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O SUICÍDIO É UMA FORMA DE ASSASSINATO – assassinato premeditado. Não é algo que se faz da primeira vez que se pensa em fazer. A gente precisa se acostumar com a ideia. E precisa dos meios, da oportunidade, do motivo. Um suicídio bem-sucedido exige boa organização e cabeça fria, coisas geralmente incompatíveis com o estado de espírito de quem quer se suicidar.
É importante cultivar um distanciamento. Uma forma de fazer isso é imaginar-se morta ou morrendo. Havendo uma janela, deve-se imaginar o próprio corpo caindo da janela. Havendo uma faca, deve-se imaginar essa faca penetrando na própria pele. Havendo um trem que já vai chegar, deve-se imaginar o próprio corpo esmagado sob as rodas. Esses exercícios são essenciais para atingir o distanciamento necessário.
O motivo é de suma importância. Sem um motivo forte, vai tudo por água abaixo.
Meus motivos eram fracos: um trabalho de História Americana que eu não queria fazer e a pergunta que eu me propusera meses antes: “Por que não me matar?”. Morta, eu não precisaria fazer o trabalho. Nem precisaria ficar ponderando aquela pergunta.
Essa ponderação me desgastava. Depois que a gente se faz uma pergunta dessas, ela não nos larga mais. Acho que muita gente se mata só para pôr fim ao dilema de se matar ou não.
Tudo o que eu pensava ou fazia era imediatamente incorporado ao dilema. Fiz um comentário idiota – por que não me mato? Perdi o ônibus – melhor acabar com tudo. Até o que era bom entrava no jogo. Gostei desse filme – talvez eu não devesse me matar.
Na verdade, eu só queria matar uma parte de mim: a parte que queria se matar, que me arrastava para o dilema do suicídio e transformava cada janela, cada utensílio de cozinha e cada estação de metrô no ensaio de uma tragédia.
Só fui descobrir tudo isso, porém, depois de engolir cinquenta aspirinas.
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