“
Mas não o encontrará, não encontrará nada: eu quis ficar sozinha de propósito, para fazer o caderno desaparecer. Vou queimá-lo. Quando Marina voltar para casa, sentirá o ar levemente morno, pousará a mão sobre a terracota da estufa, como por acaso, e compreenderá tudo. Compreenderá, tenho certeza, já que todas as mulheres escondem um caderno negro, um diário proibido. E todas devem destruí-lo. Agora me pergunto onde é que fui mais sincera: se nestas páginas ou em minhas ações, aquelas que deixarão de mim uma imagem, como um belo retrato. Não sei, ninguém nunca saberá. Sinto que fiquei árida, meus braços são ramos de uma árvore seca. Tentei envelhecer e talvez só tenha me tornado má. Tenho medo. Marina poderia induzir os outros a voltar para casa antes da hora, para me surpreender. Preciso queimar o caderno o mais depressa possível, imediatamente, sem sequer relê-lo e me arriscar a me enternecer, sem dizer adeus. Esta será a última página: nas seguintes não escreverei, e meus dias futuros serão, tal como as páginas que se seguem a esta, brancos, lisos, frios. Lisa será a grande pedra branca sobre a qual, no fim, voltarei a me chamar Valeria. “Era uma santa”, Riccardo dirá a Marina, soluçando, como Michele disse a mim. E ela não poderá desmenti-lo, não saberá nada. De tudo o que senti e vivi nestes meses, daqui a poucos minutos não haverá mais vestígios. Permanecerá no ar apenas um leve cheiro de queimado.
”
”