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(carta ao cabrão insensível)
Meu grandessíssimo cabrão:
Escrevo-te para te dizer que és um idiota da pior espécie. Um burgesso. Um monte de bosta. Um pedaço de asno. Poderia, por isso, ficar por aqui nesta missiva – até porque o mais importante já está dito. Mas prefiro explicar-te, pacientemente, porquê.
Quando gostares de alguém não tenhas medo. Não sejas cobarde. Não sejas poucochinho. Não te escondas em semi-palavras, em semi-actos. Quando gostares de alguém, vai com tudo, vai contigo todo, com tudo o que és, com tudo o que sentes, com tudo o que tens para dar. Sê romântico, sê piroso, sê incansável, sê sonhador e faz sonhar. Sê utópico – porque não? Faz planos em conjunto, imagina em conjunto. Faz como nos livros, faz como nos filmes: não acredites na treta do impossível, na treta do improvável. Não acredites na treta de que o amor é treta. Essa é a mentira que os toscos inventaram para poderem ser toscos. Vai com quem amas até ao fim do mundo todos os dias. Até à última gota não é uma forma de vida; é a única forma de vida. O resto é merda.
Diz que amas se amas. Mostra que amas se amas. “Sim: eu amo” – qual é dificuldade de dizer isto? “Sim: eu quero-te” – qual é a dificuldade de dizer isto? “Sim: eu preciso de ti” – qual é a dificuldade de dizer isto? É tão simples ser feliz por dentro do amor. Tão simples. Basta amar e não temer amar. Amar só dói quando não se ama – qual é a dificuldade de entender isto?
Não te escondas de todos os lados de ti. Não vás na cantiga do macho latino, do macho que não está habilitado a sentir – e que por isso tem de ser, por fora, intocável, sempre sólido. Sólidos são os calhaus. Sólidos são os cubos de gelo – e até esses, quando começam a aquecer, se derretem todos. Não queiras ser um bruto só porque te impingiram que tens de ser um bruto. Os brutos tendem a sofrer brutalidades – e a fazer sofrer brutalidades. Os brutos não fazem falta nenhuma ao mundo de ninguém. Os brutos não fazem falta nenhuma ao mundo todo. Se sentes, vai. Se queres, tenta. Se te apetece, inventa. Se um livro te faz chorar: chora. Chora porque és gente, porque és pessoa, porque tens muito mais do que um corpo. Se um abraço te emociona, leva-te nessa emoção, contagia-te e contagia, vai até ao final dos ossos, até ao começo das veias. Se és homem sente – qual é a dificuldade de entender isto? Só não sente quem nem sequer é gente.
Esquece os preconceitos. Esquece as frases que te inculcaram como se fossem leis universais. A sociedade que vá dar banho ao cão se por causa dela perdes o que tanto queres. Entre a tua saúde e a saúde da sociedade não hesites: escolhe a tua. A sociedade adapta-se. A sociedade adapta-se sempre. É isso a História da Humanidade, nada mais: as pessoas a escolherem a sua própria sanidade, a escolherem a sua própria felicidade – e a sociedade, diligente, a correr atrás. Não corras atrás dela; deixa que ela corra atrás de ti. E é se quer. Se não quiser deixa-a ficar e vai à tua vida. Vai à tua vida: eis o segredo, eis a fórmula. Vai à tua vida. Quatro palavras, quatro simples palavras, e está tudo dito. Vai à tua vida. Vai sempre à tua vida. É ela que te importa. É sobretudo ela que tem de te importar. A tua vida e a vida de todos aqueles eleitos que fazem parte dela. Trata dela. Trata deles. Concentra-te no que importa. Guarda as forças para o que importa. O resto é merda.
Tudo isto para te dizer, talvez já te tenhas esquecido, que és um idiota da pior espécie. Um burgesso. Um monte de bosta. Um pedaço de asno. Creio que já percebeste porquê, certo?
Não mereces, por isso, um único pedacinho do meu amor. Mas já o tens todo.
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