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Três coisas estão faltando. A primeira: você sabe por que livros como este são
tão importantes? Porque têm qualidade. E o que significa a palavra qualidade? Para mim
significa textura. Este livro tem poros. Tem feições. Este livro poderia passar pelo
microscópio. Você encontraria vida sob a lâmina, emanando em profusão infinita. Quanto
mais poros, quanto mais detalhes de vida fielmente gravados por centímetro quadrado você
conseguir captar numa folha de papel, mais “literário” você será. Pelo menos, esta é a minha
definição. Detalhes reveladores. Detalhes frescos. Os bons escritores quase sempre tocam a
vida. Os medíocres apenas passam rapidamente a mão sobre ela. Os ruins a estupram e a
deixam para as moscas. Entende agora por que os livros são odiados e temidos? Eles mostram
os poros no rosto da vida. Os que vivem no conforto querem apenas rostos com cara de lua
de cera, sem poros nem pelos, inexpressivos. Estamos vivendo num tempo em que as flores
tentam viver de flores, e não com a boa chuva e o húmus preto. Mesmo os fogos de artifício,
apesar de toda a sua beleza, derivam de produtos químicos da terra. No entanto, de algum
modo, achamos que podemos crescer alimentando-nos de flores e fogos de artifício, sem
completar o ciclo de volta à realidade. Você conhece a lenda de Hércules e Anteu, o
gigantesco lutador cuja força era invencível desde que ele ficasse firmemente plantado na
terra? Mas quando Hércules o ergueu no ar, deixando-o sem raízes, ele facilmente pereceu.
Se não existe nessa lenda nenhuma lição para nós hoje, nesta cidade, em nosso tempo, então
sou um completo demente. Bem, aí temos a primeira coisa de que precisamos. Qualidade,
textura da informação.
— E a segunda?
— Lazer.
— Ah, mas já temos muitas horas de folga.
— Horas de folga, sim. Mas e tempo para pensar? Quando você não está dirigindo a cento
e sessenta por hora, numa velocidade em que não consegue pensar em outra coisa senão no
perigo, está praticando algum jogo ou sentado em algum salão onde não pode discutir com o
televisor de quatro paredes. Por quê? O televisor é “real”. É imediato, tem dimensão. Diz o
que você deve pensar e o bombardeia com isso. Ele tem que ter razão. Ele parece ter muita
razão. Ele o leva tão depressa às conclusões que sua cabeça não tem tempo para protestar:
“Isso é bobagem!”.
— Somente a “família” é “gente”.
— Como disse?
— Minha mulher diz que os livros não são “reais”.
— Graças a Deus que não. Você pode fechá-los e dizer: “Espere um pouco aí”. Você faz
com eles o papel de Deus. Mas quem consegue se livrar das garras que se fecham em torno
de uma pessoa que joga uma semente num salão de tevê? Ele dá a você a forma que ele
quiser! É um ambiente tão real quanto o mundo. Ele se torna a verdade e é a verdade. Os
livros podem ser derrotados com a razão. Mas com todo o meu conhecimento e ceticismo,
nunca consegui discutir com uma orquestra sinfônica de cem instrumentos, em cores, três
dimensões, e ao mesmo tempo estar e participar desses incríveis salões. Como você vê, meu
salão não passa de quatro paredes de gesso. E veja. — Faber exibiu dois pequenos tampões de
borracha. — Para minhas orelhas, quando ando nos jatos subterrâneos.
— O Dentifrício Denham; eles não tecem, nem fiam — disse Montag, os olhos cerrados.
— E para onde vamos? Os livros nos ajudariam?
— Só se nos fosse dada a terceira coisa necessária. A primeira, como eu disse, é a
qualidade da informação. A segunda, o lazer para digeri-la. E a terceira, o direito de realizar
ações com base no que aprendemos da interação entre as duas primeiras.
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