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Sabe Igiaba, quando te vi assim, eu me senti impotente. Eu era tua mãe, uma adulta, mas me sentia sem recursos.' Porém, mamãe tinha e ainda tem muitos recursos. Começou a me contar histórias da Somália. Porque, para os nômades somalis, sempre há uma solução escondida numa história. Suas histórias tinham um objetivo: ela queria que eu entendesse que não surgíamos do nada; que por trás da gente havia um país, tradições, toda uma história. Não existiam só os antigos romanos e gauleses, não havia só os latinorum e a ágora grega. Havia também o antigo Egito e os coletores de incenso do Reino de Punt, ou seja, da nossa Somália. Havia os reinos de Ashanti e Bambara. Ela queria que eu me sentisse orgulhosa da minha pele negra e da terra que tínhamos deixado para trás por motivos de força maior. Ela me contava dos nossos reinos distantes, das fortes ligações com o Egito, com a Índia, com Portugal, com a Turquia. Ouvindo a mamãe, eu sentia o eflúvio paradisíaco de incenso e unsi, cheiros que motivaram a rainha Hatshepsut da décima-oitava dinastia egípcia a ordenar uma expedição à Somália. Com as suas histórias, minha mãe me livrou do medo que eu tinha de ser uma caricatura viva criada pela cabeça de alguém. Com as suas histórias, Ela fez de mim uma pessoa. De alguma forma, ela me pariu novamente. [...] foi somente quando eu voltei para Somália que comecei a usar novamente minha língua materna. Em poucos meses, comecei a falar muito bem o somali. Agora, posso dizer que tenho duas línguas-mãe que me amam na mesma medida. Graças à palavra, sou hoje o que sou. [...] Eu sou fruto desse caos entrelaçado. E o meu mapa é o espelho daqueles anos de mudanças. Não é um mapa coerente. É centro, mas também é periferia. É Roma, mas também é Mogadíscio. É Igiaba, mas também é você.
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