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Mas eis outro (cantava) intitulado
Vem com nome real e traz consigo
O filho, que no mar será ilustrado,
Tanto como qualquer Romano antigo.
Ambos darão com braço forte, armado,
A Quíloa fértil, áspero castigo,
Fazendo nela Rei leal e humano,
Deitado fora o pérfido tirano.
Também farão Mombaça, que se arreia
De casas sumptuosas e edifícios,
Co ferro e fogo seu queimada e feia,
Em pago dos passados malefícios.
Despois, na costa da Índia, andando cheia
De lenhos inimigos e artificios
Contra os Lusos, com velas e com remos
O mancebo Lourenço fará extremos.
Das grandes naus do Samorim potente,
Que encherão todo o mar, co a férrea pela,
Que sai com trovão do cobre ardente,
Fará pedaços leme, masto, vela.
Despois, lançando arpéus ousadamente
Na capitaina imiga, dentro nela
Saltando o fará só com lança e espada
De quatrocentos Mouros despejada.
Mas de Deus a escondida providência
(Que ela só sabe o bem de que se serve)
O porá onde esforço nem prudência
Poderá haver que a vida lhe reserve.
Em Chaúl, onde em sangue e resistência
O mar todo com fogo e ferro ferve,
Lhe farão que com vida se não saia
As armadas de Egipto e de Cambaia.
Ali o poder de muitos inimigos
(Que o grande esforço só com força rende),
Os ventos que faltaram, e os perigos
Do mar, que sobejaram, tudo o ofende.
Aqui ressurjam todos os Antigos,
A ver o nobre ardor que aqui se aprende:
Outro Ceva verão, que, espedaçado,
Não sabe ser rendido nem domado.
Com toda ũa coxa fora, que em pedaços
Lhe leva um cego tiro que passara,
Se serve inda dos animosos braços
E do grão coração que lhe ficara.
Até que outro pelouro quebra os laços
Com que co alma o corpo se liara:
Ela, solta, voou da prisão fora
Onde súbito se acha vencedora.
Vai-te, alma, em paz, da guerra turbulenta,
Na qual tu mereceste paz serena!
Que o corpo, que em pedaços se apresenta,
Quem o gerou, vingança já lhe ordena:
Que eu ouço retumbar a grão tormenta,
Que vem já dar a dura e eterna pena,
De esperas, basiliscos e trabucos,
A Cambaicos cruéis e Mamelucos.
Eis vem o pai, com ânimo estupendo,
Trazendo fúria e mágoa por antolhos,
Com que o paterno amor lhe está movendo
Fogo no coração, água nos olhos.
A nobre ira lhe vinha prometendo
Que o sangue fará dar pelos giolhos
Nas inimigas naus; senti-lo-á o Nilo,
Podê-lo-á o Indo ver e o Gange ouvi-lo.
Qual o touro cioso, que se ensaia
Pera a crua peleja, os cornos tenta
No tronco dum carvalho ou alta faia
E, o ar ferindo, as forças experimenta:
Tal, antes que no seio de Cambaia
Entre Francisco irado, na opulenta
Cidade de Dabul a espada afia,
Abaxando-lhe a túmida ousadia.
E logo, entrando fero na enseada
De Dio, ilustre em cercos e batalhas,
Fará espalhar a fraca e grande armada
De Calecu, que remos tem por malhas.
A de Melique Iaz, acautelada,
Cos pelouros que tu, Vulcano, espalhas,
Fará ir ver o frio e fundo assento,
Secreto leito do húmido elemento.
Mas a de Mir Hocém, que, abalroando,
A fúria esperará dos vingadores,
Verá braços e pernas ir nadando
Sem corpos, pelo mar, de seus senhores.
Raios de fogo irão representando,
No cego ardor, os bravos domadores.
Quanto ali sentirão olhos e ouvidos
É fumo, ferro, flamas e alaridos.
Mas ah, que desta próspera vitória,
Com que despois virá ao pátrio Tejo,
Quási lhe roubará a famosa glória
Um sucesso, que triste e negro vejo!
O Cabo Tormentório, que a memória
Cos ossos guardará, não terá pejo
De tirar deste mundo aquele esprito,
Que não tiraram toda a Índia e Egipto.
Ali, Cafres selvagens poderão
O que destros amigos não puderam;
E rudos paus tostados sós farão
O que arcos e pelouros não fizeram.
Ocultos os juízos de Deus são;
As gentes vãs, que não nos entenderam,
Chamam-lhe fado mau, fortuna escura,
Sendo só providência de Deus pura.
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