Fim De Semana Quotes

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Os fantasmas do mar, dos navios e das viagens oceânicas existiam apenas nessa gota verde brilhante. Mas, por cada dia que passava, mais os odores abomináveis da vida em terra se colavam ao marinheiro: o cheiro da família, o cheiro dos vizinhos, o cheiro da paz, do peixe frito, das piadas e das mobílias sempre imóveis, o cheiro dos livros de contas da casa e dos passeios de fim-de-semana... todos os cheiros pútridos que os homens de terra deitam, o fedor da morte.
Yukio Mishima
- OK, suponhamos que vai à copa - disse ela -, e duas pessoas que quem gosta estão lá, suponhamos que uma das pessoas está a contar uma história divertida, você ri-se um pouco, sente-se incluído, toda a gente tem tanta graça, e volta para a sua secretária com uma espécie de, não sei, brilho, mas depois às quatro ou cinco da tarde o dia transformou-se em apenas mais um, e continua assim, a ansiar pelas cinco da tarde e depois pelo fim de semana e depois pelas duas ou três semanas de férias pagas anuais, dia após dia, e é isso que acontece à sua vida.
Emily St. John Mandel (Station Eleven)
Eu espero alguém que não desista de mim mesmo quando já não tem interesse. Espero alguém que não me torture com promessas de envelhecer comigo, mas sim que realmente envelheça comigo. Espero alguém que se orgulhe do que escrevo, que me faça ser mais amigo dos meus amigos e mais irmão do meu irmão. Espero alguém que não tenha medo do escândalo, mas tenha medo da indiferença. Espero alguém que ponha bilhetinhos dentro daqueles livros que vou ler até o fim. Espero alguém que se arrependa rápido de suas grosserias e me perdoe sem querer. Espero alguém que me avise que estou repetindo a roupa na semana. Espero alguém que nunca abandone a conversa quando não sei mais o que falar. Espero alguém que, nos jantares entre os amigos, dispute comigo para contar primeiro como nos conhecemos. Espero alguém que goste de dirigir para nos revezarmos em longas viagens. Espero alguém disposto a conferir se a porta está fechada e o fogão desligado, se meu rosto está aborrecido ou esperançoso. Espero alguém que prove que amar não é contrato, que o amor não termina com nossos erros. Espero alguém que não se irrite com a minha ansiedade. Espero alguém que possa criar toda uma linguagem cifrada para que ninguém nos recrimine. Espero alguém que arrume ingressos de teatro de repente, que me sequestre ao cinema, que cheire meu corpo suado depois de uma corrida como se ainda fosse perfume. Espero alguém que não largue as mãos dadas nem para coçar o rosto. Espero alguém que me olhe demoradamente quando estou distraído, que me telefone para narrar como foi seu dia. Espero alguém que procure um espaço acolchoado em meu peito. Espero alguém que minta que cozinha e só diga a verdade depois que comi. Espero alguém que leia uma notícia, veja que haverá um show de minha banda predileta, e corra para me adiantar por e-mail. Espero alguém que ame meus filhos como se estivesse reencontrando minha infância e adolescência fora de mim. Espero alguém que fique me chamando para dormir, que fique me chamando para despertar, que não precise me chamar para amar. Espero alguém com uma vocação pela metade, uma frustração antiga, um desejo de ser algo que não se cumpriu, uma melancolia discreta, para nunca ser prepotente. Espero alguém que tenha uma risada tão bonita que terei sempre vontade de ser engraçado. Espero alguém que comente sua dor com respeito e ouça minha dor com interesse. Espero alguém que prepare minha festa de aniversário em segredo e crie conspiração dos amigos para me ajudar. Espero alguém que pinte o muro onde passo, que não se perturbe com o que as pessoas pensam a nosso respeito. Espero alguém que vire cínico no desespero e doce na tristeza. Espero alguém que curta o domingo em casa, acordar tarde e andar de chinelos, e que me pergunte o tempo antes de olhar para as janelas. Espero alguém que me ensine a me amar porque a separação apenas vem me ensinando a me destruir. Espero alguém que tenha pressa de mim, eternidade de mim, que chegue logo, que apareça hoje, que largue o casaco no sofá e não seja educada a ponto de estendê-lo no cabide. Espero encontrar uma mulher que me torne novamente necessário.
Fabrício Carpinejar
Há cerca de seis semanas, o médico permitiu que eu comesse pão branco em vez do grosseiro pão preto que servem na prisão. É uma iguaria deliciosa. Talvez pareça estranho que alguém possa considerar um pedaço de pão seco uma fina iguaria, mas para mim ele é de tal forma delicioso que ao fim de cada refeição recolho e devoro cuidadosamente todas as migalhas que possam ter caído no meu prato de estanho ou sobre o pedaço de tecido áspero que usamos como toalha para não sujar a mesa. E não o faço porque tenha fome – pois agora recebo comida suficientemente – mas simplesmente para não desperdiçar nada daquilo que me foi dado. E é assim que deveríamos fazer também com o amor.
Oscar Wilde (De Profundis)
Em 1923, vivendo em Berlim, Kafka costumava ir a um parque, o Steglitz, que ainda existe. Certo dia encontrou uma menina chorando, tinha perdido sua boneca. Kafka naquele instante inventou uma história: a boneca não estava perdida, apenas tinha saído de viagem para conhecer o mundo. Tinha escrito uma casa, que ele possuía em casa e lhe traria no dia seguinte. E assim foi: dedicou aquela noite a escrever a carta, com toda a sinceridade. (...) No dia seguinte, a menina esperava-o no parque, e a ‘correspondência’ prosseguiu à razão de uma carta por dia, durante três semanas. A boneca nunca esquecia de enviar o seu amor à menina, de quem lembrava e a quem abandonava. Suas aventuras no estrangeiro a mantinham longe, e com a aceleração própria do mundo da fantasia, tais aventuras acabaram em noivado, compromisso, casamento e filhos, de modo que a volta era adiada indefinidamente. Isso para que então a menina, leitora fascinada desse romance epistolar, se conformasse com a perda, a que por fim acabou vendo como ganância. Privilegiada menina berlinense, única leitora do livro mais belo de Kafka. (...) Tendemos a sorrir diante do choro das crianças, seus dramas nos parecem menores e fáceis de solucionar. Mas para elas não são. Fazer o esforço de entrar nas relatividades de seu mundo equivale ao trabalho de entrar no mundo de um artista, onde tudo é signo. O contrato de uma menina com sua boneca é um contrato semiótico, uma criação de sentido, sustentada pela tensão verossímil com a fantasia. (...) para o escritor não se trata apenas de observar, é preciso descobrir os signos ocultos naquilo que se observa.
César Aira (Pequeno Manual de Procedimentos)
O cara trabalha a vida inteira e dá o dinheiro dele para outra pessoa administrar, e essa pessoa ganha uma taxa de administração para tomar conta dele, se ela perder o teu dinheiro, foda-se, a taxa de administração continua ali. Mano, você emprestaria sua esposa para o Kid Bengala comer por um fim de semana e ainda daria 20 mil para ele pelo serviço? Buy side é isso aí, a pessoa comum e mal informada, acha que não percebe de investimentos e acaba botando o seu tão suado dinheiro, na mão de um zé ruela que é socialmente aceite só porque é bem vestido, tem um MBA lá fora e sobrenome estrangeiro.
Raiam Santos (Wall Street: O Livro Proibido [Ebook] (1))
Não fico ressentida por conta disso, mas seria muito bom fazer coisas como passar um fim de semana em Paris, mas isso não é possível para mim no momento. Porém, sei que um dia, se seguir as regras da vida — o jogo da vida — poderei ter as coisas que sempre desejei, e elas serão muito mais especiais porque serei muito mais velha e muito mais capaz de apreciá-las.
Andrew Morton (Diana: Her True Story in Her Own Words)
Eu ainda não tinha acabado de desencaixotar as coisas da mudança e já ele partira para andar de mota de manhã à noite. Com o passar dos meses, chegava a ficar fora semanas inteiras. Até ao dia em que não regressou. Os polícias não perceberam porque é que eu não tinha comunicado o seu desaparecimento mais cedo. Nunca lhes disse que havia já anos que ele tinha desaparecido, mesmo quando ainda jantava à minha mesa. Contudo, quando ao fim de um mês percebi que não regressaria, senti-me tão abandonada como as campas que limpo com regularidade. Igualmente cinzenta, frágil e periclitante. Prestes a ser demolida e os meus restos lançados num ossário.
Valérie Perrin (Fresh Water for Flowers)
No conjunto das palavras que se encaixam nestas frases, as que vão ser debitadas pelos lábios molhados dos amantes, encontram-se aquelas que soam a frutos, sumos e liberdades, ou seja, as palavras que são queridas por quem se ama. O astronauta alucinado deseja-vos bom fim-de-semana.
Luís Filipe Cristóvão (E como ficou chato ser moderno)
Os participantes das redes de compartilhamento de arquivos compartilham diferentes tipos de conteúdos. Podemos dividi-los em quatro tipos. A-Esses são aqueles que usam as redes P2P como substitutos para a compra de conteúdo. Dessa forma, quando um novo CD da Pitty é lançado, ao invés de comprar o CD, eles simplesmente o copiam. Podemos argumentar se todos os que copiaram as músicas poderiam comprá-las caso o compartilhamento não permitisse baixá-las de graça. Muitos provavelmente não poderiam, mas claramente alguns o fariam. Os últimos são os alvos da categoria A: usuários que baixam conteúdo ao invés de comprá-lo. B-Há alguns que usam as redes de compartilhamento de arquivos para experimentarem música antes de a comprar. Dessa forma, um amigo manda para outro um MP3 de um artista do qual ele nunca ouviu falar. Esse outro amigo então compra CDs desse artistas. Isso é uma forma de publicidade direcionada, e que tem grandes chances de sucesso. Se o amigo que está recomendando a música não ganha nada recomendando porcarias, então pode-se imaginar que suas recomendações sejam realmente boas. O saldo final desse compartilhamento pode aumentar as compras de música. C-Há muitos que usam as redes de compartilhamento de arquivos para conseguirem materiais sob copgright que não são mais vendidos ou que não podem ser comprados ou cujos custos da compra fora da Net seriam muito grandes. Esses uso da rede de compartilhamento de arquivos está entre os mais recompensadores para a maioria. Canções que eram parte de nossa infância mais que desapareceram há muito tempo atrás do mercado magicamente reaparecem na rede. (Um amigo meu me disse que quando ele descobriu o Napster, ele passou um fim de semana inteiro "relembrando" músicas antigas. Ele estava surpreso com a gama e diversidade do conteúdo disponibilizado.) Para conteúdo não vendido, isso ainda é tecnicamente uma violação de copyright, embora já que o dono do copgright não está mais vendendo esse conteúdo, o dano econômico é zero o mesmo dano que ocorre quando eu vendo minha coleção de discos de 45 RPMs dos anos 60 para um colecionador local. D-Finalmente, há muitos que usam as redes de compartilhamento de arquivos para terem acesso a conteúdos que não estão sob copgright ou cujo dono do copyright os disponibilizou gratuitamente. Como esses tipos diferentes de compartilhamento se equilibram? Vamos começar de alguns pontos simples mas importantes. Do ponto de vista legal, apenas o tipo D de compartilhamento é claramente legal. Do ponto de vista econômico, apenas o tipo A de compartilhamento é claramente prejudicial. [78] O tipo B de compartilhamento é ilegal mas claramente benéfico. O tipo C também é ilegal, mas é bom para a sociedade (já que maior exposição à música é bom) e não causa danos aos artistas (já que esse trabalho já não está mais disponível). Portanto, como os tipos de compartilhamento se equilibram é uma pergunta bem difícil de responder e certamente mais difícil do que a retórica envolvida atualmente no assunto sugere.
Lawrence Lessig (Cultura Livre (Portuguese Edition))
À parte estes aborrecimentos, não me sentia muito infeliz. Todo o problema, repito-o, estava em matar o tempo. Por último, acabei por já não me maçar, a partir do instante em que aprendi a recordar. Punha-me às vezes a pensar no meu quarto e, em imaginação, partia de um canto e dava a volta ao quarto, enumerando mentalmente tudo o que encontrava pelo caminho. Ao princípio, isto durava pouco. Mas, cada vez que recomeçava, ia durando mais, pois lembrava-me de cada móvel e, para cada móvel, de cada objecto que lá havia e, para cada objecto, de todos os pormenores, e para os próprios pormenores, de uma incrustação, de uma racha, de um bordo quebrado, da cor que tinham, ou da qualidade de que eram feitos. Tentava ao mesmo tempo não perder o fio a este inventário e fazer uma enumeração completa. De tal forma que, ao fim de algumas semanas, passava horas só a catalogar tudo o que havia no meu quarto. Assim, quanto mais pensava, mais coisas esquecidas ia tirando da memória.
Albert Camus (The Stranger)
Passaram‑se semanas. Jerônimo tomava agora, todas as manhãs, uma xícara de café bem grosso, à moda da Ritinha, e tragava dois dedos de parati “pra cortar a friagem”. Uma transformação, lenta e profunda, operava‑se nele, dia a dia, hora a hora, reviscerando‑lhe o corpo e alando‑lhe os sentidos, num trabalho misterioso e surdo de crisálida. A sua energia afrouxava lentamente: fazia‑se contemplativo e amoroso. A vida americana e a natureza do Brasil patenteavam‑lhe agora aspectos imprevistos e sedutores que o comoviam; esquecia‑se dos seus primitivos sonhos de ambição; para idealizar felicidades novas, picantes e violentas; tornava‑se liberal, imprevidente e franco, mais amigo de gastar que de guardar; adquiria desejos, tomava gosto aos prazeres, e volvia‑se preguiçoso resignando‑se, vencido, às imposições do sol e do calor, muralha de fogo com que o espírito eternamente revoltado do último tamoio entrincheirou a pátria contra os conquistadores aventureiros. E assim, pouco a pouco, se foram reformando todos os seus hábitos singelos de aldeão português: e Jerônimo abrasileirou‑se. A sua casa perdeu aquele ar sombrio e concentrado que a entristecia; já apareciam por lá alguns companheiros de estalagem, para dar dois dedos de palestra nas horas de descanso, e aos domingos reunia‑se gente para o jantar. A revolução afinal foi completa: a aguardente de cana substituiu o vinho; a farinha de mandioca sucedeu à broa; a carne‑seca e o feijão‑preto ao bacalhau com batatas e cebolas cozidas; a pimenta‑malagueta e a pimenta‑de‑cheiro invadiram vitoriosamente a sua mesa; o caldo verde, a açorda e o caldo de unto foram repelidos pelos ruivos e gostosos quitutes baianos, pela muqueca, pelo vatapá e pelo caruru; a couve à mineira destronou a couve à portuguesa; o pirão de fubá ao pão de rala, e, desde que o café encheu a casa com o seu aroma quente, Jerônimo principiou a achar graça no cheiro do fumo e não tardou a fumar também com os amigos. E o curioso é que quanto mais ia ele caindo nos usos e costumes brasileiros, tanto mais os seus sentidos se apuravam, posto que em detrimento das suas forças físicas. Tinha agora o ouvido menos grosseiro para a música, compreendia até as intenções poéticas dos sertanejos, quando cantam à viola os seus amores infelizes; seus olhos, dantes só voltados para a esperança de tornar à terra, agora, como os olhos de um marujo, que se habituaram aos largos horizontes de céu e mar, já se não revoltavam com a turbulenta luz, selvagem e alegre, do Brasil, e abriam‑se amplamente defronte dos maravilhosos despenhadeiros ilimitados e das cordilheiras sem fim, donde, de espaço a espaço, surge um monarca gigante, que o sol veste de ouro e ricas pedrarias refulgentes e as nuvens tocam de alvos turbantes de cambraia, num luxo oriental de arábicos príncipes voluptuosos.
Aluísio Azevedo (O Cortiço)
Por trás do vazio da frase de efeito, 24/7 é uma redundância estática que contradiz sua própria relação com as tessituras rítmicas e periódicas da vida humana. Remete a um esquema arbitrário e inflexível de uma semana de duração, subtraído do desdobramento de qualquer experiência variada ou cumulativa. Dizer “24 / 365”, por exemplo, não é a mesma coisa, pois a expressão sugere, com certo preciosismo, uma temporalidade estendida ao longo da qual algo pode de fato mudar, e ao longo da qual eventos inesperados podem ocorrer. Como indiquei acima, muitas instituições no mundo desenvolvido funcionam 24/7 há décadas. Apenas recentemente a elaboração e a configuração da identidade pessoal e social foram reorganizadas a fim de se adaptarem à operação ininterrupta de mercados, redes de informação e outros sistemas. Um ambiente 24/7 parece um mundo social, mas é na verdade um modelo não social de desempenho maquínico e uma interrupção da vida que não revela o custo humano exigido para sustentar sua eficácia. […] 24/7 é um tempo de indiferença, contra o qual a fragilidade da vida humana é cada vez mais inadequada, e dentro do qual o sono não é necessário nem inevitável. […] Da mesma forma, 24/7 é inseparável da catástrofe ambiental, dada a exigência de gasto permanente e desperdício sem fim para sua manutenção e a interrupção fatal dos ciclos e estações dos quais depende a integridade ecológica.
Jonathan Crary (24/7: Late Capitalism and the Ends of Sleep)
(...) de loucura que é afinal a nossa e da qual nos protegemos a etiquetá-la, a comprimi-la de grades, a alimentá-la de pastilhas e de gotas para que continue existindo, a conceder-lhe licença de saída ao fim-de-semana e a encaminhá-la na direcção de uma «normalidade» que provavelmente consiste apenas no empalhar em vida. Quando se diz, considerou ele de mãos nos bolsos a observar os serafins do bagaço, que os psiquiatras são malucos está se tocando sem saber o centro da verdade: em nenhuma especialidade como nesta se topam seres de crânio tão em saca-rolhas, tratando-se a si mesmos através das curas de sono impingidas por persuasão ou à força aos que os procuram para se procurarem e arrastam de consultório em consultório a ansiedade da sua tristeza, como um coxo transporta a perna manca de endireita em endireita, em busca de um milagre impossível. Vestir as pessoas de diagnósticos, ouvi-las sem as escutar, ficar de fora delas como à beira de um rio de que se desconhecem
António Lobo Antunes (Memoria de elefante)
(...) de loucura que é afinal a nossa e da qual nos protegemos a etiquetá-la, a comprimi-la de grades, a alimentá-la de pastilhas e de gotas para que continue existindo, a conceder-lhe licença de saída ao fim-de-semana e a encaminhá-la na direcção de uma «normalidade» que provavelmente consiste apenas no empalhar em vida. Quando se diz, considerou ele de mãos nos bolsos a observar os serafins do bagaço, que os psiquiatras são malucos está se tocando sem saber o centro da verdade: em nenhuma especialidade como nesta se topam seres de crânio tão em saca-rolhas, tratando-se a si mesmos através das curas de sono impingidas por persuasão ou à força aos que os procuram para se procurarem e arrastam de consultório em consultório a ansiedade da sua tristeza, como um coxo transporta a perna manca de endireita em endireita, em busca de um milagre impossível. Vestir as pessoas de diagnósticos, ouvi-las sem as escutar, ficar de fora delas como à beira de um rio de que se desconhecem as correntes, os peixes e o côncavo de rocha de que nasce, assistir ao torvelinho da enchente sem molhar os pés, recomendar um comprimido depois de cada refeição e uma pílula à noite e ficar saciado com esse feito de escuteiro: o que me faz pertencer a este clube sinistro, meditou, e sofrer quotidianamente remorsos pela debilidade dos meus protestos e pelo meu inconformismo conformado, e até que ponto a certeza de que a revolução se faz do interior não funciona em mim como desculpa, autoviático para prosseguir cedendo?
António Lobo Antunes (Memoria de elefante)
— Tenho uma resposta. A liderança nesta sociedade naturalmente recairia sobre os paranoicos, sendo eles superiores em termos de iniciativa e inteligência, além das habilidades comuns inatas. Evidentemente, eles enfrentariam dificuldades para evitar que os maníacos dessem um golpe… a tensão perduraria indefinidamente entre os dois grupos. Mas veja bem, com os paranoicos estabelecendo a ideologia, a base emocional dominante seria o ódio. Na verdade, ódio em dois níveis: a liderança detestaria cada um que estivesse fora de seu grupo e estabeleceria como ponto pacífico que todos os odiavam em resposta. Portanto, a chamada política externa consistiria em estabelecer mecanismos através dos quais pudessem combater este suposto ódio em relação a eles. Este processo envolveria toda a sociedade em uma luta ilusória, em uma batalha contra adversários inexistentes em busca de uma vitória sobre o nada. — Por que este esquema é tão ruim? — Porque, não importa como tenha começado, os resultados seriam os mesmos — Mary foi taxativa — isolamento total para essa gente. Este seria, em última análise, o efeito da atividade global desses grupos: cortá-los progressivamente das demais entidades viventes. — É assim tão negativo? A auto-suficiência… — Não — fez Mary — Isto não seria auto-suficiência, seria alguma coisa completamente diferente, algo que nem eu nem você conseguimos imaginar. Lembra-se das antigas experiências feitas com pessoas em isolamento absoluto? Em meados do século vinte, quando eles previram a viagem ao espaço, a possibilidade de um homem ficar sozinho durante vários dias, semanas sem fim, com cada vez menos estimulação… lembra-se dos resultados obtidos quando eles colocavam um homem em uma câmara sem que quaisquer estímulos o alcançassem? — Claro — fez Mageboom — É o que atualmente denominamos the buggies. O resultado da falta de estimulação é a alucinação aguda. Ela assentiu: — Alucinação auditiva, visual, táctil e olfativa, em substituição a estimulação ausente. Em intensidade, a alucinação é capaz de exceder a força da realidade; com sua intensidade e impacto, o efeito obtido… Por exemplo, estados de terror. Alucinações induzidas por drogas podem deflagrar sentimentos de terror que nenhuma experiência no mundo real pode produzir. — Por quê? — Porque a qualidade dessas alucinações é muito superior. Elas foram geradas no interior do sistema receptor dos sentidos e realimentam-se de emanações provenientes não de um ponto distante mas do interior do próprio sistema nervos de uma pessoa. Ela não consegue afastar-se. Não é possível qualquer retirada.
Philip K. Dick (Clans of the Alphane Moon)
Na comuna de Sainte-Engrâce, por exemplo, o padrão circular do vilarejo também é um modelo dinâmico que serve como dispositivo de contagem, a fim de assegurar o revezamento sazonal de tarefas e obrigações. A cada domingo, uma família leva dois pães para serem abençoados na igreja local, depois comem um deles e dão o outro de presente para o “primeiro vizinho” (o da casa à direita); na semana seguinte, esse vizinho fará o mesmo com a casa à sua direita, e assim por diante em sentido horário, de modo que, numa comunidade de cem lares, cerca de dois anos são necessários para completar o círculo.37 Como costuma ocorrer, há nessa ordenação toda uma cosmologia, uma teoria da condição humana, por assim dizer: os pães são considerados como “sêmen”, algo que infunde vida; já o cuidado dos mortos e dos moribundos move-se em sentido anti-horário. Mas o sistema também constitui uma base para a cooperação econômica. Se, por algum motivo, uma das famílias não pode cumprir suas obrigações no momento designado, um meticuloso sistema de substituição é acionado, com os primeiros, segundos e até terceiros vizinhos tomando seu lugar. Esse sistema também serve de modelo para quase todas as formas de cooperação. O mesmo sistema de “primeiros vizinhos” e de substituição, com o mesmo modelo serial de reciprocidade, é usado para realizar qualquer coisa que exija mais pessoas do que uma única família pode prover — desde a semeadura e a colheita até a produção de queijo e o abate de porcos. Assim sendo, as famílias não podem simplesmente programar as suas tarefas diárias em conformidade apenas com as próprias necessidades. Também precisam levar em conta as suas obrigações para com os vizinhos, que por sua vez têm suas próprias obrigações para com as outras casas, e assim por diante. Quando levamos em conta que algumas tarefas — como a condução de rebanhos aos pastos de maior altitude, ou a extração de leite, tosquia e guarda dos animais — podem exigir o esforço conjunto de dez habitações familiares diferentes, e que é preciso conciliar o agendamento de numerosos e variados compromissos, começamos a ter uma ideia da complexidade envolvida. Em outras palavras, essas economias “simples” quase nunca são de fato simples. Muitas vezes envolvem desafios logísticos de notável complexidade, superados por meio de intricados sistemas de ajuda mútua — tudo isso sem nenhuma necessidade de controle ou administração centralizados. Os moradores das aldeias bascas dessa região são igualitaristas explícitos, e fazem questão de afirmar que todas as família em última análise são equivalentes e têm as mesmas responsabilidades; porém, em vez de se governarem por meio de assembleias comunitárias (como aquelas famosas criadas por gerações passadas de aldeões bascos em locais como Guernica), recorrem a princípios matemáticos de rotatividade, substituição serial e alternância. O resultado final, porém, é o mesmo, e o sistema é flexível o suficiente para que alterações no número de famílias ou na capacidade de seus membros individuais sejam levadas em conta, assegurando que as relações igualitárias sejam preservadas no longo prazo, com ausência quase total de conflitos internos.
David Graeber (O despertar de tudo: Uma nova história da humanidade (Portuguese Edition))
Os clientes de fim de semana são vistos universalmente com uma certa suspeita, mesmo desprezo, tanto pelos cozinheiros como pelos empregados; são os parolos, os tansos, os provincianos, os comedores sôfregos, os que dão más gorjetas, os suburbanos a caminho do teatro, chegados à cidade para ver o Cats ou Les Misérables e nunca mais voltar. Por outro lado, os clientes dos dias úteis da semana são a equipa da casa – potenciais clientes regulares, a quem todos os envolvidos querem fazer felizes.
Anthony Bourdain (Kitchen Confidential: Adventures in the Culinary Underbelly)
PRÓLOGO Alguns Anos atrás no Planeta Orfheus... Escurecia quando Lucius chegou ao local combinado, do qual haviam escolhido para ser o novo esconderijo. O último havia sido utilizado por vários meses, e estavam preocupados com a possibilidade de estarem sendo perseguidos e por fim, descobertos. - Pensei que você não viesse... Estou lhe esperando faz quase uma hora, estava ficando angustiada. - disse Sofia aliviada. - Desculpe meu amor... Tudo está se tornando cada vez mais difícil, quase não consegui vir hoje. Houve uma emboscada com as tropas de Igor na última invasão, e muitos guerreiros retornaram gravemente feridos. – ele a olhou surpreso. – Porque, esse encontro repentino? Nós havíamos combinado que o próximo seria na semana seguinte! - Eu sei... Mas, não pude esperar... Lucius deu-lhe um forte abraço, trazendo-a para junto de si. Permanecendo em silêncio por alguns momentos, sentindo o cheiro dela. A saudade e o desejo o consumiam. Ela significava o seu mundo, sem Sofia, sua vida jamais faria sentido. Ele nunca esqueceria aqueles olhos, serenos e sinceros, um azul tão claro e límpido, capaz de enxergar sua alma de guerreiro atormentado. Juntamente com seus cabelos dourados, Sofia parecia um anjo. - Algum problema? Você ficou tão quieto e pensativo. – ela perguntou intrigada. - Estou pensando em nós... Quanto tempo nós conseguiremos manter tudo em segredo? – ele afastou-se dela suspirando. - Ficar mentindo e fingindo que está tudo bem. Você faz ideia do quanto eu tenho que suportar quando está longe de mim? Ou quando vejo você com ele? – Meu amor, agora não. Já discutimos diversas vezes sobre esse assunto. Você sabe que a nossa única alternativa, seria fugir, e rezar para que nunca nos encontrem. Sofia sabia muito bem que as leis do Reino não podiam ser desrespeitadas. O amor, o respeito e a lealdade eram fatores primordiais, que faziam parte da hierarquia de Orfheus. Embora sempre fosse apaixonada por Lucius, que jamais demonstrou qualquer atitude ou interesse por ela, Sofia acabou se relacionando com Alex, irmão de Lucius em consequência de um pacto. Entretanto com o decorrer dos séculos, Lucius começou a mudar e demonstrar sentimentos amorosos por ela que, nunca deixou de amá-lo e sucumbiu às tentações e a paixão por ele. Inevitavelmente um caso de amor surgiu entre os dois. Interrompendo os pensamentos dela, Lucius pegou-a pela mão e a levou para dentro da cabana. Este último lugar escolhido era reservado, adentro de uma vasta e linda floresta. Ele a puxou pela cintura, dando-lhe um beijo apaixonado, acariciou seus cabelos e disse baixinho. - Amor... Senti tanto a sua falta. - Eu também senti muitas saudades, mas o verdadeiro motivo que me trouxe hoje aqui às presas é outro. Preciso que você escute com atenção e mantenha a calma. – enquanto falava passava as mãos entre os cabelos negros de Lucius que contrastavam com sua pele clara. Sofia não queria assustá-lo. No entanto imaginava o quanto ele ficaria transtornado e nervoso com a notícia. Infelizmente a revelação era inevitável, cedo ou tarde, tudo viria à tona. - Estou grávida. – ela declarou sem cerimônias. Por um breve instante, Lucius não lhe disse nada. Somente a encarou sem reação alguma. Parecia estar em uma batalha silenciosa com seus próprios pensamentos. - Mas como? – ele balbuciava não acreditando no que acabara de escutar. Certamente aquela revelação seria o fim para os dois. - Fique calmo meu amor! Eu sei que isso muda tudo. O que estávamos planejando há meses, não será mais possível. – ela sentou-se em um banquinho improvisado e prosseguiu com lágrimas nos olhos. - Com o bebê a caminho, não posso simplesmente passar pelo portal, eu e o bebê morreríamos durante a travessia. - Poderíamos pedir ajuda para a tia Wilda, ela é muito poderosa, provavelmente, ela seria capaz de quebrar a magia dos portais. Sofia já havia pensado nessa possibilidade. Tinha plena consciência de que seria a única escolha que lhe restava.
Gisele de Assis (Entre o Amor e o Sacrifício)
– Muito obrigada dona Amélia, mas não há nada a dizer – pus-me de pé, solícita. – Quer que ligue aos seus netos a pedir que a venham ver este fim-de-semana? Podemos dizer que teve o princípio de uma trombose. – Ó filha – riu-se a velha, com gosto. O seu humor é negro o bastante para me deliciar. – Já jogámos essa carta uma vez. Além disso os meus netos são muito mais ávidos do que os meus filhos, à hipótese de me verem morta já sonham com a herança. Vão comprar telefones e computadores e motas com ela. Não vale a pena sobreexcitá-los para nada, não é? Sorri-lhe: – Não lhe importa que eles desbaratem o que lhe custou tanto a juntar, pois não? Com um suspiro triste de desprendimento, a dona Amélia apoiou as mãos nos joelhos para se pôr de pé e se erguer à minha altura. – Que tenho eu a perder, Manuela? Nada. Então, levem-me tudo. Mas eu acho que conheces esse sentimento tão bem quanto eu, o de nos agarrar-nos mais ao nada do que ao tudo.
Célia Correia Loureiro (Os Pássaros)