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John Huston chegou, vindo da Costa Oeste, para encenar a tradução [de Bowles] de Huis Clos [de Sartre]. O Oliver que estava a produzir a peça em colaboração com Herman Levine, tinha visto recentemente The Maltese Falcon [A Relíquia Macabra], e ficara convencido de que o Huston era o homem em cujas mãos queria pôr o trabalho. Como havia apenas três figuras no elenco, achara que poderíamos usar actores franceses para os papéis...
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...Entaladas entre os dois avassaladores sotaques franceses, as inconfundíveis entoações da beldade do sul Ruth Ford surgiam ainda mais chocantes na sua intensidade viperina. Isso preocupou-me, mas a noite de estreia provou que estava enganado: a assistência gostou da Ford. Só mais tarde percebi que ela havia representado parcialmente hipnotizada. Era um dos truques de Huston. Durante a Segunda Grande Guerra, ele tinha usado a hipnose como um tratamento psiquiátrico para casos de fadiga de combate. O documentário que fizera sobre cinco casos destes, Let There Be Light, era extraordinariamente comovente, mas o exército proibiu a sua distribuição, e acabou por ficar enterrado. Esta faceta da personalidade do John intrigava-me particularmente, e estava sempre a discuti-la com ele, até que por fim começou a incluir sessões hipnóticas nos ensaios. O que me fascinou nessas experiências era a forma como revelavam a extrema maleabilidade da psique humana. Certo dia, Tyrone Power veio ver-nos. O John tinha preparado um bom espectáculo para ele. Já tinha levado a Annabella e a Ruth Ford ao ponto de poder levá-las ao transe apenas estalando os dedos perto das suas caras. A Annabella tinha vestida uma camisa de mangas arregaçadas. O John estalou os dedos e segurou-a para que se mantivesse direita de pé. Depois, mostrou um lápis de metal e acendeu um cigarro. Em seguida, disse-lhe: «Isto vai fazer-te cócegas. Vou tocar-te com a ponta do meu lápis.» E pressionou o cigarro na pele do antebraço dela, com força suficiente para o apagar. A Annabella soltou um risinho e esfregou um pouco o braço. Então, o John disse: «Agora vou tocar-te com o meu cigarro.» Tocou levemente o outro braço com o lápis, e ela soltou um grito de dor. Depois de a fazer voltar a si, fez-nos examinar os braços dela: aquele onde tinha apagado o cigarro não tinha marca nenhuma, mas o que tinha sido tocado pelo lápis apresentava uma mancha vermelha bem visível.
Isso deixou-me intrigado. Não parecia haver nada de extraordinário na falsa queimadura, mas o facto de que a pele do outro braço tinha resistido ao contacto do fogo sem qualquer marca era muito mais difícil de entender e conduzia inevitavelmente a um problema de gradação. Até que ponto pode a carne manter-se insensível?
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