.
Lima Barreto (O Triste Fim de Policarpo Quaresma)
- Cedo, hein, major? - É verdade. E calaram-se ficando um diante do outro num mutismo contrafeito. Ricardo avançou algumas palavras: - O major, hoje, parece que tem uma idéia, um pensamento muito forte. - Tenho, filho, não de hoje, mas de há muito tempo. - É bom pensar, sonhar consola. - Consola, talvez: mas faz-nos também diferentes dos outros, cava abismos entre os homens...
Lima Barreto (Triste Fim de Policarpo Quaresma)
Algumas sepulturas como se olhavam com afeto e se queriam aproximar; em outras, transparecia repugnância por estarem perto. Havia ali, naquele mudo laboratório de decomposições, solicitações incompreensíveis, repulsões, simpatias e antipatias; havia túmulos arrogantes, vaidosos, orgulhosos, humildes, alegres e tristes; e de muito, ressumava o esforço, um esforço extraordinário, para escapar ao nivelamento da morte, ao apagamento que ela traz às condições e às fortunas.
Lima Barreto (O Triste Fim de Policarpo Quaresma)
..., desde muito, havia encontrado, no fundo das coisas humanas, um vazio absoluto.
Lima Barreto (Carta de um Defunto Rico)
O que me admira, é que tenhas corrido tantas aventuras aqui, neste Brasil imbecil e burocrático.
Lima Barreto (O Homem Que Sabia Javanês)
Querem saber de uma cousa? No Brasil, tudo é possível.
Lima Barreto (Lima Barreto: Cronista do Rio (Portuguese Edition))
A nossa burguesia republicana é a mais inepta de todas as burguesias. Não tem gosto, não tem arte, não possui o mais elementar sentimento da natureza. Há nela pressa em tudo: no galgar posições, no construir, no amor, no ganhar dinheiro, etc. Vai, nessa carreira, atropelando, vai matando, vai empurrando tudo e todos; e, como não tenha educação, cultura e instrução, quando se apossa do dinheiro, ganho bem ou mal, não sabe refletir como aplicá-lo, num gesto próprio e seu; então, intimida o idiota que procura em comprar o que for caro, porque será decerto o mais belo.
Lima Barreto (Lima Barreto: Cronista do Rio (Portuguese Edition))
Vivendo há trinta anos quase só, sem se chocar com o mundo, adquirira uma sensibilidade muito viva e capaz de sofrer profundamente com a menor coisa. Nunca sofrera críticas, nunca se atirou à publicidade, vivia imerso no seu sonho, incubado e mantido vivo pelo calor dos seus livros. Fora deles, ele não conhecia ninguém; e, com as pessoas com quem falava, trocava pequenas banalidades, ditos de todo dia, coisas com que a sua alma e o seu coração nada tinham que ver. Nem mesmo a afilhada o tirava dessa reserva, embora a estimasse mais que a todos. Esse encerramento em si mesmo deu-lhe não sei que ar de estranho a tudo, às competições, às ambições, pois nada dessas coisas que fazem os ódios e as lutas tinha entrado no seu temperamento. Desinteressado de dinheiro, de glória e posição, vivendo numa reserva de sonho, adquirira a candura e a pureza d'alma que vão habitar esses homens de uma ideia fixa, os grandes estudiosos, os sábios, e os inventores, gente que fica mais terna, mais ingênua, mais inocente que as donzelas das poesias de outra época. É raro encontrar pessoas assim, mas as há e, quando se as encontra, mesmo tocadas de um grão de loucura, a gente sente mais simpatia pela nossa espécie, mais orgulho de ser humano e mais esperança na felicidade da raça.
Lima Barreto (Triste Fim de Policarpo Quaresma)
O major está no interior da casa que serve de quartel, lendo. O seu estudo predileto é agora artilharia. Comprou compêndios; mas, como sua instrução é insuficiente, da artilharia vai à balística, da balística à mecânica, da mecânica ao cálculo e à geometria analítica; desce mais a escada; vai à trigonometria, à geometria e à álgebra e à aritmética. Ele percorre essa cadeia de ciências entrelaçadas com uma fé de inventor. Aprende uma noção elementaríssima após um rosário de consultas, de compêndio em compêndio; e leva assim aqueles dias de ócio guerreiro enfronhado na matemática, nessa matemática rebarbativa e hostil aos cérebros que já não são moços.
Lima Barreto (O Triste Fim de Policarpo Quaresma)
- É isto! “Eu”, porque “eu”, porque “eu”, é só “eu”, para aqui, “eu”para ali... Não pensas noutra cousa... A vida é feita para ti, todos só devem viver para ti... Muito engraçado! De forma que eu (agora digo “eu” também) não tenho direito de me sacrificar, de provar a minha amizade, de ter na minha vida um traço superior? É interessante! Não sou nada, nada! Sou alguma cousa como um móvel, um adorno, não tenho relações, não tenho amizades, não tenho caráter? Ora!... - Ela falava, ora vagarosa e irônica, ora rapidamente e apaixonada; e o marido tinha diante de suas palavras um grande espanto. Ele vivera sempre tão longe dela que não a julgara nunca capaz de tais assomos. Então aquela menina? Então aquele bibelot? Quem lhe teria ensinado tais cousas? Quis desarmá-la com uma ironia e disse risonho: - Está no teatro? - Ela lhe respondeu logo: - Se é só no teatro que há grandes cousas, estou. - E acrescentava com força: - É o que te digo: vou e vou, porque devo, porque quero, porque é do meu direito. - Apanhou a sombrinha, consertou o véu e saiu solene, firme, alta e nobre. O marido não sabia o que fazer. Ficou assombrado e assombrado e silencioso viu-a sair pela porta fora.
Lima Barreto (O Triste Fim de Policarpo Quaresma)
- O quê? - fez indignado Flores, erguendo-se, num só e rápido movimento, da cadeira, e deixando a xícara sobre a mesa. - Pois tu não sabes quem sou eu, quem é Leonardo Flores? Pois tu não sabes que a poesia para mim é a minha dor e é a minha alegria, é a minha própria vida? Pois tu não sabes que tenho sofrido tudo, dores, humilhações, vexames, para atingir o meu ideal? Pois tu não sabes que abandonei todas as honrarias da vida, não dei o conforto que minha mulher merecia, não eduquei convenientemente meus filhos, unicamente para não desviar dos meus propósitos artísticos? Nasci pobre, nasci mulato, tive uma instrução rudimentar, sozinho completei-a conforme pude; dia e noite lia e relia versos e autores; dia e noite procurava na rudeza aparente das coisas achar a ordem oculta que as ligava, o pensamento que as unia; o perfume à cor, o som aos anseios de mudez de minha alma; a luz à alegoria dos pássaros pela manhã; o crepúsculo ao cicio melancólico das cigarras - tudo isto eu fiz com sacrifício de coisas mais proveitosas, não pensando em fortuna, em posição, em respeitabilidade. Humilharam-me, ridicularizaram-me, e eu, que sou homem de combate, tudo sofri resignadamente. Meu nome afinal soou, correu todo este Brasil ingrato e mesquinho; e eu fiquei cada vez mais pobre, a viver de uma aposentadoria miserável, com a cabeça cheia de imagens de ouro e a alma iluminada pela luz imaterial dos espaços celestes. O fulgor do meu ideal me cegou; a vida, quando não me fosse traduzida em poesia, aborrecia-me. Pairei sempre no ideal; e se este me rebaixou aos olhos dos homens, por não compreender certos atos desarticulados da minha existência; entretanto, elevou-me aos meus próprios, perante a minha consciência, porque cumpri o meu dever, executei a minha missão: fui poeta! Para isto, fiz todo o sacrifício. A Arte só ama a quem a ama inteiramente, só e unicamente; e eu precisava amá-la, porque ela representava, não só a minha Redenção, mas toda a dos meus irmãos, na mesma dor. Louco?! Haverá cabeça cujo maquinismo impunemente possa resistir a tão inesperados embates, a tão fortes conflitos, a colisões com o meio tão bruscas e imprevistas? Haverá?
Lima Barreto (Clara dos Anjos)
É mais decente pôr a nossa ignorância no mistério, do que querer mascará-la em explicações que a nossa lógica comum, quotidiana, de dia-a-dia, repele imediatamente, e para as quais as justificações com argumentos de ordem especial não fazem mais do que embrulha-las, obscurece-las a mais não poder
Lima Barreto (O Cemitério dos Vivos)
- É bom pensar, sonhar consola. - Consola, talvez; mas faz-nos também diferentes dos outros, cava abismos entre os homens...
Lima Barreto (Triste Fim de Policarpo Quaresma)
Que o julgassem doido - vá! Mas que desconfiassem da sinceridade das suas afirmações, não!
Lima Barreto (O Triste Fim de Policarpo Quaresma)
ltimamente, com a criação de seções elegantes nos jornais, aparecem todos os meses novos qualificativos para nossas elegantes. Já tivemos as “encantadoras”, já tivemos as “melindrosas”, agora temos as “vaporosas”.
Lima Barreto (Lima Barreto: Cronista do Rio (Portuguese Edition))
Vaporosas” parece querer dizer que essas moças estão desprendendo vapor. Acho aí um pouco de indelicadeza. Uma moça deve ser sempre uma cousa útil; e o vapor só é útil quando está sob pressão. Era só a crítica que eu tinha a fazer a essa novíssima designação para as elegantes da Avenida e Rua do Ouvidor. Se é pelo vestuário, seria muito melhor que fossem elas chamadas – “transparentes”.
Lima Barreto (Lima Barreto: Cronista do Rio (Portuguese Edition))
Tudo nesta vida é o sucesso. Pode-se começar por este ou aquele meio defeituoso ou condenado; mas, se se obteve sucesso, a massa está disposta a admirar o audaz bem-sucedido.
Lima Barreto (Lima Barreto: Cronista do Rio (Portuguese Edition))
O amor, ao que parece, é como o mundo, nasce das trevas;
Lima Barreto (Lima Barreto: Cronista do Rio (Portuguese Edition))
É bom, meu caro Senhor Doutor Prefeito, viver na pobreza, mas muito melhor é morrer nela. Não se levam para a cova maldições dos parentes e amigos deserdados; só carregamos lamentações e bênçãos daqueles a quem não pagamos mais a casa. Foi o que aconteceu comigo e estava certo de ir direitinho para o Céu, quando, por culpa do Senhor e da Repartição que o Senhor dirige, tive que ir para o inferno penar alguns anos ainda. Embora a pena seja leve, eu me amolei, por não ter contribuído para ela de forma alguma. A culpa é da Prefeitura Municipal do Rio de Janeiro, que não cumpre os seus deveres, calçando convenientemente as ruas. Vamos ver por quê. Tendo sido enterrado no cemitério de Inhaúma e vindo o meu enterro do Méier, o coche e o acompanhamento tiveram que atravessar em toda a extensão a Rua José Bonifácio, em Todos os Santos. Esta rua foi calçada há perto de cinquenta anos a macadame e nunca mais foi o seu calçamento substituído. Há caldeirões de todas as profundidades e larguras, por ela afora. Dessa forma, um pobre defunto que vai dentro do caixão em cima de um coche que por ela rola sofre o diabo. De uma feita um até, após um trambolhão do carro mortuário, saltou do esquife, vivinho da silva, tendo ressuscitado com o susto.
Lima Barreto (Lima Barreto: Cronista do Rio (Portuguese Edition))
Mas, os grosseiros homens do nosso tempo, homens educados nos cafundós escusos da City londrina ou nos gabinetes dos banqueiros de Wall Street, onde se fomenta a miséria dos povos, não lhe quiseram ver a grandeza, o mistério e a divindade, a sua palpitação íntima.
Lima Barreto (Lima Barreto: Cronista do Rio (Portuguese Edition))
Quando voltei, o presidente pediu-me desculpas por me ter dado aquela secção; não conhecia os meus trabalhos e julgara que, por ser eu americano brasileiro, me estava naturalmente indicada a secção do tupi-guarani
Lima Barreto (O homem que sabia javanês)
Via bem o que fazia o desespero da moça, mas via melhor a causa, naquela obrigação que incrustam no espírito das meninas, que elas se devem casar a todo custo, fazendo do casamento o pólo e fim da vida, a ponto de parecer uma desonra, uma injúria ficar solteira. O casamento já não é mais amor, não é maternidade, não é nada disso: é simplesmente casamento, uma coisa vazia, sem fundamento nem na nossa natureza nem nas nossas necessidades.
Lima Barreto (O Triste Fim de Policarpo Quaresma)
O amor tudo pode, para ele não há obstáculos de raça, de fortuna, de condição; ele vence, com ou sem pretor, zomba da Igreja e da Fortuna, e o estado amoroso é a maior delícia da nossa existência, que se deve procurar gozá-lo e sofrê-lo, seja como for. O martírio até dá-lhe mais requinte...
Lima Barreto (Clara dos Anjos)
Por esse intrincado labirinto de ruas e bibocas é que vive uma grande parte da população da cidade, a cuja existência o governo fecha os olhos, embora lhe cobre atrozes impostos, empregados em obras inúteis e suntuárias noutros pontos do Rio de Janeiro. [...] O subúrbio é o refúgio dos infelizes. [...] O Rio de Janeiro, que tem, na fronte, na parte anterior, um tão lindo diadema de montanhas e árvores, não consegue fazê-lo coroa a cingi-lo todo em roda. A parte posterior, como se vê, não chega a ser um neobarbante que prenda dignamente o diadema que lhe cinge a testa olímpica...
Lima Barreto (Clara dos Anjos)
Não é noite, não é dia; não é o dilúculo, não é o crepúsculo; é a hora da angústia, é a luz da incerteza. No mar, não há estrelas nem sol que guiem; na terra, as aves morrem de encontro às paredes brancas das casas. A nossa miséria é mais completa e a falta daqueles mudos marcos da nossa atividade dá mais forte percepção do nosso isolamento no seio da natureza grandiosa.
Lima Barreto (Triste Fim de Policarpo Quaresma)
- Sol! Sol glorioso das auroras e das ressurreições! Sol divino que conténs todos nós, homens e plantas, bestas e gênios, insetos e vampiros, lesmas e belezas! Sol que tudo fecundas e transformas! Vem tu - ó Sol! - beijar esta augusta cabeça de imperador (apontava para Meneses hirto) que vai para sempre mergulhar na treva e só te verá de novo, quando for árvore, quando for arbusto, quando for pássaro e quando de novo voltar a ser homem. Beija-o ainda mais uma vez! Beija-o, porque ele te amou e muitas vezes voou para os espaços sidéreos, desejoso de ver o teu fulgor e morrer por tê-lo visto.
Lima Barreto (Clara dos Anjos)
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Lima Barreto
Quem uma vez esteve diante deste enigma indecifrável da própria natureza, fica amedrontado, sentindo que o gérmen daquilo está depositado em nós e que por qualquer cousa ele nos invade, nos toma, nos esmaga e nos sepulta numa desesperadora compreensão inversa e absurda de nós mesmos, dos outros e do mundo. Cada louco traz em si o seu mundo e para ele não há mais semelhantes: o que foi antes da loucura é outro muito outro do que ele vem a ser após".
Lima Barreto (O Triste Fim de Policarpo Quaresma)
Contudo tomamos a liberdade de lembrar que o Brasil é bem grande, possui muitos escritores, talvez demais para os leitores efetivos.
Lima Barreto (Lima Barreto: Cronista do Rio (Portuguese Edition))
Na rua, Clara pensou em tudo aquilo, naquela dolorosa cena que tinha presenciado e no vexame que sofrera. Agora é que tinha a noção exata da sua situação na sociedade. Fora preciso ser ofendida irremediavelmente nos seus melindres de solteira, ouvir os desaforos da mãe do seu algoz, para se conven- cer de que ela não era uma moça como as outras; era muito menos no con- ceito de todos. Bem fazia adivinhar isso, seu padrinho! Coitado!... A educação que recebera, de mimos e vigilâncias, era errônea. Ela devia ter aprendido da boca dos seus pais que a sua honestidade de moça e de mulher tinha todos por inimigos, mas isto ao vivo, com exemplos, cla- ramente... O bonde vinha cheio. Olhou todos aqueles homens e mulheres... Não haveria um talvez, entre toda aquela gente de ambos os sexos, que não fosse indiferente à sua desgraça... Ora, uma mulatinha, filha de um carteiro! O que era preciso, tanto a ela como às suas iguais, era educar o caráter, revestir-se de vontade, como possuía essa varonil Dona Margarida, para se defender de Cassis e semelhantes, e bater-se contra todos os que se opusessem, por este ou aquele modo, contra a elevação dela, social e moralmente. Nada a fazia inferior às outras, senão o conceito geral e a covardia com que elas o admitiam... Chegaram em casa; Joaquim ainda não tinha vindo. Dona Marga- rida relatou a entrevista, por entre o choro e os soluços da filha e da mãe. Num dado momento, Clara ergueu-se da cadeira em que se sentara e abraçou muito fortemente sua mãe, dizendo, com um grande acento de desespero: -- Mamãe! Mamãe! -- Que é minha filha? -- Nós não somos nada nesta vida.
Lima Barreto (Clara dos Anjos)
Nos meios burocráticos, uma superioridade que nasce fora deles, que é feita e organizada com outros materiais que não os ofícios, a sabença de textos de regulamentos e a boa caligrafia, é recebida com a hostilidade de uma pequena inveja. [...] Amam-se ou antes suportam-se melhor aqueles que se fazem célebres nas informações, na redação, na assiduidade ao trabalho, mesmo os doutores, os bacharéis, do que os que têm nomeada e fama. Em geral, a incompreensão da obra ou do mérito do colega é total e nenhum deles se pode capacitar que aquele tipo, aquele amanuense, como eles, faça qualquer coisa que interesse os estranhos e dê que falar uma cidade inteira.
Lima Barreto (Triste Fim de Policarpo Quaresma)
Aquelas cantigas gritadas, berradas, num ritmo duro e de uma grande indigência melódica, vinham como reprimir a mágoa que ia nela, abafada, comprimida, contida, que pedia uma explosão de gritos, mas para o que não lhe sobrava força bastante e suficiente. O noivo partira um mês antes do carnaval e depois do grande festejo carioca a sua tortura foi maior. Sem hábito de leitura e de conversa, sem atividade doméstica qualquer, ela passava os dias deitada, sentada, a girar em torno de um mesmo pensamento: não casar. Era-lhe doce chorar.
Lima Barreto (O Triste Fim de Policarpo Quaresma)
Às vezes, o fiel Anastácio seguia-o no descanso e ambos, lado a lado, à sombra de uma fruteira mais copada, ficavam a ver o ar pesado daqueles dias de verão que enrodilhava as folhas das árvores e punha nas coisas um forte acento de resignação mórbida. Então, aí por depois do meio-dia, quando o calor parecia narcotizar tudo e mergulhar em silêncio a vida inteira, é que o major percebia bem a alma dos trópicos, feita de desesncontros como aquele que se via agora, de um sol alto, claro, olímpico, a brilhar sobre um torpor de morte, que ele mesmo provocava
Lima Barreto (O Triste Fim de Policarpo Quaresma)
Pensou em ser homem. Se o fosse passaria ali e em outras localidades meses e anos, indagaria, observaria e com certeza havia de encontrar o motivo e o remédio. Aquilo era uma situação do camponês da Idade Média e do começo da nossa: era o famoso animal de La Bruyère que tinha face humana e voz articulada...
Lima Barreto (O Triste Fim de Policarpo Quaresma)
- "Sá dona tá" pensando uma coisa e a coisa é outra. Enquanto planta cresce, e então? "Quá, sá dona", não é assim. [...] Terra não é nossa... E "frumiga"?... Nós não "tem" ferramenta... isso é bom para italiano ou "alamão", que governo dá tudo... Governo não gosta de nós...
Lima Barreto (O Triste Fim de Policarpo Quaresma)
Quaresma vivia assim, sentindo que a campanha que lhe tinham movido, embora tendo deixado de ser pública, lavrava ocultamente. Havia no seu espírito e no seu caráter uma vontade de acabá-la de vez, mas como? Se não o acusavam, se não articulavam nada contra ele diretamente? Era um combate com sombras, com aparências, que seria ridículo aceitar. De resto, a situação geral que o cercava, aquela miséria da população campestre que nunca suspeitara, aquele abandono de terras à improdutividade, encamonhavam sua alma de patriota meditativo a preocupações angustiosas.
Lima Barreto (O Triste Fim de Policarpo Quaresma)
O estado de irritabilidade, provindo das constantes dificuldades por que passam, a incapacidade de encontrar fora do seu habitual campo de visão motivo para explicar o seu mal-estar, fazem-nas descarregar as suas queixas, em forma de desaforos velados, nas vizinhas com que antipatizam por lhes parecer mais felizes. Todas elas se têm na mais alta conta, provindas da mais alta prosápia, mas são pobríssimas e necessitadas. [sobre as habitantes dos subúrbios]
Lima Barreto (Clara dos Anjos)
De dentro da taverna, com passo apressado, veio ao seu encontro uma negra suja, carapinha desgrenhada, com um caco de pente atravessado no alto da cabeça, calçando umas remendadas chinelas de tapete. Estava meio embriagada. Cassi espantou-se com aquele conhecimento; fazendo um ar de contrariedade, perguntou amuado: — Que é que você quer? A negra, bamboleando, pôs as mãos nas cadeiras e fez com olhar de desafio: — Então, você não me conhece mais, "seu canaia"? Então você não "si" lembra da Inês, aquela crioulinha que sua mãe criou e você... Lembrou-se, então, Cassi, de quem se tratava. Era a sua primeira vítima, que sua mãe, sem nenhuma consideração, tinha expulsado de casa em adiantado estado de gravidez. Reconhecendo-a e se lembrando disso, Cassi quis fugir. A rapariga pegou-o pelo braço: — Não fuja, não, "seu" patife! Você tem que "ouvi" uma "pouca" mas de "sustança". A esse tempo, já os freqüentadores habituais do lugar tinham acorrido das tascas e hospedarias e formavam roda, em torno dos dois. Havia homens e mulheres, que perguntavam: — O que há, Inês? — O que te fez esse moço? Cassi estava atarantado no meio daquelas caras antipáticas de sujeitos afeitos a brigas e assassinatos. — Eu não conheço essa mulher. Juro... — "Muié", não! - fez a tal Inês, gingando. - Quando você "mi" fazia "festa", "mi" beijava e "mi" abraçava, eu não era "muié", era outra coisa, seu "cosa" ruim! Um negro esguio, de olhar afoito, com um ar decidido de capoeira, interveio: — Mas, Inês, quem é afinal esse moço? — É o "home qui mi" fez mal; que "mi" desonrou, "mi pois" nesta "disgraça". — Eu! - exclamou Cassi. — Sim! Você "memo", "seu" caradura! "Mi alembro" bem... Foi até no quarto de sua mãe... Estava arrumando a casa. Uma outra mulher, mas esta branca, com uns lindos cabelos castanhos, em que se viam lêndeas, comentou: — É sempre assim. Esses "nhonhôs gostosos" desgraçam a gente, deixam a gente com o filho e vão-se. A mulher que se fomente... Malvados! Cassi ouvia tudo isso sem saber que alvitre tornar. Estava amarelo e olhava, por baixo das pálpebras, todas as faces daquele ajuntamento. Esperava a polícia, um socorro qualquer. A preta continuava: — Você sabe onde "tá" teu "fio"? "Tá" na detenção, fique você sabendo. "Si" meteu com ladrão, é "pivete" e foi "pra chacr’a". Eis aí que você fez, "seu marvado", "home mardiçoado". Pior do que você só aquela galinha-d'angola de "tua" mãe, "seu" sem-vergonha! Cassi fez um movimento de repulsa e que a rapariga não perdeu. — "Oie" - disse ela, para os circunstantes -; ele diz que não é o tal. Agora "memo se acusou-se", quando chamei a ratazana da mãe dele de galinha-d'angola... É uma "marvada", essa mãe dele - uma "véia" cheia de "imposão" de inglês. Inglês, que inglês... Soltou uma inconveniência, acompanhada de um gesto despudorado, provocando uma gargalhada geral. Cassi continuava mudo, transido de medo; e a pobre desclassificada emendava: — "Tu" é "mao", mas tua mãe é pior. Quando ela descobriu "qui" eu "tava" com "fio" na barriga, "mi pois" pela porta afora, sem pena, sem dó "di" eu não "tê pronde í". E o "fio" era neto dela e ela "mi" tinha criado... Vim da roça... Ah! Meu Deus! Se não fosse uma amiga, tinha posto o "fio" fora, na rua, que era serviço... Deus perdoe a "tua" mãe o que "mi" fez "i" a meu "fio", "fio" deste "qui tá i", também, Deus lhe perdoe! E a pobre negra abaixou-se para apanhar a barra da saia enlameada, a fim de enxugar as lágrimas com que chorava o seu triste destino, talvez mais que o dela, o do seu miserável filho, que, antes dos dez anos, já travara conhecimento com a Casa de Detenção...
Lima Barreto (Clara dos Anjos)
Eram-lhe as horas de aula um bem triste momento. Não que fosse vadio, estudava o seu bocado, mas o espetáculo do saber, por um lado grandioso e apoteótico, pela boca dos professores, chegava-lhe tisnado e um quê desarticulado. Não conseguia ligar bem umas coisas às outras, além do que tudo aquilo lhe aparecia solene, carrancudo e feroz. Um teorema tinha o ar autoritário de um régulo selvagem; e aquela gramática cheia de regrinhas, de exceções, uma coisa cabalística, caprichosa e sem aplicação útil. O mundo parecia-lhe uma coisa dura, cheia de arestas cortantes, governado por uma porção de regrinhas de três linhas, cujo segredo e aplicação estavam entregues a uma casta de senhores, tratáveis uns, secos outros, mas todos velhos e indiferentes.
Lima Barreto (Clara dos anjos e outros contos)
Oito horas da manhã. A cerração ainda envolve tudo. Do lado da terra, mal se enxergam as partes baixas dos edifícios próximos; para o lado do mar, então, a vista é impotente contra aquela treva esbranquiçada e flutuante, contra aquela muralha de flocos e opaca, que se condensa ali e aqui em aparições, em semelhanças de coisas. O mar está silencioso: há grandes intervalos entre o seu fraco marulho. Vê-se da praia um pequeno trecho, sujo, coberto de algas, e o odor da maresia parece mais forte com a neblina. Para a esquerda e para a direita é o desconhecido, o Mistério. Entretando, aquela pasta espessa, de uma claridade difusa, está povoada de ruídos. [...] Não é noite, não é dia; não é o dilúculo, não é o crepúsculo; é a hora da angústia, é a luz da incerteza. No mar, não há estrelas nem sol que guiem; na terra, as aves morrem de encontro às paredes brancas das casas. A nossa miséria é mais completa e a falta daqueles mudos marcos da nossa atividade dá mais forte percepção no nosso isolamento no seio da natureza grandiosa.
Lima Barreto (O Triste Fim de Policarpo Quaresma)
-Ahn!... Ela pronunciou este “ahn” muito longo e profundo, como se pusesse nele tudo que queria dizer sobre o caso. Via bem o que fazia o desespero da moça, mas via melhor a causa, naquela obrigação que incrustam no espírito das meninas, que elas se devem casar a todo o custo, fazendo do casamento o pólo e fim da vida, a ponto de parecer uma desonra, uma injúria, ficar solteira. O casamento já não é mais amor, não é maternidade, não é nada disso: é simplesmente casamento, uma coisa vazia, sem fundamento nem na nossa natureza nem nas nossas necessidades. Graças à frouxidão, à pobreza intelectual e fraqueza de energia vital de Ismênia, aquela fuga do noivo se transformou em certeza de não casar mais e tudo nela se abismou nessa idéia desesperada.
Lima Barreto (O Triste Fim de Policarpo Quaresma)
Eu duvido, eu duvido, duvido da justiça disso tudo, duvido da sua razão de ser, duvido que seja certo e necessário ir tirar do fundo de nós todos a ferocidade adormecida, aquela ferocidade que se fez e se depositou em nós nos milenários combates com as feras, quando disputávamos a terra a elas... Eu não vi homens de hoje; vi homens de Cro-Magnon, do Neanderthal armados com machados de sílex, sem piedade, sem amor, sem sonhos generosos, a matar, sempre a matar...
Lima Barreto (O Triste Fim de Policarpo Quaresma)
Há nos próceres republicanos uma necessidade extraordinária de serem gloriosos e não esquecidos pelo futuro, a que eles se recomendam com teimoso interesse.
Lima Barreto (O Triste Fim de Policarpo Quaresma)
Είναι θεοί τα βιβλία, που πρέπει να αναλυθούν πρώτα, για να λατρευτούν μετά, και δεν δέχονται τη λατρεία παρά μόνο με τη μορφή αυτή...
Lima Barreto (Για γέλια και για κλάματα)
Κουβάλησε δυο δυο, τέσσερα τέσσερα, έξι έξι, τα βιβλία του πατέρα και του παππού του με τελετουργικό τρόπο στην αυλή του σπιτιού. Έφτιαξε σορούς εδώ και εκεί, τα περιέχυσε με πετρέλαιο με μεγάλη προσοχή και τα έβαλε φωτιά. Στην αρχή ο μάυρος καπνός της κηροζίνης δεν άφηνε τις φλόγες να ξεχωρίσουν, αλλά μετά από λίγο, όσο περνούσε η ώρα, άρχισαν να λάμπουν νικηφόρα, σε έντονο κίτρινο χρώμα, στο χρώμα που ο λαός λέει πως είναι το χρώμα της απελπισίας.
Lima Barreto (Για γέλια και για κλάματα)