Boa Noite Quotes

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Se não protegermos e cuidarmos umas das outras, não serão os homens que o farão por nós.
Pam Gonçalves (Boa Noite)
Juntas somos muito mais fortes.
Pam Gonçalves (Boa Noite)
As três garotas e eu automaticamente nos unimos no primeiro dia de aula, como se precisássemos daquilo para nos protegermos, e é quase isso mesmo. Inicialmente como instinto e, depois, conscientemente com um time.
Pam Gonçalves (Boa Noite)
deus tem que ser substituído rapidamente por poe- mas, sílabas sibilantes, lâmpadas acesas, corpos palpáveis, vivos e limpos. a dor de todas as ruas vazias. sinto-me capaz de caminhar na língua aguçada deste silêncio. e na sua simplicidade, na sua clareza, no seu abis- mo. sinto-me capaz de acabar com esse vácuo, e de aca- bar comigo mesmo. a dor de todas as ruas vazias. mas gosto da noite e do riso de cinzas. gosto do deserto, e do acaso da vida. gosto dos enganos, da sorte e dos encontros inesperados. pernoito quase sempre no lado sagrado do meu cora- ção, ou onde o medo tem a precaridade doutro corpo. a dor de todas as ruas vazias. pois bem, mário - o paraíso sabe-se que chega a lis- boa na fragata do alfeite. basta pôr uma lua nervosa no cimo do mastro, e mandar arrear o velame. é isto que é preciso dizer: daqui ninguém sai sem cadastro. a dor de todas as ruas vazias. sujo os olhos com sangue. chove torrencialmente. o filme acabou. não nos conheceremos nunca. a dor de todas as ruas vazias. os poemas adormeceram no desassossego da idade. fulguram na perturbação de um tempo cada dia mais curto. e, por vezes, ouço-os no transe da noite. assolam-me as imagens, rasgam-me as metáforas insidiosas, porcas. ..e nada escrevo. o regresso à escrita terminou. a vida toda fodida - e a alma esburacada por uma agonia tamanho deste mar. a dor de todas as ruas vazias.
Al Berto (Horto de incêndio)
Bem, mais um dia e mais um dólar, boa noite.
Jack Kerouac
Já me deite com tantas e é sempre o teu boa-noite que me adormece .
Pedro Chagas Freitas (Prometo Falhar)
Se o sofrimento for sentido, canta-se sem ouvintes, basta apenas abrir a boca que sai lá de dentro o medo aos gritos, e depois volta a entrar, porque é disto que a música vive.
Ivan Vera Gomes (Boa Noite Já é Tarde)
...o candeeiro a petróleo dá uma boa luz e torna a noite lá fora mais escura do que é, quanto mais luz, mais escuridão, é assim o mundo.
Jón Kalman Stefánsson (Himnaríki og helvíti)
O Filósofo e a Velhice Não é bom deixar a noite julgar o dia: pois com frequência o cansaço torna-se juiz da força, do êxito e da boa vontade. Assim também é aconselhável extrema cautela em relação à idade e seu julgamento da vida, uma vez que a velhice, como a noite, ama disfarçar-se de uma nova e atraente moralidade e sabe humilhar o dia com os vermelhos do crepúsculo e o silêncio apaziguador ou nostálgico.
Friedrich Nietzsche (Daybreak: Thoughts on the Prejudices of Morality)
- Realmente vale bem a pena estar uma pobre de Cristo a privar-se, a passar uma vida de coruja, a mortificar-se, para vir um dia uma febre, um ar, uma soalheira, e boas noites, vai-se para o Alto de S. João! Tó rola!
Eça de Queirós (O Primo Basílio)
«Bom dia», diz ele, e ocorre-me então que a palavra «dia», no sentido em que ele a emprega, se refere especificamente às horas entre as oito da manhã e o meio-dia. Nunca tinha pensado nisso antes. Ele quer que as horas entre as oito e o meio-dia sejam boas, isto é, agradáveis, divertidas, proveitosas! Quatro horas de prazer e trabalho frutuoso! Caramba, é estupendo!Que coisa mais simpática! Bom dia! E o mesmo se aplica a «boa tarde» e «boa noite»! Meu Deus! A língua inglesa é uma forma de comunicação! O acto de conversar não é apenas um fogo cruzado em que se dispara e se é atingido!
Philip Roth (Portnoy’s Complaint)
Era o último dia do ano e para muitos, o único que realmente importava. Tudo o que não fora feito durante o ano, transformar-se -ia num novo desejo, quando a meia-noite fosse anunciada e as passas consumidas de forma pensativa. Brindavam ao ano e à vida que deixavam para trás, dando as boas novas a um ano diferente, com novos conhecimentos, novos projectos e novas aventuras. E por um motivo que ainda não sabia descodificar, ninguém queria estar sozinho na última noite do ano. Era um dia como tantos outros, apenas com a diferença de um número no final do calendário, mas estar sozinho naquela noite era como um mau presságio para o ano que se avizinhava.
Carina Rosa (As Gotas de um Beijo)
- Durham, amo-te. Riu-se cinicamente. - É verdade: sempre te amei... - Boa-noite, boa-noite. - Digo-te, é verdade...vim cá para tu dizer...exactamente da mesma maneira que tu: sempre fui como os Gregos sem o saber. - Desenvolve esta afirmação. As palavras abandoram-no de imediato. Só conseguia falar quando não lhe era pedido. p.74, MAURICE, E.M. FORSTER -------------------------------------------------- Durham, I love you." He laughed bitterly. "I do — I have always —" "Good night, good night." "I tell you, I do — I came to say it — in your very own way — I have always been like the Greeks and didn't know." "Expand the statement." Words deserted him immediately. He could only speak when he was not asked to.
E.M. Forster (Maurice)
Lembro-me de estar destroçada, de te ter arrancado de dentro de mim a ferros e, ainda assim, um braço teu ficou para trás. Lembro-me de abrir o meu diário em papel, furiosa porque tinha jurado que não escreveria nem mais uma linha a teu propósito, e escrever «durante o dia, bano-te do meu pensamento, mas todas as noites, é a teu lado que me deito, e nos teus braços que adormeço, e é a minha mão que agarro, fingindo que é a tua». (… ) Mas não é de ontem, quando abro a cama, peço-te que te chegues para lá. Deito-me e imagino que estás lá, cansado, extenuado de um dia de trabalho, quase sinto a tua respiração na minha nuca. Imagino que me dizes tudo aquilo que eu queria ouvir, mas não me alongo nisso, é mais íntimo ainda, o que queres ouvir de alguém é mais do que o que esperas dessa pessoa: é o segredo de quem és, de como és e do que queres da vida, na sua voz (…) Encho o peito de ar, subo, subo, subo, amo-te amo-te amo-te, sei-o tão bem, sei até que é para sempre, embora faça figas para que não seja (…) Não posso não posso não posso imaginar que o ar me vai fugir outra vez, que a qualquer momento os meios de informação vão trazer até mim aquele género de notícia que quase me mata - foram ao cinema, saíram juntos, comeram-se, foderam-se, falaram-se - eu disse quase, porque não matou. É verdade que foram muitas lágrimas, muitas reformulações de planos de vida e castelos de cartas a vir por aí abaixo, o jogo virou, e eu perdi. Uma vez mais, e os escritos pararam: o meu diário ficou a branco, o espaço virtual onde nos escrevia acabou com uma nota lúgubre na qual anunciei a minha morte. Estive de luto por mim mesma, estive sim. Doía-me o peito como me dói agora, ao recordar, a falta de ar, o choro compulsivo, os pensamentos sombrios, desesperados, como se nunca mais o sol nascesse no oriente e eu nunca mais o provasse, o sentisse nas costas, como se o mundo tivesse acabado ali, pelo menos o meu tinha, o assombro, os sentimentos, todos baralhados, como se me devesses alguma coisa quando não devias, como se me tivesses dado motivos para te amar tanto quando não me deste, como se quisesses o meu amor e depois o tivesses rejeitado, quando nunca o quiseste. E eu fechei as portas do meu recinto, pus panos negros nas janelas, anunciei que não estava. As pessoas bateram-me à porta, esconderam-me verdades que teriam acabado comigo naquele momento, compraram-me chocolates, secaram-me lágrimas com rosas. morri ali, é a verdade. (…) Mas a fé, a minha maldita fé de quem não acredita em deus e canalizou toda a sua crença nas causas impossíveis, deu-me ar, e mais ar, e subi a montanha, talvez nunca a tivesse subido tanto, julguei que via tudo lá de cima, tudo: falavam em auras, ao nosso redor, falavam na nossa perfeição, enquanto dupla, diziam que «não podia ser de outra forma», que «não se pode estar assim tão enganado», que me amas, imagina só a dimensão da loucura geral, que me amas mas que não tens espaço para mim, e eu, com o peito de cheio de ar, cheguei ao topo e comecei a voar (…) Já sonhaste alguma vez que caías? Eu já, é uma dor na boca do estômago, como se tudo te fugisse, como se o teu corpo se desmantelasse, como se o mundo inteiro implodisse para dentro de ti e soubesses que ias rebentar, ao mínimo toque de um objecto, de um elemento que não o ar, vais rebentar. Estou à espera que venham as abelhas, as orquídeas, os pés descalços na terra húmida, um livro, uns óculos, um copo vazio na mesa-de-cabeceira, e me faça explodir. Entretanto (…) vou imaginar que não estou a cair, que tal? Ao invés (…) vou deitar-me na minha caminha quentinha e imaginar que as tuas pernas se entrelaçam nas minhas e me aquecem os pés gelados e a tua voz, sonolenta, diz: “boa noite, dorme bem”, para eu poder responder-te também – “dorme bem, meu amor”.»
Célia Correia Loureiro
A avaliação inicial feita por Connell a respeito da leitura não foi refutada. Era cultura como representação de classe, literatura fetichizada por sua capacidade de levar pessoas instruídas em falsas jornadas emocionais para que depois se sintam superiores a pessoas sem instrução cujas jornadas emocionais gostaram de ler. Ainda que o escritor fosse uma boa pessoa, e embora seu livro fosse realmente perspicaz, todos os livros eram, no final das contas, vendidos como símbolos de status, e todos os escritores participavam em alguma medida desse marketing. Supunha-se que era assim que a indústria ganhava dinheiro. A literatura, como aparecia nessas leituras públicas, não tinha potencial como forma de resistência nem nada disso. Porém, Connell foi para casa naquela noite e releu algumas anotações que andava fazendo para um novo conto, e sentiu a velha batida de prazer dentro do corpo, como assistir a um gol perfeito, como o movimento rumorejante da luz através das folhagens, um fraseado musical da janela de um carro que passa. A vida propicia esses momentos de alegria, apesar de tudo.
Sally Rooney (Normal People)
No mais fundo de ti, eu sei que traí, mãe Tudo porque já não sou o retrato adormecido no fundo dos teus olhos. Tudo porque tu ignoras que há leitos onde o frio não se demora e noites rumorosas de águas matinais. Por isso, às vezes, as palavras que te digo são duras, mãe, e o nosso amor é infeliz. Tudo porque perdi as rosas brancas que apertava junto ao coração no retrato da moldura. Se soubesses como ainda amo as rosas, talvez não enchesses as horas de pesadelos. Mas tu esqueceste muita coisa; esqueceste que as minhas pernas cresceram, que todo o meu corpo cresceu, e até o meu coração ficou enorme, mãe! Olha — queres ouvir-me? — às vezes ainda sou o menino que adormeceu nos teus olhos; ainda aperto contra o coração rosas tão brancas como as que tens na moldura; ainda oiço a tua voz: Era uma vez uma princesa no meio de um laranjal... Mas — tu sabes — a noite é enorme, e todo o meu corpo cresceu. Eu saí da moldura, dei às aves os meus olhos a beber, Não me esqueci de nada, mãe. Guardo a tua voz dentro de mim. E deixo-te as rosas. Boa noite. Eu vou com as aves.
Eugénio de Andrade (Os Amantes Sem Dinheiro: Poemas)
– Assim, nós – dizia ele –, por que nós nos conhecemos? Que acaso o quis? É que através da distância, sem dúvida como dois rios que correm para se unirem, as nossas inclinações particulares nos tinam levado um para o outro E ele tomou sua mão; e ela não a retirou. "Conjunto de boas culturas" – gritou o presidente. – Assim, por exemplo, quando eu fui à sua casa... "Ao Sr. Bizet, de Quincampoix." – Eu sabia que a acompanharia? "Setenta francos!" – Até mesmo cem vezes eu quis partir, e eu a segui, e fiquei. "Estrumes!" – Como eu ficaria esta noite, amanhã, os outros dias, toda a minha vida!
Gustave Flaubert (Madame Bovary)
— Para você — Gisa diz, estendendo a mão boa, de onde pende um retalho de seda preta. O tecido é frio e escorregadio. — De antes. Flores vermelhas e douradas enfeitam o pano, bordadas com uma habilidade de mestre. — Eu lembro — murmuro, correndo o dedo sobre a perfeição impossível. Ela bordou isto há muito tempo, uma noite antes de o agente quebrar sua mão. Está inacabado, assim como o antigo destino dela. Assim como Shade. Trêmula, amarro o tecido no punho. — Obrigada, Gisa. — Enfio a mão no bolso e digo: — Também tenho uma coisa para você, minha garota. Uma bijuteria barata. O brinco solitário combina com o mar de inverno ao nosso redor. Ela perde o fôlego ao segurá-lo. As lágrimas logo vêm, mas não posso vê-las
Victoria Aveyard (Glass Sword (Red Queen, #2))
Um imenso animal leiteiro aproximou-se da mesa de Zaphod Beeblebrox. Era um enorme e gordo quadrúpede do tipo bovino, com olhos grandes e protuberantes, chifres pequenos e um sorriso nos lábios que era quase simpático. – Boa noite – abaixou-se e sentou-se pesadamente sobre suas ancas –, sou o Prato do Dia. Posso sugerir-lhes algumas partes do meu corpo? – Grunhiu um pouco, remexeu seus quartos traseiros buscando uma posição mais confortável e olhou pacificamente para eles. Seu olhar se deparou com olhares de total perplexidade de Arthur e Trillian, uma certa indiferença de Ford Prefect e a fome desesperada de Zaphod Beeblebrox. – Alguma parte do meu ombro, talvez? – sugeriu o animal. – Um guisado com molho de vinho branco? – Ahn, do seu ombro? – disse Arthur, sussurrando horrorizado. – Naturalmente que é do meu ombro, senhor – mugiu o animal, satisfeito –, só tenho o meu para oferecer. Zaphod levantou-se de um salto e pôs-se a apalpar e sentir os ombros do animal, apreciando. – Ou a alcatra, que também é muito boa – murmurou o animal. – Tenho feito exercícios e comido cereais, de forma que há bastante carne boa ali. – Deu um grunhido brando e começou a ruminar. Engoliu mais uma vez o bolo alimentar. – Ou um ensopado de mim, quem sabe? – acrescentou. – Você quer dizer que este animal realmente quer que a gente o coma? – cochichou Trillian para Ford. – Eu? – disse Ford com um olhar vidrado. – Eu não quero dizer nada. – Isso é absolutamente horrível – exclamou Arthur -, a coisa mais repugnante que já ouvi. – Qual é o problema, terráqueo? – disse Zaphod, que agora observava atentamente o enorme traseiro do animal. – Eu simplesmente não quero comer um animal que está na minha frente se oferecendo para ser morto – disse Arthur. – É cruel! – Melhor do que comer um animal que não deseja ser comido – disse Zaphod. – Não é essa a questão – protestou Arthur. Depois pensou um pouco mais a respeito. – Está bem – disse –, talvez essa seja a questão. Não me importa, não vou pensar nisso agora. Eu só... ahn... O Universo enfurecia-se em espasmos mortais. – Acho que vou pedir uma salada – murmurou. – Posso sugerir que o senhor pense na hipótese de comer meu fígado? Deve estar saboroso e macio agora, eu mesmo tenho me mantido em alimentação forçada há meses. – Uma salada verde – disse Arthur, decididamente. – Uma salada? – disse o animal, lançando um olhar de recriminação para ele. – Você vai me dizer – disse Arthur – que eu não deveria comer uma salada? – Bem – disse o animal –, conheço muitos legumes que têm um ponto de vista muito forte a esse respeito. E é por isso, aliás, que por fim decidiram resolver de uma vez por todas essa questão complexa e criaram um animal que realmente quisesse ser comido e que fosse capaz de dizê-lo em alto e bom tom. Aqui estou eu! Conseguiu inclinar-se ligeiramente, fazendo uma leve saudação. – Um copo d’água, por favor – disse Arthur. – Olha – disse Zaphod –, nós queremos comer, não queremos uma discussão. Quatro filés malpassados, e depressa. Faz 576 bilhões de anos que não comemos. O animal levantou-se. Deu um grunhido brando. – Uma escolha muito acertada, senhor, se me permite. Muito bem – disse –, agora é só eu sair e me matar. Voltou-se para Arthur e deu uma piscadela amigável. – Não se preocupe, senhor, farei isso com bastante humanidade.
Douglas Adams (The Restaurant at the End of the Universe (The Hitchhiker's Guide to the Galaxy, #2))
– Assim, nós – dizia ele –, por que nós nos conhecemos? Que acaso o quis? É que através da distância, sem dúvida como dois rios que correm para se unirem, as nossas inclinações particulares nos tinam levado um para o outro E ele tomou sua mão; e ela não a retirou. "Conjunto de boas culturas" – gritou o presidente. – Assim, por exemplo, quando eu fui à sua casa... "Ao Sr. Bizet, de Quincampoix." – Eu sabia que a acompanharia? "Setenta francos!" – Até mesmo cem vezes eu quis partir, e eu a segui, e fiquei. "Estrumes!" – Como eu ficaria esta noite, amanhã, os outros dias, toda a minha vida! "Ao Sr. Caron, d'Argueil, uma medalha de ouro!" – Pois nunca encontrei na companhia de alguém um encantamento tão completo. "Ao Sr. Bain, de Givry-Saint-Martin!" – Assim, eu, vou levar a sua lembrança. "Por um carneiro merino..." – Mas você vai me esquecer, eu vou ter passado como uma sombra. "Ao Sr. Belot, de Notre-Dame..." – Oh! Não, não é, eu serei alguma coisa em seu pensamento, em sua vida?
Gustave Flaubert (Madame Bovary)
(Página 45) "A enfermaria zumbe da maneira como ouvi uma fábrica de tecido zumbir uma vez, quando o time de futebol jogou com a escola secundária na Califórnia. Depois de uma boa temporada, s promotores da cidade estavam tão orgulhosos e exaltados que pagavam para que fôssemos de avião até a Califórnia para disputar um campeonato de escolas secundárias com o time de lá. Quando chegamos à cidade tivemos de visitar um indústria local qualquer. Nosso treinador era um daqueles dados a convencer as pessoas de que o atletismo era educativo por causa do aprendizado proporcionado pelas viagens, e em todas as viagens que fazíamos ele carregava com o time para visitar fábricas de laticínios, fazendas de plantação de beterraba e fábricas de conservas, antes do jogo . Na Califórnia foi uma fábrica de tecido. Quando entramos na fábrica, a maior parte do time deu uma olhada rápida e saiu para ir sentar-se no ônibus e jogar pôquer em cima das malas, mas eu fiquei lá dentro numa canto, fora do caminho das moças negras que corriam de um lado para o outro entre as fileiras de máquinas. A fábrica me colocou numa espécie de sonho, todos aqueles zumbidos e estalos a chocalhar de gente e de máquinas sacudindo-se em espasmos regulares. Foi por isso que eu fiquei quando todos os outros se foram, por isso e porque aquilo me lembrou de alguma forma os homens da tribo que haviam deixado a aldeia nos últimos dias para ir trabalhar na trituradora de pedras para a represa. O padrão frenético, os rostos hipnotizados pela rotina... eu queria ir com o time, mas não pude. Era de manhã, no princípio do inverno, e eu ainda usava a jaqueta que nos deram quando ganhamos o campeonato - uma jaqueta vermelha e verde com mangas de couro e um emblema com o formato de uma bola de futebol bordado nas costas, dizendo o que havíamos vencido - e ela estava fazendo com que uma porção de moças negras olhassem. Eu a tirei , mas elas continuaram olhando. Eu era muito maior naquela época. " (Página 46) "Uma das moças afastou-se de sua máquina e olhou para um lado e para o outro das passagens entre as máquinas, para ver se o capataz estava por perto, depois veio até onde eu estava. Perguntou se íamos jogar na escola secundária naquela noite e me disse que tinha um irmão que jogava como zagueiro para eles. Falamos um pouco a respeito do futebol e coisas assim, e reparei como o rosto dela parecia indistinto, como se houvesse uma névoa entre nós dois. Era a lanugem de algodão pairando no ar. Falei-lhe a respeito da lanugem. Ela revirou os olhos e cobriu a boca com a mão, para rir, quando eu lhe disse como era parecido com o olhar o seu rosto numa manhã enevoada de caça ao pato. E ela disse : " Agora me diga para que é que você quereria nesse bendito mundo estar sozinho comigo lá fora, numa tocaia de pato ?" Disse-lhe que ela poderia tomar de conta da minha arma, e as moças começaram a rir com a boca escondida atrás das mãos na fábrica inteira. Eu também ri um pouco, vendo como havia parecido inteligente. Anda estávamos conversando e rindo quando ela agarrou meus pulsos e os apertou com as mãos. Os traços do seu rosto de repente se acentuaram num foco radioso; vi que ela estava aterrorizada por alguma coisa. - Leve-me - disse ela num murmúrio - Leve-me mesmo garotão. Para fora desta fábrica aqui, para fora desta cidade, para fora desta vida. Me leva para uma tocaia de pato qualquer, num lugar qualquer . Num outro lugar qualquer. Hem garotão, hem ?
Ken Kesey (One Flew Over the Cuckoo’s Nest)
A mesma ignorância predominou em relação a muitas criaturas maiores, inclusive um dos mais importantes e menos compreendidos de todos os animais que por vezes se encontram nas casas modernas: o morcego. Quase ninguém gosta dos morcegos, o que é lamentável, porque eles fazem muito mais bem do que mal. Comem grandes quantidades de insetos, beneficiando as plantações e o ser humano. O morcego marrom, a espécie mais comum nos Estados Unidos, consome até seiscentos mosquitos por hora. O pequenino pipistrelo — que não pesa mais que uma pequena moeda — ingere até 3 mil insetos em suas incursões noturnas. Sem os morcegos, haveria muito mais mosquitos na Escócia, larvas no solo na América do Norte e febres nos trópicos. As árvores das florestas seriam mastigadas até serem destruídas. As plantações precisariam de mais agrotóxicos. O mundo natural se tornaria um lugar estressado até a exaustão. Os morcegos também são vitais para o ciclo de vida de muitas plantas silvestres, colaborando na polinização e na dispersão de sementes. Um minúsculo morcego da América do Sul, o Carollia perspicillata, chega a comer 60 mil sementinhas a cada noite. A propagação das sementes feita por uma única colônia — cerca de quatrocentos desses morceguinhos — pode produzir, anualmente, 9 milhões de mudas de árvores frutíferas. Sem os morcegos, essas novas árvores frutíferas não existiriam. Eles também são essenciais para a sobrevivência, na natureza, de madeira balsa, abacates, bananas, frutas-pão, cajus, cravo, tâmaras, figos, goiabas, mangas, pêssegos, cactos saguaro, entre outros. Há muito mais morcegos no mundo do que a maioria das pessoas imagina. Na verdade, eles constituem aproximadamente um quarto de todas as espécies de mamíferos — cerca de 1100. Variam em tamanho desde o morcego-abelha, que realmente não é maior que uma abelha e, portanto, é o menor de todos os mamíferos, até as magníficas raposas-voadoras da Austrália e do sul da Ásia, que podem alcançar quase dois metros de envergadura. No passado já foram feitas tentativas de aproveitar as qualidades especiais dos morcegos. Na Segunda Guerra Mundial, o Exército americano investiu muito tempo e dinheiro em um plano extraordinário para acoplar minúsculas bombas incendiárias a morcegos e lançar de aviões um grande número deles — até 1 milhão de cada vez — sobre o Japão. A ideia era que os morcegos se empoleirariam nos beirais e telhados e suas pequeninas bombas-relógio iriam deflagrar, fazendo com que pegassem fogo e causassem, assim, centenas de milhares de incêndios. Elaborar bombas e timers tão pequenos exigia muita experiência e engenho; mas, finalmente, na primavera de 1943, o trabalho estava adiantado e foi marcada uma experiência em Muroc Lake, na Califórnia. No entanto, as coisas não correram bem como o planejado, para dizer o mínimo. Os morcegos estavam bem armados com suas bombas em miniatura, mas ficou claro que essa não era uma boa ideia. Eles não pousaram em nenhum dos alvos designados, mas destruíram todos os hangares e a maioria dos depósitos no aeroporto de Muroc Lake, bem como o carro de um general do Exército. O relatório do general sobre os acontecimentos do dia deve ter sido uma leitura muito interessante. Seja como for, o programa foi cancelado logo em seguida. Um plano menos maluco, mas não mais bem-sucedido, para utilizar os morcegos foi concebido pelo dr. Charles A. R. Campbell, da Escola de Medicina da Universidade de Tulane. A ideia de Campbell era construir gigantescas “torres de morcegos”, onde estes poderiam se empoleirar, procriar e sair para comer mosquitos. Isso, segundo Campbell, reduziria substancialmente a malária, e também forneceria guano em quantidades comercialmente viáveis. Várias torres foram construídas, e algumas ainda estão de pé, mesmo que precariamente, mas nunca cumpriram sua função. Ao que parece, os morcegos não gostam de receber ordens sobre onde devem morar.
Bill Bryson (At Home: A Short History of Private Life)
Algumas vezes tapei-te sem saberes, isso conta para alguma coisa? No caixão foi a vez que estiveste mais fria, senti-te no pequeno beijo ao despedir-me. Retribuíste-me à tua maneira, como podias, como foste podendo nos últimos dias, quase sem forças para o cigarro que levavas à boca, queimando-o com um desesperado bafo que tremia-te até aos pés, enchendo-te de fumo que te livravas com um abanar de mãos, como se estivesses a dizer adeus.
Ivan Vera Gomes
...Ele acariciava-a nalguns cabelos enquanto ela brincava com o bordo dos bolsos das calças, a enfiar primeiro a ponta das unhas compridas, a seguir os dedos, e só depois o resto das mãos, a procurá-lo, a encontrá-lo? Onde estamos nós quando nos estão por dentro? Um punho vazio por lá, até ao fim da algibeira, uma aproximação mais intima que qualquer amor, uma compreensão, um entendimento sobre qualquer reacção, alguém verdadeiramente nos braços de alguém, confiantes, donos de si, entregues um ao outro - Toma, é para ti. Toda a gente a perder o sorriso à volta menos vocês os dois, indiferentes ao local onde se tocavam, como se estivessem dentro de uma casa feita com lençóis, duas crianças livres sem mais nada na vontade, só o que tinham em frente, a encostarem-se, a voarem alto sem chão para aterrar, planam baloiçando até ao cimo dos prédios, serenos, satisfeitos, a cidade inteira nos pés, as luzes acendem-se a anunciar a noite, se não largarem as mãos sabem sempre para onde ir, com uma aprovação sobre aquilo que sentem, quantos de nós a tem? A aflição de uma paixão sem dó, um beijo escorregadio, uma nudez para além do corpo, clara, impaciente, apertos marcados na nuca, cinco dedos a tocarem piano numa das pernas, a cantarem uma melodia baixinho, lentamente.
Ivan Vera Gomes
Uma maneira cómoda de travar conhecimento com uma cidade é descobrir como lá se trabalha, como se ama e como se morre. Na nossa pequena cidade, talvez por efeito do clima, tudo se faz ao mesmo tempo, com o mesmo ar frenético e distante. Ou seja, as pessoas aborrecem-se e aplicam-se a criar hábitos. Os nossos concidadãos trabalham muito, mas apenas para enriquecerem. Interessam-se principalmente pelo comércio e ocupam-se, em primeiro lugar, segundo a sua própria expressão, em fazer negócios. Naturalmente, têm gosto pelos prazeres simples, gostam das mulheres, do cinema e dos banhos de mar. Porém, muito sensatamente, reservam os prazeres para os domingos e os sábados à noite, procurando nos outros dias da semana ganhar muito dinheiro. À tarde, quando saem dos escritórios, reúnem-se a uma hora fixa nos cafés, passeiam na mesma avenida ou põem-se às varandas. Os desejos dos mais novos são violentos e breves, enquanto os vícios dos mais velhos não vão além das associações de bolómanos, os banquetes das amicales e as assembleias onde se joga forte sobre a sorte das cartas. Dir-se-á que nada disso é peculiar à nossa cidade e que, em suma, todos os nossos contemporâneos são assim. Sem dúvida, nada há de mais natural, hoje em dia, do que ver as pessoas trabalharem de manhã à noite e perderem em seguida, a jogar às cartas, no café, ou a dar à língua, o tempo que lhes resta para viverem. Mas há cidades e países onde as pessoas têm, de tempos a tempos, a suspeita de que existe mais alguma coisa. Isso, em geral, não lhes modifica a vida. Simplesmente houve essa suspeita, e sempre é um ganho. Orão, pelo contrário, é uma cidade sem suspeitas, ou seja, uma cidade inteiramente moderna. Não é, pois, necessário precisar a maneira como se ama entre nós. Os homens e as mulheres ou se devoram rapidamente no chamado ato do amor ou se entregam a um longo hábito entre dois. Também isso não é original. Em Orão, como no resto do mundo, por falta de tempo e de reflexão, é-se obrigado a amar sem o saber. O que é mais original na nossa cidade é a dificuldade que lá se encontra em morrer. Dificuldade, aliás não é o termo exato: seria mais justo falar em desconforto. Nunca é agradável estar doente, mas há cidades e países onde nos amparam na doença e onde se pode, de certo modo, deixar correr. Um doente precisa de ternura, gosta de se sentir apoiado em qualquer coisa, o que é bastante natural. Em Orão, porém, os excessos do clima, a importância dos negócios que lá se tratam, a insignificância da paisagem, a rapidez do crepúsculo e a qualidade dos prazeres, tudo exige boa saúde. Um doente, lá, encontra-se muito só. Como pensar então naquele que vai morrer, apanhado na armadilha por detrás das paredes crepitantes do calor, enquanto no mesmo minuto toda uma população, ao telefone ou nos cafés, fala de letras de câmbio, de mercadorias recebidas ou de descontos? Compreender-se-á o que há de desconfortável na morte, mesmo moderna, quando ela sobrevém num lugar tão árido.
Albert Camus (The Plague)
O gatilho da arma assassina, pensa, foi apertado por muitas maos. E o alvo daqueles tres tiros nao era exatamente Sofia, sua pessoa física, mas o que ela representava, seu desafio. Damas que se casaram na igreja e pela lei, vestidas de branco, damas que fizeram a vida inteira o que suas mães lhes haviam aconselhado a fazer, damas que agüentaram para sempre seus maridos, que viajaram pouco, que não freqüentaram a universidade porque tinham sido preparadas apenas para o casamento, damas maquiladas ainda à moda dos anos 50, essas damas crisparam os dedos em torno daquele gatilho, dispararam três vezes em direção a Sofia e, em seguida, aproximaram-se sorridentes do cadáver, como se de nada soubessem, perguntando o que havia acontecido. Famílias inteiras reunidas estenderam as mãos, dobraram os dedos e, com risos/esgares, disseram, antes de apertarem três vezes o gatilho: ‘Celebramos nossos natais com árvores e presentes, como deve ser. E comemos nosso bolo com gratidão e humildade, pacientemente reinamos no cotidiano. Se a empregada falta, as mulheres vão com boa vontade para a cozinha. Nossos filhos são preparados para serem bons católicos e os pais trazem o dinheiro para sustentar a casa. Mantemos a decência, sabemos dos nossos limites, onde alcança nossa cabeça, onde podem pisar nossos pés’. E soaram três tiros. Já as mães-que-criaram-seus-filhos declararam, a uma só voz: ‘Nós nunca faríamos o que ela fez, ir embora assim, deixando as duas filhas’ — e juntaram os dedos, apertaram três vezes o gatilho. Havia, ainda, as mãos estendidas dos homens que não foram para a cama com Sofia, mesmo dispostos a pagar. E aqueles que, recusados, vingaram-se, proibindo que suas mulheres andassem com ela, declarando: ‘É uma puta.’ Havia a mão de sua mãe, que tentou inutilmente modificá-la e a do irmão que deixou de falar com ela. “Tinha mesmo de terminar assim”, alguém comentou, baixinho, e quem ouviu concordou, manifestando assentimento com repetidos sinais de cabeça. E as mãos, unidas, movimentaram-se, três tiros violaram o silêncio da noite.“ Sonia Coutinho, “Atire em Sofia”, 1989, p. 114
Sônia Coutinho
- Que tipo de coisas é que te fazem feliz, Samson? - As pessoas ricas nunca estão contentes com a vida. - diz ele instantaneamente. É triste que nem sequer tenha precisado de pensar na resposta. - Então é verdade o que dizem? O dinheiro não traz felicidade? - Quando se é pobre, há coisas com as quais podes sonhar. Objetivos que te entusiasmam. Pode ser a casa dos teus sonhos, ou até umas férias ou um jantar em determinado restaurante numa sexta-feira à noite. Mas quanto mais dinheiro tens, mais difícil é encontrares coisas que te entusiasmem. Já tens a casa dos teus sonhos. Podes ir a qualquer lugar do mundo sempre que te apetecer. Podes contratar um chef privado para te preparar todas as comidas que desejas. As pessoas que não são ricas pensam que estas coisas são todas muito satisfatórias, mas não são. Podes encher a tua vida com coisas boas, mas elas não preenchem os buracos que tens na alma. - O que é que preenche os buracos da alma? Os olhos do Samson perscrutam o meu rosto durante alguns instantes. - Pedaços da alma de outra pessoa.
Colleen Hoover (Heart Bones)
Nora sempre teve dificuldade em se aceitar como era. Desde pequena, tinha a sensação de que não era boa o suficiente. Seus pais, que carregavam ambos as próprias inseguranças, haviam alimentado essa sua percepção. Ela ficou imaginando agora com seria se aceitar incondicionalmente. Cada erro que havia cometido na vida. Cada marca em seu corpo. Cada sonho não realizado ou cada dor sentida. Cada desejo ou anseio reprimido. Ela imaginou como seria aceitar tudo. Da mesma forma como aceitava a natureza. Do mesmo jeito que aceitava uma geleira ou um papagaio-do-mar ou o salto de uma baleia. Ela imaginou se vendo como apenas mais uma genial aberração da natureza. Como um animal senciente qualquer. E, ao fazer isso, ela imaginou como era ser livre.
Matt Haig (The Midnight Library)
Dia desses estava brincando com o filho de uma amiga. Não me recordo qual foi a brincadeira que fiz, mas lembro que ele, de um jeito sério e firme, me repreendeu. "Tia, eu não gosto dessa brincadeira". Foi desconfortável escutar isso. Ver um serzinho de um metro te falando que você não pode fazer algo é estranho, sobretudo dentro dessa nossa percepção de que adulto manda, criança obedece. Identifiquei a raiz do meu desconforto e sorri. "Isso mesmo" Quando alguém fizer algo que você não gosta, fale!". Ele retribuiu o sorriso, sugeriu outra brincadeira e seguimos, com a mesma leveza que estávamos brincando, mas agora eu sabia o limite até onde poderia ir. E, principalmente, ele sabia que o seu "Não" deveria ser respeitado. Não sei dizer quantas crianças já foram abusadas sexualmente. Quantas e quantas foram indevidamente tocadas pelos adultos próximos e que não disseram "não" porque sequer sabiam que tinham esse direito. A gente vive nessa loucura de que tem que ensinar a criança a respeitar os outros, a obedecer, e esquece que, tão importante quanto isso, é ensinar que merecem respeito. Que podem e devem dizer NÃO. E toda vez que desrespeitamos esse direito inalienável, lhes ensinamos que a sua voz não merece ser ouvida, que seu corpo não merece ser respeitado, que seus limites não deveriam existir. Salvo situações extremas - o que não inclui orgulho ferido - o não deve sim ser atendido. E, nas exceções, mesmo que não atendido, deve ser acolhido e valorizado. Portanto, inclua, ali, ao lado do "por favor", "obrigada", "bom dia", "boa tarde" e "boa noite", o magnífico e essencial "NÃO!
Elisama Santos (Educacao Nao Violenta (Em Portugues do Brasil))
Mas, quando nada subsiste de um passado antigo, após a morte dos seres, após a destruição das coisas, apenas o cheiro e o sabor, mais frágeis mas mais vivazes, mais imateriais, mais persistentes, mais fiéis, permanecem ainda por muito tempo, como almas, a fazer-se lembrados, à espera sobre a ruína de tudo o resto, a carregar sem vacilações sobre a sua gotinha quase impalpável o edifício imenso da memória. E mal reconheci o gosto do pedaço de madalena ensopado na tília que a minha tia me dava (se bem que então ainda não soubesse e tivesse de deixar para muito mais tarde a descoberta de porque é que aquela recordação me fazia tão feliz), logo a velha casa cinzenta sobre a rua, onde ficava o seu quarto, veio, como um cenário de teatro, juntar-se ao pequeno pavilhão que dava para o jardim, que havia sido construído para os meus pais nas traseiras (aquela superfície truncada, a única que até então tinha tornado a ver); e com a casa, a cidade, desde manhã até à noite e com toda a espécie de tempo, a praça para onde me mandavam antes do almoço, as ruas onde ia fazer compras, os caminhos que se tomavam quando estava bom tempo. E, tal como naquele jogo em que os Japoneses se divertem a molhar numa tigela de porcelana cheia de água pedacinhos de papel até então indistintos e que, logo depois de ensopados, se estendem, torcem, tomam cor, se diferenciam, se transformam em flores, em casas, em personagens consistentes e reconhecíveis, assim também, agora, todas as flores do nosso jardim e as do parque do senhor Swann, e os nenúfares do Vivonne, e a boa gente da aldeia, e as suas casinhas, e a igreja, e Combray inteira mais os arredores, tudo isso que toma forma e solidez, saiu, cidade e jardins da minha xícara de chá.
Marcel Proust
Ando a escrever até me cair a pele, porque nem sempre se sofre com lágrimas.
Ivan Vera Gomes (Boa Noite Já é Tarde)
O país inteiro pode arder, menos os livros.
Ivan Vera Gomes (Boa Noite Já é Tarde)
Se fizer a primeira chamada recebo uma Bíblia grátis. Talvez ligue, Deus é um gajo que custa muito e esta é uma oportunidade única de tê-lo sem pagar.
Ivan Vera Gomes (Boa Noite Já é Tarde)
Fizeste uma rosa de papel e puseste-a no prato da tua mãe, e ela a sentir-se de novo a parir-te.
Ivan Vera Gomes (Boa Noite Já é Tarde)
O frio deita-se sempre tarde.
Ivan Vera Gomes (Boa Noite Já é Tarde)
Todos os caminhos se alongam na ansiedade de querer chegar.
Ivan Vera Gomes (Boa Noite Já é Tarde)
Tudo isto é tão desproporcionado e tão belo, só vou sair do meu país em último caso. A tatuagem da águia do Benfica no peito do Miguel fascina-me, nos dias de calor exibe-a de camisa sem botões com o andar curvo do vinho, e sempre que cai sem mais sede, é de costas que fica deitado, porque o orgulho que tem pelo clube é maior que a dignidade que tem por si.
Ivan Vera Gomes (Boa Noite Já é Tarde)
Não vás na onda de quem se afoga porque não é com fechaduras que se trancam as portas.
Ivan Vera Gomes (Boa Noite Já é Tarde)
Se hoje não chover fico-me pelas estrelas.
Ivan Vera Gomes (Boa Noite Já é Tarde)
És tão reles que nem reparas que estás a roubar a dignidade a quem come o frango com as mãos.
Ivan Vera Gomes (Boa Noite Já é Tarde)
Deus é só uma expressão como outra qualquer que nos apazigua como uma asneira ou um grito. Por favor, livrai-nos de Ti, ámen.
Ivan Vera Gomes (Boa Noite Já é Tarde)
Entra demasiado mar por aqui adentro.
Ivan Vera Gomes (Boa Noite Já é Tarde)
Talvez me esqueça de ti e viva sem te ter perdido.
Ivan Vera Gomes (Boa Noite Já é Tarde)
Cada uma daquelas pessoas tinha uma teoria especial sobre tudo e acreditava que sua verdade era a única que importava; passavam dias, noites, semanas, anos conversando, sem jamais aceitarem a única realidade que há por trás de uma ideia: boa ou má, ela só existe quando alguém tenta colocá-la em prática.
Paulo Coelho (Veronika Decides to Die)
— Estamos chegando no córrego. Vamos lá... — Vigia só como a cheia está alta. A água quando dando na metade do ingazeiro!... Qu’é do barranco? Sumiu, está vendo? — Virgem! E agaranto que em até de noite ainda sobe mais... A lua não é boa... Ano acabando em seis... — A enchente está vindo de desde as cabeceiras: senão não descia tanta folha de buriti... — Pois diz-se que tem quatro dias que lá nas nascentes não para de chover.
João Guimarães Rosa (O Burrinho Pedrês)